sábado, 24 de maio de 2014

Tratamento tópico de queimaduras do dorso de ratos com ácido hialurônico


 
Aldo da Cunha Medeiros2
Ana Maria de Oliveira Ramos3
Antônio Medeiros Dantas Filho4
Rita de Cássia Fausto de Azevedo5
Fernanda Lara Fernandes Bonner Araújo5


Medeiros AC, Ramos AMO, Dantas Filho AM, Azevedo RCF, Araújo FLFB. Tratamento tópico de queimaduras do dorso de ratos com ácido hialurônico. Acta Cir Bras [serial online] 1999 Oct-Dec;14(4). Available from: URL:http://www.scielo.br/acb.
RESUMO: Estudos prévios têm demonstrado que o ácido hialurônico, um glicosaminoglicano que ocorre em doses elevadas e por tempo prolongado na matriz extracelular dos tecidos em cicatrização do feto, é o responsável pelo resultado da cicatrização fetal sem marcas residuais e sem contração. O presente estudo investigou a ação tópica do ácido hialurônico em queimaduras de ratos adultos, até a epitelização completa das lesões. Foram usados 20 ratos Wistar com peso médio 225± 15g, nos quais foi provocada queimadura de 5 cmna pele do dorso, sob anestesia com éter sulfúrico. No grupo I (n=10) as queimaduras foram tratadas com aplicação tópica diária de 1ml de ácido hialurônico 1% e no grupo II (n=10) com 1ml de solução salina 0,9%, até a completa epitelização. O tempo de cicatrização foi de 29± 1,33 dias no grupo I e 38± 2,58 no grupo II. A média dos escores histológicos foi de 27,0± 2,78 no grupo I e de 18,1± 3,66 no grupo II. As diferenças mostraram-se significantes (p<0,05). A análise do resultado estético revelou maiores deformidades nas cicatrizes do grupo II (controle). Concluiu-se que o ácido hialurônico tópico contribuiu para acelerar o tempo de cicatrização, melhorou a evolução histológica e o resultado estético em queimaduras do dorso de ratos adultos.
DESCRITORES: Queimaduras. Ácido hialurônico. Cicatrização de feridas. Ratos.


INTRODUÇÃO
A cicatrização das feridas é uma resposta complexa e organizada do organismo à lesão dos tecidos com perda de sua integridade. Nas feridas abertas, que cicatrizarão por segunda intenção, como as queimaduras, vários fatores entram em ação, contribuindo invariavelmente para prolongar a cura das lesões, resultando quase sempre em inflamação, edema e cicatrizes hipertróficas e antiestéticas1.
A cicatriz com deformidade é uma complicação comum na cicatrização de queimaduras de segundo e terceiro graus, especialmente em crianças. As cicatrizes nesses casos são vermelhas, elevadas, inelásticas e apresentam sérios problemas estéticos e funcionais, que são freqüentemente exacerbados pelo desenvolvimento de contraturas. A produção excessiva de matriz extracelular pelos fibroblastos presentes nas feridas, provavelmente sob a ação de altos níveis de citocinas fibrogênicas, tem sido responsabilizada pelo desenvolvimento das deformidades pós-queimaduras2. Nelas o mecanismo da contração começa como um processo benéfico, com o objetivo de reduzir a superfície original das feridas. A contração das feridas ocorre mais intensamente nos animais do que no homem e sua continuação, associada à epitelização, pode levar a uma morbidade considerável devido ao desenvolvimento de contratura, perda de função e estética comprometida1. Várias condutas terapêuticas têm sido empregadas com o objetivo de conseguir um resultado aceitável no tratamento das queimaduras, como os enxertos precoces3, curativos biológicos com pele artificial e de animais4, homoenxertos5 e aplicação de medicamentos6.
Estudos realizados nos últimos anos têm demonstrado que o feto tem um processo de Cicatrizaçäo de feridas diferente do que ocorre no adulto7. A Cicatrizaçäo evolui mais rapidamente, sem contração, sem deixar marcas e apresentando um padrão de colágeno mais organizado do que o encontrado no adulto8. Para ADZICK & LONGAKER9 as características peculiares da Cicatrizaçäo fetal podem ser atribuídas à alta concentração de ácido hialurônico na matriz extracelular do tecido em Cicatrizaçäo. A propósito, DE PALMA, KRUMMEL & DUHRAM 10demonstraram que essa matriz fetal é rica em Ácido Hialurônico (AH), um glicosaminoglicano encontrado em altas concentrações nos tecidos sempre que ocorre intensiva proliferação e movimentação de células. LONGAKER, CHIU & ADZICK11 concluíram que o AH é o principal componente responsável pelas características peculiares da Cicatrizaçäo fetal. Os mesmos autores demonstraram num estudo realizado em ovelhas11 que o AH na matriz extracelular do adulto aumenta rapidamente do 1º ao 3º dia de Cicatrizaçäo e diminui consideravelmente até próximo de zero no 7º dia. No feto, há igualmente um aumento rápido do AH na matriz extracelular do tecido em Cicatrizaçäo e o nível se mantém significativamente elevado por três semanas, o que pode explicar a diferença no resultado final da cicatrização de feridas fetais em relação aos adultos.
Os dados acima descritos estimularam a realização de estudo em ratos com o objetivo de testar o uso tópico diário e prolongado do AH na Cicatrizaçäo de queimaduras do dorso de ratos adultos, observando-se os parâmetros: tempo de cicatrização, presença ou ausência de cicatrizes hipertróficas, deformidade da ferida cicatrizada após a epitelização e o efeito estético final resultante do tratamento.

MÉTODO
Foram utilizados 20 ratos Wistar com peso médio de 225± 15g. Os animais foram observados em gaiolas individuais com água e alimento ad libitum, anestesiados com éter sulfúrico e manipulados com técnica asséptica. Após tricotomia do dorso e antissepsia com polivinilpirrolidona-iodo 1%, em todos os animais foi provocada uma queimadura com chapa de alumínio de 5 cm2 aquecida a 130 ºC, pressionada na pele do dorso por 5 segundos. Logo em seguida foi feita tatuagem contornando a lesão, a 5mm desta. Foram realizadas fotografias das lesões no 3º, no 15º, no 30º dias e ao término da epitelização, para efeito de comparação das deformidades das tatuagens entre os dois grupos.
No grupo I (n=10) foi feita a aplicação tópica diária, em dose única, de 1ml de ácido hialurônico 1% sobre as lesões, até a epitelização completa. As feridas permaneceram abertas durante todo o experimento, cicatrizando por segunda intenção. No grupo II (n=10) as queimaduras foram tratadas com a mesma técnica, utilizando-se 1 ml de solução salina 0,9%. Na manhã em que as feridas mostravam-se epitelizadas, foi anotado o tempo de cicatrização e realizada biópsia da ferida para estudo histopatológico. As lâminas foram coradas pela hematoxilina e eosina e os dados histopatológicos foram transformados em escores e quantificados de acordo com a técnica de MYERS 12 modificada (tabela 1). A análise estatística foi feita pelo teste t de Student, considerando-se significativa a diferença entre as médias quando p<0,05.

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RESULTADOS
No grupo I o tempo de cicatrização variou de 28 a 32 dias e a média atingiu 29± 1,33 dias. No grupo II a cicatrização ocorreu entre 32 a 42 dias (média de 38± 2,58 dias), como pode ser observado na tabela 2. Os dados histopatológicos, de acordo com o método utilizado, baseado em escores, totalizaram 270 pontos no grupo I (média 27,0± 2,78). Neste grupo houve uma maior predominância de fibras de colágeno organizado do que no grupo de controle, aspecto que pode ser observado nas figuras 12, e 3. O escore resultante da análise dos dados histopatológicos atingiu 181 (média 18,1± 3,66) no grupo II (Tabela 3). As deformidades das tatuagens mostraram-se menos acentuadas nos animais do grupo I do que no grupo II, como se observa nas figuras 4567. Quando comparados os resultados das médias dos dois grupos, as diferenças mostraram-se significantes (p<0,05).

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DISCUSSÃO
A cicatriz com deformidade e contratura é importante causa de morbidade após queimaduras. Todas as queimaduras em sua evolução desenvolvem hipervascularização logo após a epitelização e, após algumas semanas, aquelas predispostas a se tornarem hipertróficas vão para um segundo estágio de neovascularização13. Um fator de alto valor preditivo para o desenvolvimento de fibrose dérmica é a persistência de inflamação crônica nas queimaduras. Queimaduras da derma profunda que evoluíram por período prolongado para cicatrizar tiveram alta incidência de deformidade e cicatriz hipertrófica, independente de sexo, idade e raça. Assim, quanto menor o tempo de cicatrização das queimaduras, maior a probabilidade de resultado com bom efeito estético, especialmente na face e na pele de regiões móveis como mãos e articulações14. O uso tópico do AH resultou em menor tempo de cicatrização das queimaduras em estudo, fato que pode ter contribuído para o melhor resultado estético nos animais do grupo experimental. Uma quantidade adicional de colágeno é formada após a neovascularização e a contratura ocorre após algum tempo15. No presente estudo observou-se, logo após a epitelização, uma incidência significativamente menor de deformidade das lesões nos animais tratados com AH tópico, quando comparados com os controles. Acredita-se que o ácido hialurônico promova a mobilização das células, tenha efeito modulador na resposta inflamatória e estimule a angiogênese16. Ele é encontrado em grandes concentrações durante a embriogênese e pode contribuir para a diferenciação de células mesenquimais17.
Não foi observado aumento de neovascularização nos animais tratados com o AH, e sim uma maior quantidade de colágeno com bom estado de organização, quando comparado com o grupo de controle. Procurou-se, com a aplicação tópica diária do ácido hialurônico sobre as queimaduras, simular o nível tecidual da substância na matriz extracelular das feridas fetais. Como já foi referido, o ácido hialurônico existe em concentração elevada na matriz extracelular da cicatriz do feto e assim permanece por período prolongado11. Nas feridas em cicatrização no adulto, o AH eleva-se precocemente e diminui bruscamente na primeira semana. Como atribui-se a ausência de contração e seqüelas cicatriciais nas feridas fetais, à presença prolongada do AH na matriz extracelular, é provável que, no presente estudo, ele possa ter sido responsável pelo menor índice de deformidade das tatuagens em torno das queimaduras dos animais do grupo experimental, reduzindo o fenômeno da contração. Estudos adicionais deverão ser realizados para avaliar outros parâmetros, com o objetivo de obter a confirmação desses achados.

CONCLUSÃO
Os dados permitem concluir que a aplicação tópica de ácido hialurônico l% em queimaduras de ratos contribuiu para acelerar a cicatrização, melhorou a evolução histológica e o resultado estético.

REFERÊNCIAS
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Medeiros AC, Ramos AMO, Dantas Filho AM, Azevedo RCF, Araújo FLFB. Topic treatment of rat burns with hyaluronic acid. Acta Cir Bras [serial online] 1999 Oct-Dec;14(4). Available from: URL: http://www.scielo.br/acb.
SUMMARY: Previous studies have sugested that hyaluronic acid, a naturally occuring glycosaminoglycan in high doses and for a long time on extracelular matrix of healing wounds of fetus, is the responsible for the result of the fetal healing without scar and wound contraction. The present study investigated the topical effect of hyaluronic acid in burns of adult rats, until the complete epitelization of the lesions. Twenty Wistar rats weighting 225±15g were used. A 5 cm2 back burn was done in each rat under anesthesia. In the I group (n=10) the burns were treated with daily topical application of 1ml of 1% hyaluronic acid and in the II group (n=10) the treatment was done with 1ml of saline 0,9%, until the complete healing. The healing time was 29±1,33 days in the I group and 38±2,58 days in the II group . The histologic score was 27,0±2,78 in the I group and 18,1±3,66 in the II group. The differences were significant (p <0,05). The analysis of the aesthetic result revealed larger deformities in the scars of the II group (controls). In conclusion, the topic hyalurinic acid contributed to accelerate the healing rate, it improved the histologic evolution and turned better the aesthetic result in burns of adult rats.
SUBJECT HEADINGS: Burns. Hyaluronic acid. Cicatrix. Wound healing. Rats.



Endereço para correspondência:
Aldo da Cunha Medeiros
Av. Miguel Alcides Araújo, 1889
59078-270 Natal - RN.
E-mail: aldo@ufrnet.ufrn.br
Data do recebimento: 15/06/99
Data da revisão: 20/07/99
Data da aprovação: 19/08/99




1. Trabalho realizado no Núcleo de Cirurgia Experimental do Depto. de Cirurgia da UFRN.
2. Professor Doutor Adjunto do Depto. de Cirurgia da UFRN; Chefe do Núcleo de Cirurgia Experimental.
3. Professora do Depto. de Patologia da UFRN.
4. Professor Mestre Assistente do Depto. de Cirurgia da UFRN.
5. Alunas bolsistas de Iniciação Científica CNPq-PIBIC.

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