sábado, 9 de janeiro de 2016

A linguagem da pele

Não se pode negar que há algo de poético nos beijos jogados no ar. E uma praticidade imensa nas mensagens virtuais de carinho. Olhares transmitem mundos inteiros, concordo; já os sons (tanto palavras quanto músicas) inventam redes neurais em nossos cérebros, funcionando como verdadeiras portas de acesso à cultura, que nos permitem pertencer ao universo dos humanos. Mas é o toque que inaugura a existência. Desde muito cedo as experiências sensoriais criam laços fundamentais entre o eu e o outro – um vínculo estruturante e fundamental para o desenvolvimento físico e emocional. Traços de lembranças táteis, por vezes perdidos em emaranhados de memórias de um tempo anterior às palavras, tornam-se constituintes de representações.


Psicólogos e psicanalistas tendem a pensar a linguagem como o primeiro organizador psíquico. No entanto, parece importante levar em conta o fato de que essa aquisição vem sempre alicerçada em experiências sensoriais anteriores – e, sob essa óptica, o toque ganha papel de destaque. São as marcas ancestrais que acenam com a possibilidade de aconchego e intimidade, organização. Uma linguagem sensorial que nos envolve e tinge nossos corpos de impressões.
Para Freud, ego é antes de tudo corporal. No texto O ego e o id, de 1923, o criador da psicanálise assinala que as sensações táteis se diferenciam dos demais registros sensoriais por fornecerem dupla percepção: sentimos o objeto que toca nossa pele e, com isso, temos consciência da pele sendo tocada. O psicanalista francês Didier Anzieu, criador do conceito de Eu-pele, baseia-se em Freud, ao dizer que “toda função psíquica se desenvolve com o apoio de uma função corporal, cujo funcionamento se transpõe para o plano mental”. Ele trata da “bipolaridade tátil”, precursora do psiquismo e da capacidade de subjetivação, de um desdobramento reflexivo do eu consciente que se apoia sobre a experiência tátil – o que, mais tarde, proporcionaria a reflexividade do pensamento.
Na edição de novembro, Lydia Denworth, autora de I can hear you whisper: an intimate journey through the science of sound and language (Posso ouvir você sussurrar: uma viagem íntima pela ciência do som e da linguagem, Dutton, 2014, sem tradução para o português), mostra como a ciência tem avançado na compreensão da importância do toque para as interações sociais. Esse campo de conhecimento que durante muito tempo foi deixado de lado agora ganha espaço nas pesquisas neurocientíficas. Quem sabe, entender melhor o que acontece em nosso cérebro – e no resto do corpo – quando nos tocamos de forma delicada nos faça chegar mais perto uns dos outros.

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