Se a migração de grandes grupos promove novas configurações sob o aspecto geopolítico e social, pela óptica do psiquismo as transformações também não são poucas. É compreensível que os refugiados sofram enorme angústia, dada a forte carga traumática que enfrentam, tangenciada pelo desamparo, resultante das perdas em vários níveis e das incertezas sobre o que há de vir. Na jornada rumo ao desconhecido deixa-se para trás não só um país em destroços, mas parte da própria história. Não é de estranhar, portanto, que a dor psíquica se expresse das mais variadas formas. Mas é preciso pensar também naqueles que veem os migrantes chegarem a seu país. Buscando fugir das restrições que trazem os juízos de valor e da superficialidade maniqueísta do “certo” e do “errado”, parece mais lógico pensar no que é possível. E, nesse sentido, a psicanálise traz uma contribuição preciosa: é na diversidade que nos constituímos, mas passamos a vida nos rebelando contra ela.
A diferença atrai, mas em geral o que prevalece é o incômodo que causa – a ponto de, em muitos casos, suscitar o ódio. No processo de constituição psíquica, o sentimento aparece como elemento primordial. Na etimologia grega, odeum significa “pequeno teatro” destinado a apresentações de música e declamação de poesias. Num primeiro momento, essa ligação pode parecer disparatada, mas convém considerar que no lugar onde são dramatizadas as emoções mediadas pela arte, a presença do ódio é recorrente. Na origem latina, odium refere-se a repugnância, aversão, evocando a ideia de repulsa e horror, acompanhada da certeza de que aquilo que provoca esse sentimento deve ser evitado.
Freud afirma que o ódio é mais antigo que o amor e fala da rejeição primordial do mundo externo repleto de estímulos que incomodam o Eu: nas origens das relações está a expressão da repulsa primitiva. Certamente conviver não é fácil, ainda mais se a proximidade se impõe pela necessidade e não pelo desejo. Pior ainda quando no rastro das filas de homens, mulheres e crianças que procuram lugar para viver está a violência e a tragédia. Psiquicamente, a saída mais saudável (tanto para os que chegam, quanto para os que estão) é o exercício da tolerância à diferença, que favorece o amadurecimento psíquico e, como uma espécie de brinde, melhora a capacidade cognitiva. Ou seja: a diferença incomoda, mas pode fazer muito bem.
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