segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Curiosidades sobre o inferno


Em A Divina Comédia, o poeta italiano apresenta na forma de poema uma descrição detalhada do Inferno, do Purgatório e do Paraíso. No Inferno, Dante, guiado pelo poeta Virgílio, percorre locais onde os pecadores enfrentam punições pelo que fizeram em vida.
A pedido da BBC, o escritor e historiador Stephen Tomkin listou dez curiosidades sobre o inferno, de acordo com o descrito por Dante e outros artistas.

1 – O inferno tem formato de cone

De acordo com a descrição de Dante, o inferno consiste em nove círculos concêntricos que se afunilam conforme ficam mais profundos, até chegarem ao centro da Terra. Para qual deles você é enviado depende do pecado cometido, com círculos destinados aos glutões, hereges e fraudadores. Sobre o ponto central superior, na superfície terrestre, está Jerusalém.
O rio Aqueronte corre por todo o inferno, separando-o do mundo exterior. Fora do inferno, mas também sofrendo punição, estão as pessoas que nunca fizeram nada de bom nem de mal. Elas são penalizadas pela neutralidade, vagando por toda a eternidade sendo picadas por vespas e tendo o sangue bebido por larvas.

2 – O inferno é diversificado

Dante Alighieri
Dante Alighieri, autor de 'A Divina Comédia'
A imagem moderna do inferno, com chamas e labaredas de fogo como punições universais para todos, é bastante moderada quanto comparada às versões medievais. A concepção atual é provavelmente um legado do poeta inglês John Milton (1608-1674), cujo poema épico Paraíso Perdido retrata em detalhes um inferno da época de Adão e Eva, descrito como "uma grande fornalha" cujas chamas oferecem "nenhuma luz, mas sim escuridão visível".
Já o inferno medieval descrito por Dante na literatura e pelo holandês Hieronymus Bosch (1450-1516) na pintura não é um ambiente estático. As punições são variadas e se aplicam conforme os pecados cometidos. Para o poeta italiano, os semeadores da discórdia são cortados em pedaços, e os suicidas vivem como árvores pelo fim dos tempos. Aduladores nadam em mares de excrementos e traidores são condenados a terem suas cabeças comidas por aqueles que traíram. O pintor holandês mostra pessoas sendo excretadas por monstros e homens sendo forçados a se casarem com porcos.

3 – O inferno fica abaixo da terra

Na Idade Média havia o senso comum de que o inferno estava localizado no subterrâneo terrestre, e havia lendas de pessoas que chegaram a ver sua fumaça saindo através de buracos no chão. Dante estava de acordo e por isso sua concepção coloca Satã na parte mais profunda do inferno, o nono círculo. Na versão de Milton, no entanto, o inferno é distante da Terra, vista como um lugar puro e perfeito, que não comportaria o centro da maldade.

4 – O inferno pode congelar

Na verdade, o inferno é descrito como escaldante, sobretudo na versão de Milton, que descreve colinas, cavernas, praias e pântanos de fogo. Dante mostra um rio de sangue fervente repleto de pessoas culpadas por carnificinas, piras de fogo para os hereges e um deserto onde chove fagulhas de fogo sobre pessoas que cometeram blasfêmias e homossexuais.
Entretanto, para Dante, o demônio está imerso em gelo até a cintura e sempre enfrenta frio, mesmo no calor do inferno. Apesar de todo o fogo, Milton também diz que em algumas regiões do inferno há gelo, neve, granizo e ventania.

5 – O inferno é outras pessoas (e elas são reais)

O poeta inglês John Milton
Inferno da obra de Milton tinha apenas demônios
O inferno de Milton, nos tempos de Adão e Eva, ainda não tem nenhum habitante, apenas demônios. Mas Dante vê muitos papas no inferno, incluindo Anastácio 2º (que viveu no século 5º), por heresia, e Nicolau 3º (do século 13) pelo pecado de compra de cargos na hierarquia na igreja.
O teólogo Erasmo de Roterdã (1466-1536) escreveu um diálogo chamadoJúlio Excluído, onde o papa Júlio 2º (1443-1513) tem sua entrada no paraíso rudemente recusada. Michelangelo (1475-1564), em seu afresco O Juízo Final, na Capela Sistina, mostra pessoas reais sendo puxadas para o inferno, entre elas um assessor papal, Biagio de Cesena, que se opôs à intenção do artista de incluir nudez em seus trabalhos e é mostrado tendo os genitais comidos por uma serpente. Dante também coloca no inferno uma série de pessoas que realmente existiram, entre elas alguns amigos, e os famosos traidores Cássio, Brutus e Judas.

6 – O inferno abriga criaturas fictícias

O inferno está cheio de criaturas dos mitos pagãos. Dante vê centauros, o minotauro e o cachorro de três cabeças, Cérbero. Michelangelo inclui Caronte, o barqueiro dos rios Estige e Aqueronte que leva as almas dos pecadores para o inferno. Milton vê a medusa e hidras nas profundezas.

7 – O inferno é um pandemônio

O pandemônio ("todos os demônios"), embora tenha recebido ao longo do tempo a definição de um caos barulhento, é uma palavra inventada por Milton para a capital do inferno, onde Satã e seus seguidores se reúnem em seu Parlamento infernal.

8 – O inferno tem portões

O portão do inferno de Dante tem a famosa inscrição "abandone toda esperança aquele que por aqui entrar". Menos famosas são as outras oito linhas do texto, que incluem a alegação de que o interior foi criado pela "mais alta sabedoria e amor primordial". Para Milton, há nove portões: três de bronze, três de ferro e três de rocha, guardados pelo pecado, pela morte e pelos cães do inferno.

9 – O inferno não tem tanto interesse por sexo

Muitos associam o Cristianismo a pecados sexuais, mas o sexo não é citado como uma das causas proeminentes para o castigo no inferno.
Na Divina Comédia, o professor de Dante Brunetto Latini é punido no sétimo círculo por sexo "não natural", mas o pecado de luxúria é punido no segundo círculo (o primeiro sendo o limbo, lugar que costuma abrigar bebês não batizados e aqueles que não cometeram pecados, mas não são cristãos). Dessa forma, Dante considera a luxúria coloca a luxúria como um pecado menos grave do que outros, punidos em círculos mais profundos.

10 – O inferno não é tão bíblico

Muito poucas dessas ideias provêm da Bíblia. O Livro Sagrado não faz referência ao inferno e às chamas – muitos dos detalhes de Dante foram inspirados pelos mitos gregos e romanos, e a vasta maioria das concepções mais recentes são fruto do imaginário medieval ocidental.
Artistas cristãos orientais nunca tiveram o mesmo nível de interesse pelo assunto, e mesmo no Ocidente isso foi algo tardio – a doutrina do tormento perpétuo foi introduzida em 1215, no Quarto Concílio de Latrão, apenas um século antes de Dante.
Estima-se que há mais menções ao paraíso do que ao inferno na Bíblia (na Nova Versão Internacional, uma tradução do Livro Sagrado): seriam 622 versículos citando o paraíso, e apenas 15 ligados ao inferno.
Francisco Orofino, professor de teologia da faculdade EST, em São Leopoldo (RS), no entanto, diz que é "arbitrário" fazer qualquer contagem de palavras contidas na Bíblia em línguas que não o hebraico ou o grego, devido às diferentes traduções e interpretações em cada idioma – o que pode produzir resultados diferentes.
"Devo dizer que todo o problema está nas palavras conceituais 'paraíso' e 'inferno'. Se por 'paraíso' fizeram um levantamento em inglês da palavra 'heaven' incluíram neste levantamento palavras hebraicas e gregas que não significam em si 'paraíso' já que termos como 'céu' e 'céus' entram na conta. Portanto o número para 'paraíso' é totalmente falho. Nem sempre o conceito de 'céu' equivale a 'paraíso'. No caso do 'inferno', a palavra hebraica para o termo é sheôl, que geralmente é traduzida para o português como 'abismo, tumba, ou sepultura', e aí o número subiria muito", explica.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Responsabilidade estatal pela perda de uma chance em razão do erro de diagnóstico médico



Aborda-se a teoria da perda de chance à luz das doutrinas e das discussões teóricas vigentes, não só no âmbito de sua justificativa e ordenamento de critérios, mas também quando da pertinência de sua aplicabilidade.


São inegáveis as mudanças empreendidas pelo “neoconstitucionalismo” no pensamento jurídico contemporâneo. A ascensão da dignidade da pessoa humana ao núcleo axiológico do sistema, a valorização do sentimento constitucional, a força normativa atribuída aos princípios e à constituição, a técnica legislativa – cada vez mais amparada nas cláusulas gerais
[2] – foram algumas das mudanças detidamente analisadas por Eduardo Cambi (2009) que demonstraram a falência do positivismo jurídico e a importância da constitucionalização dos direitos materiais.A PERDA DA CHANCE DE CURA[1]: 
INFLUÊNCIAS DO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

Todas essas mudanças atingiram, identicamente, a responsabilidade civil. É que com o advento da Constituição de 1988, reconheceu-se a necessidade, conforme salientado por Anderson Schreiber (2009, p. 87/88), de tutelar os direitos existenciais atinentes à pessoa humana, o que representou, segundo o autor, uma autêntica revolução consubstanciada pela aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas; implicando o reconhecimento de novos institutos e categorias.
Com a ascensão da dignidade da pessoa humana – atributo inerente a todo e qualquer ser humano – ao núcleo axiológico do sistema jurídico, essa cláusula geral, de difícil definição, passou a ser, segundo Ana Paula de Barcellos (2002, p.146) o “vetor interpretativo geral, pelo qual o intérprete deverá orientar-se em seu ofício”. Vê-se, com isso, a importante função hermenêutica galgada pela dignidade da pessoa humana que possibilitará, invariavelmente, a realização de interpretações mais extensivas, que deverão estar sempre atreladas ao idealizado por Canotilho (2000, p.225), quando reconheceu o “indivíduo como limite e fundamento da República”.
Todavia, há que se ressaltar que toda essa ascensão da dignidade da pessoa humana ao patamar de valor constitucional supremo, não significa dizer que tal valor é absoluto e que não possa, em um conflito com outras normas, ser relativizado. O que se quis, em realidade, foi transformar esse postulado normativo em uma importante diretriz na criação e interpretação das demais normas jurídicas, pois a ela atribuiu-se, conforme asseverado por Schereiber (2009, p.87) uma espécie de “superioridade material ou axiológica”.
Esse mesmo paradigma, fundado na dignidade da pessoa humana, foi, segundo Rafael Peteffi da Silva (2009, p.73), o responsável por modificar o eixo da responsabilidade civil, que passou a propiciar a reparação mais abrangente possível às pessoas, incluindo aqui, a perda da chance de obter uma determinada vantagem, quando séria e real.
Outra questão, também associada à proteção da dignidade da pessoa humana, trazida por Sérgio Savi (2006, p.90), diz respeito ao giro conceitual por que passou o conceito de ato ilícito que, segundo o referido autor, foi, para Orlando Gomes, a mais interessante mudança na teoria da responsabilidade civil. Desde que o ato ilícito deveria ser entendido como dano injusto, a fim de que outros danos, não derivados necessariamente da prática de um ilícito, fossem, também, ressarcíveis.
Vê-se, com isso, que atrelar a indenização ao dano injusto e não mais ao dano ilícito além de permitir que a responsabilidade civil cumpra a sua missão, acaba por servir, indubitavelmente, conforme salientado por Sérgio Savi (2006, p.99), como mais um fundamento para a indenização da perda de uma chance.
Todavia, há que se atentar para a advertência feita por Anderson Schreiber (2009, p.124), no sentido de que a alusão descomprometida à dignidade humana periga resultar na banalização daquilo que mais se pretendia proteger: o pedido de ressarcimento de danos extrapatrimoniais, ameaçando poluir a vocação constitucional de ressarcimento do dano à pessoa.
Após essa análise sobre os aspectos que contribuíram e que continuam a contribuir para o desenvolvimento da teoria da perda da chance, mister se faz analisar a polêmica questão do enquadramento da teoria da perda de uma chance como uma utilização pouco ortodoxa do nexo de causalidade ou como um dano indenizável que necessita, para tanto, da ampliação do conceito de dano.

PERDA DE UMA CHANCE: UTILIZAÇÃO MENOS ORTODOXA DO NEXO CAUSAL OU FRUTO DA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE DANO REPARÁVEL?

O dever de reparar exige, como já salientado no segundo capítulo, a presença de alguns pressupostos, quais sejam: o dano, a conduta e o nexo de causalidade unindo os dois primeiros. Essa aparente clareza no conceito de nexo de causalidade, contrasta, segundo Anderson Schreiber (2009, p.53) com as inúmeras dificuldades práticas que surgem na sua aferição. Justamente por isso é que o autor afirma ser o nexo de causalidade o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado; isso porque, nem tudo que está no mundo dos fatos pode ser considerado juridicamente como a causa do evento.
Nessa acepção, Fernando Noronha (2003, p.588) distingue as expressões “condição” e “causas do dano”. Segundo o referido autor, somente os fatos determinantes serão causas, tendo em vista que somente estas são consideradas como efetivamente determinantes do resultado; os demais fatores, por seu turno, serão meras condições.
No intuito de esclarecer a distinção entre essas duas expressões, o autor distingue a teoria da equivalência de condições, da causalidade necessária e a da causalidade adequada.
Nesse mesma esteira Anderson Schireiber (2009, p.54), sintetiza as teorias mais importantes sobre o tema, para que sejam minoradas as dificuldades na compreensão da temática.
Aborda, primeiramente, a teoria da equivalência das condições, que defendia que qualquer evento que carregasse em si a capacidade de contribuir para a produção de determinada consequência seria considerado a causa para os fins de responsabilização, aproximando-se, por consequencia, da teoria da conditio sine qua non. Todavia, por se mostrar a ampliação ilimitada do dever de reparar como seu maior inconveniente, o referido autor anuncia que essa teoria mostrou-se imprestável à disciplina da responsabilidade civil.
Devido a estas circunstâncias (imputar ao agente todas as condições originadas de um dano sem as quais este não se teria produzido) é que Fernando Noronha (2003, p.589) afirma que “seria indiferente falar em causas ou condições de dano”, já que, para essa teoria, estas expressões seriam sinônimas.
Na tentativa de minorar a ampliação desmesurada do dever de reparar é que o Anderson Schireiber (2009, p.55) traz à baila a nova teoria desenvolvida por Kries, para quem “a causalidade de um evento consistia na causa mais apta, em abstrato, à produção de determinado resultado”. Ou seja, não seriam consideradas todas as causas, mas sim aquela que se mostrasse mais contundente. Não obstante a maior precisão dessa teoria em relação à anterior, tal fato não foi suficiente para afastá-la das críticas, pois a sua aplicação demandaria a avaliação de normalidade e probabilidade, o que à época era impensável, já que o ressarcimento estava condicionado não à probabilidade, mas sim à certeza.
E justamente na tentativa de fugir dessa incerteza, é que Anderson Schreiber (2009, p.57) faz referência a teoria da causalidade eficiente, que ao contrário da anterior, faz um juízo acerca da causalidade em concreto, observando qual, dentre as diversas causas, foi a mais eficiente na determinação do dano.
Malgrado tenha sido notório o avanço empreendido pela teoria da causalidade eficiente, o mencionado autor refere que os criadores desta teoria não conseguiram a definição, em bases sólidas, de que modo seria aferida a causalidade de forma concreta.
Foi então que, em meio a todas essas teorias e críticas, surgiu a teoria da causalidade direta ou imediata, consagrando como causa jurídica apenas, e tão somente, o evento que se vinculasse direta e imediatamente ao dano, sem a interferência de outra condição sucessiva.
Esta foi, inclusive, a teoria adotada tanto pelo Código Civil de 1916, quanto pelo codex atual, que em seu art. 403 cristaliza que as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e lucros cessantes que dela derivem direta e imediatamente.
Muito embora sejam nítidas as bases seguras em que se funda a teoria adotada pelo legislador pátrio, com o tempo essa teoria passou a ser considerada excessivamente restritiva, sobretudo nos casos em que a causa indireta do prejuízo associava-se à causa direta de modo muito intenso, conforme salientado por Anderson Schreiber (2009, p.60).
Por esse motivo, o autor adverte que apesar de ter o Código Civil utilizado acepção que excluísse o dano indireto ou remoto de sua literalidade, em algumas situações tal abordagem gerava enorme injustiça, o que ensejou, por consequencia, o desenvolvimento da subteoria da necessidade causal, “que entendesse as expressões dano direto e imediato de forma substancial, como reveladores de um liame de necessidade – e não de simples proximidade – entre causa e efeito” (SCHREIBER, 2009, p.60). Essa admissibilidade pode ser constata facilmente na pacífica indenizabilidade, pelos Tribunais dos chamados danos reflexos, ou por ricochete.
Assim, Anderson Schreiber (2009, p.60) afirma que “haverá o dever de reparar, quando o evento danoso for efeito necessário de determinada causa, o que, segundo o autor, possibilita identificar danos indiretos, passíveis de ressarcimento, desde que seja consequencia necessária da conduta tomada como causa”.
Além da hipótese acima mencionada, em que se admite a reparação dos danos reflexos ou indiretos representando, claramente, uma mitigação da teoria do nexo de causalidade, adotado pelo Código Civil de 2002, é preciso, também, e agora de modo mais sutil, que a expressão “efeito direto e imediato” não seja compreendida em seu sentido literal. Isso porque, a adoção de letra tão estreita inviabilizaria, sem dúvida, conforme assinalado por Cristiano Chaves de Farias (2008, p.69) a proteção avançada da pessoa humana[3].
Dentro desse contexto, é que Fernando Noronha (2003, p.600) assinala ser adepto da teoria da causalidade adequada[4], que “procura resolver o problema do nexo causal em termos de razoabilidade e previsibilidade do dano, considerando o curso natural das coisas”. Segundo essa teoria, uma condição deve ser considerada causa de um dano quando, segundo o curso natural das coisas, poderia produzi-lo; as demais causas, por sua vez, seriam circunstâncias não causais.
Para o autor, a adoção da teoria exige que seja feita uma prognose retrospectiva, pois, somente quando o indivíduo colocar-se em uma situação anterior ao momento da prática do injusto, e perceber que era normalmente previsível que o dano viesse a ocorrer, mesmo que estatisticamente não fosse muito provável, a causalidade será adequada, podendo esta ser originária de uma formulação negativa ou positiva.
No tocante à formulação positiva, Fernando Noronha (2003, p.601) aduz que “um fato deve ser considerado causa adequada de um evento posterior, quando favoreça a produção deste”, diferentemente do que ocorre na formulação negativa, onde a “causa adequada é a que, segundo as regras da experiência, não é indiferente ao surgir do dano”, e que, por esse motivo, a causalidade só fica excluída quando se trate de consequencia indiferente ao fato, estranhas ou extraordinárias.
Todavia, Fernando Noronha (2003, p.603) assevera que, apesar de preferir a formulação negativa[5], esta só tem utilidade caso a formulação positiva não consiga revelar a existência do nexo causal.
Ao analisar a formulação negativa na prática, Fernando Noronha (2003, p. 605) cita como exemplo o fato de o médico não ter solicitado biópsia para verificar a natureza de um tumor, que depois se apurou ser cancerígeno e que, por isso, causou a morte da paciente. Ressalta, também, a hipótese de um médico, que por erro culposo de diagnóstico, aplicou um tratamento inadequado ao paciente, e este depois vem apresentar um agravamento do seu quadro clínico. Para o referido autor, em ambas as hipóteses caberá ao profissional médico, em eventual ação regressiva, provar que ao tempo da intervenção cirúrgica e que a aplicação de um tratamento inadequado seriam inúteis para reverter o quadro clínico dos pacientes.
Contudo, Fernando Noronha (2003, p.608) adverte que apesar da teoria da causalidade adequada atender melhor aos interesses e valores em jogo em matéria de responsabilidade civil, ela não pode ser entendida como uma panaceia, capaz de conduzir à solução justa de todos os casos, pois o valor da supramencionada teoria está em “delimitar o marco extremo até onde pode ir a responsabilidade do agente. Por esse motivo, é que o autor afirma que o problema da extensão dos danos não pode ser resolvido apenas em termos de causalidade, já que se deve levar em conta, também, se o dano em questão é protegido pelo ordenamento jurídico.
Em síntese, o mencionado autor aduz que é preciso que o dano seja condição sem a qual o ato praticado não teria ocorrido; que o fato atribuível ao responsável possa ser considerado causa adequada do dano verificado (de acordo com as regras da experiência a que faz referência o art. 335 do Código de Ritos), pois somente nas hipóteses em que se puder concluir que o fato favoreceu a produção do dano, ter-se-á a relação de causalidade demonstrada.
No tocante à adoção dessas teorias pelos Tribunais pátrios, Gustavo Tepedino (2001, p.9) refere que na verdade não há, por parte das cortes, um consenso quanto à adoção das teorias, e por esse motivo, afirma que “diante do panorama da causalidade na jurisprudência brasileira, é necessário que se leve em consideração não suas designações, mas sim a motivação que inspira as decisões, permeadas predominantemente pela teoria da causalidade necessária”.
Nesse diapasão, Anderson Schreiber (2009 p.65) afirma que a indefinição das teorias da causalidade tem servido, sobretudo, à garantia da reparação às vítimas dos danos, assegurando-lhes alguma compensação pelos menoscabos sofridos; e que uma consequencia inquestionável dessa situação é a de que, tanto a jurisprudência quanto a doutrina encontram-se, longe do que afirmava Altavilla, quando dizia que o nexo causal jamais seria presumido.
Justamente dentro desse cenário é que se insere, para parte da doutrina, a teoria da perda da chance. Rafael Peteffi da Silva (2009, p.50) aduz que para os adeptos a esta concepção, com as teorias tradicionais do nexo de causalidade, a reparação do dano final não seria possível, pois não se poderia qualificar, com exatidão, a conduta do agente como condição necessária para o surgimento do dano final. Por esse motivo, o autor afirma que as chances perdidas estariam, para essa doutrina, sendo utilizadas como meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem esperada).
Parte da doutrina considera que por estar a teoria da perda da chance imbricada à mitigação do conceito de nexo causal adotado pelo Código Civil, esta seria apenas, conforme assinalado por Leonardo Vieira Santos (2008, p.181), uma espécie de liame etiológico presumido, por ela ter sido criada para vencer a dificuldade da prova do nexo de causalidade. Os que advogam essa tese, afirmam que o principal objetivo da perte d’une chance é mitigar o nexo causal enquanto pressuposto da responsabilidade civil, visto que se sustenta a ideia segundo a qual se deve punir uma conduta culposa independentemente de se conseguir provar o efetivo liame que une a conduta e o dano experimentado (SANTOS, 2008, p.182).
Vê-se, desse modo, que tal posição sustenta-se, sobretudo, pelo fato desta doutrina considerar que a perda da chance é indissociável do dano final. Esse entendimento é também sustentado, ainda com maior fôlego, na seara médica, pois, conforme salientado por Rafael Peteffi da Silva (2009, p.65) a perda da chance seria utilizada como uma técnica para mitigar as injustiças em casos médicos, em que a vítima fosse deixada sem qualquer reparação devido à dificuldade de prova do nexo de causalidade, mesmo estando comprovada uma falha médica que guarda relação com o dano final.
Com toda vênia, tal entendimento não merece prosperar. Isso porque, a teoria da perda da chance não foi criada para mitigar o pressuposto do nexo de causalidade. Ao contrário, tal teoria vem sendo aplicada para proteção da pessoa humana, que diante dos atos lesivos praticados por outrem, se vê privado de determinada oportunidade.
Portanto, não há dúvida de que a perda da chance constitui “uma nova concepção de dano indenizável, pelo qual se admite a reparabilidade - independentemente da certeza de um resultado final – da subtração de uma oportunidade futura” (FARIAS, 2008, p.70).
Toda a confusão doutrinária pode estar justamente no fato de que na perda da chance, ao contrário do que ocorre nas demais modalidades de dano, indeniza-se a vítima “independentemente da certeza do resultado final”, conforme assinado por Cristiano Chaves de Farias no parágrafo anterior. Por esse motivo, a perda da chance deve ser vista como algo inerente não a evolução do conceito de nexo de causalidade, mas sim ao elastecimento do conceito de dano.
Isso porque, conforme salientado por Rafael Pettefi da Silva (2009, p.79), “o principal motivo que impossibilita a indenização do dano final, nos casos típicos de perda de uma chance, é a impossibilidade de provar que a conduta do réu representa uma conditio sine qua non”.
Nessa toada, Fernando Noronha (2003, p.542), também relaciona a perda da chance a elasticidade do conceito de dano e assevera que a ampliação dos danos suscetíveis de reparação reflete-se na diminuição das exigências para o reconhecimento de certos danos tem sido feito principalmente pela via do alargamento da noção de causalidade e pela crescente aceitação da reparabilidade de certos danos de natureza um tanto aleatória, como é o caso da perda da chance.
Portanto, corrobora-se, mais uma vez, o entendimento de que a ampla reparabilidade dos danos está associada tanto à flexibilização do nexo de causalidade, conforme evidenciado na análise das teorias anteriormente mencionadas, bem como com a maximização do conceito de dano, que é para o referido autor, acertadamente a posição que se relaciona com a indenização pela perda das chances.
Conforme visto no tópico anterior, “o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo da responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada” (SILVA, 2009, p.73) correspondendo ao que aspira a sociedade atual: reparação mais abrangente possível[6].
Nota-se, com isso, que cada vez mais a doutrina, e o próprio legislador, distanciam-se da velha concepção de dano, em que apenas eram indenizados os danos patrimoniais, certos e tangíveis e aproximam-se da reparabilidade de danos incertos, intangíveis ou com efeitos puramente emocionais.
Dentro desse contexto, Rafael Pettefi (2009, p.76) afirma que grande parte da doutrina assevera que a teoria da responsabilidade pela perda de uma chance não necessita de noção de nexo de causalidade alternativo para ser validada, pois, para essa corrente, seria necessário apenas uma maior abertura conceitual de dano indenizável para que a aplicação da teoria fosse viabilizada[7].
Observa-se, com isso, que para essa corrente doutrinária, diferente do posicionamento acima explicitado, considera-se a chance perdida independente do dano final (vantagem esperada), por serem elas passíveis de aferição pecuniária.
Portanto, para essa corrente doutrinária, o dano indenizado é a perda da própria oportunidade de obter-se determinada vantagem[8], que foi, comprovadamente, frustrada. O que há de incerto na teoria – e que provavelmente contribuiu para a tese anteriormente citada – é a possibilidade da situação vantajosa vir a concretizar-se, pois, devido à interrupção ocasionada pelo agente lesador, ela se tornou, conforme assinalado por Noronha (2003, p.665), mais ou menos aleatória[9].
Segundo o mencionado autor, apesar de aleatória, a possibilidade de obter o benefício em expectativa, é um dano real, que é constituído pela própria chance perdida, isto é, pela possibilidade que se dissipou, de obter no futuro a vantagem, ou de evitar o prejuízo que veio a acontecer (NORONHA, 2003, p.666).
Ademais, deve-se ressaltar que para essa corrente, não há que se falar em mitigação do conceito de nexo causal, pois é patente a relação causal entre o fato danoso e a perda das chances. A relação de causalidade, aqui, não é analisada da conduta ao resultado final, pois não há condição necessária que interligue tais eventos. Por esse motivo, analisa-se, tão somente, se a conduta do réu constituiu condição necessária para a diminuição da probabilidade da vítima de auferir melhor condição.
Esse é, também, o posicionamento adotado por Judith Martins-Costa (2003, p.362), que, em análise sobre a admissibilidade da teoria pelo ordenamento pátrio à luz do art. 403 do Código Civil, afirma que mesmo não sendo a chance de realização do evento danoso certa, a chance perdida o é, e que por assim ser, não há óbice à aplicação, criteriosa, da teoria.
No tocante à perda da chance na seara médica, a despeito de entendimentos contrários (que consideram estar a perda da chance da seara médica submetida a outro regramento, que não ao de dano específico), coaduna-se, aqui, com o entendimento exposto por Georges Durry (1972, p.410, apud SILVA, 2009, p.99) que não consegue vislumbrar uma nítida diferenciação entre os casos de perda de uma chance na seara médica e os demais casos de aplicação da teoria, pois o fato de o processo aleatório seguir até o final, ou não, não é suficiente para distinguir tais categorias[10].
Nesse mesmo sentido, porém adotando classificação diversa, Fernando Noronha (2003, p.671) assevera que, independentemente da modalidade adotada, seja a perda da chance de obter uma vantagem futura (perda da chance clássica) ou perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido, a perda da chance, quando consequencia adotada do fato antijurídico que estiver em questão, apresenta-se sempre como um dano específico, pois são distintos dos benefícios que eram esperáveis.
Em análise sobre as modalidades acima referidas, o referido autor afirma que embora em ambas o ponto inicial seja a existência de uma chance real que foi frustrada, na primeira, o fato jurídico interrompe um processo que estava em curso, tornando impossível afirmar que, sem a interrupção, o resultado em expectativa aconteceria necessariamente, diferentemente do que ocorre na segunda modalidade, onde apesar de existir um processo causal em curso, este chegou ao seu final, tendo efetivamente causado o dano receado. Na segunda modalidade, a questão que se coloca é saber se tal dano (presente) poderia e deveria ter sido evitado, isto é, se o indigitado responsável poderia e deveria ter interrompido o processo danoso em curso.
Por ser na segunda modalidade (perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido) a que melhor se adapta aos casos de responsabilidade médica, serão traçadas, com maior exatidão, as características a que Fernando Noronha faz referência.
Segundo o referido autor, para que se fale em perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido, é imprescindível que o processo, o qual levou a vítima a sofrer o dano já estivesse em curso e que houvesse a possibilidade dele ser interrompido por uma certa atuação, que fosse exigível do indigitado responsável, mesmo que não seja possível garantir que com tal atuação o dano teria sido evitado.
Em ambas as modalidades o resultado almejado possui natureza aleatória. Todavia, na perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido, “o dano surge exatamente porque o processo em curso não foi interrompido, quando poderia tê-lo sido” (NORONHA, 2003, p.676), pois caso tivesse sido haveria a possibilidade de o dano não se verificar, a despeito de ser impossível, devido às circunstâncias, se isso realmente teria acontecido.
Para Noronha (2003, p.676) a pergunta que se mostra decisiva na análise da perda da chance nesta modalidade é: “O dano poderia ter sido evitado caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo?” Caso seja positiva a resposta, haverá sim o dever de indenizar pela retirada da chance.
A título ilustrativo, o referido autor traz como exemplo de um paciente que se encontra definitivamente inválido ou morto, devido ao erro de diagnóstico cometido pelo médico. Para o autor, mesmo sem esse erro poderia ser que o paciente acabasse inválido ou morresse, mas, com o erro, as chances de que isso ocorresse ficaram maiores.
Por ser, nestes casos, impossível estabelecer um nexo de causalidade, com precisão, entre a conduta do lesador e o dano final, alarga-se o conceito de dano, para que estas chances sejam passíveis de indenização, afastando, assim, a regra do tudo ou nada[11]. Por isso, o alargamento do conceito de dano parece ser o enquadramento mais adequado à teoria.
Contudo, de nada adianta analisar o enquadramento sem que se atente para os requisitos que tornam viável a reparação dos danos causados pela perda da chance. É o que se verá adiante.

A CERTEZA DO DANO OCASIONADO PELA PERDA DA CHANCE

Tomando-se como base a corrente doutrinária que associa a perda da chance a um dano específico, mesmo nos casos relacionados à responsabilidade médica, é preciso atentar-se para o fato de que a perda da chance somente será indenizada quando esta consistir em um dano certo[12].
Segundo Fernando Noronha (2003, p.666) dano certo são aqueles que sejam consequencia adequada de um determinado fato antijurídico, como também sejam objeto de prova suficiente para demonstrar a sua ocorrência, se danos presentes (danos que já aconteceram, mas que poderiam ter sido evitados); ou a verossimilhança de que virão a ocorrer, se danos futuros (danos relativos a eventos que não aconteceram e que só poderiam vir a verificar-se no futuro).
Para o referido autor, tal classificação é importante porque é preciso distinguir os danos certos daqueles que são eventuais, distinção que será feita mais adiante, em tópico que analisará os requisitos indispensáveis para a indenização pela perda da chance.
Nesse mesmo passo, Judith Martins-Costa (2003, p.362) afirma que o art. 403 afasta o dano meramente hipotético e não as hipóteses em que a vítima demonstre a existência do nexo causal entre a ação lesiva praticada pelo lesante e o dano sofrido (perda da probabilidade séria e real), pois nestes casos configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.
Infere-se, com isso, que toda vez que o dano for consequencia adequada de um determinado ato injustamente praticado e que, também, após a análise de sua probabilidade, seja considerado objeto de prova suficiente para demonstrar a sua ocorrência, ele será considerado um dano certo, e, portanto, indenizável; circunstância esta que pode ser perfeitamente aplicável a perda de uma chance.
Partindo-se dessa premissa, de que é possível indenizar a perda da chance diante da certeza do dano ocasionado, é preciso examinar se houve, ou não, restrição a aplicação dessa teoria pelo legislador pátrio.

A AMPLIAÇÃO DA RESSARCIBILIDADE: A CLÁUSULA GERAL DO ART. 186 DO CC/02

O surgimento da responsabilidade civil objetiva e da flexibilização do nexo causal implicaram, sem dúvida, uma ampliação considerável do número de pretensões ressarcitórias que passaram a ser julgadas procedentes pelo Poder Judiciário. É que muitas demandas, apesar de nitidamente lesivas, não eram julgadas favoravelmente pelo simples argumento de que não apresentavam, com clareza, os pressupostos ensejadores da responsabilidade civil, o que deixava, por outro lado, a vítima sem qualquer forma de compensação.
Contudo, com todas as mudanças trazidas pelo pós-positivismo e pela ampliação do acesso à justiça, visualizadas no Capítulo 1 do presente trabalho, é possível assegurar que o núcleo da responsabilidade civil deixou de ser a culpa do lesador e passou a ser o dano, “apelidado” por Anderson Schreiber (2009, p.82) de ratio da reparação.
Nesse diapasão, o Código Civil brasileiro, construído com forte influência francesa e italiana, consagrou em seu art. 186, assim como nos países citados, uma verdadeira cláusula geral da responsabilidade civil. É que o mencionado artigo dispõe que “todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, cometerá ato ilícito” e ficará sujeito a consequencia estabelecida no art. 927, qual seja, o dever de reparar.
Com isso, é possível concluir que o legislador do Código Civil não delimitou quais seriam as espécies de danos passíveis de reparação, apenas foi incisivo ao exigir a presença do ato ilícito em si considerado.
Diante disso, Sérgio Savi (2006, p.84) questionou qual seria, então, o motivo que obstaria a aplicação da teoria da perda da chance no ordenamento jurídico brasileiro e em resposta ao seu questionamento o autor faz referência à explicação dada por Clóvis Couto e Silva, que dizia não ser aplicável a teoria por terem os artigos. 1.537 a 1.554 do Código Civil de 1916 enumerado de forma taxativa os bens protegidos pelo ordenamento jurídico.
Sucede que os mencionados dispositivos não foram reprisados, na íntegra, pelo novo Código Civil, tendo em vista que os arts. 948 e 949, que tratam atualmente da matéria, voltam a se valer da cláusula geral, já contida no art. 186, ao dizer que “no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações” e que “o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
Vê-se, deste modo, com a simples – e ainda que perfunctória leitura sistemática dos dispositivos – que não houve, por parte do legislador, qualquer objeção no tocante à admissibilidade da perda da chance como um dano jurídico passível de indenização.
Diante de tais circunstâncias, é preciso analisar em que medida o princípio da dignidade da pessoa humana relaciona-se com o postulado da efetivação do princípio da reparação integral para que seja possível aferir de que modo eles estão relacionados à admissibilidade da teoria da perda da chance.

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO POSTULADO DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL

O princípio da reparação integral dos danos encontra-se, conforme salientado por Sérgio Savi (2006, p.86), implicitamente consagrado no art. 402 do Código Civil brasileiro. Isso porque, segundo o referido autor, o legislador estatuiu que serão indenizáveis não apenas os danos efetivamente perdidos, mas também aqueles que o lesado razoavelmente deixou de ganhar, fazendo com que a vítima retorne, sempre que for possível, ao estado em que anteriormente se encontrava[13].
Considerando que a dignidade da pessoa humana, fundamento da República consagrado no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, tem, dentre outros objetivos, servir como vetor interpretativo das normas jurídicas, é mister que se faça – para que esta cláusula geral continue sendo considerada o núcleo axiomático do sistema normativo – uma interpretação do referido dispositivo de acordo com esses ditames.
Bem por isso é que Sérgio Savi (2006, p.88) afirma que não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou uma oportunidade em razão do ato de outrem, pois afirmar o contrário seria o mesmo que negar aplicação aos postulados consubstanciados pelo pós-positivismo. Por esse motivo, o autor advoga a tese da necessidade de uma releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional[14].

REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A INDENIZAÇÃO PELA PERDA DA CHANCE DE CURA

Malgrado seja a perda da chance um conceito jurídico indeterminado e de difícil definição, é possível assentar que essa teoria visa ressarcir a vítima que teve a chance de conseguir determinado benefício esvaziada pela conduta de outrem. A perda da chance é, portanto, a frustração da probabilidade, séria e real, de não vivenciar determinado acontecimento.
A expressão “perda da chance” compreende os casos em que a vítima afetada tinha, no momento da lesão, uma oportunidade séria o suficiente para considerar que o dano ocasionado por terceiro foi tão significativo a ponto de impedir que possíveis benefícios e vantagens lhe fossem somados. É como se o dano vislumbrado estivesse encoberto por um nevoeiro que impedisse a vítima de enxergar quais seriam de fato as consequencias daquele evento, caso um terceiro não tivesse nele interferido. Em outras palavras, é como se a prática do ato lesivo gerasse uma incerteza no sujeito afetado que, de forma abrupta, viu-se privado de saber se o efeito benéfico e esperado seria ou não produzido.
Como na perda da chance a probabilidade é que é consumida, e não o dano efetivamente esperado, a sua reparação nunca poderá ser valorada como se o dano tivesse de fato ocorrido, pois se trabalha, aqui, com a indenização pela perda da possibilidade e não com a perda dos benefícios que dela se originariam, pois estes são incertos, já que não mais poderão ser concretizados.
Todavia, para que o dano ocasionado pela perda da chance seja indenizável, é preciso que essa chance supere o caráter eventual ou hipotético e seja considerada uma probabilidade suficiente para adentrar ao campo da responsabilidade civil, preenchendo os seus pressupostos, ainda que de maneira flexibilizada.
Marcelo Mesa (2008, p.11), em análise sobre a temática, entende, que são cinco os requisitos necessários para fazer com que a perda da chance deixe de lado o caráter eventual e adentre ao mundo dos danos ressarcíveis: i) antijuricidade da atuação do causador do dano; ii) a legalidade do direito; iii) a relação de causalidade entre a frustração da chance e a atuação do lesador; iv) a probabilidade suficiente; v) e a possibilidade de quantificação da chance frustrada.
Ver-se-á, adiante, a análise detida dos sobreditos requisitos, diante da importância destes para o enfrentamento do problema eleito nesta monografia.

A antijuridicidade da atuação do causador do dano

O primeiro dos requisitos trazidos por Marcelo Mesa (2008, p.11) é a antijuricidade da atuação do causador do dano. Para o autor é imprescindível que a atuação do ofensor seja ilegítima, pois caso contrário não será devido àquele que foi danificado.
Trazendo a análise desse primeiro requisito para um caso prático, é possível imaginar a situação em que um médico, subordinado a entidade estatal, ao deparar-se com um sério problema de circulação ocasionado por uma gangrena em seu paciente, que se encontra em coma induzido devido ao acidente sofrido, e em risco de morte, decida que o melhor a ser feito, naquele caso, seria amputar-lhe a perna para evitar que danos maiores fossem causados. Não há dúvida de que uma eventual demanda ressarcitória pela perda da chance de andar, proposta pelo paciente contra o nosocômio, não mereceria qualquer reparação, pois o médico agira, inquestionavelmente, de forma legítima.
Conforme salientado na abordagem feita no presente trabalho, para que o Estado seja responsabilizado pela perda da chance em razão de eventuais erros de diagnósticos praticados por seus agentes, é necessário que os atos praticados por estes sejam antijurídicos; caso contrário não há que se falar em responsabilidade estatal.

A legitimidade do direito

O segundo requisito a que Marcelo Mesa (2008, p.11) faz alusão diz respeito à legitimidade do direito. Isso porque mesmo que de fato tenha sido retirada do sujeito afetado a probabilidade de auferir determinado benefício, se este for considerado antijurídico não há que se admitir uma eventual pretensão ressarcitória cujo objeto tenha esta natureza.
Um exemplo – aparentemente esdrúxulo – seria o caso de um médico que malgrado tivesse, de fato, conduzido seu paciente à morte por ter se equivocado ao definir o seu diagnóstico, fosse surpreendido com uma ação, proposta pelos descendentes da vítima, em que se pleiteasse indenização pela perda da chance de auferir proventos com o tráfico de substâncias entorpecentes. Isso porque, mesmo sendo a causa de pedir (erro de diagnóstico) legítima, o pedido (perda da chance de auferir benefícios com o tráfico de substâncias entorpecentes) é tido como antijurídico pelo ordenamento.

Relação de causalidade adequada entre a frustração da chance e a atuação do lesador

O terceiro requisito mencionado por Marcelo Mesa (2008, p.11) é o da necessidade da existência de um nexo causal unindo a frustração da chance e a atuação do causador do dano. Nota-se, com isso, que o nexo de causalidade existe, mas não nos moldes idealizados pela teoria clássica da responsabilidade civil. É que aqui, o nexo de causalidade não une o dano ao resultado final, mas sim à perda da chance de auferir determinado benefício, tendo em vista que aquele se tornou imprevisível a partir da conduta danosa.
Por esse motivo é que Marcelo Mesa (2008, p.13) assevera que a ausência de relação de causalidade entre a perda da oportunidade e a atuação do demandado impedirá que a chance seja ressarcida. Com base nisso é que o referido autor afirma que a perda da chance pressupõe um enfoque particular da causalidade.
Ao aplicar tal entendimento à perda da chance de cura, Marcelo Mesa (2008, p.12) refere que quando a probabilidade é considerada como suficiente pelos peritos, e o juiz deduz das provas periciais produzidas a existência de presunções, não há dúvida de que estas servirão para demonstrar a existência de um nexo de causalidade. Todavia adverte que nas hipóteses em que a dúvida subsista, e quando não for possível ao magistrado fazer o juízo de probabilidade, o ônus de provar a existência do nexo de causalidade é da vítima.
Marcelo Mesa (2008, p.12) adverte, também, que mesmo considerando ser pacífico o entendimento de que a prova do nexo de causalidade na perda da chance de cura é ainda mais complexo do que em outras hipóteses, a exigência da relação de causalidade entre a chance perdida e a atuação do sujeito é de exigência indiscutível.
O autor dá como exemplo um caso julgado pela Corte de Cassação Francesa em que uma mulher imputou ao cirurgião a má-formação de seu filho – que apresentava atrofia em ambas as orelhas e surdez total – por ter realizado, no início da gravidez, um exame de radiografia. Todavia, a Corte se posicionou no sentido de não admitir a pretensão da demandante por considerar que a síndrome apresentada pela criança era originária de uma predisposição genética e que a eventual contribuição da irradiação seria insignificante e não seria, por consequencia, indenizável.
Nota-se, desse modo, que para ser o dano pela perda da chance inidenizável, é preciso que a conduta do agente estatal seja consequencia adequada de um determinado fato antijurídico, como também sejam objeto de prova suficiente para demonstrar a sua ocorrência.

A probabilidade suficiente

Outro requisito mencionado pelo autor é o da necessidade de pesar os aspectos favoráveis e os aspectos contrários ao prejudicado, pois somente após essa avaliação é que será possível admitir, ou não, a aplicação da teoria da perda da chance ao caso em análise. Para o autor, somente quando o saldo dessa equação restar positivo, demonstrando, estatisticamente, que seguindo o curso normal e ordinário das coisas, era provável que se obtivesse a vantagem, será possível ressarcir o sujeito afetado pelos danos causados.
Quer-se dizer, com isso, que possibilidades vagas e meramente abstratas não serão passíveis de indenização. É o que se verá mais adiante, em tópico específico.

A possibilidade de quantificação da chance frustrada

O último dos requisitos trazidos por Marcelo Mesa (2008, p.12) é o da possibilidade de quantificação da chance frustrada. Segundo o autor, a ausência de avaliação deste item pode transformar a concessão de um ressarcimento em uma “caixa de Pandora”. Por esse motivo é que o referido doutrinador assevera que esse requisito deve ser aferido com grano salis, ou, em outras palavras, com prudência ímpar, procurando não convalidar por esta via, abusos manifestos, nem tentativas mascaradas de lucro fácil.

CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DA CHANCE

Antes de adentrar na análise da temática, é de suma importância esclarecer a distinção existente entre “chance” e “risco”.
Conforme salientado por Rafael Pettefi da Silva (2009, p.115), a perda da chance tem sido admitida como mais uma hipótese de ressarcimento, pois o uso de estimativas e probabilidades conferem um certo grau de precisão suficiente para que os Tribunais a aceitem como uma espécie típica de dano, ora como utilização pouco ortodoxa do nexo de causalidade.
Situação distinta a que Rafael Pettefi (2009, p.118) se refere é a da responsabilidade pela criação de riscos. É que nessa hipótese, apesar de ter a vítima sido comprometida com a conduta do réu, não é possível mensurar, com precisão, os resultados práticos desse comportamento gravoso, pois “dependente de situações desconhecidas”.
Segundo o referido autor, o ponto nevrálgico da distinção se situa no resultado. É que na perda da chance, a vítima encontra-se em um processo aleatório, que ao final pode gerar uma vantagem. Entretanto, no momento da apreciação da demanda, o processo pelo qual a vítima passou já chegou ao final reservando-se-lhe um resultado negativo. Situação completamente oposta acontece com a responsabilidade pela perda de risco, pois apesar de a vítima encontrar-se em um processo aleatório, é “impossível saber se em momento futuro a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima será efetivamente observada”[15].
O exemplo fornecido pelo autor, bastante convincente, noticia uma situação em que determinado sujeito encontrava-se constantemente exposto a substâncias tóxicas, aumentando o risco de contrair determinadas doenças. Segundo o autor, mesmo existindo comprovação científica, de que a existência de determinadas doenças possa estar associada à exposição a estas substâncias, a vantagem esperada pela vítima, que é a da saúde perfeita, ainda pode ser perfeitamente alcançada, diferentemente da perda da chance, onde a doença já se manifestou de forma definitiva.
Apesar de não ser este o objeto do presente trabalho, é importante que se diga que a reparação civil por cada um destes institutos é distinta, pois na perda da chance de cura, o dano que poderia advir da falha do profissional médico já foi concretizado, apesar de não ser possível afirmar, com certeza, se a falha do profissional foi, de fato, determinante para o acontecimento do resultado lesivo. Situação completamente distinta ocorreria caso o arbitramento de uma indenização fosse feito pelo simples fato de ter a conduta médica lesiva, criado um risco ao seu paciente, ou seja, por ser a situação criada perigosa.
A despeito de existirem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no direito comparado admitindo a reparação pela teoria do risco criado, a abordagem da questão não será objeto do presente trabalho. O tema foi trazido à baila apenas, e tão somente, para que fossem estabelecidas as diferenças que separam os institutos.
Passa-se, agora, à importante leitura da seriedade das chances, para que não sejam reparados danos meramente hipotéticos, enriquecendo a vítima sem causa justificável.

Meras ilusões perdidas não são reparáveis: a necessidade de ser a chance real e séria

Esta talvez seja a questão de maior importância na análise da teoria da perda da chance. A indefinição do conceito e as falhas encontradas na jurisprudência demonstram a necessidade de se distinguir meras ilusões de chances reais e sérias. Isso porque, uma má interpretação desta teoria poderá descambar em uma extensão ad infinitum do conceito de dano indenizável.
Conforme já salientado anteriormente, a indenização da perda da chance, além de outros requisitos já analisados, depende da perda da possibilidade de adquirir um benefício provável e esperado. A privação dessa oportunidade faz surgir um dano, ainda que este seja de difícil avaliação. Daí a importância de sopesar as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis à ocorrência do evento danoso, pois somente por meio desse método é que se chegará à conclusão: se a perda da chance deve ou não deve ser indenizada e, em caso positivo, em que proporção.
É o que defende Marcelo Mesa (2008, p.16) ao afirmar que somente quando a perda da chance alcança certo grau de probabilidade é que será possível indenizá-la. Por isso, o autor defende que a decisão se baseie em um prognóstico da situação: “em condições normais de não haver existido interferência no acontecimento danoso quais eram as probabilidades de chance do sujeito afetado?”. Ou seja, exclui-se hipoteticamente o acontecimento danoso para que seja possível saber se o dano, naquelas circunstâncias iria, ou não, acontecer.
Para o autor, a não realização desse prognóstico prospectivo-retrospectivo faz com que muitos juízes apreciem a perda da chance de forma “esotérica”. A importância dessa avaliação é justamente a de afastar as probabilidades vagas ou meramente hipotéticas, que não poderão ser objeto de ressarcimento.
Em sentido similar, Rafael Pettefi da Silva (2009, p.138) afirma que a teoria da perda da chance encontra o seu limite no caráter de certeza que deve apresentar o dano reparável. Para o referido autor, para que seja a demanda digna de procedência, a chance perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva.
Quer-se dizer, com isso, que a teoria da perda da chance não pode ser utilizada como uma carta em branco para ressarcir a vítima em situações que a sua pretensão não passe de uma mera ilusão. Caso contrário, além de se estar sendo deferida uma pretensão de reparação sem causa (enriquecimento ilícito), também haverá, por vias reflexas, uma desmoralização do instituto.
Por isso é que Marcelo Mesa (2008, p.18) adverte que o magistrado deverá ter bastante cuidado ao analisar uma pretensão lastreada nesta teoria para que não confunda “chance perdida” com “chance imaginária”.
Deve-se avaliar, portanto, se a chance alegada era de provável ou improvável realização. Se o dano for provável ou certo, deverá ser a chance indenizada. Entretanto, caso seja ele incerto ou improvável, a frustração não poderá ser indenizada, pois desprovida de razoabilidade. Faz-se mister assinalar, no entanto, que esse julgamento dependerá, invariavelmente, de prova pericial.
Assentadas essas primeiras premissas relacionadas à admissibilidade da perda da chance, imperioso se faz o exame da teoria da perda da chance aplicada aos casos em que haja erro de diagnóstico médico de responsabilidade estatal, tema central do presente trabalho.

A RESPONSABILIDADE ESTATAL PELA PERDA DA CHANCE EM RAZÃO DO ERRO DE DIAGNÓSTICO MÉDICO

A perda da chance de cura pode, segundo assinalado por Miguel Kfouri Neto (2002, p.105) aparecer na área da responsabilidade médica em diversas situações práticas. O referido autor faz menção à aplicação da teoria nas hipóteses pelo erro do diagnóstico médico, pela ausência de exames pré-operatórios, pela ausência de anestesista qualificado e pela falta de cuidados médicos.
Há que se salientar, no entanto, que este trabalho tem como objeto apenas a primeira das hipóteses, qual seja, a que relaciona a perda da chance ao erro de diagnóstico médico.
Conforme observado no Capítulo 3 deste trabalho, o diagnóstico médico não é um ato isolado, mas sim um conjunto de atos sequenciados que desencadeiam em uma determinada conclusão diagnóstica. Todavia, mesmo que sejam cumpridas, com afinco, as etapas necessárias a este desencadeamento, é possível que a conclusão a que se chegue não seja aquela que realmente acomete o paciente-vítima de determinada moléstia.
Outrossim, deve-se salientar, também, que mesmo após o profissional médico ter apontado uma conclusão diagnóstica, é possível que ao dar início ao tratamento sugerido, ele descubra que se tratava de outra enfermidade.
O erro dessa conclusão diagnóstica pode ocorrer de duas maneiras, que são completamente opostas. Em uma delas, a conclusão a que se chega, mesmo que equivocada, é fruto da dedicação exigida pelo profissional médico que, diante das inúmeras hipóteses diagnosticas, priorizou, de forma fundamentada, a que lhe parecia, com segurança, estar mais bem amoldada às características apresentadas em determinado quadro clínico. A outra hipótese, no entanto, está relacionada a uma conclusão diagnóstica equivocada não somente no ato final, mas também, e, sobretudo, no passo a passo traçado pelo profissional, que com a sua conduta incorreta acabou por viciar toda a cadeia sequencial coerente exigida do médico.
Não há dúvida de que esses dois tipos de profissionais merecem tratamentos diversos e isso não poderia ser diferente no tocante à teoria da perda da chance de cura.
Por isso, a afirmação a que Kfouri Neto (2002, p.105) faz referência, lastreado no posicionamento da jurisprudência, deve ser analisada com muito cuidado. Segundo o autor, “a jurisprudência cível tem considerado que o erro de diagnóstico, que determina tratamento inadequado, acarreta a perda de uma chance de cura ou sobrevivência”. O cuidado deve ser no seguinte sentido: não é possível afirmar, categoricamente, que o tratamento indicado erroneamente ensejará sempre a reparação pela perda de uma chance. Por essa razão, é que o melhor seria dizer que o diagnóstico equivocado pode levar à reparação pela perda da chance de cura. Deve-se frisar, portanto, que os institutos, apesar de terem nítida relação entre si, nem sempre aparecerão acompanhados um do outro.
Caso contrário, seria legítima a crítica mencionada por Kfouri Neto (2002, p.104) que em análise sobre a aplicação da teoria da perda da chance de cura, afirma que esta estaria transformando a responsabilidade do profissional médico em uma obrigação de resultado. De fato, a crítica é extremamente coerente e oportuna, pois conforme salientado no Capítulo 2 desta monografia, não há dúvida de que a obrigação do médico é, na grande maioria dos casos, de meios e a teoria da perda de uma chance não tem o condão, e nem objetiva, afastar essa regra geral.
Não obstante ser pacífica esta ideia de que a obrigação profissional do médico é de meios, faz-se mister asseverar que a obrigação é de meios somente no tocante ao resultado, pois no que diz respeito à conduta, haverá sim obrigação de resultado. Ou seja, o resultado da atuação do profissional (conclusão diagnóstica) é que é incerto, mas os meios que foram utilizados para almejar tal conclusão são, por seu turno, certos e devem ser manejados corretamente.
Contudo, faz-se mister salientar que esse raciocínio, de levar em consideração a conduta desempenhada pelo profissional médico, deverá ser levado em consideração apenas no tocante à ação regressiva e nas hipóteses em que o erro de diagnóstico derive de comportamento omissivo, pois, no caso da responsabilização estatal comissiva, basta que seja demonstrada a existência da chance real e séria, o nexo de causalidade e a conduta do agente estatal.
Portanto, caberá ao magistrado e aos peritos analisar, no momento de uma eventual ação regressiva ou da hipótese de responsabilidade omissiva do Estado, o modo como agiu o profissional, se diligentemente ou não, se houve por parte do médico interesse em buscar todos os meios ao seu alcance que fossem pertinentes para a análise diagnóstica, se a sua atuação esteve, ou não, em algum momento, eivada de culpa, etc. Enfim, deve-se analisar o histórico traçado pelo profissional para que se avalie se a causa que justificou o erro de diagnóstico deve, ou não, ser repudiada. Quer-se dizer, com isso, que se exige do profissional médico uma atitude ativa e coerente com as hipóteses diagnósticas por ele formuladas, durante todo o tratamento, para que ele não seja responsabilizado em ação regressiva, ou contribua para a viabilidade de ação de responsabilidade estatal por omissão, por ter retirado as chances de cura de seu paciente.
Por outro lado, uma atuação passiva e não diligente levará, quando comissiva, a situações em que o Estado terá que indenizar a vítima do erro de diagnóstico praticado por seu agente, pela perda da chance de cura, mesmo não sendo absolutamente certo que o dano final causado à esta tenha tido origem direta no erro de diagnóstico, pois a perda da chance existirá como uma conseqüência lógica da chamada falha diagnóstica; em razão da responsabilidade objetiva do ente estatal.
Nesse sentido, exemplo esclarecedor é fornecido por Miguel Kfouri Neto (2002, p.126) ao se referir a uma situação em que o médico, mesmo diante de sintomas claros de câncer, não solicita exames complementares e interpreta erroneamente e com negligência os laudos que lhe são apresentados. Não há dúvida de que se a conclusão a que o médico chegou, por seu comportamento negligente, causou danos ao seu paciente, será perfeitamente exigível a indenização pela perda da chance de cura do Estado, mesmo que no limite das chances perdidas; sendo provável o êxito em futura ação regressiva.
Em sendo assim, o ideia assinalada por Grácia Cristina (2009, p.136) de que a obrigação do médico no quadro do diagnóstico é de meios, pois “se os meios técnicos e intelectuais que são colocados em ação habitualmente por um profissional competente e diligente não tiverem sido acionados, a sua responsabilidade poderá ser comprometida” vale, tão somente, nos casos em que a conduta adotada pelo agente estatal for comissiva ou na ação regressiva; já que nas demais hipóteses o Estado responderá estando presentes apenas o fato administrativo, a perda da chance real e séria e o nexo causal.
Por isso, a importância de trazer a balia o entendimento esposado pela referida doutrinadora (2009, p.149) ao ressaltar que nem toda falha do profissional médico deflagra uma obrigação de reparar o dano, pois pensar de modo contrário tornaria impraticável o exercício da medicina ou, nas palavras de Kfouri Neto (2002, p.104), “estar-se-ia a condenar o profissional médico a exercer a sua profissão em clima de insegurança e aumentar os riscos profissionais”, leitura esta feita no capítulo 2 do presente trabalho.
Ademais, não é possível olvidar que as decisões judiciais somente deverão aplicar a teoria da perda da chance quando se verificar a perda definitiva da vantagem esperada, pois, caso contrário, estar-se-ia, mais uma vez, adentrando ao campo do enriquecimento ilícito, já que é pacífico o entendimento de que o réu deverá arcar apenas com as consequencias dos danos a que der causa.

Computação das predisposições e condições preexistentes do paciente

Há que se levar em consideração, também, que a situação orgânica preexistente no paciente adquire grande importância em matéria de responsabilidade médica. Isso porque, da mesma forma que as predisposições podem não ter nenhuma incidência sobre a causalidade, sendo a conduta do profissional a única fonte do prejuízo sofrido pela vítima, é possível, também, que estas mesmas predisposições contribuam de forma total, ou parcial, para eximir a responsabilidade do profissional e, consequentemente, do Estado.
Por esse motivo, nas hipóteses em que as predisposições do paciente tiverem concorrido de alguma forma para o acontecimento do evento lesivo, é preciso invocar a máxima contida no art. 945 do Código Civil, que limita a indenização pelos danos e prejuízos que tenham sido efetivamente causados pelo agente agressor, para que o valor a ser arbitrado, a título de indenização, deva ser proporcional ao prejuízo efetivamente sofrido pela vítima; e não seja feito além do prejuízo efetivamente causado.
Justamente por isso é que Chaia e Prévôt (2007, p.96) defendem que o ofensor responde pelas consequencias das lesões que causa e não pelo estado pré-existente da vítima, que deverá ser descontado ao liquidar-se o dano.
Nesse mesmo passo, Marcelo Mesa (2008, p.36) reconhece a importância de se levar em consideração o cômputo das chamadas incapacidades pré-existentes, pois caso contrário estar-se-ia colocando a vítima em melhor situação do que a que ele se encontrava, antes da prática do ato profissional questionado, implicando, por consequencia, um enriquecimento sem causa do paciente ou de seus familiares.
A título ilustrativo, o referido autor dá como exemplo o caso de um paciente que antes de se submeter a determinado procedimento cirúrgico já apresentava incapacidade parcial e permanente entre 50 e 55%. Neste caso, uma eventual demanda de responsabilidade poderia apenas discutir os outros 50%, já que o restante existiu independentemente da atuação do profissional.
A importância da análise destas circunstâncias está, também, no fato de evitarem-se situações injustas que indenizem não o dano efetivamente causado, mas sim o dano pré-existente.
Essa circunstância é também aplicada, por óbvio, na indenização pela perda da chance, pois no momento de quantificar a “chance” perdida é preciso ter-se em mente quais eram, de fato, as chances reais e sérias do paciente, o que implicará a análise das circunstâncias pré-existentes que acompanhavam o paciente em momento anterior à intervenção médica.
Nesse sentido, Marcelo Mesa (2008, p.41) faz referência a um julgado argentino em que se decidiu que a morte causada por um fator externo ao paciente, que teria comprometido a saúde da vítima, não poderia ter a indenização arbitrada de maneira igual, como se a morte tivesse sido causada por uma atuação negligente, pois na perda da chance deve-se ressarcir a chance na medida do saldo exitoso.
Mas, para isso, é preciso atentar para a diferença feita por Chaia e Prévôt (2007, p.109) entre situações patológicas delineadas com anterioridade ao efeito lesivo das simples tendências ou predisposições que todos são portadores, pois segundo os autores, na segunda hipótese não há verdadeira contribuição suscetível de minorar a indenização. Para distinguir uma hipótese da outra, os autores referem que as condições preexistentes têm, como características típicas, a anterioridade ao ato médico imperito e que a independência em relação ao acidente terapêutico que atua como seu agravante ou acelerador.
Nesse mesmo passo, Fernando Noronha aduz que a causa do agravamento do paciente somente ensejará a reparação da perda da chance quando:
o agravamento do estado do paciente for devido a erro médico (ou seja, se com um tratamento adequado a doença seria curada, ou pelo menos o paciente experimentaria melhoras) o profissional terá de responder, ainda que a responsabilidade em regra não seja pelo total do dano sofrido pelo paciente: é que nestes casos haverá que se descontar a parcela de dano que seja atribuível à própria doença preexistente, conforme a regra feral aplicável nas hipóteses de concurso entre fato do responsável e caso fortuito ou de força maior, que é uma das situações em que temos a chamada causalidade concorrente. (NORONHA, 2003, p.681).
Ambas as condições devem ser levadas em consideração, pois tanto o erro médico quanto a evolução natural da doença reúnem as condições indispensáveis para poderem ser considerados causas adequadas do dano sofrido pelo paciente. Ademais, o fato de ser impossível provar qual dos fatores são possíveis causas do dano, não pode ensejar aplicação da teoria do “tudo ou nada”, tendo em vista que tal aplicação seria demasiadamente injusta por deixar a vítima sem reparação quando se sabe que o dano foi originado por um dos dois fatores.
A solução proposta por Noronha (2003, p.683), para estes casos, é a de que caberá ao indigitado, no caso o Estado, o ônus da prova capaz de destruir a presunção de causação que milita contra ele, devendo este provar que apesar da condicionalidade, não houve adequação entre tal fato e o dano. Caso contrário, será ele responsável por indenizar a vítima com base no grau de probabilidade em que o seu fato contribuiu para o dano.
Por isso, somente uma análise pormenorizada e inter-relacionada de ambos os componentes é que fará com que o intérprete, à luz das provas periciais produzidas, defina se a culpa médica contribuiu como condição do dano, ou não.

A quantificação dos danos originários da perda da chance de cura

Após assentado o critério que deve distinguir as duas possíveis hipóteses de erros de diagnósticos e o importante cômputo das predisposições e condições existentes no paciente, ver-se-á, com muito mais coerência, a análise da quantificação dos danos originários da perda da chance de cura.
Todavia, antes de adentrar à temática, faz-se mister reiterar a advertência feita por Rafael Pettefi (2009, p.142) exatamente no sentido de que a teoria da perda da chance somente é utilizada nas hipóteses em que a vítima, devido às circunstâncias em que se encontra, está impossibilitada de provar o nexo causal da forma como ele foi concebido originariamente (conduta do agente e a perda definitiva da vantagem), mas tem a possibilidade de provar a existência de nexo causal entre a conduta do agente e as chances perdidas; pois caso seja possível provar o nexo com o dano final, não será hipótese de indenização pela perda da chance.
Partindo dessa primeira premissa, já discutida anteriormente, de que o nexo a que a teoria da perda da chance, apesar de existente, não é o mesmo vislumbrado na teoria clássica da responsabilidade civil médica (pois une a conduta à perda da chance) é possível assinalar os aspectos que contribuirão para a construção da teoria da quantificação dos danos no tocante à perda da chance de cura.

A chance devida deverá ser sempre inferior ao valor da vantagem esperada

O primeiro aspecto diz respeito à impossibilidade de reparação integral do dano originário da perda da chance de cura. Isso porque, conforme já visualizado, nesta teoria, indeniza-se não o dano final (ou vantagem esperada), mas sim a perda da oportunidade de obter determinado resultado.
Por esse motivo, não seria razoável indenizar a vítima pelo valor integral do dano como se ela tivesse certeza daquele resultado, apesar de ter sido essa opção adotada em alguns julgados proferidos pelos Tribunais pátrios.
Todavia, tal circunstância não representa, conforme salientado por Rafael Pettefi da Silva (2009, p.143) uma violação ao princípio da reparação integral, pois a indenização concedida a título de perda da chance repara de forma integral as chances perdidas, que é um dano específico e independente em relação ao dano final. É possível afirmar, com isso, que da mesma forma que ocorre com a teoria clássica onde há observância do princípio mencionado, há, também, sua observância nessa teoria, já que, igualmente, o dano é indenizado, malgrado esteja ele representado pela própria chance perdida.
O autor dá como exemplo o caso em que a falta de uma terapêutica correta por parte do médico retirou as chances de um determinado paciente e para restaurar (ou tentar restaurar) a vítima ao seu status quo ante, considerou-se que como 37,5% das pessoas que sofreram do mesmo problema sobreviveriam, indenizou-se a vítima em 37,5% do valor que seria concedido se o médico fosse considerado plenamente responsável pela morte da vítima (SILVA, 2009, p.144).
Nesse sentido, Marcelo Mesa (2008, p.39) assevera que quando o dano consiste na perda da chance de sobrevivência não pode o Tribunal condenar o profissional a pagar uma quantia em indenização equivalente à que seria devida se a morte do enfermo tivesse sido provocada pela sua imperícia. Isso porque, não foi o médico o responsável por criar a enfermidade do paciente, uma vez que atuou somente no sentido de não contribuir para tratar de detê-la, e por isso, o limite de sua responsabilidade será dado pela perda da chance de cura e não pelo desenvolvimento definitivo da enfermidade, uma vez que este último não tem de forma direta, relação causal de forma adequada ligando à atuação ou omissão do médico. 

A valiosa contribuição da probabilidade estatística e da perícia médica

Marcelo Mesa (2008, p.40), com apoio nos ensinamentos ministrados por Chabas, afirma que quando o prejuízo é causado pela perda da chance, é normal que para se calcular o prejuízo o juiz busque saber primeiro quanto valeria a vida daquele determinado indivíduo, e depois aplique a este percentual o coeficiente das chances.
Devido à dificuldade em realizar este exercício é que Marcelo Mesa (2008, p.40) defende a importância da utilização das estatísticas, além de examinar, em concreto, a situação do paciente o que fará com que o método nunca esteja isento de um certo arbítrio[16].
Segundo o autor, o que se deve fazer é basear-se nas perícias médicas agregadas à causa, avaliar de acordo com as estatísticas e comprovações periciais qual era a evolução mais provável do quadro médico do paciente de suprimir o feito ou omissão imputada ao demandado.
Isso significa que nas hipóteses em que seja constatada a atuação indevida do profissional nas condutas que lhe fizeram chegar à conclusão diagnóstica, deve-se analisar a existência de predisposições, tanto do paciente, quanto de fatores externos. Depois deverá ser avaliada quais as chances tidas por aquele paciente antes da lesão praticada e, ao final, de acordo com as estatísticas e perícia médica, definir o valor a ser arbitrado a título de indenização pela perda da chance decorrente do erro do diagnóstico médico.

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como principal objetivo, nos capítulos 2, 3 e 4 traçar as linhas gerais sobre a responsabilidade do Estado e médica, apontando as peculiaridades da responsabilização civil de ambos e, consequentemente, os aspectos que são imprescindíveis para que a ação regressiva reste exitosa; os principais aspectos relacionados ao diagnóstico médico, bem como as dificuldades existentes no tocante à sua elaboração e, por fim, relacionar todos estes aspectos à possibilidade de adoção da teoria da perda da chance na seara publicista, demonstrando que, de forma cuidadosa, é possível a sua admissibilidade nas condutas comissivas do agente estatal (já que quando presentes os elementos da responsabilidade subjetiva, estarão fatalmente presentes os elementos da responsabilidade objetiva, por ser esta mais abrangente que aquela), bem como nas omissivas, sendo necessário, nesse ponto, a demonstração da culpa do agente e o fato gerador da responsabilidade estatal.
Após o domínio e compreensão dos aspectos relacionados à responsabilidade civil do profissional médico e notadamente as peculiaridades existentes na persecução da conclusão diagnóstica, tentou-se, no Capítulo 4, propor uma solução adequada para a aplicação da teoria da perda da chance, nas hipóteses em o Estado, por meio do profissional médico, incorresse em erro de diagnóstico, quando o dano causado fosse decorrência de conduta omissiva.
É preciso dizer, também, que o presente trabalho centrou-se, talvez, nos dois campos de observação mais férteis e sofisticados da responsabilidade civil: o primeiro relacionado à responsabilidade do profissional médico vinculado às instituições públicas e o consequente direito de regresso, que a despeito de sua importância, ainda são alvo de pouca dedicação doutrinária, sobretudo pelas peculiaridades que envolvem o próprio exercício da profissão médica; e o segundo, relacionado à perda da chance, que malgrado venha sendo objeto de dedicação doutrinária na França, desde 1965, é, ainda, deveras embrionária no cenário jurídico brasileiro.
Analisando, a fundo, tais questões foi possível perceber que estes temas, isoladamente estudados, são muito mais complexos, pois quando analisada a responsabilidade do Estado e a perda da chance pelo erro de diagnóstico cometido pelos profissionais médicos nas hipóteses em que o referido erro seja proveniente de comportamento comissivo, o fato do Estado sujeitar-se, nessas hipóteses, a responsabilidade objetiva implica tão somente a análise da existência da chance real e séria (verificando em cada caso se o resultado favorável seria razoável, ou se não seria de mera possibilidade aleatória) , da conduta e do nexo causal, sem levar em consideração as demais nuances tratadas no tópico referente à responsabilidade direta dos profissionais médicos (que foram imprescindíveis, no entanto, no tocante à análise das características da ação regressiva e da hipótese de responsabilização pelas condutas omissivas do agente estatal).
Conforme visto no Capítulo 4, a Teoria Perte d’une chance, embora originária de uma decisão da Corte de Cassação Francesa, datada de 1965, vem encontrando – mesmo que ainda de modo incipiente – terreno propício ao seu desenvolvimento em diversos ordenamentos jurídicos, dentre eles o brasileiro.
Esta teoria, conhecida no Brasil por Perda de uma Chance, caracteriza-se, conforme visto, pela possibilidade de reparação do dano causado a um sujeito que se vê privado da oportunidade de obter uma benesse ou evitar um prejuízo. Objetiva, portanto, viabilizar que comportamentos desta magnitude sejam passíveis de indenização, e que os vitimizados tenham assegurado o seu direito ao ressarcimento proporcional à chance extirpada.
Viu-se que em tempos de valorização principiológica, da luta pelo combate ao abuso de direito, e de preservação da dignidade da pessoa humana esta teoria surge, assim como outras tantas, como um mecanismo de pacificação social, pois visa restaurar um equilíbrio violado – já que um dano não indenizado é sinônimo de inquietação social – e, também, mostra-se necessária, útil e adequada, visto que serve como freio aos excessos daqueles que agem ilicitamente; além de ser instrumento de efetivação do princípio da reparação integral consubstanciado no art. 944 do Codex.
Nesse diapasão, notou-se que ordenamentos coetâneos – na busca pela satisfatividade do dever de indenizar e atender, de modo suficiente, à cláusula geral da responsabilidade contida no art. 186 do Código Civil – procuram, quando certa e notória a lesão, elastecer os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil. E é justamente o elastecimento do conceito de dano, um dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil, que possibilita que a vítima seja ressarcida pela perda da própria oportunidade quando esta for séria e real, e não pelo prejuízo final, que, devido ao evento danoso, tornou-se um evento aleatório.
Adotando-se esta classificação de perda da chance como um dano específico e autônomo, foi visto que o nexo de causalidade une a conduta à perda da chance e não ao resultado final, e que, por isso, não há espaço para confusões entre este instituto e os chamados danos emergente e lucro cessante, pois os fatos geradores observados em cada uma destas espécies são completamente distintos, tendo em vista que nos dois últimos o dano final é demonstrável, diferentemente do que ocorre na perda da chance, em que o quantum debeatur a ser indenizado será calculado com base na própria perda da oportunidade, e não nas consequencias de seu desfazimento, como ocorre nas duas outras modalidades. Viu-se, ademais, que a perda da chance pode estar relacionada com um dano aferível, ou não, economicamente. Conforme visto, estes aspectos somente corroboram a tese de que a perda da chance é sim um dano indenizável.
O fato é que a perda da chance não pode ser confundida, conforme visto no Capítulo 4, com danos meramente hipotéticos. Para tanto, exige-se que a sua aplicação esteja lastreada na comprovação da verdadeira chance perdida pelo indivíduo. Isso significa que expectativas pouco prováveis não serão alvo de apreciação judicial. Isso porque, um dos requisitos exigidos para a aplicação desta teoria é justamente a probabilidade suficiente, que será aferida a partir da avaliação de todas as circunstâncias do caso em análise, para que possa ser vislumbrado, se no curso normal e ordinário das coisas era, ou não, provável que se obtivesse a vantagem.
Notou-se, com isso, a importância em analisar o quão real e séria é a chance perdida, pois nos casos em que os pressupostos estudados estiverem devidamente preenchidos, haverá obrigação de indenizar. Contudo, estando estes elementos ausentes, o instituto a ser utilizado não poderá ser, em hipótese alguma, a perda de uma chance, pois meras ilusões não são objetos de reparação, já que os pleitos motivados pelas hipóteses de enriquecimento sem causa, ou locupletamento ilícito não são admitidos pelo ordenamento pátrio.
Sendo assim, foi possível concluir que a responsabilidade nos casos de perda da chance poderá estar focalizada no aspecto da atuação do profissional quando este adotar conduta omissiva, já que o alcance dos resultados esperados mostra-se, em alguns casos – mesmo com toda diligência empreendida – incerto, notadamente na seara médica, que se depara, ainda hoje, com todos os mistérios do corpo humano, tornando o exercício da profissão nitidamente peculiar. Contudo, nas hipóteses de atuação comissiva, a existência dano real e sério provocado pela perda da chance, do nexo e da conduta do agente, são suficientes para configurar a responsabilidade do ente estatal, dispensando-se a análise da conduta médica; pois trata-se de responsabilidade objetiva.
Conforme visto no primeiro Capítulo, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade civil deste profissional, assim como de outros tantos, deriva, em regra, de meio, e não de resultado. O diagnóstico médico, em outra ponta, consiste em atividade preambular, que na maioria das vezes, vem acompanhado do respaldo obtido com o avanço tecnológico, oriundo dos aparelhos ou pela precisão dos exames realizados em laboratórios.
Faz-se imperioso ressaltar, todavia, que o erro de diagnóstico é, em princípio, escusável, pois existem sintomas inespecíficos que mascaram determinadas patologias. Por esse motivo, os médicos só deverão responder, em eventual ação regressiva, por falhas de condutas diagnósticas quando estas se mostrarem inadequadas, ou quando forem abrasivas (o que também decorre invariavelmente de uma conduta culposa), ou seja, quando o sintoma for evidente e inconfundível, sendo manifesto a qualquer profissional atuante na área. Deve-se ressaltar, todavia, que tais aspectos somente poderão ser comprovados mediante a realização de prova pericial.
Conforme visto no Capítulo 3, o ato de diagnosticar consiste no enquadramento dos dados elementares observados no paciente em determinada moléstia, o que exige do profissional, pela própria essência da atividade, um grau de prudência, perícia e diligência elevado e, por isso, a falta de qualquer desses elementos é, em alguns casos, essencial para a configuração de um erro de diagnóstico e da consequente procedência de ação regressiva ajuizada pelo ente estatal.
Viu-se, também, que apesar de toda a complexidade existente em explanar a conclusão diagnóstica, o erro de diagnóstico não pode ser tratado com clemência, pois punir o profissional médico, regressivamente, apenas nas hipóteses de erro grosseiro deixará a vítima, inúmeras vezes, sem direito à indenização por atos praticados de forma culposa.
Para solucionar este impasse, foi visto que a postura do magistrado na ação regressiva não deve se voltar à análise do erro de diagnóstico propriamente dito, tendo em vista a dificuldade que tal circunstância reclama, mas sim à avaliação da conduta do profissional médico, comparando-a com a conduta esperada de um profissional que se encontrasse nas mesmas circunstâncias. Ou seja, deve-se analisar o passo a passo percorrido pelo profissional – que deverá encontrar-se pormenorizado no prontuário médico –, pois este é que será objeto de análise pelo magistrado e pelos peritos, já que o erro ou acerto na conclusão diagnóstica são circunstâncias que fogem ao controle até mesmo dos profissionais mais diligentes.
Por isso, endossou-se o entendimento, segundo o qual o médico não será responsabilizado, em ação de regresso, quando agir de acordo com as regras estabelecidas pela ciência médica, diagnosticando com a diligência e a prudência esperada, mesmo que o resultado de sua conduta não seja o esperado, pois o erro, nestas circunstâncias, não poderá, conforme visto no Capítulo 3, ensejar responsabilidade do profissional, malgrado enseje a responsabilidade estatal.
Outro não pode ser o posicionamento, que não este, já que, conforme visto no início deste trabalho, a obrigação do médico, por ser de meio e não de resultado, impõe que apenas o in intineri percorrido pelo profissional até chegar à conclusão diagnóstica seja objeto de toda e qualquer avaliação, seja ela feita pelo próprio paciente, seja feita pelos Tribunais.

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otas

[1] Juan Manuel Prevot (2008), em análise sobre os posicionamentos contrários à admissibilidade da perda da chance de cura assinala que “la doctrina de pérdida de una chance de curación ha sido blanco de fuertes y sagaces criticas que podemos sintetizar en dos grandes grupos: aquellas referentes a la falta de vínculo causal y las que atañen a la incerteza del prejuicio” e cita a exemplo dos autores que se posicionam de modo não favorável a referida teoria René Savatier, Philippe Le Torneau, Jean Penneau, Rafaela De Matteis, Joaquín Ataz López.
[2] Judith Martins-Costa (2003, p.352), em análise sobre a importância das cláusulas gerais, afirma que elas podem atender melhor a tarefa de ponderação de valores e refere, lastreada nos ensinamentos de Ruy Rosado de Aguiar Jr., que em sua concretização sobressai a responsabilidade do juiz de agir com extremo cuidado ao estabelecer tal norma de dever, que será usada como parâmetro para resolver o caso.
[3] Por esse motivo é que Fernando Noronha (2003, p.597) afirma que a expressão efeito-necessário é mais adequada do que a expressão adotada pelo legislador no art. 403.
[4] Para Noronha (2003, p.610) é possível encontrar certo apoio para a causalidade adequada no art. 335 do Código de Processo Civil, que, “dispondo embora sobre a apreciação da prova pelo juiz, consagra a velha regra do id quod plerumque accidit, ao determinar que o julgador aplicará as regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”.
[5] Segundo Fernando Noronha (2003, p.603) a formulação negativa é preferível, pois “ela deixa clara a razão da subsistência o nexo causal mesmo quando outros fatores tenham contribuído para o evento danoso, por ela dilatar o âmbito da causalidade, pois o nexo causal ficará patente não só nas hipóteses cobertas pela formulação positiva, como também em muitas outras que não se possa afirmar ser o dano verificado efeito provável da causa posta e, por fim, por ser mais favorável ao lesado, por facilitar a prova do nexo de causalidade, tendo em vista que provada a condicionalidade, isto é, provado que o evento atribuído ao indigitado responsável foi uma condição do dano, fica presumida a adequação.
[6] Segundo Rafael Peteffi da Silva (2009, p.75) afirma, ainda, que “a disciplina Law and economics, tão difundida na América do Norte e comprometida a analisar os efeitos econômicos das instituições jurídicas, passou a considerar o aumento de riscos e a ‘‘perda de chances’’ como “commodities”, avaliando-os como danos tangíveis, merecedores de grande importância conceitual.
[7] Sobre o tema, vale ressaltar o posicionamento de Gerson Branco (1996, p.64), justamente no sentido de admitir a perda da chance como um tipo especial de dano, pois surge quando pela intervenção do profissional o paciente perde a possibilidade de se ver livre de determinada enfermidade, ou seja, concretiza-se a perda de uma chance quando determinado acontecimento não ocorreu, mas poderia ter ocorrido, por si mesmo ou pela intervenção de terceiro. O evento teria sido possível, mas a atuação do médico tornou-o impossível.
[8] Nesse sentido, Judith Martins-Costa (2003, p.360) aduz que “o que é indenizado é justamente a chance de não alcançar determinado resultado, ou de auferir determinado benefício, chance que foi perdida pela vítima em razão de ato culposo do lesante”.
[9] Miguel Piedecasas (2008, p.174) afirma, por sua vez, que “lo que se indemniza es justamente la probable situación de obtención de ganancias, atendiendo a las particulares circunstancias del caso. No se indemniza la ganancia dejada de percibir, sino la probabilidad de haberla obtenido.
[10] Essa tendência também pode ser evidenciada, segundo Rafael Pettefi da Silva (2009, p.101), ao analisar a obra de François Chabas, que, segundo o referido autor, passou a incluir alguns casos de perda de uma chance na seara médica, dentro da categoria de casos clássicos de responsabilidade pela perda da chance.
[11] Segundo Noronha (2003, p.680) para os autores que defendem a regra do “tudo ou nada” ou se prova que a falha terapêutica contribuiu efetivamente para o dano, e o médico será responsável pela integralidade dele, ou não se faz prova cabal dessa relação de causa e efeito, e ele não será responderá por nada.
[12] Eduardo Zannoni (2008, p.93) faz uma distinção, extremamente pertinente pois separa, para que não restem dúvidas o que é certo do que é incerto na frustração da chance. Segundo o autor, “en la pérdida de chances coexisten  un elemento de certeza  y un elemento de incertidumbre; certeza de no mediar el evento dañoso (hecho ilícito o incumplimiento contractual) el damnificado habría mantenido la esperanza de obtener  una ganancia o evitar una pérdida patrimonial; incertidumbre, de que aun manteniéndose la situación de hecho o de derecho  que presupone la chance, la ganancia se habría en realidad obtenido o la pérdida se habría evitado”.
[13] Nesse mesmo sentido, Sérgio Severo (1996) assevera que atualmente é bastante discutida a índole patrimonialista do direito civil, inspirada no Código de Napoleão, podendo-se denotar uma mudança radical de enfoque, a partir da crescente importância que vem encontrando a proteção à pessoa, de modo que esta passou a ser considerada, simultaneamente, como criadora e protagonista do Direito.
[14] Nessa toada, Cristiano Chaves de Farias (2008, p.72) afirma que “sem dúvida a preocupação constitucional com a proteção avançada da pessoa humana e com a plena e integral reparabilidade dos danos serve como fonte justificadora da tese da perda de uma chance, embasando a sua admissibilidade, através da mitigação da natureza do nexo de causalidade e da redefinição do conceito de dano”
[15] Nesse mesmo passo, Jorge Mayo (2008, p.170) assinala que “la perdida de chance no se confunde con la exposición a un riesgo. Esta última noción  encuentra particularmente aplicación en materia de violación de una obligación de información. Cuando un individuo es expuesto a un riesgo por culpa de otro, él no disponía de ninguna chance precisa, es decir, de ninguna probabilidad cuantificable de obtener una ganancia, pero ha sufrido el riesgo de padecer un prejuicio. Se ha afirmado que la principal diferencia entre la perdida de chance y la exposición a un riesgo reside en el modo de cálculo de esos dos tipos de prejuicios. El qunatum de la reparación de la pérdida de chance varía según que la chance perdida era más o menos grande , mientras que la reparación de la exposición a un riesgo no depende de la probabilidad de realización del riesgo; la reparación debe ser integral, siempre y cuando el riesgo se haya completado.
[16] Nesse sentido, Eduardo Zannoni (2008, p.97) afirma que “para determinar el resarcimiento en tales casos debe apreciarse el mayor o menor grado de probabilidad que el damnificado tenía de concretar la ganancia esperada: el valor del resarcimiento estará dado por el grado de probabilidad frustrada”.

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