sexta-feira, 20 de abril de 2018

INTRODUÇÃO A CARIDADE DOGMÁTICA


ESTUDO DIRIGIDO SOBRE A CARIDADE
MODULO I
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SUMÁRIO

1 Introdução.......................................................................................03
2caridade............................................................................................04
2.1 A caridade, virtude suprema.................................................... 04
2.2 A caridade como prática.............................................................05
2.3 A caridade e esperança...............................................................06
2.4 A caridade e o pecado................................................................08
2.5 A caridade e os desafios do mundo moderno...........................09
2.6 Outras visões e práticas sobre a caridade................................10
Considerações Finais..........................................................................12
Referências.........................................................................................13


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, não tendo objetivo de ser exaustivo, procurará mostrar uma investigação acerca da caridade, uma das virtudes teologais. Antes de aprofundar o sentido da caridade vamos conhecer um pouco de como surgiu as virtudes, para assim compreender melhor a virtude da caridade.
Vejamos como as virtudes foram abordadas na história da Igreja de acordo com o dicionário de teologia.


Filão, filósofo hebreu da religião, e Clemente Alexandrino, tentaram reconhecer nas Escrituras do A.T. (Sab 8, 7) a doutrina grega das virtudes cardeais. Santo Ambrósio expressou por primeiro a idéia de que Cristo é o fundamento das virtudes cardeais; São Jerônimo, seu contemporâneo, fala delas como uma quadriga que leva direto a Cristo, o cocheiro fiel. Agostinho, Gregório Magno, João Damasceno, Alcuíno, Rábano Mauro, Pedro Lombardo são os maiores portadores da tradição, e conduziram adiante a idéia de expor os deveres humanos em uma série lógica de virtudes. Enfim, Santo Tomás de Aquino fez oficialmente desta idéia o princípio da estrutura e da divisão de uma doutrina moral filosófica-teológica que inclui seja as quatro virtudes cardeais (prudência, justiça, fortaleza, temperança) seja as três virtudes teologais (Fé, Esperança Caridade-Amor). Por motivo da acuidade e coerência da apresentação de Santo Tomás, ela tornou-se já clássica. Fundamentando-se sobretudo em, Aristóteles, Santo Tomás expôs também explicitamente o conceito de virtude em todos os seus elementos e o inseriu na antropologia teológica.


Podemos observar que a caridade como virtude teologal não é algo novo, mas já era aprofundado pelos padres desde o início da Igreja. Assim, este trabalho tem por finalidade mostrar o que é a caridade, qual é a visão da Igreja e em que fundamentos se baseia a caridade dentro dela; a prática da caridade na vida dos santos, que têm como fundamento principal o amor que vai gerar a caridade. Outros aspectos que abordaremos são a caridade e a esperança; caridade e o pecado. Daí passaremos a conhecer os desafios da caridade dentro do mundo moderno, em que os pontos importantes da caridade facilitam a compreensão dos pontos decisivos e necessários para a vida dos homens, que procuram dar sentido à prática virtuosa, de forma evangélica segundo os frutos da caridade no mundo. E, por fim, abordaremos outras visões e práticas da caridades em outras religiões.
Em outras palavras, este trabalho pretende apresentar que a caridade, antes de tudo, representa a vida do mundo em Cristo, zelando também pelo mundo do homem. Através da caridade, várias virtudes serão frutos da vocação em Cristo.

2 CARIDADE

“Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, essas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade” (1 Cor 13,13)

2.1 A CARIDADE, VIRTUDE SUPREMA

Seguindo a mesma temática da caridade na visão da Igreja falaremos sobre a caridade como virtude suprema. Em suma, caridade suprema na perspectiva do cristianismo resume no “amor”. Amor de Deus que nos criou, amor de Deus que dá seu filho pra nos salvar (doação na cruz), pelo qual, nos ensinou toda a condição de amarmos a Ele, a nos mesmo e ao próximo. Isto porque Cristo é O revelador da caridade de Deus e é Nele que o amor de Deus se manifesta em nos.
Amor a Deus: a primeira obrigação maior que o ser humano tem é amar a Deus, “e amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda a tua alma, de todo a teu entendimento, e com toda a tua força.” (Marcos 12,30) Isto quer dizer que temos que amar a Deus sobre todas as coisas. Ele nos criou, é infinitamente digno de ser amado e nos amou bem antes de existirmos.
O amor a nós mesmos:
Dentro da virtude da caridade está presente também a amor a si mesmo: mas é evidente que deve ser um amor ordenado, buscando os verdadeiros bens da alma e do corpo em relação á vida eterna. Se alguma vez desejássemos algo que nos afasta de Deus, nós não estaríamos amando-nos de verdade, por nos afastarmos de nosso fim real que é o único que nos pode fazer felizes.

Amor ao próximo: a caridade para com o próximo pressupõe respeitar seus direitos de justiça, mas exige também praticar as obras de misericórdia, ajudando-os em suas necessidades e espirituais, a saber: ensinar aquele que não sabe, dar bom conselho a quem necessitar, corrigir aquele que erra, perdoar as ofensas recebidas, consolar os tristes, sofrer com paciência os defeitos alheios e rogar a Deus pelos vivos e defuntos. E também as materiais, a saber: visitar e cuidar dos enfermos, dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, dar pousada ao peregrino, vestir o nu, redimir o cativo e enterrar os mortos. Observando estas obras não excluímos a ninguém nem mesmo nossos inimigos e consequentemente imitamos o que Jesus fez.
Assim, concluímos que a caridade é a virtude mais importante do cristão, enquanto peregrinamos nesta terra, e será também a nossa ocupação no céu, onde não existirá mais a fé, porque veremos Deus face a face, nem existirá a esperança, porque teremos chegado à meta final, somente permanecerá a caridade, isto é, “o amor”.

2.2 A CARIDADE COMO PRÁTICA

Como vimos anteriormente, a caridade cristã é totalmente baseada na Sagrada Escritura. São Paulo Apóstolo diz que “a caridade de Cristo nos compele.” (2 Cor 5,14). Assim, a caridade torna-se o complemento da Lei da justiça, porque amar ao próximo é fazer todo bem possível, que desejaríamos que fosse feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus. “Amai-vos uns aos outros, como irmãos”.
Santo Afonso Maria de Ligório, no século XVIII, em sua obra A Prática do Amor a Jesus Cristo, cita São João Crisóstomo que diz também que os frutos gerados em uma pessoa possuem o amor de Deus:

Quando o amor de Deus se apodera de uma pessoa, produz um insaciável desejo de trabalhar pela pessoa amada; tanto que seja o tempo que, por muitas e grandes que sejam as obras que faça, e por mais longo que seja o tempo dedicado a seu serviço, tudo lhe parece nada. Sempre se aflige por fazer pouco para Deus, e se fosse lícito morrer e consumir-se inteiramente por ele, de bom grado a faria. Por isso, faz sempre que se considera inútil. O amor ensina a pessoa o que Deus merece, e na claridade desta luz divina vê todos os defeitos de suas ações, de tudo teria confusão e sofrimento, se conhecendo que todos os seus trabalhos são bem poucas coisas para um tão grande


Assim, se fôssemos apresentar os pensamentos e as práticas de caridade, passaríamos horas e horas, mas aqui vale ressaltar a figura de Santa Terezinha do Menino Jesus, que tinha a caridade como doação a Jesus, em amá-lo e amar aos irmãos, através do serviço e da oração. A sua prática de caridade tornou-se presente dentro do próprio convento. Conta-se que Santa Terezinha “consistia, sobretudo na completa disponibilidade para com as irmãs. Nunca se mostrava enfastiada quando procurada para algum serviço a fazer ou para alguma ajuda a dar. Ao contrário, embora muito ocupada, mostrava-se contente. Quando, realmente, não podia atender ao pedido, recusava-se com tanta delicadeza a ponto de fazer desaparecer todo sinal de tristeza do rosto de quem não podia ser contentado.” Santa Terezinha, através da caridade, fez uma prática de amor a Deus e a sua comunidade religiosa.
Também podemos destacar a figura de Santa Edith Stein ou Edith Terezsa Hedwig Stein que, a beira da morte no campo de concentração, não deixou de fazer a caridade em nome de Deus e dos irmãos como disse Julius Markan, comerciante hebreu de colônia, que era encarregado de vigiar os prisioneiros:

Entre os prisioneiros que me foram entregues no dia 5, irmã Tereza Benedita me impressionou por sua grande calma e pela paz que difundida em torno de si [...] Irmã Tereza se interessava pelos pobrezinhos, lavava-os e penteava-os, ia buscar comida para eles e cuidava deles em tudo. Durante todo o tempo de sua permanência no campo, dedicou-se a lavar e fazer limpeza, ocupando-se continuamente de obras de caridade, suscitando admiração de todos.


Exemplo de Santidade mesmo nos momentos de dor e sofrimento se doando na caridade no amor perfeito a Deus e ao próximo.

2.3 CARIDADE E ESPERANÇA

A caridade não existe por si mesma, ou melhor isolada, e assim são as virtudes teologais uma depende da outra. A fé só tem sentido acompanhada da caridade e a caridade deve ser acompanhada da esperança.
A caridade ou o “amor” deve ser pensada não somente em socorrer materialmente ou fisicamente os irmãos pobres por várias circunstancias ou doentes e deficientes, mas também espiritualmente. A solidariedade parte no âmbito social seria um grupo, uma entidade, procurando também várias pessoas e não só uma pessoa isolada é uma forma de compromisso com próximo. Portanto, as urgências particulares nunca podem ser esquecidas.

Nunca só a graça. Também contam os componentes humanos. A fé não se define como disposição divina que atua sobre a pessoa deixando-a, por assim dizer, de fora. Não. A atividade humana continua legítima e, até mesmo, necessária, sem ela a fé não será fé (Gl 5,6). Deus e a pessoa, o divino e o humano, a criatura e criador, perfazem um todo incomensurável. A graça não torna inútil a natureza humana. O ser humano colabora intimamente com o criador. Crer é ato autenticamente humano, conforme à liberdade, conforme à vontade, correspondente à dignidade da pessoa. Santo Tomás de Aquino ensina: “crê é um ato da inteligência que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça”. (S.Th. 2-2,2,2,9).
Deus age e a pessoa reage: escuta, observa, duvida, interroga, amadurece. E procura uma resposta adequada a proposta divina. Depois de coração sincero acredita e se entrega pela fé. Apropria-se de Deus no mais íntimo do seu ser. A pessoa dá a resposta à proposta de Deus pela fé. Responde pelo temor de Deus, pela obediência amorosa à palavra de Deus, pela confiança absoluta, pelo o testemunho, pela perseverança e em fim pela esperança.
A fé feita só de palavras, de conceitos não tem valor, não proporciona vida e salvação por ela anunciadas. As maiores dificuldades da fé não são racionais, mas, existenciais: o medo do risco de se comprometer com todas as conseqüências que o compromisso implica.as verdades da fé afetam a vida de quem crê naquilo que esta vida tem de mais profundo. Quem crer tem que aderir ao bem, pois sua vontade está aliada a ele. A fé cria o dever de amar o bem, porque além de ser um ato religioso de encontro pessoal com Deus é, também, uma opção decisiva face aos valores criados. Implica, portanto, o dever de obedecer em tudo o Senhor.
Saber, portanto, cada um ler sua história em que se está envolvido com um olhar de fé. A fé pode ser posta à prova. Caminha na noite das crises de sentido. Enfrenta as fragilidades das mediações. Mas, sabe viver com a perplexidade, ou seja, a ausência de certezas e de paradigmas satisfatórios, a busca de caminhos novos, a abertura ao imprevisível, a atenção e a escuta. Compartilha a própria perplexidade como forma de esperança. Resiste como forma de esperança.
Percepção e intuição que devem estar presentes e animar todas as esperanças e os anseios da pessoa de fé. O cerne da esperança cristã hoje é o futuro relacionamento de amor dos filhos com o Pai tendo Jesus como único mediador e caminho (Jo 14, 1-12). As promessas de Cristo não deixaram de ter sentido. É em torno dele, pedra angular, que se organiza o êxito da aventura de cada pessoa. Deus não mudou. Estamos nas mãos daquele que é fiel. Mas, se temos confiança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens. (1cor 15,19). “Sem esperança escatológica é impossível viver a vida cristã. Ela seria pura repressão, a mais perversa e refinada.”
O amor é a forma pela qual se expressa a fé. Importa sentir-se incluído naquilo que se professa. Fé e amor, fé e caridade, entrelaçamento e mútua pertinência intrínseca, não obstante, em distinção meramente lógica, ser a função da inteligência anterior à da vontade. A fé ama e a caridade crê e sustenta a esperança.
É na estrutura da fé que as pessoas se sustentam nos seus momentos mais graves. Quando há dúvida no saber, o que há duvida para explicar, a pessoa de fé procura viver com sentidos estas realidades e esperar, abandonando-se ao mistério último, crendo. A fé liberta de todo medo, dá ao cansado e vencido nova força; ao desesperado profundo estímulo, e todos júbilo e redenção. Porque Deus é nosso parceiro e aliado, devemos sentir iluminados por esta fé, esta certeza e esta esperança.

Ajudar as almas: zelo apostólico, caridade pastoral, o imã unificador e totalizador de suas ações, ajudar as almas, minimamente, em nada mesmo, significa descuido das dimensões sociais e comunitárias ou não espirituais. O amor ao irmão se revela como síntese última da vida humana e sua refinada expressão teologal.
A essência do cristianismo consiste no anúncio da presença atuante de Jesus Cristo, no exato ensinamento e doutrina a seu respeito, por força do seu Espírito em sua Igreja que é seu corpo.
Na fé, intelecto e vontade são reciprocamente imanentes. Formam aquela união indivisível, indispensável para o ato de fé. Aliás, a fé a esperança e a caridade interdependem mutuamente em razão do objetivo que buscam; o próprio Deus. Quem crer é em essência uma pessoa que espera. Esperar é crer no amor. Crer é possuir antecipadamente o que se espera.

2.4 A CARIDADE E O PECADO

“O pecado é sempre o homem fazendo-se o deus do homem. Querendo divinizar-se, mergulhou na matéria e no orgulho insensato. Afastou-se dos caminhos de Deus e tornou-se incapaz de reencontrá-los. Imensa nas trevas não mais podia atingir a luz. Segundo São Paulo, já não existia um único justo, um único homem de valor.” Assim, “o pecado é o gesto do homem que recusa radicalmente o amor, ou do homem que se deixa guiar pelos amores mutilares. E desobediência, injustiça, ingratidão em relação a Deus, suma bondade. E recusa do amor. Deus faz tudo por amor de nós; suas exigências nascem do amor, e têm por objetivo o nosso desabrochar na caridade. Pecar é ferir seu amor, contrariá-lo e, de certo modo, desprezá-lo.” Mas, se voltarmos para a misericórdia, o homem que é injusto e pecador sente a necessidade de reparar sua falta como forma de arrependimento, surgindo o que muitas das vezes já ouvimos ou vimos pessoas fazendo práticas de caridade para pagar por um pecado cometido em sinal de arrependimento, ou até mesmo para ter a consciência tranquila. Em que consistiria esse fato? Será a caridade como algo para reparar a ofensas cometidas?
Com isso podemos entender que o cristão deve se esforçar em viver a caridade no mundo, deve se cada vez mais procurar dispor sua vida, principalmente o que tem de mais privado, que seja boa ou má, deve ter um duplo aspecto: o individual e o social. Com efeito, o que o homem tem de moral pessoalmente, tem, por sua vez, importância social, pois dela depende muito a sociedade humana que é o povo de Deus e que, portanto, é chamado a participar da graça de Cristo. Sendo o amor a base para atingir a plenitude de amar a Cristo e ao próximo e a prática da caridade como a reparação das ofensas, sendo os sinais e gestos como amor a Deus e ao próximo já que o humano é condicionado a amar. Vale ressaltar que a caridade não é algo para reparação dos pecados, mas é amor a Cristo e aos irmãos, como é expresso por Denzinger:

A doutrina de Cristo estende o mandamento do amor a todos os inimigos [...] Cristo enviou a todos os homens o Espírito Santo para que este se mova a amar a Deus de todo o coração e a amar-se mutuamente [...] o amor como forma de missão da Nova Aliança e plenitude da lei [...] a ordem evangélica é a ordem do amor; a misericórdia como doutrina fundamental da mensagem messiânica de Cristo e força de sua obra [...]. Todos os fiéis são chamados à perfeição do amor.


2.5 A CARIDADE E OS DESAFIOS DO MUNDO MODERNO

Diante de um mundo moderno em que o individualismo tem se evidenciado, como podemos praticar a caridade? Como a Igreja se coloca diante dessa situação?
Acreditamos que uma das respostas já foi dada pela Igreja com o documento Gaudium et Spes que reflete a revelação a partir da realidade, claro que a Igreja não busca soluções imediatas, até porque ela sempre busca a dignidade humana, respeitando seus limites. Assim, os cristãos diante dos desafios do mundo moderno não devem ser pessimistas, e a Gaudium et Spes apresenta de forma bem clara que a Igreja está no mundo, havendo uma necessidade e obrigação dos cristãos produzirem frutos para a vida no mundo, obrigação que está intrinsecamente vinculada à sublime vocação em Cristo que trouxe para o homem e de seu mundo, tudo o que fosse possível, como homens iluminados pela fé cristã e movidos pela graça. Reafirmando o que a Gaudium et Spes apresenta a dignidade da pessoa humana e dos direitos do homem, da solidariedade, da justiça, social e de diversas ordenações devem realizar-se entre os homens, de como devem incentivar o matrimônio e a vida familiar, do incentivo da cultura humana, da vida econômica e social, das comunidades políticas a até mesmo da comunidade internacional, deve constituir-se, devidamente, dentro do espírito cristão.
Apesar das grandes dificuldades que temos com relação ao mundo moderno ainda ouvimos falar em caridade. Porém, usadas muitas das vezes sem o sentido apropriado, por isso o Papa Pio XII, vai alertar que a “caridade é a palavra às vezes usada livremente para significar uma espécie qualquer de atividade benévola ou filantrópica. Todavia, caridade tem um significado sacro e consagrado. A caridade é diversa de qualquer outro amor humano porque é uma réplica do amor de Cristo para com o homem. ‘Dou-vos um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei.’ São Paulo escreve aos Romanos ‘Ajudai-vos uns aos outros como Cristo vos ajudou para a glória de Deus’ (15, 7). Isto é caridade.”
Portanto, diante desse mundo moderno, o Papa Pio XII ainda vai dizer que desejaria “ver todos os jovens unidos na mente e no coração em alguma obra de caridade. Não se trata de dar dinheiro: trata-se de dar a si mesmo. Tal apostolado reavivar-lhes-ia a fé, daria direção e estabilidade a uma correta atitude diante das coisas frívolas da vida, acordaria a potência do exemplo e contribuiria potentemente para remediar os males da desigualdade social e de raça.” Assim, a “caridade, porém, não deve jamais olhar para trás, mas sempre para frente” até porque o “número das obras realizadas é sempre pequeno enquanto que as misérias presentes e futuras que ocorre consolar, são sem fim.”
Assim, diante dos desafios que encontramos no mundo moderno não deixamos de ter pessoas que lutaram pela caridade em nome do amor de Cristo e do irmão, um exemplo bem claro para a sociedade atual foi Dom Helder Câmara que fez de sua vida um doação aos pobres e abandonados em nome de Cristo, como ele próprio dizia: “A caridade é Amor e Amor és Tu, Senhor Deus! A caridade é infinita como Tu [...]. As injustiças atingem a um nível tal, que a caridade dos nossos tempos consiste, antes de tudo, em ajudar a fazer justiça, sem esquecer que é Amor [...]”

2.6 OUTRAS PRÁTICAS DE CARIDADE

Isto que vimos é a caridade cristã, porém há outras práticas de caridades que devem ser levadas em conta, sobretudo, as das grades civilizações e religiões não Cristãs. Por isso, achamos conveniente abrir um parêntese, pra citá-las neste trabalho.
Caridade na civilização: entre as civilizações antigas destaca a egípcia, ela teve uma idéia humanitária mais elevada. Como? Igualdade na justiça, direitos da mulher e das crianças, direito dos escravos, ajuda devida aos miseráveis, o culto a divindade era ligada à assistência aos pobres. Numa inscrição da V dinastia (2563-2422 a.C) um funcionário declara “Distribuí o pão a todos os famintos do monte Arato, vesti quem estava nu.”
Caridade no Budismo: com suas doutrinas do grande Veículo (Mahayana) o seu conceito de caridade é o da benevolência (maitri). “Não há nada mais poderoso do que a maitri. Jamais o ódio extinguiu o ódio. A benevolência extinguiu o ódio. Esta é a lei eterna.”
Caridade no Hinduísmo: a ética está ligada ao darma que é a conduta boa e justa. O não-apego é um dos motivos fundamentais da ética hindusta. Dela decorre a idéia de se evitar o mal-impureza e da sanção legalista do ato pecaminoso realizado. Para eles o mérito nasce do compromisso do homem com os outros homens e com o mundo. A ação moralmente válida abre-se, assim, para a benevolência ativa maitri, para a capacidade de tolerância em relação a tudo e a todos.
Caridade no Islamismo: dos cincos pilares que sustentam a sua doutrina, o segundo lugar é ocupado pela esmola (zakat), etimologicamente “pureza”, que é a caridade entendida pelo Alcorão como ato que purifica as riquezas da glória mundana e propicia a prêmio eterno. A zakat, como os dízimos judaico-cristãos, é contribuição obrigatória, porém, com fins diferentes. Destina a ajudar os pobres, os escravos que pretendem libertarem-se, os viajantes carentes de meios, os voluntários da guerra santa, assim como a estimular a conversão dos pobres ao islame.
Portanto, como vimos a da caridade está inerente a natureza humana. Não importa a crença, religião ou outra entidade divina. O importante é que todo homem tem tendências para praticá-la, embora não praticamos como devemos praticar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado sobre a caridade podemos considerar que ela é a virtude primordial na vida dos cristãos, ela é o caminho que deve mover a humanidade nas obras dentro dos conceitos cristãos. Como diz São Bernardo, citado por Santo Afonso na obra A prática de Amor a Jesus Cristo: “Grande coisa é o amor”. Salomão, falando da sabedoria divina, que não é outra coisa senão a caridade chamou-a de tesouro infinito, porque quem tem a caridade torna-se participante da amizade com Deus. E além desses, cita Santo Tomás de Aquino que afirma: “A caridade é a rainha das virtudes; onde reina a caridade, aí aparece todas as outras virtudes, como um cortejo, encaminhando todos a unir-nos mais a Deus. Mas, como diz São Bernardo, propriamente é a caridade a virtude que nos une com Deus”.
Portanto, este trabalho realizado proporcionou para nós um melhor conhecimento sobre a caridade, confirmando que a caridade é uma das virtudes teologais pela qual amamos a Deus e ao próximo, como já dizia São Francisco de Sales: “Não conheço outra santidade senão a de amar a Deus de todo o coração; todas as outras virtudes sem este amor não passam de um montão de pedras.” Ao refletirmos sobre a caridade criamos uma visão maior sobre essa virtude para assim podemos praticá-la e chegarmos ao verdadeiro bem que é amar a Deus e ao próximo.

REFERÊNCIAS

- A Caridade em tamanho grande. Inspetoria São João Bosco. BH MG. 1991.
- Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2008.
- CÂMARA, Helder. Em Tuas Mãos, Senhor! São Paulo: Paulinas, 1986.
- CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 1993.
- Caridade e Esperança. Encíclica do Papa Bento XVI.
- CHINIGO, Michael. Pio XII e os problemas do mundo moderno. Tradução Pe. José Marins. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos. 1959.
- DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Tradução: José Marino e Johan Konings. São Paulo: Loyola, 2007..
- DI BERARDINO, Pedro Paulo. A Solidão em Santa Terezinha do Menino Jesus. Tradução e Revisão Carmelo do Imaculado Coração de Maria e Santa Terezinha. São Paulo: Paulus, 1995.
- Dicionário de Espiritualidade. São Paulo, 2 ed. 1993
- FRIES, Heinrich. Dicionário de Teologia – Conceitos fundamentais da teologia atual. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1971.
- GARCIA, Jacinta Turolo. SCIADINI, Patrício. Edith Stein: Holocausto para seu povo. São Paulo: Loyola, 1987.
- LEBRET. L. J. Dimensões da caridade. Tradução M. Conceição Goulart Pacheco. 3.ed. São Paulo: Duas Cidades. 1959.
- LIGÓRIO, Afonso Maria de. A prática de Amor a Jesus Cristo. Tradução Gervásio Fabril dos Anjos São Paulo: Santuário, 1996.
- LIMA SBD, Pe. Marcos de. O Que é a fé?. Loyola. 1998
- PUJOLL, Jayme, Jesus Sanches. Apostolado Veritatis Splendor: A caridade Virtude Suprema


PRINCIPAIS TEORIAS DA VERDADE


De um modo geral, o debate sobre o tema da verdade em Filosofia tem em Aristóteles a principal referência original, seja por influência direta, por afinidade ou por influência no desenvolvimento.


As principais teorias da verdade são: a teoria correspondentistaa teoria coerentistaa teoria pragmáticaa teoriasemântica e a teoria da redundância.
teoria da correspondência afirma que uma sentença, proposição, frase ou pensamento será verdadeira se corresponder de fato a algo que existe no mundo e que descreve. Bertrand Russel e o primeiro Wittgenstein (Wittgenstein I, no chamado período de atomismo lógico) podem ser localizados como partidários desta noção de verdade,
Já a teoria da coerência sustenta que uma frase, sentença ou proposição podem ser considerados verdadeiros se mostrarem relação com outros elementos similares, formando uma espécie de rede de argumentos coerentes entre si. Para esta teoria, uma proposição é verdadeira se e somente se ela faz parte de um conjunto coerente em seu todo.
As teorias da correspondência e da coerência são consideradas teorias tradicionais da verdade.
teoria pragmática da verdade tem sua construção nos autores clássicos do pragmatismo norte-americano: Charles S. Peirce, William James e John Dewey. As principais teses da teoria pragmática da verdade são:
    A verdade é:
a) o fim da investigação;
b) correspondência com a realidade;
c) crença (estável) satisfatória;
d) coerência com a experiência – verificabilidade;
e) o que autoriza a crença a ser denominada conhecimento.
A analista Susan Haack defende a posição de que a teoria pragmática da verdade combina elementos das teorias correspondentista e coerentista. Aqui surge um importante ponto de divergência entre Susan Haack e Richard Rorty. Para Rorty, que faz uma interpretação diferente da tradicional da trajetória do pragmatismo, não há em Peirce, James e principalmente em Dewey a combinação de elementos das teorias tradicionais da verdade. O que há sim é a ultrapassagem desta discussão.
Rorty entende que os pragmatistas clássicos preferiram não tomar partido no debate entre as teorias tradicionais da verdade, sob a alegação de que esta discussão era fortemente influenciada pela metafísica. Ao contrário do entendimento de Haack, para Rorty, os pragmatistas clásssicos não chegaram a elaborar uma teoria da verdade, mas estabeleceram um debate terapêutico, ou não não-fundacionista, sobre a verdade.
Segundo Rorty, os pragmatistas clássicos atribuíram um caráter valorativo para a palavra verdade. Como a palavra verdade expressa, antes de qualquer outra coisa, um valor, ela deve ser considerada em termos de graus de valoração. Para os pragmatistas clássicos, na leitura levada adiante por Rorty, em geral as pessoas utilizam a palavra verdade como sinônimo de útil. Neste sentido a expressão verdade é utilizada para permitir mais facilmente o entendimento ou o acordo entre pessoas que compartilham de crenças e experiências distintas.
A próxima teoria da verdade é a teoria semântica. A teoria semântica da verdade, cuja formulação principal é estabelecida por A. Tarski, é atualmente a mais influente e amplamente aceita. Ela divide-se em duas partes: primeiramente são estabelecidas as condições de adequação, que são aquelas condições a que qualquer definição que tenha a pretensão de verdade deve preencher. Em seguida, Tarski oferece uma definição de verdade, que destina-se a uma linguagem formal previamente especificada, e que deve estar adequada aos próprios padrões que ela estabelece. Tarski então desenvolve, como condição de adequabilidade que qualquer definição aceitável de verdade deva possuir, o esquema da sentença-T. Como mostra Haack:
“(T) S é verdadeira sse[ii] p
onde ‘p’ pode ser substituído por qualquer sentença da linguagem para qual a verdade está sendo definida e ‘S’ deve ser substituído pelo nome da sentença que substitui ‘p’. Uma instância de (T) seria, por exemplo:
‘A neve é branca’ é verdadeira sse a neve é branca
onde a sentença, do lado direito, é referida por seu ‘nome entre aspas’, do lado esquerdo”.
A teoria semântica da verdade é importante aqui também porque a ela adere o filósofo norte-americano Donald Davidson, atualmente o principal interlocutor de Rorty no debate sobre a questão da verdade.
Já a teoria da redundância foi sugerida por Frege já em 1918, mas foi levada adiante e consolidada por Frank P. Ramsey. Para Ramsey, o problema da verdade é central na filosofia e faz-se necessário esclarecer uma confusão lingüística existente em torno do assunto. Na visão de Ramsey, os predicados “verdadeiro” e “falso” são redundantes e devem poder ser eliminados de qualquer contexto argumentativo sem que haja aí uma perda semântica. Para exemplificar, Ramsey argumenta que em uma sentença como “é verdadeiro que p” deve significar o mesmo que “p”, ao passo que a sentença “é falso que p” significa o mesmo que “não p”.
Na visão de alguns analistas das Teorias da verdade, como Susan Haack, a teoria da redundância apresenta algumas vantagens, mas também apresenta importantes dificuldades que colocam em xeque sua exeqüibilidade, como por exemplo a adequada explicitação dos quantificadores de segunda ordem de que ela depende. Haack sustenta que a expectativa de Ramsey de eliminação do falar sobre verdade ainda não está justificada, permanecendo em aberto a discussão.
Expostas as principais teorias da verdade, deve-se agora analisar o posicionamento de Richard Rorty sobre o tema, enfocando em seguida o motivo de ser este o ponto de maior controvérsia no desenvolvimento teórico de sua filosofia.
RICHARD RORTY E A QUESTÃO DA VERDADE
Antes de se ingressar diretamente na análise da posição de Rorty sobre o tema, é importante registrar que Richard Rorty se vê como um continuador da tradição pragmatista clássica. Ele mesmo se assume não como um neopragmatista, mas simplesmente como um pragmatista, certamente para acentuar que não há um rompimento ou uma descontinuidade em sua teoria para com as construções de Peirce, James e Dewey. Ao contrário, Rorty utiliza elementos de Peirce, Quine e Davidson para construir seu modelo non-reductive physicalim – naturalista não-reducionista – de explicação da relação do homem com o mundo, visando romper com o dualismo do esquema sujeito-objeto.
Como já foi dito, na interpretação que Rorty faz do pragmatismo, ou dos autores clássicos do pragmatismo, o debate sobre a questão da verdade foi ultrapassado, isto é, pensadores como Peirce, James e Dewey entenderam que o tema estava carregado de metafísica e, ao invés de ingressar em um dos lados do debate, deixaram-no de lado, por considerá-lo improdutivo
Mas então surge o questionamento: porque Rorty, que se vê como um continuar da tradição do pragmatismo, que interpreta o pragmatismo de Peirce, James e Dewey como tendo uma linha de continuidade no trabalho analítico de Quine e Davidson, e que assevera que os autores do pragmatismo não buscaram construir uma teoria da verdade, insiste em discutir o tema verdade?
A resposta a esta questão certamente passa por aquilo que já foi argumentado anteriormente: a estreita ligação entre a filosofia e a busca de superação das aparências ou ilusões, isto é, a procura pela realidade e pela verdade do mundo e das coisas.
Ernildo Stein,em sua leitura de Heidegger, já demonstrou que “(…) a metafísica ocidental nasce sob o signo da luz”e que “(…) a afirmação de que todo ser é verdadeiro aponta para uma transparência” (2001, p. 21). Na tradição ocidental, esta iluminação ora foi da physis, ora do logos, ora de Deus, ora da razão iluminada e iluminadora, ora da análise lógica da linguagem. A partir das palavras de Stein, pode-se inferir que não apenas a metafísica, mas toda a filosofia ocidental aponta para a luz, para a iluminação, para o esclarecimento, para a verdade. A procura insaciável para explicar definitivamente como-o-mundo-realmente-é e como-realmente-funcionam-todas-as-coisas-universo.
Ora, quando um pensador como Nietzsche pergunta “porque sempre a verdade?”, ou um pensador contemporâneo como Rorty diz que o debate sobre a verdade deve ser substituído pela discussão de questões como liberdade, democracia, realização, certamente serão eles alvos de muitos ataques. Afinal, abandonar a discussão sobre a verdade soa, para muitos, mais ou menos como abandonar a filosofia.
 Assim, a cada tentativa de Rorty de desviar o foco da filosofia para outras questões que não o debate sobre a verdade, surgem tentativas opostas visando manter vivo o debate sobre o tema. E note-se que os interlocutores de Rorty nesta área são relevantes, como já foi dito acima (Susan Haack, Charles Taylor, Hilary Putnam, John Searle, Jürgen Habermas e Donald Davidson, entre outros) e, portanto, seus argumentos merecem resposta. Em decorrência disto, certamente, o repetido esforço de Rorty de tratar do assunto. Mas afinal, qual a posição de Richard Rorty sobre a questão da verdade? É o que será visto a seguir.
Rorty entende que as teorias da verdade devam ser desinflacionadas, isto é, a verdade não deve ser tomada como possuindo uma propriedade real, como possuindo uma substância cognitiva, como sendo revestida de uma essência ou um fundamento metafísico. A verdade, no âmbito de uma abordagem deflacionista, adquire apenas a característica de permitir um mínimo de acordo entre dois falantes.
A verdade seria, neste contexto, tão somente um elemento sobre o qual dois falantes poderiam observar uma dada situação e comunicaram-se entre si tomando bases comuns como ponto de integração, permitindo e facilitando assim o processo de comunicação entre eles. É assim que Rorty entende o tratamento da questão da verdade dado pelos pragmatistas clássicos e é assim que ele pretende continuar vendo a questão.
Entretanto, deve-se observar que Rorty é um filósofo não-fundacionista, ou seja, não pretende edificar sistemas filosóficos ou teorias globalizantes e universalistas.
O trabalho de Rorty, como ele mesmo afirma é mais terapêutico do que edificador. Assim, não é que esteja tentando construir uma teoria da verdade ou defender uma teoria deflacionista da verdade. Rorty está apenas tentando desinflacionar, desinflar, “dessubstanciar” o conceito de verdade, desviando o foco de discussão para outro ponto. Rorty, portanto, pelo mesmo motivo de que ele discorda de Susan Haack quanto à existência de uma teoria pragmática da verdade, não deve estar enquadrado dentro de uma teoria deflacionista da verdade, porque para ele não deve, ou não é necessário, elaborar-se uma teoria da verdade.
Para Rorty, três são os usos possíveis do termo verdadeiro:
a) um uso de endosso;
b) um uso acautelado;
c) um uso descitascional ou não-citacional (disquotatational).
O uso do termo verdadeiro como endosso dá-se quando são feitas afirmações do tipo “correto”, “certo”, “é isto mesmo”, e, portanto, “é verdade”. Já o uso descitacional, ou não-citacional, é utilizado para afirmações metalingüísticas do tipo “S é verdadeiro se…”. Por sua vez o uso acautelado está incorporado em afirmações como “sua crença em S está perfeitamente justificada, mas talvez não venha a ser verdadeira”. Diz Rorty (1999[a], p. 128; 2002, p. 175):
“O uso acautelado deste termo foi negligenciado por James, tanto quanto o foi o uso não-citacional. A negligência frente ao primeiro uso o levou à associação do pragmatismo com o relativismo. A malfadada associação do último (por Tarski) com a noção de ‘correspondência’ levou as pessoas a pensar que elas precisavam compreender melhor essa noção do que o tinha feito James. Davidson, segundo meu ponto de vista, nos deu uma avaliação da verdade que tem um lugar para cada um desses usos, conquanto absteve-se da idéia de que a conveniência de uma crença pode ser explicada por sua verdade”.
O tema verdade é um dos pontos onde a filosofia de Richard Rorty pode ser entendida como revolucionária. Exatamente em decorrência disto, é também um dos aspectos mais polêmicos de sua obra. A polêmica está em torno de uma inevitável conclusão a que se chega a partir dos escritos de Rorty, principalmente os mais recentes, isto é, a idéia de que a noção de verdade pode ser equiparada à noção de justificação.
Levando-se a filosofia de Richard Rorty ao extremo, pode-se argumentar que verdadeiro é equivalente a justificado.
Antes, no entanto, de prosseguir na discussão dos elementos da filosofia rortyana que permitem chegar a esta conclusão, deve-se dizer porque seu articulador ganha com esta construção, ao mesmo tempo, notoriedade e aversão.
A sugestão de Rorty coloca-o em posição de ser acusado de relativismo e, em filosofia, ser acusado de relativismo é algo semelhante a ser acusado de praticante da usura na Idade Média, de ateísmo ou de heresia no período inquisitório do Catolicismo, de simpatizante do comunismo nos Estados Unidos da América do macarthismo, ou talvez até de portador de hanseníase na antiguidade romana. Em filosofia, a acusação de relativismo traz efeitos danosos para a reputação de um pensador, exatamente em razão da importância e da centralidade do conceito de verdade, sobre o que o filósofo tradicional não admite abrir mão.
Em um de seus melhores momentos, em um texto preparado para o debate com Jürgen Habermas ocorrido em maio de 1995, em Varsóvia, no Instituto de Filosofia e Sociologia da Academia Polonesa de Ciências, intitulado Relativismo: descobrir e inventar, Richard Rorty, ao analisar a postura pragmática frente ao relativismo, afirma de forma bastante esclarecedora:
“Los pragmatistas esperan romper la imagen que, en palabras de Wittgenstein, ‘nos mantiene cautivos’, a saber la noción cartesiano-lockeana de una mente que procura entrar em contacto con una realidad exterior a ella. Para ello comienzan con una explicación darwiniana de los seres humanos en tanto animales que hacen todo lo que pueden para manipular el medio, que hacen todo lo que pueden para desarrollar instrumentos capaces de aumentar el placer y disminuir el dolor. Las palabras se encuentran entre las herramientas que estos animales sagaces han desarrollado”.
“No hay manera de que las herramientas puedan sacarle a uno del contacto con la realidad. Sea la herramienta un martillo, un revólver, una creencia o un enunciado, el uso de herramientas forma parte de la interacción del organismo con su medio. Ver el empleo de palabras como el uso de herramientas para manipular el medio y no como un intento de representar la naturaleza intrínseca de ese equivale a rechazar la pregunta sobre si la mente humana está en contacto con la realidad, pregunta que formulan los escépticos epistemológicos. Ningún organismo, ni humano ni no humano, está nunca un mayor o menor contacto con la realidad que ningún otro organismo. La mera idea de ‘estar fuera de contacto con la realidade’ presupone la imagen cartesiana, no darwiniana, de una mente que de alguna manera es ajena a las fuerzas que afectan al cuerpo” (In Niznik y Sanders, 2000, p. 57).
Ora, adotada esta perspectiva darwiniana do comportamento humano e adotadas as proposições do segundo Wittgenstein, mas principalmente após a publicação de A Filosofia e o Espelho da Natureza, de Richard Rorty e dos trabalhos mais recentes de Donald Davidson, não é mais possível deixar de considerar que somente frases, ou sentenças, é que podem ser verdadeiras, e não as coisas em si mesmas. Também não é mais possível deixar de considerar que palavras não podem ser conectadas diretamente às coisas, mas que palavras somente podem ser conectadas a outras palavras, que inegavelmente definem, a partir das construções culturais dos seres humanos, as coisas.
É inegável que estrelas, planetas, montanhas e rios existem independentemente dos seres humanos. Todavia, as designações estrelas, planetas, montanhas, rios são criações culturais do homem e somente elas podem ser verdadeiras ou falsas. Não há um ponto de referência externo, uma linguagem não-humana, um lugar fora da criação cultural do homem que possa julgar que um vocabulário, frase ou sentença seja mais verdadeiro do que outro. Se conceitos são palavras e se somente palavras podem ser ligadas a outras palavras, a idéia de verdadeiro é, numa perspectiva desinflada de verdade, basicamente igual à noção de justificado.
Tome-se por exemplo a sentença matemática “2 + 2 = 4”. Tal sentença é verdadeira ou é perfeitamente justificada? Qual a diferença? Bem, tome-se outra sentença como “todos os homens casados são não-solteiros”. Isto é verdadeiro ou perfeitamente justificado?
E que tal uma sentença como “dois cachorros pretos estão latindo no lado de fora da cerca”. Ela será verdadeira se realmente, e somente se realmente dois cachorros pretos estiverem do lado de fora da cerca latindo? Ou ela será perfeitamente justificada se dois cachorros pretos estiverem latindo do lado de fora da cerca? Qual a diferença? Verdadeiro e perfeitamente justificado são diferentes em que estágio, em que grau, em que situação epistemológica? Afirmar que a terra era o centro do universo há quinhentos anos atrás era verdadeiro. Será que afirmar que era perfeitamente justificável que o planeta terra era o centro do universo há quinhentos anos atrás seria diferente mesmo de dizer que era verdadeiro?
Palavras, conceitos, sentenças, orações ou vocabulários só podem se conectar com palavras, conceitos, sentenças, orações ou vocabulários! Não podem se conectar diretamente às coisas e, portanto, não podem estar mais próximas da verdadeira verdade do que outras palavras, conceitos, sentenças, orações ou vocabulários.
filosofia sempre esteve tentada a buscar comparação, ou auxílio, de outras áreas de conhecimento como a física ou a matemática. Vários pensadores da filosofia buscaram espelhar suas construções teóricas naquilo que entendiam como conhecimento ou conceitos imutáveis, perenes e indiscutíveis oferecidos pela física e pela matemática. Afirmar que os ventos de um modo geral, no planeta terra, têm sua origem na linha do equador é, sem dúvida, um conhecimento estável. É neste sentido, de uma crença estável, uma verdade. Ventos e o próprio planeta terra existem sem dúvida independentemente do homem.
Mas, como descrever o movimento provocado pelo natural deslocamento de ar sem a expressão “vento”? “Vento”, “ar”, “movimento”, “planeta”, “terra”, são expressões culturais do homem. E, obviamente, suas relações entre si também o são. Logo, verdadeiro é relativo a uma construção cultural do homem. Por conseguinte e, nesse sentido, verdadeiro e perfeitamente justificado podem ser considerados como designando a mesma coisa.
É o que Rorty, em outro momento de seu debate com Jürgen Habermas na Academia de Ciências Polonesa, está, de forma arrojada e orignal, afirmando:
“Me parece que Habermas tiene razón en que la diferencia entre el intento común a él, Putnam y Peirce – el de idealizar la noción racional de aceptabilidad racional – y mi intento de construir la esperanza social utópica no es en la realidad tan grande”.
“Mi intento consiste en no pensar el contraste entre meramente justificado y lo verdadero como contraste entre lo real y lo ideal, sino simplesmente como contraste entre la justificación para nosotros tal como somos aquí y ahora, y la justificación para una versión superior de nosotros mismos, la versión que esperamos que ejemplifiquem nuestros descendientes” (In Niznik y Sanders, 2000, p. 72).

 Para que esta posição de Richard Rorty possa se consolidar, necessário se faz que seja repensada a profunda relação com a metafísica que marca toda a tradição da Filosofia ocidental, além do forte envolvimento com a metafísica que marca o próprio tratamento da questão da verdade, na sua busca por conceitos controladores da infinitude. A preocupação com a infinitude é a marca mais significativa da filosofia e da metafísica em relação ao tema verdade.
A forte ligação entre cultura (aí compreendidas a mitologia, a religião, a arte, e mesmo a filosofia) e metafísica está ancorada em uma característica psicológica do ser humano. Um medo, uma insegurança, uma necessidade psicológica do homem determinou séculos de construção racionalizada de uma idéia metafísica de confiança, estabilidade e infinitude, esteja ela sob a forma de mito, religião, arte ou filosofia, de tal forma que permitisse ao homem aceitar sua condição ou situação no mundo.
A partir deste ponto de vista, portanto, a relação entre, por exemplo, a filosofia platônica, a filosofia medieval, a filosofia cartesiana, a filosofia hegeliana, e a metafísica não é acidental ou casual, mas causal e complementar. O pensamento metafísico é complementar à filosofia e esta fornece a segurança e infinitude dos conceitos controladores retirados, perdidos, com o enfraquecimento da mitologia ou religião enquanto orientadores do modo de agir e pensar do homem.
Exatamente neste sentido, de busca por conceitos controladores, é que o conceito, a idéia, de verdade torna-se fundamental. E não apenas fundamental do ponto de vista epistemológico, de construção do conhecimento, como sugere Donald Davidson, mas acima de tudo fundamental do ponto de vista psicológico.
A idéia de existência de um conceito forte de verdade oferece um conforto metafísico ao homem. Existem verdades absolutas e universais e, a partir disto, as contingências do processo histórico, da própria existência, são menos ameaçadoras. Será que este tipo de construção ainda faz sentido em uma filosofia construída no plano de um horizonte pós-metafísico?
A história da filosofia confunde-se com a própria história da análise filosófica da questão da verdade.
A idéia defendida aqui é que somente em uma base de compreensão do caráter de finitude do homem é que se pode construir um pensamento efetivamente pós-metafísico, renovado, onde a obstinada procura pela verdade seja substituída pela luta pela democracia, liberdade, e justiça social.
No âmbito da filosofia, é possível que se estabeleça a forma de abordagem adotada por um autor ou por uma corrente de pensamento a partir do enfoque dado por este autor ou corrente de pensamento sobre o tema verdade. Daí a relevância da análise da questão da verdade.
 Em todas as abordagens ou teorias tradicionais da verdade está contida uma idéia metafísica de busca de um porto seguro, um lugar para as certezas inabaláveis, ou uma confiança excessiva na razão iluminadora, algo inconcebível depois de Sigmund Freud e Charles Darwin.
Talvez a filosofia analítica e sua busca semântica e científica insaciável pela verdade seja o coroamento de uma pobre metafísica renovada, exatamente porque sua preocupação maior seja o estabelecimento da verdade.
Richard Rorty, ao preconizar a substituição do debate filosófico em torno de questões como MenteVerdadeSubstânciaNatureza HumanaRepresentação acurada da Realidade, por temas como liberdadedemocraciaalteridade e ética, agora em termos não-metafísicos, propõe também que se deixe de lado a preocupação em explicar como somoso que somos de onde viemos, isto é, a preocupação em olhar para o passado, para centrar a atenção em como podemos ser, ou seja, um olhar para o futuro.Com a filosofia de Rorty é possível argumentar-se que liberdade e democracia são importantes para a uma melhor convivência entre as pessoas não utilizando-se de argumentos metafísicos, isto é, não porque o totalitarismo e a falta de liberdade são contrários a uma Natureza Humana, ou à Solidariedade-Humana-mais-Fundamental, ou a uma Lei-Moral-Universal, ou à Razão-Humana, ou à Fraternidade-que-Deve-Existir-entre-os-Homens, mas porque a diversidade é preferível ao totalitarismo como elemento de realização das potencialidades humanas. A democracia e liberdade são pragmaticamente mais úteis para o ser humano enquanto projeto do que a intolerância e o absolutismo. Veja-se o que diz o próprio Rorty:
“(…) a liberdade humana, tomada não em um sentido metafísico mas no sentido político e concreto de capacidade dos seres humanos de viverem juntos sem se oprimirem uns aos outros, ocupa o lugar da Verdade e da Realidade como nossa finalidade. A diferença de tomar a Verdade como um objetivo, com Sócrates, e tomar a Liberdade como um objetivo, com os pragmatistas, é a diferença entre apontar para alguma coisa não-humana e apontar para alguma coisa que, se em algum momento vier a existir, será uma criação inteiramente humana.”
O neopragmatismo de Rorty, e sua defesa intransigente de valores como liberdade e democracia, é um caminho de pensamento pós-metafísico. Se este caminho for adotado, talvez não faça ainda sentido discutir a diferença entre verdade e justificação ou entre verdadeiro e bem justificado.

Marcelo L. Fraga
Mestre em Filosofia

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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7.     _____. Pensamento Pós-metafísico. Estudo Filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990[a].
8.     _____. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990[b].
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11.   LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
12.   MURPHY, John. O Pragmatismo. De Peirce a Davidson. Lisboa: ASA, 1993.
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14.   PUTNAM, Hilary. O Realismo de Rosto Humano. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
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17.   _____. Verdade e Liberdade: Uma réplica a Thomas McCarthy. In GHIRALDELLI Jr, Paulo. Richard Rorty. A filosofia do Novo Mundo em busca de mundos novos. Petrópolis: Vozes, 1999[c].
18._____. Pragmatismo. A filosofia da criação e da mudança. Coletânea de textos organizada por Cristina Magro e Antônio Marcos Pereira. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
19.   _____. Objetivismo, relativismo e verdade. Escritos Filosóficos. Volume I. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
20.   STEIN, Ernildo. A caminho de uma fundamentação pós-metafísica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
Notas:

[i] A intenção aqui neste ponto é de flagrar uma espécie de estágio pós-darwiniano ou pós-nietszcheano, onde a tradição da filosofia analítica e continental parecem estabelecer um importante ponto de contato, isto é, onde estas duas correntes começam a dar mostras da formação de um esboço de pensamento pós-metafísico. A expressão “anglo-americana” é aqui utilizada, em vez de “filosofia analítica” ou “pragmatismo” por haver uma discussão em torno da vinculação de Quine e Davidson a uma ou outra corrente de pensamento. Richard Rorty vem já há algum tempo, de modo original, buscando mostrar a ligação de Quine e Davidson ao pragmatismo. Ver D’Agostini, Franca. Analíticos e Continentais, 2002, Rorty, Richard. Objetivismo, relativismo e verdade, 2002; Relativismo: descubrir e inventar. In Niznik, Jósef y Sanders, John T. Debate sobre la situación de la filosofía, 2000.
[ii] Onde sse é o símbolo lógico para a afirmação se e somente se.