quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Sintomas depressivos e de ansiedade em mães durante internação pediátrica em um hospital universitário



Depressive symptoms and of anxiety among mothers of pediatric inpatients at a university hospital


Bruno Luiz GuidolinI; Salvador Antônio Hackmann CéliaII
I Médico, Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, RS, Aluno, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS
II Doutor, Professor adjunto, ULBRA



RESUMO
INTRODUÇÃO: O período de tratamento e recuperação de uma criança hospitalizada pode ser longo. Durante esse tempo em que precisa estar inserida no ambiente hospitalar, muitas vezes institui-se uma crise na vida da criança e da mãe.
OBJETIVO: Avaliar a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão materna em mulheres que tiveram seus filhos internados na ala pediátrica do hospital universitário da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
MÉTODOS: Este foi um estudo transversal, com aplicação dos Inventários de Ansiedade e Depressão de Beck (Beck Anxiety and Depression Inventories, respectivamente BAI e BDI) em 140 mulheres que se encontravam entre 31 e 365 dias após o parto. Adotamos o ponto de corte > 20 nas escalas BAI e BDI para definir a presença de ansiedade e depressão.
RESULTADOS: Do total, 43 mulheres (30,7%) apresentaram escores > 20 no BDI, ou seja, foram consideradas deprimidas; 46 (32,9%) apresentaram escores > 20 no BAI, tendo sido consideradas ansiosas; 26 mulheres (18,6%) apresentavam-se ansiosas e deprimidas. Mulheres em situação de maior vulnerabilidade social apresentaram depressão e ansiedade com maior frequência, especificamente mulheres mais jovens, com menor escolaridade e menor renda, sem plano privado de saúde e com mais filhos.
CONCLUSÕES: A atuação preventiva de equipes multidisciplinares, nos primeiros meses após o parto, é necessária devido à alta frequência de sintomas depressivos e de ansiedade nas mães. Com isso, essas mães que se encontram em um ambiente hospitalar podem ser encaminhadas para profissionais de saúde mental adequados.
DESCRITORES: Ansiedade, depressão pós-parto, prevalência, hospitalização.

ABSTRACT
INTRODUCTION: The treatment and recovery of a pediatric inpatient may take a long time. During the child's stay in the hospital environment, it is not uncommon to observe the development of emotional crises affecting both child and mother.
OBJECTIVE: To assess the prevalence of depression and anxiety symptoms among mothers who had their children admitted to the pediatric ward of a university hospital in southern Brazil.
METHODS: This was a cross-sectional study in which the Beck Anxiety and Depression Inventories (BAI and BDI, respectively) were administered to 140 women between 31 and 365 days postpartum. The cut-off point of > 20 on BAI and BDI was used to define the presence of anxiety and depression.
RESULTS: Of the 140 women assessed, 43 (30.7%) presented BDI scores > 20, and were therefore considered to be depressed; 46 (32.9%) showed BAI scores > 20, and were considered to be anxious; 26 women (18.6%) presented both depression and anxiety. Women living under more vulnerable social conditions more frequently presented both depression and anxiety, namely younger women, those with lower education levels and lower income, those who did not have private health insurance and women who had more children.
CONCLUSION: The preventive action of multidisciplinary teams in the first months postpartum is necessary due to the high frequency of depression and anxiety symptoms among mothers of pediatric inpatients. Such action will allow mothers who are present at the hospital to be referred to appropriate mental health professionals.
Keywords: Anxiety, postpartum depression, prevalence, hospitalization.



Introdução
No Brasil, a depressão tem atingido uma parcela importante da população geral, sendo considerada um problema de saúde pública1. Há predomínio do sexo feminino, e, muitas vezes, a doença é precedida por eventos marcantes, como gravidez, parto e puerpério. Esses períodos envolvem grandes transformações, não só do ponto de vista fisiológico, mas, também, do ponto de vista psíquico e do papel sociofamiliar. Além disso, as mudanças físicas ocorridas durante a gravidez podem provocar instabilidade emocional na mulher2.
Normalmente, há uma maior probabilidade de as mães adoecerem emocionalmente durante os momentos mais críticos de suas vidas, sejam esses momentos bons ou ruins, devido a uma solicitação de adaptação a essa resposta emocional. A literatura médica descreve as manifestações psíquicas mais comuns no pós-parto, incluindobaby blues, depressão materna pós-parto e psicose puerperal3. Durante o período pós-parto, a sintomatologia mais característica é a mudança de humor repentina, associada a outros sintomas, como alterações de apetite e sono, falta de energia e de interesse em atividades que antes eram consideradas agradáveis, culpa excessiva e pensamentos suicidas3-5.
Os transtornos de ansiedade estão entre os transtornos psiquiátricos mais frequentes na população, e os sintomas ansiosos estão entre os mais comuns, podendo ser encontrados em qualquer pessoa em determinados períodos da vida. Entretanto, essa ansiedade pode ser patológica quando é desproporcional à situação que a desencadeia, ou quando não existe um motivo específico para o seu aparecimento, ou, ainda, quando representa uma resposta inadequada a determinada ameaça, em virtude de sua intensidade ou duração5.
Em contraste com a depressão, a ansiedade tem sido pouco estudada, apesar de sua prevalência e importância potencial. A ansiedade é um estado emocional que tem componentes fisiológicos e psicológicos, que abrangem sensações de medo, insegurança e antecipação apreensiva, pensamento dominado por ideias de catástrofe ou incompetência pessoal, aumento do estado de vigília, tensão e dor muscular, sensação de constrição respiratória, tremor e inquietação e vários desconfortos somáticos consequentes da hiperatividade do sistema nervoso autônomo5.
Trabalhos nacionais relatam prevalência de depressão materna variando de 19,1 a 39,4%6-8. Já a literatura internacional descreve taxas de 13,2 a 27,2%9-12. A ansiedade materna, por sua vez, tem prevalência em trabalhos nacionais variando entre 44,0 e 46,1%13,14, e em trabalhos internacionais, entre 4,9 e 24,9%15-18. Embora não se disponha de parâmetros fisiológicos para avaliar as manifestações clínicas da depressão e da ansiedade, escalas de avaliação são usadas para medir e caracterizar os sintomas, por exemplo os Inventários de Ansiedade e Depressão de Beck (Beck Anxiety and Depression Inventories, respectivamente BAI e BDI)19,20. No entanto, tais escalas têm a limitação de não poderem ser utilizadas como critério diagnóstico19,21.
O período de tratamento e recuperação de uma criança hospitalizada pode ser longo. Durante esse tempo em que a criança precisa estar inserida no ambiente hospitalar, muitas vezes institui-se uma crise na vida da criança e da mãe. Nesse contexto, níveis de ansiedade e sentimentos de tristeza e melancolia podem ser exacerbados diante da situação de conflito e estresse.
O objetivo deste estudo foi quantificar a presença de sintomas de ansiedade e depressão materna em mães que tiveram seus filhos (com idade entre 31 e 365 dias) internados na ala pediátrica do hospital universitário da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), utilizando as escalas BAI e BDI.

Métodos
Para este estudo, de cunho quantitativo e transversal, foram consideradas elegíveis mães que acompanhavam seus filhos internados na ala pediátrica do hospital universitário da ULBRA, no município de Canoas (RS), região metropolitana de Porto Alegre. A amostra total incluiu 140 mães que estiveram acompanhando seus filhos no período de julho a agosto de 2008 e que preencheram os seguintes critérios de inclusão: mães internadas com seus filhos na ala pediátrica do hospital; crianças com idade entre 31 e 365 dias; idade materna a partir de 18 anos. Os critérios de exclusão foram: mães com idade inferior a 18 anos; crianças com mais de 1 ano de idade; e mães que se recusaram a participar do estudo.
A coleta de dados foi realizada pelo autor (B.L.G.), em ambiente privativo. Após autorização prévia da mãe, foi entregue e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido e foi feita uma entrevista.
Para identificar o perfil da população estudada, elaboramos uma entrevista estruturada, padronizada, constando de informações sociodemográficas e sobre a internação da criança, assim definidos: idade da mãe (aferida em anos completos); idade da criança (aferida em meses completos); estado civil (solteira, casada, divorciada, viúva, conforme certidão legal); escolaridade (grau máximo de instrução alcançado, a considerar: analfabeta ou ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto, ensino médio completo ou ensino superior incompleto ou completo); renda familiar média (somatória do número de salários mínimos recebidos pelos membros trabalhadores da família); número de filhos vivos; se possui plano privado de saúde; quantos dias dura/durou a internação da criança; se a criança foi internada primeiramente na unidade de terapia intensiva (UTI) e, depois, foi para a internação pediátrica; número de internações prévias da criança; causa da internação da criança. A última pergunta da entrevista buscava saber se a mãe havia recebido diagnóstico médico de depressão pós-parto nesta ou em outra gestação.
Para o rastreamento dos sintomas de ansiedade e depressão, foram utilizados os instrumentos BAI e BDI, provavelmente as medidas de autoavaliação de ansiedade e depressão mais amplamente usadas, tanto em pesquisa como em clínica19,20.
O BDI é uma escala sintomática de autorrelato composta por 21 itens com diferentes alternativas de resposta a respeito de como o sujeito tem se sentido. As alternativas correspondem a diferentes níveis de gravidade da depressão, e a soma dos escores dos itens individuais fornece um escore total, que, quando igual ou superior a 20, indica a presença de sintomatologia de depressão. Estimativas de fidedignidade do BDI baseadas no coeficiente alfa de Cronbach revelam valores que variam de 0,77 a 0,92 em amostra médico-clínica22.
O BAI, por sua vez, visa medir os sintomas comuns de ansiedade. O inventário consta de uma lista de 21 sintomas, com quatro alternativas de resposta para cada um, em ordem crescente de nível de ansiedade. A somatória dos pontos perfaz um escore de 63, sendo que, novamente, um escore total igual ou superior a 20 indica sintomatologia de ansiedade, como definido na validação da escala em uma amostra brasileira20. Estimativas de fidedignidade do BAI baseadas no coeficiente alfa de Cronbach revelam valores que variam de 0,75 a 0,92 em amostra médico-clínica22.
Aos dados coletados foram aplicadas técnicas de análise estatística para descrever a amostra estudada, utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 12.0. Variáveis contínuas, com distribuição normal, tiveram suas médias comparadas pelo teste t de Student. Variáveis categóricas foram expressas utilizando valores absolutos e percentagens, e sua associação foi medida por meio do teste do qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de 5%.
Tanto o projeto de pesquisa como o termo de consentimento livre e esclarecido foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ULBRA (protocolo nº 2008-390H).

Resultados
Na população de 140 mulheres, a média de idade das participantes foi de 26,23 anos (desvio padrão, DP = 6,31), sendo que a mais nova tinha 18 anos e a mais velha, 47. A idade média das crianças foi de 5,41 meses (DP = 3,92). O número de filhos das entrevistadas (incluindo a criança atualmente hospitalizada) foi, em média, 2,22 (DP = 1,2); na análise dessa variável, o tamanho de amostra considerado foi de 134 mães, devido a erro de coleta. Características sociodemográficas segundo os níveis de ansiedade e depressão das mães estão descritas na Tabela 1.
Sobre os dados da internação, a mediana de tempo de hospitalização foi de 4 dias (média = 6,57, DP = 8,89, mínimo = 2 dias, máximo = 90 dias). A média de vezes que a criança foi internada (incluindo a presente internação) foi de 1,59 (DP = 1,05). As associações entre informações sobre a internação da criança e os níveis de ansiedade e depressão das mães estão expressas na Tabela 2.
Quando avaliamos a relação entre as variáveis sociodemográficas e de internação com a variável depressão materna, houve associação estatisticamente significativa apenas com o número de dias em que a criança estava internada (p = 0,028). Em relação aos sintomas de ansiedade materna, houve associação com o sexo da criança internada (p = 0,048) e com diagnóstico prévio de depressão pós-parto (p = 0,001), havendo maior proporção de sintomas de ansiedade quando se tratava de paciente pediátrica do sexo feminino e de mãe com diagnóstico prévio de depressão pós-parto.
Com o teste do qui-quadrado, encontramos alguns resultados que não foram estatisticamente significativos mas chegaram perto do nível de significância (p < 0,05), como, por exemplo, a associação entre sintomas de ansiedade e possuir plano de saúde (p = 0,064), número de dias em que a criança estava internada (p = 0,062) e número de internações prévias da criança (p = 0,058). A associação entre sintomas de depressão e diagnóstico prévio de depressão pós-parto não apresentou significância estatística pelo teste do qui-quadrado (p = 0,074).
Em relação aos dados sociodemográficos, observou-se que menor idade da mãe e da criança, menor grau de escolaridade da mãe, menor renda familiar e maior número de filhos estiveram associados com maior probabilidade de sintomas de ansiedade e depressão nas mães. Sobre os dados da internação, mães que não possuíam plano de saúde privado, aquelas cujos filhos haviam estado internados em UTI antes de chegar à internação pediátrica, cujos filhos estavam internados há mais de 1 semana e haviam sofrido mais de três internações prévias (incluindo a atual) apresentaram maior índice de sintomas de ansiedade e depressão.
Do número total de 140 mulheres, 43 (30,7%) apresentaram escores iguais ou superiores a 20 na BDI, caracterizando a presença de sintomas depressivos; as demais 97 (69,3%) apresentaram escores inferiores a 20 e foram, portanto, consideradas não depressivas (escore médio da população estudada no BDI = 15,33, DP = 10,75, mínimo = 0, máximo = 57). No BAI, 46 mulheres (32,9%) apresentaram sintomas de ansiedade (escores iguais ou superiores a 20) e 94 (67,1%) tiveram escores inferiores a 20, sendo consideradas não ansiosas (escore médio da população estudada no BAI = 15,99, DP = 10,78, mínimo = 0, máximo = 55). A associação entre sintomas de depressão e ansiedade, medida com o teste do qui-quadrado, foi estatisticamente significativa (p = 0,001), como podemos observar na Tabela 3.


Discussão
A amostra estudada incluiu 140 mulheres, que se encontravam entre 31 e 365 dias após o parto (média de 5,4 meses), eram predominantemente jovens, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto) e de renda baixa. A renda familiar baixa pode ser explicada pelo fato de que, embora algumas crianças contassem com plano de saúde privado, a maioria dos pacientes atendidos no hospital universitário da ULBRA utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).
Os sintomas depressivos estiveram presentes em 30,7% das mulheres do nosso estudo. Mesmo elevada, essa prevalência é compatível com alguns trabalhos nacionais, como o de Cruz et al.6 e o de Ruschi et al.7.
Outras publicações nacionais demonstram menores taxas de prevalência de depressão pós-parto. Em um estudo realizado em Pelotas (RS), foi encontrada uma prevalência de 19,1% (n = 410 mulheres) de depressão pós-parto, num período de avaliação de 30 a 45 dias após o parto8. Em outro estudo realizado no mesmo estado, na cidade de Porto Alegre, a prevalência de depressão pós-parto foi de 20,7%, compatível com a encontrada na cidade de Pelotas, porém com um número de participantes inferior (n = 271 mulheres)23.
No contexto mundial, as diferenças metodológicas, sociais, culturais e econômicas das populações estudadas podem justificar a ampla variação nas prevalências encontradas. Um estudo envolvendo 206 mulheres 6 semanas após o parto, feito em um hospital terciário na Nigéria, obteve prevalência de depressão pós-parto de 27,2%10. Na Tunísia, foi realizado estudo que avaliava mulheres em dois estágios: na primeira semana e entre a sexta e décima semana após o parto. Na primeira semana, foram entrevistadas 213 mulheres, sendo que 136 foram reexaminadas entre a sexta e a décima semana pós-parto (63,8% da população inicial). Na primeira fase, houve predominância de 19,2% para o baby blues. Na segunda etapa, a prevalência da depressão pós-parto era de 13,2%9.
São poucos os estudos que exploram a depressão materna em um período maior, como foi realizado no nosso estudo. Um estudo italiano acompanhou a sintomatologia da depressão pós-parto aos 3, 9 e 18 meses após o nascimento. A taxa da depressão diminuiu ao longo do período avaliado, sendo que o início dos sintomas ocorria, principalmente, dentro dos primeiros 3 meses, tendo uma prevalência de 23,4% em 167 mulheres; 7,2% das mulheres tiveram pelo menos duas avaliações positivas em relação à depressão durante o período de 18 meses12. No nosso estudo, a maior prevalência de depressão foi observada no primeiro mês (40,0%), diminuindo conforme a idade da criança aumentava, chegando a 23,4% entre 7 e 12 meses após o parto.
Quanto aos fatores de risco, nosso estudo não encontrou associação estatística entre os aspectos pesquisados e sintomas de depressão materna. Mães mais novas, presença de abusos físicos e baixo nível socioeducacional foram relatados como fatores de risco em um estudo que analisou, durante 2004-2005, a predominância de depressão pós-parto autorrelatada em 17 estados dos Estados Unidos, e que relatou variância entre 11,7 e 20,4%24.
Outros fatores considerados de risco para o surgimento da depressão pós-parto são os antecedentes psiquiátricos da mulher, a existência de episódios depressivos anteriores, o estado civil da mulher, baixas condições socioeconômicas, alterações hormonais e fatores obstétricos/ginecológicos, como complicações durante a gestação e o parto4,8. Além disso, fatores adicionais são destacados por alguns autores, como a associação entre a ocorrência da depressão materna e o baixo apoio oferecido pelo parceiro ou por outras pessoas com quem a mãe mantém relacionamento, dificuldade no cuidado com o bebê e problemas de saúde da criança25.
Salienta-se que, em nosso estudo, mulheres em situação de maior vulnerabilidade social apresentaram, com maior frequência, tanto sintomas de depressão como de ansiedade. Esse grupo foi composto de mulheres mais jovens, com menor escolaridade e menor renda, sem plano privado de saúde e com mais filhos. Nosso estudo também apontou que a experiência prévia da mulher com o processo de saúde e doença no contexto hospitalar – seja de internação prévia da criança em UTI, de outras internações hospitalares da criança, ou mesmo da duração da internação hospital atual – também contribui para o quadro de sintomas de ansiedade e de depressão materna aqui discutido.
Sobre a ansiedade, nosso estudo revelou que o sexo da criança foi relevante: o grupo de mães com filhos do sexo feminino apresentou maior nível de ansiedade (42,6%) quando comparado ao grupo de mães com filhos do sexo masculino (25,3%). No presente estudo, tal diferença aponta a necessidade de se incluir uma discussão sobre relações de gênero, especialmente de expectativas diferenciadas no que diz respeito ao comportamento e à saúde das mulheres e dos homens. Estudos futuros, com amostras maiores, poderiam melhor explorar tal associação e abranger conceitos da epidemiologia social ou das ciências sociais. Além disso, mães que relataram diagnóstico anterior de depressão pós-parto chegaram a apresentar 60,7% de sintomas de ansiedade.
Algumas associações entre variáveis medidas pelo teste do qui-quadrado obtiveram valor estatístico próximo ao valor de significância, a saber, número de internações prévias, número de dias em que a criança esteve internada e internação prévia da criança em UTI. Nós já esperávamos que esses itens tivessem alguma relevância, porque o nível de ansiedade em relação ao estado do filho aumenta à medida que se prolonga o tempo que ele permanece no hospital e que aumenta o comprometimento do estado de saúde da criança. Esse aspecto poderia ser analisado na presente amostra utilizando outros testes estatísticos.
Como já relatado, existem poucos estudos dedicados à ansiedade materna, apesar de esse ser um sintoma psicológico materno que causa grande impacto na vida conjugal e no desenvolvimento dos filhos. No puerpério, as prevalências de ansiedade, segundo diferentes instrumentos de autoavaliação, variam de 4,9 a 16,8%16,17. Existem evidências de que a ansiedade materna tem efeito negativo sobre a qualidade do vínculo mãe-bebê, justificando a adoção de medidas terapêuticas e preventivas26.
Em um estudo brasileiro, observou-se prevalência de 44,8% de ansiedade materna em uma amostra de mães atendidas em clínica privada. Maior renda e maior faixa etária da mulher diminuíram o risco de ansiedade materna, ao passo que maior número de filhos aumentou esse risco13. Em nosso estudo, também foram observados esses pontos, sendo acrescentado que, quanto menor a escolaridade da mãe, maior o risco de ela desenvolver ansiedade materna.
A ansiedade materna foi avaliada, ainda, a partir do relato sobre a experiência materna relacionada à separação de seus bebês a termo, quando hospitalizados em UTI neonatal. Em relação aos resultados dos relatos obtidos, durante a hospitalização dos bebês, as mães expressaram sentir ansiedade devido à possibilidade de a separação precoce decorrente da internação prejudicar o bebê27.
Ansiedade e depressão materna frequentemente coexistem. Nesse caso, ocorre uma preocupação exagerada em relação à saúde e ao desenvolvimento do bebê. A puérpera não se sente capaz, preocupa-se em demasia, aumentando seu quadro depressivo. O impacto da depressão e da ansiedade materna sobre o desenvolvimento infantil tem sido amplamente investigado nas últimas décadas, pois há evidências de que o estado depressivo e ansioso materno possa repercutir de forma negativa no desenvolvimento infantil, prejudicando as futuras relações interpessoais estabelecidas pela criança ao longo de sua vida.
Em nosso estudo, 18,60% das mães apresentaram ansiedade e depressão, sendo que, das 43 mães que tinham depressão, 60,5% também tinham ansiedade. Estudos que avaliaram os níveis de ansiedade e depressão materna no período pós-natal apontaram que, independentemente da condição de nascimento do bebê (a termo ou pré-termo) e da história de internação em UTI neonatal, há coocorrência entre esses sintomas28. Altos níveis de ansiedade parecem interagir com altos níveis de depressão, potencializando, assim, os efeitos da primeira no desenvolvimento do bebê e no bem-estar emocional das mães.
Um estudo australiano avaliou prospectivamente dois grupos de mulheres, num total de 408 primigestas até a sexta semana do puerpério, observando que, enquanto a incidência de depressão maior/menor variou de 2,6 a 5,6%, a incidência de transtornos ansiosos puros variou de 10,4 a 16,2%29. Estudo de coorte prospectivo realizado na Inglaterra avaliou ansiedade e depressão em 8.323 gestantes, desde a gravidez (18 e 32 semanas) até 8 meses pós-parto. A exemplo da depressão puerperal, a maioria dos casos de ansiedade puerperal foi precedida de ansiedade na gravidez, que foi também indicadora de depressão. Apesar da estabilidade dos níveis de ansiedade puerperal e depressão ao longo do período avaliado, observou-se decréscimo dos escores médios de ansiedade e depressão30.
Algumas limitações metodológicas deste estudo merecem consideração. A pequena amostra estudada compromete algumas possíveis associações estatísticas. O questionário socioeconômico poderia ser aprimorado no que tange às variáveis número de filhos e estado civil. No critério número de filhos, a partir de cinco filhos, assinalou-se simplesmente "mais de cinco filhos" (categoria não incluída na tabela); salienta-se, contudo, que o número total de mulheres com cinco filhos ou mais neste estudo foi seis, as quais foram desconsideradas para os cálculos de média e mediana. Além disso, atentou-se somente para o estado civil, não sendo perguntado se havia uma relação conjugal estável com um companheiro ou coabitação (num momento posterior à coleta, o pesquisador percebeu que a maioria das mães que se declarou solteira tinha um relacionamento estável com o pai da criança, razão pela qual essa variável não foi aqui empregada na análise).
Podemos concluir que o diagnóstico de depressão materna permite que intervenções multidisciplinares sejam realizadas tão logo os sintomas sejam detectados. O profissional que presta assistência à puérpera precisa estar consciente de que o tipo de intervenção utilizada traz benefícios diretos à mulher e à relação mãe-bebê. Os primeiros meses após o parto representam um período crucial na interação da mãe com seu filho. A atuação preventiva de equipes multidisciplinares nesse período oferece apoio à mãe e proporciona a chance de evitar o estabelecimento de um padrão negativo de interação desta com o bebê.
Com isso, essas mães que se encontram inseridas em um ambiente hospitalar podem ser encaminhadas para profissionais de saúde mental adequados e multidisciplinares, promovendo saúde e bem-estar. Finalmente, vale ressaltar que essas potenciais pacientes são também responsáveis por suas crianças, de forma que intervenções preventivas nesse grupo de mães podem vir a diminuir o possível impacto da depressão e da ansiedade maternas sobre o desenvolvimento infantil, reduzindo os fatores adversos na formação da criança.

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Correspondência
Bruno Luiz Guidolin, Rua Irmão José Otão, 170/604, Bairro Independência, CEP 90035-060, Porto Alegre, RS, Brasil. Tel.: (51) 9652.6129.E-mail: brunoguidolin@yahoo.com.br
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