terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A psicóloga e o monge falam de amor

Em qualquer de suas manifestações amor é assunto complexo. Cantado e enaltecido em prosa e verso nas mais variadas épocas e culturas, parece um daqueles conceitos que podem ser pensados da mesma forma que o de tempo, nas palavras de Santo Agostinho: “Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Se ninguém me perguntar, eu sei o que é; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”, escreveu o filósofo no século 4, no livro XI, das Confissões. “Hoje em dia há muitos nomes para o amor. Mas o amor verdadeiro não tem nome”, escreve Lama Ganchen Rinpoche no prefácio de Grande amor – um objetivo de vida. “A maioria das pessoas não conhece a filosofia mais profunda sobre os aspectos da mente, mas é capaz de entender o que é amor”, observa o mestre tibetano, com titulação equivalente ao Ph.D. em medicina e filosofia, entre outras formações, e autor de várias obras.  No livro, a psicóloga clínica Bel César e o Lama Michel Rinpoche apresentam um diálogo bom de ser acompanhado, repleto de informações densas (profundas no melhor estilo filosófico ao qual se refere Lama Ganchen), mas transmitidas de forma agradável e acessível – afinal, falam sobre um tema comum a todos.



A psicóloga clínica Bel César especializou-se no acompanhamento de pacientes que sofrem de estresse pós-traumático (TEPT), trabalhando com experiência somática, e no atendimento de pessoas que enfrentam o luto da própria morte eminente e de entes queridos. Lama Michel, com formação em filosofia budista tibetana, participa frequentemente de congressos e eventos sobre aspectos do funcionamento mental, como o Conference on Integrative Psychiatry, na Holanda.
Em Grande amor, mãe e filho encontram-se. Divido em 67 temas – que podem ser lidos em sequência ou separadamente – o livro traz informações sobre funcionamento mental, paixão, formas de sofrimento, egoísmo, manejo da raiva e da culpa, meditação, empatia e compaixão, superação, felicidade, entre outros tantos. O texto vai muito além das classificações de tipos de amor ou suas características: propõe uma contextualização ampla de aspectos e mecanismos psíquicos em relação ao amor, sob a óptica da filosofia budista. Veja abaixo alguns trechos da obra.


“Amar é desejar felicidade. Desejar a própria felicidade é amar a si mesmo. (...) A felicidade que desejamos para o outro é um reflexo do que desejamos para nós. Se desejarmos equilíbrio e harmonia, vamos desejar que o outro encontre esse mesmo bem-estar. Se felicidade para nós é ter prazeres e poder, vamos amar o outro desejando o mesmo para ele. Em outras palavras, é preciso ter clareza sobre o que nos faz bem e o que nos faz mal e determinação de abandonar o que nos faz mal e cultivar o que nos faz bem. Isso é amar a si mesmo. Sem a clareza do que é felicidade, teremos dificuldade de entender o amor. Acredito que todo ser humano, por natureza, tem amor-próprio, pois ninguém deseja sofrer. A dificuldade está em saber como ser feliz.”  – Lama Michel Rinpoche

 

“O impulso de ir em direção ao momento seguinte é maior do que o tempo necessário para a experiência a ser interiorizada. Sem interiorizar, não temos memória. Sem memória, não aprendemos com a experiência. Sem aprendizado, não damos valor ao vivido. Sem valor, nos sentimos vazios e carentes. E assim caímos no ciclo de sair em busca de algo que nos falta em vez de nos sentirmos preenchidos pelas vivências positivas já vividas. Primeiro dizemos que amamos, mas, assim que o outro nos frustra, desistimos de amá-lo. Há um desencantamento tão rápido que os relacionamentos terminam mesmo antes de começar.” – Bel César

 

“Em nossa cultura, a ideia de amar a si mesmo está fortemente associada a algo egoísta, feio e impróprio. Por mais que dissermos que amar a nós mesmos é a base para desenvolvermos amor pelos outros, na prática ainda permanece a sensação de que estaremos privilegiando a nós mesmos em detrimento dos outros. A mensagem subliminar de que, para amar os outros, temos que nos colocar em segundo plano está fortemente arraigada. Isso causa uma constante sensação de inadequação cada vez que temos de reconhecer nossas necessidades físicas e psíquicas. Mas, por outro lado, só poderemos nos amar se cuidarmos de nós mesmos.” – Bel César

 

“Quantas pessoas colaboraram para o nosso bem-estar? De quantas pessoas depende o fato de estarmos juntos agora? De muitas e muitas. Não há ninguém que não tenha nada a ver conosco, estamos todos interligados. Devemos então nos lembrar disso e sentir gratidão. Mas veja como funciona a nossa mente: gostamos de quem nos faz o bem, não gostamos de quem nos faz o mal. Mas quantos são os seres que nos fazem o bem e quantos são os que nos fazem o mal? O nosso bem-estar depende de quantos seres? E de quantos dependem o nosso desconforto e inquietação? O mal que nos atinge depende principalmente de nós mesmos e o bem, de muitos outros seres além de nós.” –Lama Michel Rinpoche

 

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