segunda-feira, 31 de julho de 2017

Plasticidade do Cérebro

NEUROCIÊNCIA

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     A plasticidade cerebral é a capacidade que o cérebro tem em se remodelar em função das experiências do sujeito, reformulando as suas conexões em função das necessidades e dos factores do meio ambiente.    Há alguns anos atrás, admitia-se que o tecido cerebral não tinha capacidade regenerativa e que o cérebro era definido geneticamente, ou seja, possuía um programa genético fixo. No entanto, não era possível explicar o facto de pacientes com lesões severas obterem, com técnicas de terapia, a recuperação da função.
 
     Porém, o aumento do conhecimento sobre o cérebro mostrou que este é muito mais maleável do que até então se imaginava, modificando-se sob o efeito da experiência, das percepções, das acções e dos comportamentos.
   Deste modo, podemos referir que a relação que o ser humano estabelece com o meio produz grandes modificações no seu cérebro, permitindo uma constante adaptação e aprendizagem ao longo de toda a vida. Assim, o processo da plasticidade cerebral torna o ser humano mais eficaz.
      A plasticidade cerebral explica o facto de certas regiões do cérebro poderem substituir as funções afectadas por lesões cerebrais. Como tal, uma função perdida devido a uma lesão cerebral pode ser recuperada por uma área vizinha da zona lesionada. Contudo, a recuperação de certas funções depende de alguns factores, como a idade do indivíduo, a área da lesão, o tempo de exposição aos danos, a natureza da lesão, a quantidade de tecidos afectados, os mecanismos de reorganização cerebral envolvidos, assim como, outros factores ambientais e psicossociais.
 
     Porém, a plasticidade cerebral não é apenas relevante em caso de lesões cerebrais, uma vez que ela está continuamente activa, modificando o cérebro a cada momento. Os mecanismos através dos quais ocorrem os fenómenos de plasticidade cerebral podem incluir modificações neuroquímicas, sinápticas, do receptor neuronal, da membrana e ainda modificações de outras estruturas neuronais.

    Plasticidade Sináptica

     As sinapses são conexões especializadas que permitem transmitir informação entre os neurónios. São, por isso, estruturas dinâmicas que governam e moldam o fluxo de informação do circuito nervoso. 
     Sendo assim, a plasticidade sináptica consiste na capacidade de rearranjo por parte das redes neuronais. Ou seja, perante cada experiência nova do indivíduo, as sinapses são reforçadas, permitindo a aquisição de novas respostas ao meio ambiente. 

     
Por isso, a plasticidade sináptica constitui um dos mecanismos mais importantes da plasticidade cerebral, permitindo igualmente que uma lesão ao nível da transmissão de informação neuronal seja recuperada através da criação de outras redes neuronais que possam substituir os danos causados pela lesão.
  

    Importância da terapia


     A reabilitação do cérebro lesionado pode promover a reconexão de circuitos neuronais danificados. Quando há uma pequena perda de conectividade neuronal, esta tende a ser recuperada de uma forma autónoma.
     No entanto, quando essa perda é de maior grau, tenderá a tornar-se uma perda permanente, daí a impossibilidade de recuperar certas funções depois de determinados acidentes ou doenças provocarem elevados danos neurológicos.
      Mesmo assim, em muito destes casos, as lesões aparentemente irreparáveis podem tornar-se potencialmente recuperáveis. Para isso, necessitam de objectivos precisos de tratamento, proporcionados por  diversos tipos de terapia (fisioterapia, psicoterapia, osteopatia, entre muitos outros), que mantêm níveis adequados de estímulos facilitadores e inibidores de funções nos neurónios. 

quinta-feira, 27 de julho de 2017

FILOSOFIA QUÂNTICA

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A corrente filosófica a que chamamos de “filosofia quântica” tem tido vários protagonistas, desde logo alguns cientistas da Física contemporânea. Entretanto, outros nomes sugiram, desta vez de fora da ciência propriamente dita, como Peter Novak e Anthony Peake, que estando mais familiarizados com a história do pensamento filosófico conseguiram estruturar minimamente a corrente filosófica com algum fio condutor que a distinga de uma outra corrente de pensamento qualquer.

Quando falamos de filosofia quântica referimo-nos a uma corrente de pensamento que se baseia nas descobertas da mecânica quântica, mas que também se apoia no pensamento de muitos filósofos que, de uma forma desgarrada e extemporânea, acabaram por tocar na temática quântica, desde os pitagóricos na antiga Grécia até aos existencialistas no século XX.

Sendo uma corrente de pensamento relativamente recente ― como tudo que nasce e necessita de maturação ― a filosofia quântica tem tido alguma dificuldade de interpretação por parte de intelectuais ― e mesmo da parte de filósofos ― porque ela transporta consigo alguns conceitos novos e que a a filosofia (tradicionalmente entendida como tal) não tinha previsto de uma forma sistemática. Assim, existe a tendência para tentar criar paralelismos ideológicos que permitam identificar a filosofia quântica com uma outra qualquer corrente filosófica do passado. Por exemplo, quando eu escrevi este postal sobre a ética, um leitor identificou-me como seguidor do realismo; porém, quando eu lhe apontei estoutro postal já não seria possível continuar-se a afirmar de mim o realismo. Por outro lado, quem considere a filosofia quântica como um solipsismo também não vinga no seu argumento porque na quântica existe a realidade objectiva (objecto) para além do sujeito.
A quântica não é um existencialismo de Kierkegaard ou Karl Jaspers porque não se vincula a um espiritualismo religioso em particular. Ela não é um existencialismo materialista porque elimina o conceito de “facticidade”. Ela não é um idealismo porque não identifica a fonte do SER (Deus) com o EU do Homem, na medida em que considera que a consciência [espírito] humana é criada (e portanto, finita, emanada do Ser), tal como a função ondulatória quântica é uma criação. Ela não é um evolucionismo espiritualista porque a quântica não torna a evolução da consciência como algo de necessário (no sentido clássico de “necessidade”) na medida em que a consciência tem a total liberdade para evoluir como entender, involuir ou para se enquistar, se assim quiser; por outro lado, a quântica afasta-se do evolucionismo espiritualista quando não considera a existência de um monismo caracterizado pela “substância psicofísica” que seria uma espécie de quintessência unificadora da matéria e do espírito. A filosofia quântica não é uma espécie de espiritualismo do século XIX porque não considera que exista um antagonismo dualista entre a matéria e a consciência; pelo contrário, a quântica considera que a matéria e consciência se complementam entre si.
Um filósofo francês pouco conhecido, Jules Lequier (1814-1862), aproximou-se “sem querer” de alguns conceitos básicos da filosofia quântica. Lequier não negou a realidade objectiva mas considerou que esta existe em função da consciência: “Eu remeto-me à consciência, submeto tudo, no que me respeita, à consciência, e submeto a própria ciência só a ela”. Lequier entendia a consciência em termos gerais, e não só em termos da consciência do Homem. Por outro lado ― e aqui está a originalidade de Lequier que o torna tão actual ― ele entendeu a relação entre liberdade e necessidade de uma forma realmente revolucionária num tempo em que o positivismo afirmava o império da causalidade e da necessidade científica.
A necessidade é ― segundo Lequier ― algo que aparentemente se manifesta no macrocosmos mas que se dissipa logo que a examinamos mais de perto: não só porque leva à confusão entre o positivo e o negativo (bem e mal) na medida em que ambos seriam um produto da mesma necessidade, mas essencialmente porque a necessidade só poderia existir em função da liberdade que afirma a própria “necessidade da necessidade”.

“Apercebo-me de que se tudo em nós está submetido à necessidade, nem sequer posso afirmar que tudo está submetido à necessidade, porque esta proposição será necessária e, por consequência, não poderei distingui-la de qualquer outra. Se tudo é necessário, a própria ciência é impotente, e não posso procurar distinguir a verdade do erro: nem sequer sei se a verdade e o erro existem porque não posso saber nada. Para poder distinguir a verdade do erro, deverei, ao que me parece, ser livre; mas esta liberdade é contestada; uns negam-na, outros divergem sobre a maneira de a definir, nenhuma a compreende”.
Jules Lequier, “Ouvres Completes” ― J. Grenier, 1952

Sem liberdade nenhum conhecimento é possível e ela é a própria condição da existência da crença que nada mais é que uma forma de conhecimento.
Por outro lado, Lequier assume que se a consciência é livre, existe porém uma relação dialéctica entre a possibilidade e a necessidade. “O necessário é o limite do possível”, o possível é o que pode existir, e é necessário o que não pode deixar de existir.
De modo semelhante, a filosofia quântica considera que a consciência humana é livre na escolha dos possíveis, para além de considerar que o limite do possível é imposto pela “consciência cósmica” ― que não é propriamente o “englobante”, mas emana deste através do conceito da bidireccionalidade da função ondulatória quântica ou “espuma quântica” e dos seus “mini buracos-negros” (John Wheeler) entre o Aquém e o Além-espaço-tempo.
O “limite do possível” é a constante cosmológica de 10^120 (1 seguido de 120 zeros) que circunscreve o espaço-tempo nas suas possibilidades, não obstante a existência da possibilidade excepcional (através do princípio do “caminho da acção mínima”) da expansão do “limite do possível” no Além-espaço-tempo.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Stephen Hawking e suas três formas de viajar no tempo

O físico britânico Stephen Hawking, em um artigo, mostrou não apenas uma, mas três formas de viajar no tempo que ele considera possíveis.

A quarta dimensão de Stephen Hawking:

Primeiro você precisa aceitar que o tempo é uma dimensão, assim como o comprimento, a profundidade e a altura. O exemplo usado por Hawking é um percurso de carro. Se você vai para frente você se move em uma dimensão. Se você vira para a esquerda ou direita, você se move em outra. A terceira é se você sobe ou desce algum relevo. E a quarta é o tempo que você leva para fazer isso.
Nos filmes normalmente vemos uma enorme máquina que cria uma brecha na quarta dimensão e nos permite viajar para o futuro ou para o passado. Embora a questão da máquina seja ficcional, o conceito pode ser até “praticável”.
As leis da física permitem a noção de viagens no tempo, através do que conhecemos como “buracos de minhoca”. Para Hawking, os buracos de minhoca estão ao nosso redor, só que eles são muito pequenos para serem vistos. Segundo ele nada que conhecemos é liso e completamente sólido – tudo tem pequenos buracos e rugas e isso quer dizer que o tempo, como a quarta dimensão, também teria imperfeições que poderiam ser aproveitadas para viagens no tempo. Isso se conseguíssemos encontrá-las.

Vapor quântico e pequenos buracos de minhoca:

Em escalas minúsculas – menores ainda do que a escala atômica – a matéria “vira” o que é chamado pelos físicos de vapor quântico. É lá que os buracos de minhoca de que falamos antes existem. Pequenos túneis que se abrem e se fecham de forma aleatória que podem levar a dois lugares diferentes no tempo.
Apesar de ser uma estrutura minúscula, Hawking acredita que seja possível pegar um buraco de minhoca e esticá-lo, deixando-o grande o suficiente para que uma pessoa passe por ele. Teoricamente eles poderiam nos levar para outros lugares no tempo. No entanto, como há paradoxos estranhos, envolvendo viagens ao passado (por exemplo, se você viaja ao passado e impede que seus pais se conheçam, como você nasceria para impedi-los de se conhecerem em algum lugar no futuro?), cientistas acham que apenas a viagem ao futuro seria possível.

O tempo como um rio corrente:

Hawking acha que, talvez, a radiação pudesse inutilizar buracos de minhoca que cientistas esticassem para que as pessoas viajassem no tempo. No entanto, ele tem outra solução: navegar o rio das variáveis do tempo.
Para ele, o tempo flui como um rio e nós somos carregados pela corrente. Mas, como um rio, há lugares em que a correnteza é mais rápida ou mais lenta – e essa seria a chave para viagens ao futuro.
Albert Einstein propôs essa idéia cem anos atrás e, segundo Hawking, ele estava absolutamente certo. A prova pode ser encontrada em satélites que possuem relógios internos. Quando saem da Terra eles estão certos, mas os cientistas percebem que eles ficam adiantados no espaço porque o tempo fora do planeta seria mais rápido.
Einstein acredita que a matéria faz com que o tempo se arraste, por isso, no planeta, o tempo correria mais lentamente. [MSNBC]

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Nova equação pode ser a chave para a Teoria de Tudo

Uma das coisas mais estranhas da física é que existem praticamente duas físicas diferentes: a da relatividade geral, que explica o comportamento da gravidade e corpos gigantescos do universo, como estrelas e planetas; e a mecânica quântica, que explica as menores partículas conhecidas até hoje, como os quarks e o léptons (que formam os prótons, neutrons e elétrons).
 (Foto: Mopic/Shutterstock.com)
Assim como Ruth e Raquel, as duas físicas são irmãs gêmeas, mas não se bicam. Cada uma explica muito bem o campo em que trabalha, mas, quando são combinadas, elas simplesmente não funcionam — acredite, Einsteintentou bastante unificar as diferentes forças do universo, como explicamos neste texto sobre Teoria das Cordas.
Agora, se depender de uma nova equação proposta pelo físico teórico Leonard Susskind, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, as reuniões em família da física serão mais amistosas. Para ele, a ligação entre as duas está nos famosos buracos de minhoca — aquele tipo de atalho que liga dois lugares no espaço-tempo e que Matthew McConaughey usou no filme Interestelar. (No filme, eles explicam o conceito unindo dois pontos ao dobrar uma folha de papel)
 (Foto: Reprodução)

A equação é simples: ER = EPR.

Calma, não é preciso fazer cálculos mirabolantes para descobrir o que as letras querem dizer. Na verdade, cada uma delas representa o nome de grande físicos teóricos. O “E” e o “R” se referem justamente a Albert Einstein e a Nathan Rosen, que publicaram um estudo descrevendo os tais buracos de minhoca, em 1935  — por isso, se quiser impressionar, em vez de “buraco de minhoca”, diga “ponte de Einstein-Rosen”, que é o nome técnico do fenômeno.
O outro lado da equação não é muito diferente. Com “E” e “R” significando a mesma coisa, sobra o “P”, que se refere ao físico Boris Podolsky, com quem os outros dois cientistas escreveram um outro estudo que descreve o entrelaçamento quântico — não desanime, vamos explicar a seguir.
Em 2013, Susskind e seu colega Juan Maldacena, de Princeton, já haviam sugerido que os dois estudos de Eisntein e Rosen poderiam descrever exatamente a mesma coisa, uma relação que nem Einstein havia considerado. Agora, Susskind retomou a ideia para discutir se as implicações estão corretas.
BURACO DE MINHOCA & ENTRELAÇAMENTO QUÂNTICO
Explicando um pouco melhor cada uma das partes da equação: como já dissemos, os buracos de minhoca são atalhos no espaço e no tempo. Isso quer dizer que, teoricamente, se você cair em um deles, você não só vai surgir em outro lugar do espaço, mas também em um outro tempo (lembra de quando Matthew McConaughey conseguiu retornar ao passado para mandar mensagens para a filha ainda pequena? É tipo isso…).
Já o entrelaçamento quântico descreve como duas partículas diferentes podem interagir de uma forma que dividam a mesma existência, como um irmão gêmeo que pressente o que há de errado com o outro. Ou seja, tudo o que acontece com uma partícula, teoricamente, poderia acontecer também com a outra, mesmo que elas estejam a anos-luz de distância.
No novo estudo, Susskind propõe um cenário hipotético no qual Alice e Bob peguem um punhado de partículas entrelaçadas e viajem para direções opostas do universo (lembre-se, isso é só um exercício mental). Ao chegaram em seus destinos, os dois esmagam suas partículas entrelaçadas com muitíssima força. O resultado, segundo Susskind, seriam dois buracos negros diferentes ligados por um buraco de minhoca gigante. Essa seria a ligação dos dois campos diferentes da física, que poderia servir de base para a Teoria de Tudo com a qual Einstein sempre sonhou. 
É muito cedo para saber se isso tudo é verdade. O estudo ainda precisa passar por uma revisão formal, apesar de já estar aberto para quem quiser estudá-lo. Mas, como lembrou Tom Siegfried, na revista ScienceNews, Susskind não foi o único a ter esta ideia. Um time de físicos do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) sugeriu uma hipótese parecida.
“Para mim, parece óbvio que ER = EPR é verdade, isso afetaria as nossas fundações e interpretações da mecânica quântica”, escreveu Susskind. “Mecânica quântica e gravidade podem estar mais entrelaçadas do que nós imaginamos.”

Viagens no Tempo, Túneis no Espaço e suas implicações na história da Humanidade




Prof. Renato Las Casas (26/06/06)
Se olharmos as distâncias entre as estrelas e a limitação das velocidades dos corpos, somos levados a pensar serem viagens interestelares incompatíveis com nosso sistema biológico. Estaríamos, assim, físicamente presos a uma região ínfima do universo (a uma região ínfima do espaço-tempo)!
Mas “Viagens no Tempo” (transportar-se para o passado ou futuro)  e “Túneis no Espaço” (transportar-se de um local a outro sem passar por locais intermediários) serão possíveis ou isso é apenas ficção? Estaria aí a possibilidade de um dia nos tornarmos “cidadãos de todo o universo”?
A ciência, hoje, ainda não responde a essa pergunta, apesar de vários pesquisadores, mundo afora, estarem procurando por sua resposta, principalmente, nos “meandros” da teoria da relativade de Einstein.
A “Relatividade Geral” não apenas nos mostrou uma estreita relação entre matéria, tempo e espaço (os constituintes do universo), mas transformou tempo e espaço de um “palco passivo”, onde os eventos ocorrem, a “participantes ativos” na dinâmica do universo.
Segundo essa teoria, o tempo pessoal de alguém medido por seu relógio de pulso sempre aumenta, exatamente como nas teorias anteriormente existentes. Mas a “Relatividade Geral” nos mostra a possibilidade que o espaço-tempo possa ser deformado ao ponto de você partir em uma nave espacial e retornar antes mesmo de começar a viagem.
Buracos de Minhoca



Isso poderá acontecer se existirem “tubos de espaço-tempo” interligando diferentes regiões do espaço e do tempo (os chamados“buracos de minhoca”).
Viagens no espaço-tempo ocorreriam através desses “tubos”. Você entraria no “buraco de minhoca” por uma de suas extremidades e sairia imediatamente pela outra extremidade em local e/ou tempo diferentes.
Ao lado apresentamos a idéia básica de construção de uma máquina do tempo, a partir da "captura" de um "buraco de minhoca".

Máquinas do "Espaço-Tempo"
Como seriam os “aparatos” (será que podemos chamar de “máquinas”?) responsáveis por essas “viagens”? Como esses aparatos detectariam e nos introduziriam em um “buraco de minhoca”?  Falarmos sobre características dessas máquinas certamente é muito antecipado, embora possamos vislumbrar algumas generalidades.
        Será que esses aparatos serão como que espaçonaves ou pranchas com as quais surfaremos pelo espaço-tempo? Serão máquinas que independentemente de suas localizações nos tirarão de uma posição qualquer e nos levarão para outra posição no espaço e/ou no tempo? Ou serão terminais, como que aeroportos, dessas viagens?
            Falando apenas em possibilidades (ficção), fiquemos com essa última. (Ainda mais porque as duas primeiras opções nos levariam à inquietante pergunta: -Porque não temos registros de visitas de seres do futuro?)
            Vamos admitir então que “máquinas do espaço-tempo” serão “terminais” nessas viagens. Você entrará em uma dessas máquinas e será “transportado” para outra máquina, no passado, presente ou futuro, no mesmo ou em algum outro local do universo.
            Se for assim, viagens no espaço-tempo ocorrerão entre máquinas. Você te que ter uma dessas máquinas pra se lançar a uma dessas viagens ou para receber um viajante.
            Admitindo a existência de outras civilizações em nossa e em outras galáxias, no nosso passado, presente e futuro; a partir do momento que uma civilização construir uma dessas máquinas, ela se “ligará” às demais civilizações que já tenham construido a sua. Ela se ligará não só a seu próprio futuro como a outras civilizações; idependentemente da localização dessas civilizações no espaço e no tempo; bastando apenas que essa civilização já tenha a sua máquina

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Sonda da Nasa confirma teoria de Einstein sobre o espaço-tempo

Quase cem anos depois, uma sonda espacial da Nasa, a agência espacial americana, confirmou previsões cruciais feitas pelo físico alemão Albert Einstein em 1915.
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As observações da sonda de gravidade B (GP-B) comprovaram que a massa da Terra está muito sutilmente causando uma curvatura no tempo e no espaço ao seu redor, e até arrastando-os consigo.
Os cientistas conseguiram observar esses efeitos através do estudo do comportamento de quatro esferas super-precisas levadas dentro do satélite.
Os resultados foram publicados na revista científica Physical Review Let
Einstein
As confirmações das previsões de Einstein são significativas não apenas por comprovar uma vez mais a genialidade do cientista alemão, mas também por trazer instrumentos mais refinados para a compreensão da física que rege o cosmos.
As descobertas também representam o ápice de uma longa jornada para os líderes da missão, alguns dos quais dedicaram mais de cinco décadas à pesquisa.
Entre eles está Francis Everitt, o principal pesquisador da missão na Universidade de Stanford, que participou da concepção da sonda de gravidade B no fim dos anos 50.
"Completamos este experimento histórico, testando o Universo de Einstein - e Einstein sobrevive", disse ele.
A GP-B só foi lançada ao espaço em 2004 e desde então a missão da equipe é interpretar as informações e checar a correção das observações feitas.
Teorias confirmadas
O objetivo da sonda de gravidade B era confirmar duas importantes consequências da Teoria da Relatividade Geral, publicada por Einstein em 1915.
As previsões descrevem a forma como o tempo e o espaço são distorcidos pela presença de enormes objetos como planetas e estrelas.
Uma delas é o efeito geodético - que trata da forma como a Terra curva o espaço-tempo - e a outra, o efeito de arrasto - sobre como a rotação da Terra distorce o espaço-tempo ao seu redor ao girar.
A sonda GP-B verificou ambos os efeitos medindo movimentos mínimos nos eixos de rotação de quatro giroscópios em relação à posição de uma estrela chamada IM Pegasi (HR 8703).
Precisão
Para garantir a precisão do experimento, as esferas tinham de ser resfriadas até quase o "zero absoluto" (-273ºC) e então colocadas para flutuar dentro de um recipiente a vácuo gigante, contendo hélio superfluido. Esta e outras medidas isolavam as esferas de qualquer distúrbio externo.
Se Einstein estivesse errado, os giroscópios deveriam ter girado sem a influência de forças externas (pressão, calor, campo magnético, gravidade e carga elétrica).
Mas como o físico alemão concluiu que o espaço-tempo ao redor da Terra é curvo e distorcido pelo movimento do planeta, os cientistas esperavam um desvio, apesar das grandes dificuldades em medi-lo.
Ao longo de um ano, o desvio previsto no eixo das esferas devido ao efeito geodético foi calculado na escala de apenas alguns milhares de miliarcosegundos. O efeito de arrasto deverá ser ainda menor.
"Um miliarcosegundo representa a largura de um fio de cabelo humano visto a uma distância de 16 quilômetros. É um ângulo extremamente pequeno e este é o grau de precisão que a sonda de gravidade B tinha de alcançar", explicou Everitt.
Tecnologia
A missão foi proposta inicialmente em 1959, mas teve de esperar vários anos para que a tecnologia necessária fosse inventada.
"A GP-B, apesar de simples conceitualmente, é um experimento extremamente complexo tecnologicamente", disse um ex-gerente de programas na GP-B, Rex Geveden.
"A ideia surgiu cerca de três ou quatro décadas antes que a tecnologia estivesse disponível para testes. Treze novas tecnologias foram criadas para a GP-B."
As inovações criadas para a missão levaram diretamente à melhoria do Global Positioning System (GPS) e ao sucesso de outras missões espaciais da Nasa.

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domingo, 2 de julho de 2017

A produção científica sobre terapia ocupacional: o silenciamento da relação trabalho-saúde

Scientific production on occupational therapy: The silencing of the work-health relationship
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La producción científica sobre terapia ocupacional: el silenciamiento de la relación trabajo-salud
Renata da Silva de Faria1 
Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos2 
Daniele Masterson Tavares Pereira Ferreira3 
1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Departamento de Terapia Ocupacional. <refariato@gmail.com>
2Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. <elfadel@globo.com>
3Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências da Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. <daniele.masterson@ccsdecania.ufrj.br>
O objetivo deste trabalho foi conhecer o cenário e construir um panorama geral da produção científica da terapia ocupacional, trabalho e saúde, bem como identificar de que forma tais publicações vêm se configurando em relação à produção do conhecimento, especificamente no desenvolvimento do pensamento empírico e teórico na formação em terapia ocupacional – como estão sendo conduzidas as discussões, com base em quais referenciais teóricos e abordagens metodológicas são orientadas. A pesquisa foi realizada nas bases de dados Pubmed, Lilacs e Cochrane Library, e as categorias analisadas foram: publicações nacionais e internacionais; países de publicação; ano de publicação; tipo de publicação; quais revistas e áreas de concentração; e concentração por tema e assunto. Concluiu-se que o tema necessita de outras discussões teóricas e metodológicas, visando aprofundar a relação entre os campos da terapia ocupacional, trabalho e saúde. Com a aproximação entre os três campos e as relações que se pôde estabelecer entre eles, observou-se que, em sua maioria, a produção nas esferas técnica e acadêmica não considera a complexa relação entre trabalho e saúde.
Palavras-chave terapia ocupacional; saúde; trabalho; saúde do trabalhador; produção científica
The aim of this study was to get to know the scenario and build an overview of the scientific production in occupational therapy, work and health, and to identify how such publications have been being set up with regard to the production of knowledge, specifically in the development of empirical thought and in theoretical training in occupational therapy – how the discussions are being conducted, and based on which theoretical and methodological approaches references they are guided. The survey was conducted in the Pubmed, Lilacs and Cochrane Library databases, and the categories analyzed were Brazilian and international publications, publishing countries, year of publication, type of publication, magazines and areas of concentration, and concentration by topic and subject. It was concluded that the issue requires further theoretical and methodological discussions aiming to deepen the relationship between the fields of occupational therapy, work and health. With the approximation among the three fields and the relationships that could be established among them, it was observed that, in most cases, production in technical and academic spheres does not take the complex relationship between work and health into account.
Keywords occupational therapy; health; work; worker's health; scientific production
El objetivo de este trabajo fue conocer el escenario y construir un panorama general de la producción científica de la terapia ocupacional, trabajo y salud, así como identificar de qué forma tales publicaciones se están configurando con relación a la producción del conocimiento, específicamente en el desarrollo del pensamiento empírico y teórico en la formación en terapia ocupacional –cómo se están conduciendo las discusiones, en base a cuáles referencias teóricas y enfoques metodológicos están orientadas. La investigación se realizó en las bases de datos Pubmed, Lilacs y Cochrane Library, y las categorías analizadas fueron: publicaciones nacionales e internacionales; países de publicación; año de publicación; tipo de publicación; cuáles revistas y áreas de concentración; y concentración por tema y asunto. Se concluyó que el tema necesita otras discusiones teóricas y metodológicas, buscando profundizar la relación entre los campos de la terapia ocupacional, trabajo y salud. Con la aproximación entre los tres campos y las relaciones que se pudo establecer entre ellos, se observó que, en su mayoría, la producción en las esferas técnica y académica no considera la compleja relación entre trabajo y salud.
Palabras clave terapia ocupacional; salud; trabajo; salud del trabajador; producción científica
INTRODUÇÃO: O CAMPO DO PENSAMENTO
O trabalho, a recreação e os exercícios como forma de tratamento e entretenimento são referidos na historiografia médica desde os primórdios da civilização. A terapia ocupacional (TO) iniciou sua intervenção nos anos 1940, com doentes mentais, e na década seguinte com incapacitados físicos, objetivando a remissão dos sintomas patológicos e a reabilitação social e econômica dessa clientela. Para tanto, utilizaram-se o trabalho, a recreação e o exercício como meios de desenvolvimento e adaptação do homem à sociedade. A vinculação dessas três formas de atividade humana, numa abordagem terapêutica em resposta a demandas sociais específicas, constituiu historicamente a terapia ocupacional (Soares, 1991).
No entanto, somente na década de 1990 – período em que a busca pela consistência teórica do campo passou a ser mais significativa – a atividade humana como ocupação foi se sistematizando e se tornando autônoma, separada da prática médica, constituindo-se como ciência da ocupação humana (Lima, Okuma e Pastore, 2013Magalhães, 2013).
Segundo Francisco (2001), esse movimento teve fortes influências do materialismo histórico, o qual considera que as diferentes formas de produção constituem um modo determinado de atividade e de vida.
A maneira como os indivíduos manifestam a sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção (Marx e Engels, 1999, p. 11).
Entender a ‘ocupação’ com base no raciocínio terapêutico ocupacional proposto pela American Occupational Therapy Association (2010) pressupõe considerar fatores relacionados ao ‘domínio’ – ocupação como participação na vida, no cotidiano – e ao ‘processo’ – implicação entre o terapeuta ocupacional, pessoa, organização ou comunidade na mediação e dialogicidade com as atividades humanas.
Nesse sentido, a terapia ocupacional se constitui como ciência da ocupação humana por entender que a atividade humana, como ocupação nas suas principais áreas de desempenho – atividades diárias, trabalho, lazer e participação social –, faz parte da constituição do sujeito e, portanto, é produtora de processos de saúde e doença. E é por meio do estudo da ocupação humana que o terapeuta ocupacional intervém nesses processos (Pedretti, 2005).
Há na terapia ocupacional uma visão ético-ecológica que entende o sujeito como um ecossistema integrado nas suas ocupações cotidianas. Para tanto, é fundamental entender que a terapia ocupacional se preocupa com os fazeres humanos e com as possíveis alterações geradas no cotidiano desses fazeres. E também que as transformações culturais e históricas, processos de sofrimento, adoecimento e de envelhecimento influenciam diretamente no modo como o sujeito se relaciona com o seu fazer, porque ela compreende que as ocupações e as atividades humanas são centrais na constituição e identificação cultural e social do sujeito, que teria, desse modo, uma natureza ocupacional (Medeiros, 2010).
Entretanto, não se pode dizer que há homogeneidade no trato dos conceitos fundantes da profissão; há, sim, alguns consensos que indicam a intenção de se construir uma terapia ocupacional rigorosa no trato do seu objeto, a ocupação humana (Magalhães, 2013).
A discussão sobre a centralidade do ‘trabalho’ como prática – ‘atividade’ – e objeto – ‘ocupação humana’ – aponta para o fato de que em muitas culturas, sobretudo nas sociedades capitalistas contemporâneas, o trabalho é um dos principais determinantes sociais dentre vários aspectos de nossas vidas. Não só pela questão do statussocial, do trabalho assalariado e das distinções de classe, mas também pela constituição do ser/existir do sujeito no mundo.
Com base nas ideias de Canguilhem (2009) – que considera a interdependência do ‘modo de andar a vida’ com a autonomia, que implica a possibilidade de reconstrução, pelos sujeitos, dos sentidos de sua vida, e que tal ressignificação teria peso efetivo no seu modo de viver –, o trabalho desempenharia, portanto, um importante papel no ‘modo de andar a vida’. Veja-se que aqui o destaque não é exatamente a ‘ausência de doença’ como garantia da manutenção do trabalho, mas a prerrogativa da escolha, da autonomia e da singularidade dos modos de ser/existir de cada um no cotidiano – entendendo o trabalho como a ocupação central na vida humana, em suas perspectivas materiais e simbólicas, na construção potente de sentido.
Hannah Arendt (2007), em seu livro A condição humana, com a expressão vita activa define as três atividades humanas fundamentais: o labor, o trabalho e a ação.
O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano (…). A condição humana do labor é a própria vida. O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana (…). O trabalho produz um mundo ‘artificial’ de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. A condição humana do trabalho é a mundanidade. A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é especificamente ‘a’ condição (…) de toda a vida política (Arendt, 2007, p. 15).
Arendt afirma ainda que
(…) a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir. As três atividades e suas respectivas condições têm íntima relação com as condições mais gerais da existência humana (Arendt, 2007, p. 16).
A mesma autora desenvolve a ideia de que a forma de existência predominante no mundo contemporâneo praticamente reduziu todas as atividades que realizamos – em especial a capacidade de produzir obras e realizar ações – ao denominador comum de um labor voltado a assegurar as coisas necessárias à vida do nosso corpo biológico, produzi-las e consumi-las. Essa vida que o labor visa manter se refere ao processo biológico do corpo humano.
O homem reduzido ao labor está aprisionado, segundo Arendt (2007), a uma atividade que se desenvolve de forma cíclica e repetitiva, cujo único objetivo é a produção cada vez maior de coisas pouco duráveis a serem consumidas, e que não termina senão com a exaustão da força de trabalho. Quando tudo que fazemos se resume a esse mecanismo de produção incessante de bens perecíveis e consumo incessante desses mesmos bens, deixamos de construir um mundo e de estar entre os homens como seres políticos e ficamos reduzidos às nossas necessidades privadas.
Nesse contexto, ainda segundo a autora, qualquer ‘tempo livre’ não dedicado ao trabalho em sua qualidade de labor volta-se para o consumo ou ocupação desse tempo de forma apolítica, automatizada.
Aqui duas questões chamam a atenção no contexto dessa reflexão. A primeira se refere ao entendimento do trabalho única e exclusivamente na perspectiva da atividade produtiva assalariada, em detrimento da concepção de trabalho como atividade política, de criação, expressão e transformação, todas relacionadas à ação. Dessa forma, o trabalho é interpretado na perspectiva do emprego. Já a segunda se refere ao fato de o ‘tempo livre’, o ócio, ser ‘ocupado’ por automatismos, pelo não pensar, por atividades sem significados e sentidos – o que nos remete ao conceito reduzido de ocupação.
O trabalho é indispensável à sobrevivência humana e fundamental para a organização social, de modo que a sua reprodução social “é [a] mediação entre o homem e natureza, e dessa interação deriva todo o processo de formação humana” (Marx, 1983, p. 14). É pelo fazer/trabalho que os indivíduos sociais aprendem e desenvolvem sua capacidade criadora, de produção coletiva e reflexiva. O trabalho constitui-se como elemento fundante do ser social, e dessa forma é ‘exclusivamente humano’.
Foi este trabalho consciente que lhe permitiu deixar as cavernas e morar em casas; fabricar e usar móveis, sentar-se à mesa e comer; produzir camas e deitar-se com o companheiro ou companheira e amar, ao invés de só instintivamente sobreviver, comer e possuir. Conquanto mantendo seus instintos básicos de matar para comer e fazer sexo para procriar, ele fez deles, através do trabalho, atos sociais, sociabilizando as suas necessidades. Ao transformar conscientemente a natureza pelo trabalho, se apropriou dela como nenhuma outra espécie viva pôde fazê-lo (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde…, 1989, p. 13).
A categoria trabalho, uma vez compreendida na sua historicidade material e dialética, permite alcançar uma definição de sujeito como sendo aquele que, para ser/existir, necessita produzir os seus próprios meios de subsistência material e simbólica.
Apesar de o trabalho ser anterior à sociedade capitalista e ter tido formas de produção distintas nos diferentes períodos históricos, é a partir do modo de produção capitalista que ele expressa suas maiores contradições. Nele, o trabalho é compreendido como mercadoria, porque toda produção capitalista toma a forma de mercadoria.
Marx (2004) demonstrou que o trabalho, mediador orgânico do homem com a natureza, na sociedade capitalista, é marcado pela alienação e pelo estranhamento. O homem é reduzido à sua condição de força de trabalho, ou seja, mercadoria de troca, barganha, na sociedade salarial. Portanto, o capitalismo transforma o trabalho como forma de ‘andar a vida’, emancipador, criador e libertador, em força de trabalho, mercadoria, estranhamento, alienação. Em última análise, nesse contexto, trabalho é reduzido a emprego, atividade assalariada.
Esse é um ponto crítico e aponta para questões que estão relacionadas ao processo de precarização, comumente verificadas nos variados tipos de vínculo e contratos nas condições de desemprego estrutural, subemprego, na inclusão irresponsável das pessoas com deficiência no mercado de trabalho – empregando-as, mas não as incluindo efetivamente, nos processos de reabilitação e readaptação profissional compulsórios, trabalho informal, escravo, entre outros, e em seus desdobramentos como violência, pobreza, desigualdade, injustiça, sofrimento/adoecimento e morte.
As formas de produção do sistema capitalista transcendem o processo de trabalho, invadem a vida social – ou seja, as relações capitalistas se fazem presentes nas relações sociais, culturais, afetivas, aspectos esses que influenciam diretamente a prática do terapeuta ocupacional, não só no campo do trabalho, mas também no contexto geral do cuidado, ao passo que as questões relacionadas ao trabalho são transversais à saúde e à vida dos sujeitos.
Nesse sentido, partindo-se do pressuposto de que o homem em atividade e a ocupação humana são objetos de estudo da terapia ocupacional e considerando-as centrais na formação teórico-metodológica e prática desse profissional, buscou-se refletir sobre a seguinte questão: o que a terapia ocupacional vem produzindo nas esferas técnica e acadêmica e de que forma essas publicações vêm se configurando em relação à produção de conhecimento no contexto da terapia ocupacional, trabalho e saúde?
O caminho do pensamento
O estudo4 se propôs a realizar uma revisão sistemática das produções científicas nacionais e internacionais da terapia ocupacional, no contexto trabalho e saúde.
A revisão sistemática, assim como outros tipos de estudo de revisão, é uma forma de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura sobre determinado tema. Esse tipo de investigação se caracteriza por uma análise minuciosa e pela apresentação objetiva dos achados/resultados por meio de um panorama geral das publicações, mediante a aplicação de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação selecionada. Nesse sentido, são particularmente úteis para integrar as informações de um conjunto de estudos realizados separadamente sobre determinada temática, permitindo incorporar um espectro maior de informações que podem ser conflitantes ou coincidentes, bem como identificar temas que necessitam ser mais bem explorados, auxiliando na orientação para investigações futuras (Linde e Willich, 2003).
O método desta pesquisa seguiu as recomendações para a realização de revisões sistemáticas propostas pelas diretrizes metodológicas do Ministério da Saúde (Brasil, 2012), bem como as demais recomendações propostas pelo Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions, e pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), da Universidade de Oxford.5
As etapas de pesquisa e protocolo de busca foram elaboradas com base na seguinte organização: definição do objetivo da revisão e das questões que nortearam o estudo; definição dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos; definição dos termos, descritores de assunto MeSH (Medical Subject Healding) e DeCS (descritores em ciências da saúde), definição das estratégias de busca e das bases de dados a serem pesquisadas; levantamento dos estudos; seleção dos estudos, avaliação dos títulos e dos resumos (abstracts) identificados na busca inicial; análise da qualidade metodológica dos estudos a partir da validade dos estudos incluídos nela; discussão e análise dos resultados.
A busca e a recuperação dos artigos foram realizadas de forma abrangente nas principais bases de dados referenciais: Medline/Pubmed, Cochrane Library e Lilacs. As bases foram escolhidas pelo seu caráter multidisciplinar e por entendermos ser enriquecedor efetuar a pesquisa em fontes de informação de várias áreas do conhecimento.
Não foi aplicado filtro de idioma nem de ano de publicação. Dessa forma, todos os trabalhos recuperados foram incluídos. As estratégias foram elaboradas, sempre que possível, utilizando-se o vocabulário controlado de descritores de assunto (Mesh/Medline e DeCS/BVS). Usaram-se também termos livres para todos aqueles termos em que não havia uma representação de assunto no vocabulário controlado.
Os descritores utilizados e os termos livres relacionados para a busca foram: ‘Terapia Ocupacional’/'Occupational Therapy', ‘Saúde do Trabalhador’/‘Occupational Health’, ‘Medicina do Trabalho’/‘Occupational Medicine’, ‘Serviços de Saúde do Trabalhador’/‘Occupational Health Services’, ‘Política de Saúde do Trabalhador’/‘Occupational Health Politics’, ‘Programa de Saúde do Trabalhador’/'Health Worker Program', ‘RENAST’, ‘CEREST’, Trabalho/Work, Trabalhador/Worker* e Emprego/Employment*.
Os recursos de busca como termos truncados (*), os operadores lógicos booleanos or para adição e and para relação dos termos, bem como as diferentes grafias, siglas e termos relacionados, contribuíram para aumentar a sensibilidade das buscas. A busca foi realizada em três principais índices: título, abstract e assunto em todas as bases de dados, pressupondo-se que o título e o resumo revelam o objeto do estudo. As estratégias foram desenhadas de acordo com a especificidade de cada base de dados.
Quando o título e o resumo não eram esclarecedores, buscou-se o artigo na íntegra, para não correr o risco de se deixaremestudos importantes fora da revisão.
Com base nas questões inicialmente relacionadas, a análise dessas publicações buscou apreender as ideias centrais e os principais aspectos apontados nos estudos, tendo sido realizada após a classificação das publicações encontradas e a verificação da adequação aos critérios de inclusão adotados.
O tratamento inicial dado aos materiais selecionados baseou-se no cômputo numérico dos textos segundo as classificações adotadas, de forma a se identificar a ênfase apresentada nos estudos incluídos para análise.
Para a análise qualitativa, utilizamos como referencial a técnica de análise de conteúdo, de acordo com os pressupostos de Bardin (1977). Essa técnica pode ser considerada um “conjunto de técnicas de análise das comunicações e análise dos significados (análise temática), que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens” (Bardin, 1977, p. 31).
Entretanto, não se pretendeu realizar a aplicação dos métodos e técnica propostos por Bardin. No caso do presente estudo, os materiais foram analisados de acordo com as seguintes categorias: publicações nacionais e internacionais; países de publicação; ano de publicação; tipo de publicação; quais revistas e áreas de concentração; concentração por tema e assunto.
A apresentação sistemática dos dados com base nas categorias de análise escolhidas favoreceu a construção de um painel sobre o cenário atual dessas produções científicas e facilitou a identificação dos aspectos mais relevantes sobre a terapia ocupacional, trabalho e saúde.
Olhares da terapia ocupacional sobre o contexto da relação trabalho e saúde
A soma das bases de dados pesquisadas totalizou 2.446 artigos. Inicialmente, 592 referências foram excluídas por estarem em duplicata. O uso do gerenciador de referências EndNoteWeb6 possibilitou a identificação das referências duplicadas e a exclusão de forma confiável. Das 1.854 referências remanescentes, 623 foram selecionadas e 1.204 descartadas de acordo com os critérios de inclusão e exclusão pela leitura de título e resumo. Artigos sugestivos de inclusão, ou que não possuíam resumo, mas títulos sugestivos, passaram pela etapa de avaliação por texto completo. Nesta etapa, das 27 referências analisadas, oito tiveram elegibilidade confirmada pela leitura completa e guiada pelas questões norteadoras. O estudo totalizou 575 artigos (Figura 1).
Fonte: Ministério da Saúde, Diretrizes metodológicas, Anexo E: Fluxo de seleção dos artigos da revisão sistemática (Brasil, 2012).
Figura 1 Fluxograma dos estudos incluídos 
Do total de 575 publicações referentes à temática, 424 foram obtidas na base de dados Bireme/Pubmed, 24 em The Cochrane Library e 127 na Lilacs. Dentre elas, 121 brasileiras e 454 internacionais, demonstrando que em âmbito internacional a quantidade de publicações é bem maior que no Brasil.
Dentre os países de maior expressão do ponto de vista da quantidade de produções no campo da terapia ocupacional encontram-se os Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá. Tal fato se deve, principalmente, ao alto investimento no campo da produção científica, bem como ao financiamento de pesquisas e criação de revistas e jornais para publicação (Lancman, 2004). Entretanto, com relação à temática do ‘trabalho’, percebe-se uma produção expressiva de outros países, como Países Baixos e Brasil, que, comparados a países com maior incentivo em pesquisas acadêmicas, apresentam um número de publicações significativo (Tabela 1).
Tabela 1 País de publicação e participação proporcional 
PaísParticipação (%)
Estados Unidos31%
Países Baixos16%
Inglaterra14%
Brasil12%
Canadá6%
Austrália5%
Itália2%
França1%
Rússia1%
Outros12%
Fonte: Os autores.
O número de publicações relacionadas aos países também está associado às revistas/journals de referência para a área. É possível identificar que mais de 60% das produções científicas nacionais e internacionais são publicadas em revistas/journals de terapia ocupacional, o que consequentemente confere maior número de publicações e periodicidade em países que têm revistas/journals nacionais ou internacionais na área de terapia ocupacional (Tabelas 2 e 3).
Tabela 2 Distribuição por área de concentração e por revista/journal internacional 
Área de concentraçãoRevista/JournalNúmero de publicações
Terapia ocupacionalThe American Journal of Occupational Therapy27%
TrabalhoWork (Reading, Mass)18%
Reabilitação em terapia ocupacionalJournal Occupation Rehabilitation11%
Terapia ocupacionalCanadian Journal of Occupational Therapy8%
Terapia ocupacionalAustralian Occupational Therapy Journal6%
Terapia ocupacionalOccupational Therapy International4%
Medicina do trabalhoGiornale Italiano di Medicina de Lavoro ed Ergonomia4%
Psiquiatria, psicologia, tuberculose, câncer, terapia de mão, doenças degenerativas, ortopediaOutros22%
Fonte: Os autores.
Tabela 3 Distribuição por área de concentração e revista/journal nacional 
Área de concentraçãoRevista/JournalNúmero de publicações
Terapia ocupacionalRevista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo32%
Terapia ocupacionalCadernos de Terapia Ocupacional da Universidade de São Carlos24%
TrabalhoRevista Brasileira de Saúde Ocupacional18%
Reabilitação, psiquiatria, saúde coletiva, medicina, ortopedia, enfermagemOutros26%
Fonte: Os autores.
Outro fato curioso foi a diferença de status entre os tipos de publicações nacionais e internacionais. Internacionalmente, os journals – revistas de países estrangeiros que equivalem aos nossos periódicos – são considerados meios potenciais de divulgação e publicação de estudos científicos acadêmicos. Entretanto, constituem-se diferentemente dos nossos periódicos em organização e forma. Os journals se caracterizam pela publicação de artigos menores do que aqueles com que estamos acostumados. Nacionalmente, esse formato de publicação é utilizado para publicações técnicas, o que confere um status diferente das publicações em periódicos nacionais e internacionais para a comunidade científica, o que pode ser facilmente verificado em processos seletivos que utilizam avaliação de títulos e currículo com pontuações distintas. Normalmente, periódicos são mais bem avaliados em detrimento das notas técnicas.
Entretanto, na área de terapia ocupacional, os journals, revistas estrangeiras e internacionais ocupam statusainda mais importante e representam os principais veículos de publicação técnico-científicos. Têm grande prestígio acadêmico mundial e são mais bem avaliados dos que os nacionais, o que também colabora para o aumento do número de publicações internacionais (Tabela 4).
Tabela 4 Tipo de publicação 
TipoNúmero de publicações internacionaisNúmero de publicações nacionais
Artigo revista/journal452105
Monografia02
Dissertação19
Tese15
Total454121
Fonte: Os autores.
Ao se analisar o número de publicações por ano, não foi observado nenhum aumento ou diminuição expressiva no cenário internacional que pudesse ter alguma relação com acontecimentos históricos e políticos.
Com referência ao cenário nacional, destaca-se o aumento do número das publicações a partir de 2003, quando a especialidade em saúde do trabalhador passou a ser discutida pelos órgãos de classe (Conselhos Regional e Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), e quando a categoria em 2005 começou a fazer parte da equipe multiprofissional dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador.
O primeiro registro de artigo publicado, internacionalmente, data de 1950, e o primeiro publicado nacionalmente, de 1999, quase meio século depois. Acredita-se que esse fato está diretamente associado à não existência da regulamentação e formação de profissionais terapeutas ocupacionais no Brasil, que só passam a ser reconhecidos, oficialmente, como uma categoria profissional a partir de 1993.
A publicação de 1950 aborda a temática da avaliação dos trabalhadores que se acidentam/ferem em uma indústria e está entre os cinquenta artigos mais citados em produções científicas internacionais, segundo sistematização dos dados no EndNoteWeb. É considerada uma referência ainda atual com relação à abordagem metodológica, aos apontamentos realizados e aos resultados apresentados.
Podemos observar também que a partir dos anos 2000 o número de publicações da terapia ocupacional vem apresentando um crescimento, tanto no cenário internacional quanto no nacional, o que é representativo na perspectiva da produção do conhecimento.
Dos 575 artigos encontrados nesta pesquisa, ao se considerar a média de publicação por ano, temos em média sete artigos internacionais e oito nacionais, o que representa um número bastante significativo em comparação a outros países e, de certo modo, expressa o crescimento sinalizado anteriormente (Tabela 5).
Tabela 5 Número de publicações nacionais e inter nacionais por ano 
Fonte: Os autores.
Na diversidade desses estudos podem ser encontrados diferentes eixos de conexão entre terapia ocupacional, trabalho e saúde. Ao se utilizar a análise de conteúdo como referência, identificaram-se as principais discussões teóricas travadas pelo campo da terapia ocupacional, mais especificamente nas áreas de concentração de tema e assunto teóricos e práticos que subsidiam o olhar sobre as produções científicas.
Nesse sentido, é possível observar que os cenários nacional e internacional coincidem em relação às principais áreas temáticas e proporção do número de publicações no contexto trabalho e saúde. Consequentemente, acreditamos que as produções internacionais influenciaram e influenciam as nacionais, ao passo que durante quase cinquenta anos foram as únicas referências na construção do campo teórico e prático e que ainda hoje são amplamente citadas em estudos nacionais (Tabela 6).
Tabela 6 Concentração por tema e assunto 
Concentração por tema e assuntoNúmero de publicações internacionaisNúmero de publicações nacionaisTotal
Reabilitacao e readaptacao profissional16937206
Doenças ocupacionais (LER/Dort)732194
Inclusão no mercado de trabalho621880
Saúde mental e trabalho471663
Terapia trabalho31738
Emprego apoiado19120
Ergonomia18523
Saúde coletiva (políticas públicas; vigilância)099
Outros35742
Total454121575
Fonte: Os autores.
Nota: LER – Lesão por Esforço Repetitivo; Dort – Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho.
Os resultados da revisão sistemática demonstraram a predominância de estudos na área de reabilitação e readaptação profissional, que correspondem a um total de 206 estudos, cerca de 35% do número total de publicações. Esse é um espelho da formação teórica e prática do terapeuta ocupacional. A reabilitação ainda representa o potencial simbólico de maior expressão e representatividade da categoria, mesmo com o ‘novo’ paradigma do conceito ampliado de saúde e com algumas iniciativas potentes no ponto de vista da transformação, no sentido de ocupar outros espaços, campos e especialidades e de agregar novos valores à profissão.
A segunda grande proporção de estudos é oriunda de uma das principais subáreas da reabilitação no contexto do trabalho, as doenças ocupacionais, mais especificamente as tráumato-ortopédicas – lesões por esforço repetitivo e outras doenças ocupacionais relacionadas ao trabalho –, que, com enfoques e tipos de estudos variados, apresentaram 94 publicações.
O terceiro eixo trata da discussão da inclusão no mercado de trabalho e tangencia, principalmente, as questões relacionadas às pessoas com deficiência. São estudos, em sua maioria, com formatos de relato de experiência e estudos de caso.
Saúde mental e trabalho também são temas bastante pesquisados pela categoria. Representa o quarto eixo mais explorado, com 67 publicações. Podemos considerar que esse bloco temático é um dos mais diversificados em relação aos outros, o que corresponde a uma característica própria do entendimento singular por parte dos profissionais com relação a problemas, doenças, transtornos mentais e suas respectivas atuações com os sujeitos de intervenção nesse campo.
Em quinto lugar está o tema terapia do trabalho, que não é uma abordagem recente na literatura da terapia ocupacional. Significa utilizar a atividade que gera um produto e que tenha, além do valor de uso, um valor de troca como ferramenta terapêutica (Francisco, 2001). Essa prática é mais difundida nos Estados Unidos e no Canadá. No Brasil, as discussões mais recentes têm caminhado na direção da economia solidária, associativismo e cooperativismo.
Em seguida, estão os artigos relacionados ao emprego apoiado, que surgiu nos Estados Unidos como uma metodologia para inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal, assim como de outros grupos sociais em situação de exclusão social ou com dificuldades particulares para encontrar emprego e de nele se manter. São eles os pioneiros nessa metodologia e, consequentemente, responsáveis por 70% das publicações internacionais, o que representa 13 artigos do total de vinte publicados.
Segundo o Instituto de Tecnologia Social do Brasil (2001), a metodologia foi incluída pela Revista de Inovação Social, de Stanford, como uma das ‘dez recentes inovações sociais’. Observa-se, dessa forma, uma valorização crescente do emprego apoiado em todo o mundo.
Dados o enorme contingente de pessoas com deficiência no Brasil e a baixa taxa de participação no mercado de trabalho das pessoas com deficiência em idade ativa, a Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Secis/MCTI) tem promovido cursos de formação para os profissionais da saúde que atuam nessa área, apostando que essa estratégia pode garantir a inserção desses grupos no mercado de trabalho. Entretanto, o emprego apoiado tem sido amplamente discutido em fóruns, encontros e seminários sobre terapia ocupacional e trabalho e divide a opinião dos profissionais que atuam nesse campo.
O penúltimo tema relacionado é a ergonomia, com 23 publicações. A terapia ocupacional utiliza a ergonomia como subsídio em algumas atuações e intervenções no campo do trabalho, apropriando-se da análise ergonômica do trabalho (AET). A AET é um método de estudo do trabalho, e a ergonomia é uma disciplina que estuda o trabalho. Como disciplina, a ergonomia pode usar vários métodos, inclusive a AET. Como método, a AET pode ser utilizada por diferentes disciplinas, inclusive a terapia ocupacional (Watanabe e Gonçalves, 2004).
Esse método de análise tem como objetivo descrever a atividade de trabalho segundo a visão crítica daquele que o executa, ressaltando os princípios da análise na situação real, diferenciando o trabalho real do prescrito e considerando os mais diversos fatores relacionados à organização do trabalho, condições do ambiente, carga física e mental, entre tantos outros (Simonelli e Rodrigues, 2013).
O método prevê a realização de uma análise da demanda, da tarefa, da atividade e de recomendações ergonômicas, a fim de propor melhorias às demandas identificadas. A análise da demanda consiste na contextualização do projeto ante a realidade da demandante; a análise da tarefa, no estabelecimento do conjunto de condicionantes que atuam sobre as situações de trabalho e de uso na unidade produtiva em estudo; e a análise da atividade, no estabelecimento dos aspectos determinantes das situações de trabalho em uso.
O sétimo e último tema está relacionado à saúde coletiva. Não foram encontrados estudos internacionais na área, o que aponta para a questão ideológica da luta pelo sistema público de saúde no Brasil. Entretanto, nacionalmente, a quantidade de estudos ainda é tímida, apenas nove artigos. Estes focalizam a terapia ocupacional e a saúde do trabalhador com intervenção ampliada do profissional nas ações e nos serviços especializados e práticas desenvolvidas na Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador. Apresentam experiências e pesquisas aplicadas, expõem perspectivas sobre a rede municipal de saúde do trabalhador – interdisciplinaridade e interinstitucionalidade; prevenção de acidentes e doenças; vigilância em saúde do trabalhador. Indicam ainda a atuação em outros setores da seguridade social – assistência e previdência, como, por exemplo, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Na categoria ‘outros’ estão 42 publicações que, conjuntamente, não representam uma categoria homogênea de estudos e apenas tangenciam o tema ‘trabalho e saúde’. Os artigos aqui analisados são diversos e compreendem estudos relacionados a psicodinâmica do trabalho, clínica da atividade, experiências de cooperação técnica, algumas propostas metodológicas de análise e organização do processo de trabalho por meio da organização da rotina das atividades e outras experiências e análises empíricas, construídas juntamente com os trabalhadores.
Segundo Lancman (2004), existem muitas pesquisas e intervenções em terapia ocupacional que visam aprimorar a produção, as condições e a organização do trabalho, porém escassas são as pesquisas e intervenções que exploram o conteúdo do trabalho, as relações particulares do trabalhador com sua atividade, consternação e desgaste advindos do trabalho e seus efeitos sobre a saúde daqueles que trabalham. Estudos que exploram novos campos contribuem para o aprimoramento do trabalho do terapeuta ocupacional no contexto do trabalho e saúde e apontam para a necessidade da construção de novos olhares.
CONSIDERAÇÕES, REFLEXÕES E APONTAMENTOS FUTUROS
Na revisão sistemática realizada, encontramos algumas evidências que apresentam as relações da terapia ocupacional no contexto trabalho e saúde. Entretanto, grande parte dos estudos emprega o sentido do trabalho do ponto de vista da sua centralidade como produção de vida e constituição do ser/existir homem de forma reducionista.
Alguns estudos acadêmicos, inclusive, apontam para essa direção, considerando como ‘trabalho’ aquelas atividades que inserem o sujeito em uma prática produtiva assalariada. E ainda que, na perspectiva do avesso, trabalho não é emprego. Para uma reflexão mais profunda, que considere a complexidade dos sentidos do trabalho, é fundamental nos questionarmos: que trabalho é esse? De que atividades estamos falando? De que forma o homem se ocupa do trabalho? Essas questões precedem o entendimento do trabalho como atividade central para a ocupação humana.
É possível, por um lado, identificar fragilidades fundamentais na perspectiva epistemológica da terapia ocupacional como ciência da ocupação humana e da sua identidade, sem aprofundamentos críticos, reflexivos e teóricos, principalmente em sua categoria central: ocupação humana. Por outro lado, encontramos de maneira aprofundada e refinada as mais diversas práticas de reabilitação, inclusão e terapias que utilizam o trabalho como atividade e forma de cuidado. O estado da arte e das práticas da terapia ocupacional no contexto de trabalho e saúde demonstra um investimento na intervenção junto ao sujeito, com o objetivo primeiro de inserir, reinserir, adaptar, readaptar, habilitar e reabilitar para o mercado de trabalho, respondendo a uma lógica contratual capitalista de um trabalho pouco autônomo e emancipatório, alienado e apolítico na perspectiva da criação.
O ‘trabalho’ como modo de andar a vida demonstra que o tema necessita de outras discussões teóricas e metodológicas, visando aprofundar a relação entre os campos da terapia ocupacional, trabalho e saúde. Nesse sentido, a partir da aproximação entre os três campos e das relações que se pôde estabelecer entre eles, observou-se que, em sua maioria, a produção nas esferas técnica e acadêmica não considera a complexa relação entre trabalho e saúde. Esse caráter pouco integrador inviabiliza a compreensão das perspectivas sistêmicas em saúde e da relação trabalho e saúde, o que implica preconizar a resolução de ‘problemas’ mediante a individualização do cuidado, em detrimento de questões que são vivenciadas, experimentadas e compartilhadas coletivamente.
Com base nesse panorama geral sobre a produção científica da terapia ocupacional, espera-se que esta pesquisa possa subsidiar e fomentar a elaboração de novos estudos críticos, reflexivos e integradores, nas perspectivas intra e intersetoriais e, também, multi, inter e transdisciplinares, na tentativa de tensionar e provocar debates sobre a construção de novos olhares da terapia ocupacional sobre as práticas no cuidado em saúde. Nesse sentido, este estudo aponta para a necessidade de ampliação do diálogo no contexto da relação trabalho e saúde com múltiplas esferas de produção de conhecimentos, saberes, campo de práticas, de ações e serviços: cultural, físico, social, pessoal, espiritual, temporal, virtual – em última análise – de saúde.
Compreender o objeto central da terapia ocupacional, o fazer – ‘ocupação humana’ – sob o prisma do trabalho, como princípio educativo, no contexto sociopolítico, permite superar as fragilidades conceituais e epistemológicas na formação em terapia ocupacional. Nessa linha, a realização de pesquisas empíricas, cuja abordagem contemple variações sobre a relação trabalho-saúde, poderá trazer à luz distintas questões, tais como vulnerabilidades socioambientais, vínculos precários, cargas e riscos com seus consequentes acidentes e doenças ocupacionais, trabalho infantil, desigualdades de gênero e, entre outras, as novas formas de sofrimento humano pela opressão do trabalho.
Desse modo, a construção de novos caminhos e olhares da terapia ocupacional voltada para uma prática mais integradora dos cuidados em saúde se configura, na verdade, como um desejo e uma proposta de transformação de cenários e práticas que envolvem a compreensão de que condições elementares que sustentam a existência humana, como trabalho, renda, moradia, alimentação, transporte e lazer, são seus determinantes e condicionantes.
NOTAS
4Este artigo é parte da pesquisa da dissertação de mestrado intitulada Trabalho: de que atividade/ocupação estamos falando? Um estudo sobre a produção científica da terapia ocupacional, trabalho e saúde, de autoria de Renata da Silva de Faria, sob a orientação de Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, em 2013. Está disponível em: <http://search.bvsalud.org/cvsp/resource/pt/lil-714037>.
5O PRISMA é uma diretriz que tem como objetivo ajudar autores a melhorarem a qualidade do relato dos dados da revisão sistemática.
6O EndNoteWeb é um serviço via web projetado para auxiliar no processo de elaboração de pesquisas científicas. Possibilita reunir e organizar, rápida e facilmente, informações de referência de uma ampla variedade de fontes e bases de dados. Armazena até dez mil referências que podem ser compartilhadas com outros usuários.
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Recebido: 22 de Abril de 2014; Aceito: 08 de Abril de 2015
Correspondência: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Terapia Ocupacional, Centro de Ciências da Saúde, Bloco K, sala K49, Cidade Universitária, CEP 21941-971, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Colaboradores
Renata da Silva de Faria concebeu a proposta e elaborou o texto. Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos efetuou a adequação dos objetivos e a revisão do texto. Daniele Masterson Tavares Pereira Ferreira auxiliou na formulação e desenvolvimento da metodologia.