domingo, 8 de maio de 2016

A ciência por trás da longa luta contra as drogas da DEA

Aumenta a especulação sobre a possibilidade de que a agência norte americana de combate às drogas, a DEA, vá revisar, até o verão do Hemisfério Norte, a classificação de Schedule I da maconha como uma das drogas mais perigosas do mundo, a mesma dada à heroína. Pouquíssimos americanos conhecem ou entendem o processo de classificação da DEA, e uma revisão do histórico da cannabis como uma droga Schedule I mostra que o rótulo é bastante controverso. 

Tentativas de retirar a cannabis da lista de drogas mais mortais do mundo enfrenta inércia burocrática 

O desacreditado Procurador-Geral da administração Nixon, John Mitchell, colocou a maconha nessa categoria em 1972, como parte do ranking ou “agendamento” de todas as drogas sob o Controlled Substances Act de 1970. Drogas classificadas como Schedule I são as consideradas como inúteis do ponto de vista médico e com alto potencial para consumo abusivo. A cannabis está lá desde então. “Mesmo hoje, a maconha nunca foi determinada como remédio,” afirma Russ Baer, coordenador de equipe do escritório para assuntos públicos e do Congresso do DEA. “Não existe uso médico seguro ou efetivo, não pode ser usado em âmbito médico e possui um potencial para abuso alto.” Essa determinação passou a ser isolada por um processo burocrático bizantino e kafkiano agora impermeável à opinião da maioria dos médicos dos EUA - e de um vasto conhecimento científico - dizem muitos especialistas.

“É claro que a cannabis tem usos médicos,” afirma o oncologista integrativo da Universidade da Califórnia, São Francisco, Donald Abrams, um dos poucos pesquisadores que conseguiu obter amostras extremamente limitadas e aprovadas pelo governo de cannabis para pesquisa em humanos. “É bastante claro, pelo que temos de evidências antropológicas e arqueológicas, que a cannabis vem sendo usada como remédio por milhares de anos - e era um remédio nos Estados Unidos até 1942,” Abrams adiciona. “Eu sou um oncologista e digo o tempo todo, não há um dia em que não recomende cannabis para pacientes para combater náusea, perda de apetite, dores, insônia e depressão - ela funciona.”

A classificação da maconha como Schedule I não aconteceu em um vácuo, historiadores apontam. Racismo evidente, combinado com reformas do New Deal e interesses burocráticos são frequentemente culpados pelo primeiro round de proibição federal da cannabis, o Marihuana Tax Act de 1937, que restringiu a posse da drogas àqueles que pagavam uma taxa exorbitante para utilizá-la apenas para fins médicos e industriais limitados. (A cannabis foi removida da Farmacopeia americana em 1942.) “Nas regiões da América onde segregação racial, os jornais diziam que ‘’essa coisa fazia mulheres brancas transarem com homens negros’,” nota o historiador Martin Lee, autor de Smoke Signals: A Social History of Marijuana.

A  Associação Médica Americana inicialmente se opôs à proibição. A cannabis era útil do ponto de vista médico, diz William Woodward, conselheiro da Associação. “O congresso sendo o que era na época, conseguia-se aprovar coisas contando bobagens,” adiciona Lee. “Quem é que, em 1937, vai subir no palanque para defender uma droga que negros, latinos e músicos de jazz usavam?”

O Tax Act passou entre as reformas do New Deal, e os primeiros vendedores ambulantes de maconha foram presos naquele ano. Em uma década, no entanto, a ciência levantou sua cabeça. Em 1944, o Relatório La Guardia da Academia de Medicina de Nova York foi o primeiro de uma longa linha de instituições oficiais a questionar a proibição. O Relatório apontou que a maconha não causava vício, não era uma porta de entrada para outras drogas e não levava ao crime. Mas Harry Anslinger, chefe do então Birô Federal de Narcóticos, rotulou o relatório como não científico e a proibição continuou. “A cada 10 anos desde então - embora estejamos um pouco fora do prazo - algum órgão governamental revisa os dados e conclui a mesma coisa [contrária a proibição],” diz Abrams.

O modelo de proibição federal de cannabis do Tax Act se tornou ilegal em 1969 com o caso Leary vs. United States, que considerou a compra do selo que comprovava o pagamento da taxa sobre a maconha produção de evidência contra si mesmo. O veredito estimulou o Congresso a revogar o Tax Act e substituí-lo pelo mais abrangente Controlled Substances Act, de 1970.

A maconha foi colocada como Schedule I provisoriamente, em 1971, até que o material científico pudesse ser avaliado. Mas o presidente Richard Nixon viu na proibição da maconha a chance de destruir a esquerda contrária à guerra, de acordo com gravações clandestinas feitas por Nixon na Casa Branca e com declarações feitas por membros de sua equipe para a imprensa. Nixon convocou a Comissão Nacional sobre Maconha e Abuso de Drogas (que mais tarde ficou conhecida como Comissão Shafer) para produzir evidência científica que justificasse a classificação da cannabis como Schedule I. “Eu quero uma porra de uma declaração forte sobre maconha,” disse Nixon em fitas de 1971. “Posso conseguir isso dessa bosta de, uh, conselho doméstico?... Eu quero uma [declaração] sobre maconha que os destrua.”

A Comissão Shafer descobriu em 1972 que a cannabis era tão segura quanto o álcool e recomendou acabar com a proibição em favor de uma abordagem do ponto de vista da saúde pública. Mas nesse momento o Birô Federal de Narcóticos já havia sido removido do Departamento do Tesouro e se fundido ao Departamento de Justiça - onde o aliado de Nixon, o procurador Geral John Mitchell, colocou a cannabis como Schedule I em 1972; no mesmo ano, ele renunciou para liderar o comitê de re-eleição de Nixon. (Mais tarde, em 1974, ele foi julgado pelo Caso Watergate e cumpriu pena de 19 meses por conspiração, perjúrio e obstrução da justiça.) “Você quer saber sobre o que isso era de fato?” disse John Ehrlichman, assistente de Nixon, ao jornalista Dan Baum, em 1994, de acordo com um artigo publicado no Harper’s Magazine em 2016. “A campanha de Nixon em 1968 e a presidência de Nixon depois disso tiveram dois inimigos: a esquerda contrária à guerra e os negros. Você entende o que eu estou dizendo? Nós sabíamos que não podíamos fazer com que ser negro ou contrário à guerra fosse ilegal, mas fazendo o público associar os hippies com maconha e os negros com heroína, e então criminalizar duramente as duas drogas, nós podíamos romper essas comunidades. Podíamos prender seus líderes, invadir suas casas, interromper suas reuniões e os tornar os vilões no noticiário da noite. Sabíamos que estávamos mentindo sobre as drogas? Claro que sim.”

Qualquer um pode fazer uma petição para que a DEA reveja a classificação de uma droga, diz Baer. A DEA recebe conselhos da agência reguladora de medicamentos (FDA), o Departamento de Saúde, juízes das leis administrativas da própria DEA, e outros, mas “a palavra final é nossa. Nós temos a autoridade final no que diz respeito à classificação,” afirma Baer. “Na verdade, tudo se resume à ciência. Essa é a base do argumento. Nós somos muito influenciados e ligados à avaliação médica e científica.”

Muitos descordariam. Décadas atrás, o próprio juiz de leis administrativas, Francis Young, recomendou que a cannabis fosse desclassificada, em resposta à petição de grupos ativistas. Young disse, em 1988, que “maconha, em sua forma natural, é uma das substâncias ativas terapêuticas mais seguras conhecida pelo homem. Com qualquer medida de análise racional, a maconha pode ser usada de forma segura, com uma rotina de cuidado médico supervisionada.” A DEA negou a petição mesmo assim.

Em 1999, em resposta à legalização para uso medicinal na Califórnia, o Instituto de Medicina descobriu que a maconha tinha usos médicos e um risco relativamente baixo para abuso, o que levou a uma nova onda de petições. A DEA negou uma petição de novo em 2011, citando falta de pesquisas específicas disponíveis sobre fumo da maconha nos Estados Unidos.

Pesquisadores dizem que isso representa um clássico beco sem saída, já que a escassez de pesquisas é  resultado direto de um bloqueio federal da DEA e do Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIDA) à pesquisas desse tipo. “A razão de não termos mais dados sobre o tema é justamente porque é difícil de se estudar. A única fonte legal de cannabis é a NIDA, que tem um mandato do Congresso para estudar apenas seus malefícios,” diz Abrams. Pesquisadores também apontam que cerca de duas dúzias de países como Israel, Canadá e Holanda, bem como estados como Califórnia e Colorado, onde a droga é legalizada, possuem pilhas de dados científicos sobre a segurança e eficácia da maconha quando fumada ou em outras formulações. Ainda que o trabalho primário da NIDA foque amplamente em estudos envolvendo abuso de drogas e vício, a organização financia alguma pesquisa sobre usos terapêuticos do THC.

Muitos médicos também estão frustrados com a aparente intransigência do DEA em encarar o crescente interesse e evidências. Em 2009, a Associação Médica Americana recomendou que a DEA revisse o status de Schedule I da maconha. E em 2014, um levantamento da Medscape entre 1.500 médicos apontou que 56% eram favoráveis à legalização da maconha medicinal em nível nacional, com 82% de aprovação entre oncologistas que responderam. “Se médicos são favoráveis ao uso de cannabis como medicamento, por que não é medicamento?” questiona Abrams.

Em 2014, legisladores chamaram a atenção da administradora da DEA, Michele Leonhart, por não ter respondido questões sobre se a heroína era ou não mais perigosa que a maconha. Ambas são usadas para tratar a dor e ambas são Schedule I - mas a cannabis não possui nenhum limite adquirível que leve à overdose fatal, enquanto 19.000 americanos morreram, apenas em 2014, de overdoses causados por opioides prescritos. Ainda neste ano, um pesquisador da ONG  Brookings Institution chamou atenção para a necessidade urgente de reclassificar a cannabis, para salvar a vida de americanos. Todos os presidenciáveis de 2016 se comprometeram à honrar a legalização medicinal em nível de estado, reclassificar a cannabis os desclassificá-la completamente. “Eu acho que o governo federal perdeu toda credibilidade no que diz respeito à cannabis,” diz Lee, autor de Smoke Signals. Por exemplo, embora a maconha seja Schedule I, a forma sintética e pura do componente mais alucinógeno da planta, o tetra-hidrocanabinol, ou THC, é Schedule III junto com codeína, sob uma formulação farmacêutica chamada Marinol, que pode ser prescrita legalmente para náuseas. “Eu já tomei [Marinol]. É horrível”, Lee diz. “Eu não imagino com alguém em sã consciência acharia que Marinol é mais seguro que fumar maconha. Marinol é como um comestível - você não pode fazer nada.” Baer alega que THC puro é apenas uma molécula e, por isso, considerado mais seguro que a planta cannabis, que possui mais de 300 tipos de moléculas.

A FDA e o Departamento de Saúde deram a DEA novas recomendações sobre a reclassificação, mas Baer não revelou o que elas dizem. Uma mudança potencial poderia acontecer até o verão [do Hemisfério Norte], de acordo com um memorando enviado a oito legisladores no começo de abril. A classificação da maconha como Schedule I “realmente é um constrangimento nacional,” diz Lee. “Dá um novo sentido para a frase ‘a grande mentira’. É como dizer ‘a Lua é feita de queijo.’ Que isso esteja assim até hoje é de fazer rir, para não chorar.”

Falhas laboratoriais tornam-se ouro na busca por novos materiais

“Aprenda com seus erros” é um ditado familiar, mas pessoas ainda tendem a destacar seus sucessos e varrer suas falhas para debaixo do tapete, como apontou um professor da Universidade de Princeton na semana passada, ao publicar seu “CV de Falhas”(pdf), que viralizou desde então. Agora, em um estudo publicado nesta semana na Nature, uma equipe de pesquisadores de Haverford College, na Pensilvânia, levou a ideia a um outro nível - aplicação na comunidade científica. (Scientific American é parte da Springer Nature.)


Apesar da maioria dos experimentos falharem, apenas os bem-sucedidos são relatados na literatura científica e discutidos entre especialistas. A maior parte dos dados são descartados, largados ao pó em cadernos esquecidos nos laboratórios ou nem chegam a ser registrados, os tornando inacessíveis para futuras pesquisas. “A literatura científica é tendenciosa contra falhas,” diz o químico experimental Alexander Norquist, um dos principais autores do estudo. “Nós queremos extrair a maior quantidade de informações possíveis do vasto número de reações fracassadas que não são comumente registradas.” Para conseguir isso, os pesquisadores de Haverford utilizaram um conjunto dessas reações que deram errado para criar um algoritmo de aprendizagem automática capaz de prever o sucesso de novas reações químicas com maior exatidão do que os humanos podem alcançar.

Eles começaram reunindo dados de aproximadamente quatro mil reações químicas (a maioria das quais tinham falhado e, portando, não estavam digitalizadas) realizadas ao longo da última década no laboratório de Norquist. A informação focou na síntese de materiais novos - nesse caso, sólidos chamados selenitos de vanádio complexos, que consistem de vanádio, selênio, oxigênio e um componente orgânico. Eles então criaram um algoritmo de aprendizagem automática para obter padrões dos dados e determinar o que fez alguns experimentos falharem e outros não. Normalmente, cientistas como Norquist constroem, por anos, uma intuição sobre as combinações de condições - temperatura, quantidade e relação dos reagentes, acidez e outros fatores - que podem resultar na formação bem-sucedida de cristais. “Mas a nossa intuição é sempre incompleta,” afirma Norquist. “Existem nuances e sutilezas nas diferenças entre os reagentes e elas nem sempre são logo aparentes.”

Em seguida, a equipe se voltou para a aprendizagem automática: eles atribuíram aproximadamente 300 propriedades para cada reação e então usaram uma máquina de vetores de suporte, que pode analisar dados em altas dimensões, para prever quais condições seriam necessárias para novas combinações de reagentes que eles mais tarde testaram no laboratório. O algoritmo previu condições para formações de cristais bem-sucedidos em 89% dos casos - comparados com a previsões dos pesquisadores, que obtiveram uma taxa de sucesso de 78%.

Como as razões para as decisões do algoritmos nem sempre eram claras, graças à grande quantidade de dados considerados, os pesquisadores voltaram até o modelo e geraram uma “árvore da decisão”, uma estrutura semelhante a um fluxograma que mostra os possíveis resultados de uma série de escolhas. Usando esse método, que é bem mais fácil de interpretar, eles conseguiram adquirir maior introspecção e formular novas hipóteses. Eles descobriram, por exemplo, que a polarizabilidade (que mede como a distribuição de cargas é distorcida na presença de um campo elétrico) era importante em um sentido que eles não haviam antecipado baseando-se nas suas próprias experiências laboratoriais. De fato, eles chegaram a três hipóteses sobre diferentes subconjuntos de reagentes. Uma classe de reações contendo certos componentes orgânicos exigiu a presença de vanádio em um estado específico de oxidação. Enquanto isso, quando aqueles componentes tinham baixas polarizabilidades, os pesquisadores descobriram que eles deveriam prestar atenção no comportamento de outros reagentes, como o sódio. Finalmente, para componentes orgânicos particularmente grandes, densidade da carga desempenhou um papel crítico. “A grande novidade disso é o processo de ponta a ponta,” diz a cientista de computação Sorelle Friedler, outra autora principal do estudo. “A ideia de pegar aquilo que era considerado como falha, como reações pouco importantes e usar a informação contida nelas, ligá-las ao algoritmo de aprendizagem automática e examinar os resultados que ele fornece para gerar novas hipóteses.”

Os achados vêm numa época em que pesquisa de materiais se torna cada vez mais importante. A Casa Branca lançou a Materials Genome Initiative em 2011, por exemplo, para acelerar o ritmo em que novos materiais são descobertos e colocados no mercado. Agora, a abordagem do algoritmo de aprendizagem automática da equipe de Haverford talvez ajude cientistas a tornar essa busca muito mais objetiva - através da otimização dos processos sintéticos já conhecidos e da criação de novos sólidos. “Materiais são o coração de cada avanço tecnológico que podemos imaginar,” diz Ram Seshadri, um pesquisador de materiais da Unversidade da Califórnia, Santa Barbara, que não participou do estudo. “O celular que estou usando agora - sua bateria de lítio está cheia de materiais avançados, feitos precisamente a partir de reações químicas sintéticas como as descritas nesse estudo,” ele aponta. Celulares não são as únicas aplicações potenciais desses materiais. Essa pesquisa pode ser direcionada a qualquer coisa, desde a criação de shampoos e protetores solares melhores até a produção de novos farmacêuticos e painéis solares mais eficientes. Além disso, os pesquisadores querem tornar a abordagem do algoritmo de aprendizagem automática disponível para outros campos, seja dentro ou fora da química. A equipe publicou os dados das reações online, para que outros cientistas possam contribuir com seus próprios dados. “Nós estamos muito animados,” afirma Friedler. “Nós esperamos que esse estudo estimule outros laboratórios a trabalharem conosco.” Acesso a esses dados, especialmente às falhas, permitirão que eles façam novas descobertas e refinem o algoritmo. “Este é o século dos dados,” diz Alán Aspuru-Guzik, um professor de química e química biológica da Universidade de Harvard, que não está relacionado ao estudo. “E esse estudo mostra que nós podemos aprender muito a partir de experimentos fracassados.”

“A ciência não é comumente direcionada por dados e sim por causa e efeito. Esse trabalho confirma que, algumas vezes, você precisa ir além da causalidade e utilizar abordagens direcionadas por dados,” adiciona Sesadri. “Mas o maravilhoso é que abordagens dirigidas por dados levam a um melhor entendimento de causalidade. Então a abordagem que a equipe de Haverfod utilizou é a que utilizaremos cada vez mais e mais no futuro.”

 

Jordana Cepelewicz

A incrível complexidade da Teia Cósmica

Cientistas descobriram a chamada “teia cósmica” há menos de uma década. Desde então, várias questões persistiram, sobretudo esta: qual a aparência dessa teia? Uma nova visualização desenvolvida por Kim Albrecht no Center for Complex Network Research ajuda a resolver esse mistério intrigante.

Mas primeiro, vamos voltar um pouco: o que é, exatamente, a teia cósmica? Em resumo, é a vasta rede formada por todas as galáxias do universo e os fios semelhantes a teias que as unem. Composta por filamentos invisíveis de gás hidrogênio, essas conexões intergalácticas compõem a maior parte da matéria ordinária do universo e também traça a distribuição de matéria escura. Observar esses linhas cósmicas diretamente é desafiador, para dizer o mínimo. Astrofísicos conseguiram compor imagens de peças suficientes da teia cósmica para prever modelos confiáveis de sua estrutura. No ano passado, os pesquisadores por trás do projeto Illustris utilizaram esses modelos para construir umasimulação 2D da teia cósmica, visualizando dados essenciais, como densidade gasosa, temperatura e velocidade.

Utilizando o Illustris como base, o designer de informações e pesquisador visual, Kim Albrecht, criou agora uma ambiciosa visualização em 3D da teia cósmica. Intitulada “Network Universe”, o projeto de Albrecht baseia-se na simulação do Ilustris e a leva a um outro nível, não apenas interativo, mas imersivo.

À medida em que eu dava zoom e girava através do Network Universe, eu fiquei imediatamente impressionada pelas disparidades visuais entre os três “modelos” da teia cósmica que estavam ali apresentados. De onde vinham essas variações intrigantes? A respostava está na ciência na qual a visualização foi baseada.

A visualização de Albrecht nasceu de um projeto de pesquisa colaborativo que visava avaliar vários algorítimos que podem ditar a estrutura da rede cósmica. Os três “tipos” representam os três principais modelos testados. O site oferece um breve resumo de uma frase sobre cada modelo e a pesquisa os prolonga em fórmulas matemáticas. Eu admito que fiquei encarando as fórmulas e, apesar das descrições no site serem mais amigáveis, eu ainda tive dificuldades inicialmente para entender a origem precisa daquilo que meus olhos viam. Depois de alguns pensamentos críticos e uma troca de e-mails com Albrecht, as respostas começaram a se solidificar em minha mente.

O Modelo de Comprimento Fixo (Fixed Length Model) é razoalvemente simples: todos os nós (isto é, galáxias) localizados a uma dada distância uns dos outros estão conectados. Os nós que não possuem vizinhos dentro desse raio estão sozinhos, enquanto aqueles que possuem grande número de vizinhos possuem também uma grande número de conexões. Como resultado, a visualização aparece muito densa em alguns pontos, onde os nós estão agrupados, e esparsos em outros.

No Modelo de Comprimento Variável (Varying Length Model), as coisas se complicam um pouco. Aqui, quanto maior o nó, maior o alcance de suas conexões. Nós menores também podem formar conexões, mas apenas com aqueles relativamente próximos a eles. O que temos como resultado é uma rica densidade visual, caracterizada por fios extensos e sobrepostos e uma brancura acentuada concentrada ao redor dos nós maiores.

Finalmente, de acordo com o Modelo de Vizinhos Mais Próximos (Nearest Neighbours Model), cada nó é limitado a n ligações e essas ligações são compartilhadas apenas com os nós mais próximos. Então vamos supor que n = 3. Para alguns nós, os três vizinhos mais próximos estarão por perto, mas, para outros, eles podem estar muito distantes. No entanto, mesmo para aqueles com muitos vizinhos, o número de ligações não poderá exceder 3. Assim, a visualização nunca se torna tão densa quanto a dos outros e sua distribuição de branco e preto é relativamente homogênea.

Embora todas as visualizações sejam belas e divertidas de se explorar, para mim existe algo a mais sobre o Modelo dos Vizinhos Mais Próximos. As linhas conectivas parecem excepcionalmente limpas e existe uma certa naturalidade agradável em sua composição geral; uma sensação de aleatoriedade temperada com uma ordem primordial. Pode-se, talvez, compará-lo com certas estruturas na natureza, como redes de neurônios no cérebro ou uma malha de filamentos de proteína.

Interessantemente, como ressaltado na pesquisa, o Modelo dos Vizinhos Mais Próximos é o mais forte em termos de compatibilidade com as reais características da teia cósmica observadas. Enquanto, obviamente, existe muito mais de ciência para se explorar sobre esses resultados, a artista visual dentro de mim está satisfeita com sua face poética e simples. Aquilo que parece mais belo para os olhos humanos - e que de perto e de fato lembram coisas das quais o próprio humano é composto - também é a verdade.

Como o cérebro de um matemático se diferencia daquele de um mero mortal?

Alan Turing, Albert Einstein, Stephen Hawking, John Nash - esses mentes brilhantes nunca falham em encantar o público, mas elas também continuam elusivas. Como algumas pessoas vão de serem capazes de realizar operações aritméticas básicas para a resolução de conceitos matemáticos avançados e a capacidade de pensar em níveis de abstração que impressionam o resto da população? A neurociência começou a investigar se o cérebro de um grande matemático leva o pensamento conceitual a outro nível.


Especificamente, cientistas debatem há muito se a base do pensamento matemático avançado está ligado aos centros de processamento linguístico do cérebro - que pensar nesse nível de abstração requer representação linguística e um entendimento sintático - ou à regiões independentes associadas com raciocínio espacial e numérico. Em um estudo publicado recentemente na Proceedings of the National Academy of Sciences, uma dupla de cientistas da INSERM–CEA Cognitive Neuroimaging Unit, na França, relatou que as áreas do cérebro envolvidas com matemática são diferentes daquelas engajadas em pensamento não matemático igualmente complexo.

A equipe usou ressonância magnética funcional (fMRI) para escanear os cérebros de 15 matemáticos profissionais e 15 não matemáticos na mesma situação acadêmica. Enquanto eram escaneados, os indivíduos escutavam a uma série de 72 frases relacionadas à matemática avançada, divididas igualmente entre álgebra, análise, geometria e topologia, bem como 18 frases de alto nível não relacionadas à matemática (maior parte era histórica). Eles tiveram quatro segundos para refletir sobre cada sentença e determinar se ela era falsa, verdadeira ou sem sentido.

Os pesquisadores descobriram que ouvir à afirmações relacionadas à matemática ativou uma rede envolvendo as regiões cerebrais intraparietal bilateral, dorsal pré-frontal e temporal inferior apenas nos matemáticos. Esse circuito não é comumente associado com áreas envolvidas em processamento linguístico e semântico, que foram acionadas tanto em matemáticos quanto em não matemáticos quando foram apresentadas as afirmações não relacionadas à matemática. “Ao contrário,” diz a coautora do estudo e aluna da graduação Marie Amalric “nossos resultados mostram que reflexões sobre matemática avançada reciclam partes do cérebro associadas com conhecimento numérico e espacial evolutivo antigo.”

Estudos passados descobriram que essas áreas não linguísticas são ativadas quando performamos aritmética rústica e até mesmo quando vemos números em uma página, sugerindo uma conexão entre pensamento matemático avançado e básico. De fato, o coautor Stanislas Dehaene, diretor da Cognitive Neuroimaging Unit e psicólogo experimental, estudou como humanos (e mesmo algumas espécies animais) nascem com um senso intuitivo de números - de quantidade e manipulação aritmética - intimamente relacionada com representação espacial. Como uma conexão entre um “senso numérico” inato e a matemática avançada é formada, no entanto, ainda não se sabe.

Esse trabalho levanta um intrigante questionamento de se uma capacidade inata de reconhecer diferentes quantidades - saber que ter dois pedaços de fruta é mais do que ter apenas um - é uma base biológica na qual a capacidade de dominar teorias é construída. “Seria interessante investigar a corrente causal entre competências matemáticas de alto e baixo nível”, diz Daniel Ansari, um neurocientista cognitivo da Universidade de West Ontario que não participou do estudo. “A maioria de nós domina aritmética básica, então nós já estamos recrutando essas áreas do cérebro, mas apenas uma fração de nós avança para matemática de alto nível. Nós não sabemos ainda se tornar-se um matemático especialista muda o jeito de você fazer aritmética ou se aprender aritmética estabelece a base para adquirir conceitos matemáticos avançados.”

Ansari sugere que um estudo de formação, no qual conceitos de matemática avançada são ensinados a não matemáticos, poderia promover um melhor entendimento dessas conexões e como elas se formam. Além disso, atingir perícia em matemática pode afetar circuitos neurais em outros sentidos. O estudo de Amalric descobriu que matemáticos possuíam atividade reduzida nas áreas visuais do cérebro, envolvidas em processamento facial. Isso pode significar que recursos neuronais necessários para trabalhar com certos conceitos matemáticos podem rebaixar - ou esgotar - outras capacidades do cérebro. Embora estudos adicionais sejam necessários para determinar se matemáticos realmente processam faces de maneira diferente, os pesquisadores esperam adquirir maior conhecimento sobre os efeitos que a perícia exerce na maneira como o cérebro se organiza.

“Nós podemos começar a investigar de onde habilidades excepcionais vem e os correlatos neurobiológicos de um conhecimento de nível tão alto,” afirma Ansari. “Eu acho que é incrível nós termos a capacidade de usar imagens cerebrais para responder essas questões profundas sobre a complexidade das habilidades humanas.”

 

Jordana Cepelewicz

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Por que no Brasil o Dia dos Namorados não é em fevereiro?

Por que no Brasil o dia dos namorados é comemorado em junho e não em fevereiro?

No Brasil, o Dia dos Namorados é comemorado em 12 de junho - para os católicos, véspera do dia dedicado a Santo Antônio, também conhecido pela fama de "casamenteiro". Mas em boa parte do mundo, principalmente em países do hemisfério norte, a data é celebrada em 14 de fevereiro, naquele que é denominado Dia de São Valentim. Mas você sabe como tudo começou? E qual o motivo de em nosso país comemorarmos esse dia em uma ocasião diferente da maioria dos outros povos?
Homem exibe tela de tablet com a frase "eu te amo", em chinês, para a namorada em meio à escultura de coração em praia de Hong Kong. Diversos casais ao redor do mundo comemoram em 14 de fevereiro o Valentine's Day, o dia de São Valentim, mas mais conhecido como o Dia dos Namorados
Homem exibe tela de tablet com a frase "eu te amo", em chinês, para a namorada em meio à escultura de coração em praia de Hong Kong. Diversos casais ao redor do mundo comemoram em 14 de fevereiro o Valentine's Day, o dia de São Valentim, mas mais conhecido como o Dia dos Namorados
Foto: Reuters
Segundo o psicólogo, pesquisador e especialista em relacionamentos amorosos Thiago de Almeida, as origens do Dia dos Namorados estão no século IV a.C., com a festa romana feita em homenagem ao deus Lubercus, o Festival de Lupercalia. Naquela época, o festival, que ocorria em fevereiro, servia para que a população pedisse proteção aos pastores e abundância nas colheitas. Contudo, durante a festa, havia um jarro de cerâmica com os nomes das moças da região para que os rapazes pudessem escolher quem seria a companheira para as festividades do dia e de outros eventos até o próximo ano. Alguns pares, em função da convivência e da proximidade, apaixonavam-se e acabavam se casando.
"Este festival durou cerca de 800 anos, porém foi alterado com o surgimento do cristianismo: ao invés dos nomes das moças, a Igreja Católica começou a usar os nomes dos santos. O deus homenageado também foi trocado. Lubercus era um deus pagão e, portanto, impróprio para a ideologia cristã. Foi em função disso que surgiu a ideia de santificar o presbítero Valentim", explica Almeida.
Porém, a substituição não foi tranquila. Naquela época (aproximadamente no século II d.C.), o imperador romano Claudius não suportava e ideia de que São Valentim pudesse ser mais popular pregando a existência de apenas um Deus, pois, na visão dele, tal popularidade poderia tirá-lo do poder. Além disso, achava um desrespeito com os deuses romanos a ideia de haver um único Deus, e proibiu o casamento para que os soldados não sentissem saudades de casa. As pessoas que negavam o politeísmo, inclusive São Valentim, eram perseguidas, aprisionadas e torturadas.
Mesmo assim, havia aqueles que não concordavam com o imperador. "Os apaixonados encontraram refúgio no presbítero Valentim. Ele havia sido o único no Império que continuava a celebrar casamentos", conta Almeida. Mas, quando o imperador descobriu a audácia de Valentim, colocou-o na prisão. Contudo, mesmo encarcerado o presbítero continuou a realizar conversões e a louvar a Deus, o que levou Claudius a querer decapitá-lo.
Diz a lenda que, antes de morrer, no dia 14 de fevereiro de 269 d.C. (na véspera do Festival de Lupercalia), Valentim se disse apaixonado pela filha do guarda da prisão, que era cega. A moça levava refeições diariamente para os prisioneiros e foi ela quem recebeu a última carta de Valentim, que, ao se despedir, fez com que ela pudesse enxergar. Na carta de despedida estava assinado: "seu eterno Valentim" (frase que ainda é impressa em cartões do dia de São Valentim).
Mesmo sendo a data mais reconhecida em todo mundo para comemorar o dia dos apaixonados, há vários países que comemoram o amor dos casais em ocasiões diferentes. Afinal, como outras histórias, esta não chegou a ser difundida em todas as culturas. No Brasil, por exemplo, até 1949 não existia data no calendário para festejar o romance entre namorados, pretendentes e apaixonados.
De acordo com Thiago de Almeida, apesar do dia 12 de junho ser exatamente a véspera do dia de Santo Antônio, o fato do dia dos namorados ser em junho tem relação com a questão comercial - até então, esse era um mês de mercado pouco aquecido, considerado o mais fraco para o comércio. "Para melhorar as vendas, um publicitário de nome João Dória, ligado à agência Standard Propaganda, lançou, a pedido da extinta loja Clipper, uma campanha para melhorar as vendas de junho. A campanha, com o apoio da Confederação do Comércio de São Paulo, consistiu na mudança do dia de São Valentim para o dia 12 de junho com o slogan: 'não é só de beijos que vive o amor'", relata o pesquisador.
A campanha publicitária fez com que as vendas subissem consideravelmente. A data foi criada pelo comércio paulista e depois assumida por todo o comércio brasileiro para reproduzir o mesmo efeito que o dia de São Valentim tem no Hemisfério Norte e, é claro, incentivar a troca de presentes entre os enamorados.

How Club Drug Ketamine Works to Fight Depression

The popular club drug ketamine—or 'Special K'—is also a fast-acting antidepressant, but how it works has eluded scientists. Now a team reports in Nature that the mood-lifting effect may not be caused by the drug itself, but by one of the products formed when the body breaks the drug down into smaller molecules.
If the findings, from a study in mice, hold true in humans, they could suggest a way to provide quick relief for people with depression—without patients having to experience ketamine’s ‘high’. Such a drug would be welcome news to the many people with major depressive disorder who do not find relief in currently available antidepressants. Ketamine also eases depression in a matter of hours, whereas other drugs take weeks to reach their full effect.
“The whole field has become interested in ketamine,” says Todd Gould, a neuroscientist at the University of Maryland School of Medicine in Baltimore who led the study. “It does something different in patients than any other drug we have available.”
But ketamine has its drawbacks: some people are turned off by the high—a feeling of dissociation and sensory distortion that lasts for about an hour. For others, the effect is an incentive to misuse the drug. Ketamine is not yet approved to treat depression in the United States, but ketamine clinics have sprung up around the country to administer it off-label.
Researchers have been racing to find other drugs that produce ketamine’s antidepressant effects without the high, but have been struggling to do so without a clear idea of how ketamine fights depression. Many of those efforts have focused on drugs that target cellular receptors in the brain called NMDA receptors. These were thought to be ketamine’s target, but clinical trials of other drugs that target them have largely yielded disappointing effects on depression, says Gould.

METABOLIC LIFT

“Ketamine probably represents a new chapter in the treatment of depression,” says Roberto Malinow, a neuroscientist at the University of California, San Diego. “But there have been some big questions regarding how it works.”
Gould teamed up with clinicians, analytical chemists, and neurophysiologists to fill in the gaps in understanding. Gould and his colleagues used a battery of behavioural tests in mice to show that one of ketamine's breakdown products—a compound called (2R,6R)-hydroxynorketamine—is responsible for much of the drug’s antidepressant effects.
And to Gould’s surprise, the metabolite did not cause side effects in the mice even at doses nearly 40 times higher than the antidepressant dose of ketamine. The mice also did not tend to press a lever to receive the metabolite when given the option to self-administer it.
The researchers plan to gather the safety data needed to take the metabolite into clinical testing in humans, a process that Gould cautions could still take years.
But Husseini Manji, head of neuroscience research and development at Janssen Pharmaceutical Companies in Titusville, New Jersey, cautions against assuming that results in mice will bear out in humans.  “We have to keep reminding ourselves that clinical data trump rodent data,” he says. Janssen has developed a specific form of ketamine, called esketamine, that it is testing in five large clinical trials.

RECEPTIVE TARGETS

Gould’s study in mice held another surprise: the metabolite that is active in mice did not act through NMDA receptors. The group did not find its direct target, but did find evidence that it stimulates another set of receptors called AMPA receptors. If the same result holds true in humans, it could provide an explanation for why drugs that target NMDA receptors have failed to capture ketamine’s full effects. “This could shake the windows and rattle the walls of those companies that have been putting a lot of money into this research,” says Malinow.
Manji, who describes the study as elegant, is not ready to give up on NMDA receptors until the results have been borne out in human studies. But he is among the researchers who believe that AMPA receptors may be important as well. Janssen and others have been pursing those receptors and proteins associated with them as potential drug targets. “This paper gives us even more impetus to go after them,” says Manji.
This article is reproduced with permission and was first published on May 4, 2016.

Educação: o desastre de SP

Analisam-se os números da educação de São Paulo, comparando-os no contexto nacional e no mundo, aplicando esses dados no projeto de reorganização da rede proposto pela Secretaria Estadual de Educação na realidade da divisão de verbas impostas pela Constituição Federal.
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O governo tucano do Estado de São Paulo anunciou em 2015 o programa denominado de “reorganização escolar”. Até então estaria tudo bem, pois é público e notório que as escolas do Estado necessitam ser reorganizadas mesmo, principalmente com a melhoria do ensino oferecido aos alunos e às condições salariais dos profissionais que lá atuam.
Para ilustrar essa análise, vamos a alguns dados interessantes sobre a educação no Estado de São Paulo, frisando, desde já, que estamos tratando do maior Estado do país, o mais rico, que concentra um PIB de R$ 1,349 trilhões, enquanto o segundo colocado, o Estado do Rio de Janeiro, tem apenas R$ 462 bilhões. Observem a distância nos números da economia.
Na educação, nem de longe os números refletem a diferença do PIB, nem em qualidade, nem em salários pagos aos profissionais. Segundo pesquisa na internet, o Estado de São Paulo tem um piso salarial para os seus professores de R$ 1.894,12, e, comparando com o Distrito Federal, o maior Estado perde feio, pois o Distrito Federal, um pequeno Estado (tem o 7º lugar no PIB), paga aos seus profissionais R$ 2.260,08.
A qualidade da educação também deixa muito a desejar, merecendo ser reorganizada mesmo, com seriedade e força, mas sem desorganizar, sem causar pânico, de forma transparente e lúcida. O PISA, que é um dos mais importantes testes internacionais da educação, dá ao Estado de São Paulo, 404 pontos em matemática. Comparando com o Estado de Shangai, na China, o número chega a ser vergonhoso. O Estado chinês, muito mais populoso, com certeza, faz 613 pontos em matemática. No Brasil, no ranking do PISA, o maior Estado brasileiro fica em 7º lugar, atrás de Estados pobres, como é o caso do Espírito Santo, que ficou em primeiro, Rio Grande do Norte e Mato Grosso. Note-se que o Estado de Alagoas, último no PISA do Brasil, fez 342 pontos, ou seja, não muito longe dos 404 dos paulistas.
O IDEB de São Paulo é bom, se analisado perante os demais Estados brasileiros, porém, os números divulgados em 2014, referentes a 2013, marcam para São Paulo 4,1 pontos, que são idênticos aos números do ano de 2011. Significando dizer que, ao contrário do previsto e imaginário, de 2011 a 2013 a educação de São Paulo não evoluiu.
Postas as questões iniciais, vamos ao que o governo chama de reorganização. Pasmem os senhores mais desavisados. Para o governo de São Paulo, o Estado que tem o maior PIB, aquele de R$ 1,349 trilhões, reorganizar é fechar escolas. Isso mesmo. Vão fechar inúmeras escolas, tirar alunos de seus bairros e deslocar para outros, causar transtornos de todos os gostos para pais, alunos, professores, outros profissionais e para as comunidades.
O governo do Rio de Janeiro, nos últimos mandatos, visando combater o tráfico de drogas, ocupou comunidades com serviços públicos, trouxe o Estado para comunidades onde antes ele não existia, não era visto. O Estado de São Paulo está deixando inúmeras comunidades, onde a presença do Poder Público não será mais notada. E chama isso de reorganização.
O Estado quer obrigar alunos de uma comunidade, alunos pequenos, de 6 a 10 anos, a deslocarem-se para outros bairros, criando hiatos onde antes havia escolas públicas, onde havia a presença da educação. Vai distanciar o aluno da escola.
Isso porque os gestores da educação de São Paulo sabem que um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
O Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), só atrás da Bósnia Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristovam e Névis, no Caribe (26,5%). Os números brasileiros chegam a ser impressionantes, 24,3%. E o secretário de Educação chama de reorganização do ensino o fechamento de escolas.
Pior é a justificativa que os gestores estaduais usam para o tal projeto de reorganização: a “tendência” de queda de 1,3%/ano da população escolar. E afirma mais que entre 1998 e 2015 as escolas públicas de São Paulo teriam perdido 2 milhões de alunos. Aí ficam algumas questões: o Estado ao divulgar esses números, para um público que não pode questionar, esconde que parte desses alunos foram para a rede pública municipal, no processo chamado de municipalização do ensino, outro desastre. Esconde que ocorreu a evasão escolar, por falta de qualidade no ensino e esconde que um projeto muito semelhante foi implantado na década de 1990, sob as mesmas e exatas justificativas.
Segundo a professora Sônia Kruppa, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo do último dia 17, o projeto de 1995 “gerou uma maior responsabilização dos municípios por esse atendimento, uma progressiva privatização dos níveis posteriores (ensino médio e superior) e um caráter comunitário e assistencialista para a educação infantil – contrariando a ampliação da cidadania e do dever do Estado, determinados pela Constituição, então submetida à modificação pela Proposta de Emenda Constitucional nº 233/1995, apresentado ao Congresso Nacional”.
Acrescenta ainda que “as medidas de 1995 não melhoraram a qualidade da escola paulista. Pelo contrário, destruíram a única rede pública brasileira que tinha alcançado a condição de universalizar o ensino fundamental num único prédio, ampliando o diálogo entre os professores na passagem dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental e médio”.
Duro é ouvir a presidente do sindicato dos professores afirmar que não existe transparência no projeto de reorganização, que a classe não participou das discussões que levaram a esse modelo e que a qualidade do ensino tende apenas a piorar.
É importante lembrar que medidas como essas devem ser fruto de longo planejamento, de preparação dos profissionais que estarão envolvidos, de publicidade dos atos e do projeto e, principalmente, de bases científicas sólidas para justificar o fechamento de escolas. O Brasil ainda é um país jovem, o interior de São Paulo está em franco crescimento e a única certeza de tudo isso é que um dia, as futuras gerações de gestores, chegarão à conclusão de que o fechamento de escolas não gerou resultados positivos e que as populações perderam em qualidade de atendimento no serviço público educacional.
E, quando chegarem a esta conclusão, infelizmente, será tarde demais, a evasão terá aumentado e muitas crianças terão perdido a oportunidade de ter estudado na época própria.
Minha saudosa tia Leda lecionou em escola multisseriada por mais de 40 anos. Com o fim das séries diferentes na mesma sala de aula, a escola que tinha 80 alunos e uma única professora, deveria ter recebido outras 6 educadoras. A distância de 35 quilômetros até a cidade mais próxima desanimou as concursadas e nenhuma delas topou a parada de percorrer estradas esburacadas, na época seca, e enlameadas, no verão (naquela época chovia no verão!); a unidade escolar foi fechada. Desses 80 alunos, pasmem os senhores, só 3 toparam estudar no distrito, que ficava fora da velha Fazenda Santa Margarida, no interior do Rio de Janeiro.
O Brasil, em 2013, ainda tinha 45 mil escolas multisseriadas, no interior e em áreas urbanas. E até hoje há quem defenda o modelo educacional que foi abolido e, na década de 80, tirou de 77 alunos da Escola Estadual João Gouveia Souto a oportunidade de se tornarem seres melhores, educados.
E assim vai a educação brasileira, de mal a pior, enquanto as potências mundiais investem em abrir frentes de educação, mesmo que para atender poucos, nós vivemos a realidade inversa, fechando unidades por todos os recantos, sob a justificativa de que a economia de recursos é necessária.
Quero ver economizarem em publicidade dos governos, em mordomias nas viagens e deslocamentos das autoridades e em outras atividades, em que realmente é necessário apertar o cinto. A economia, governador Alckmin, deve começar no próprio palácio, cortando servidores nomeados em cargos em comissão, ganhando, muitas vezes, sem receber, prestando serviços de baixa qualidade para a população.
Mas o blefe final não é esse. Os valores calculados do FUNDEB per capita considera as salas pequenas que o governo paulista justifica para fechar unidades de sua rede, o grande número de professores e até a localização das escolas, tudo na forma do artigo 211 da Constituição Federal. Isso significa dizer que o Estado de São Paulo, esse que quer economizar, recebe repasses do FUNDEB que consideram os problemas que eles alegam para economizar e fechar escolar. Uma leitura atenta dos manuais do FUNDEB impediria que alegações lançadas ao vento, sem nenhuma responsabilidade, fossem capazes de justificar as mazelas pretendidas.
Com a palavra, o Ministério Público do Estado de São Paulo e as autoridades federais. E lancemos mão dos ensinamentos e das palavras do saudoso professor Darcy Ribeiro, que disse que “só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.”.

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Violência doméstica: entendendo os porquês e quebrando o silêncio

É inaceitável qualquer forma de violação aos Direitos Humanos, sendo rechaçado qualquer tipo de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. Este estudo demonstra as origens do enraizado machismo, que resulta na violência constante contra a mulher, apresentando os caminhos a serem trilhados para a superação dessa lástima pela sociedade.
 A Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, tem esse nome em homenagem à farmacêutica e professora universitária Maria da Penha Maia Fernandes, que durante seis anos foi vítima de agressões por parte seu marido, também professor universitário, o qual tentou matá-la duas vezes.
Na primeira tentativa, em 1983, ele efetuou disparo de arma de fogo enquanto ela dormia e a deixou paraplégica. Na segunda tentativa, ele tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho.
Então, ela tomou coragem e denunciou seu marido. Mas, quinze anos depois da prática dos crimes, ele ainda continuava em liberdade porque utilizava sucessivos recursos processuais.
O caso teve repercussão internacional, porque Maria da Penha, auxiliada por órgãos de luta pelos direitos das mulheres, levou o fato a organismos internacionais de proteção de direitos humanos, até que o Brasil, finalmente, editou a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Nos dias atuais, o Brasil possui um dos maiores índices de mulheres vítimas de violência doméstica.
Na última década, 43,5 mil mulheres foram assassinadas no país, sendo 4.500 por ano.
A “Lei Maria da Penha” cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º, do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, com fulcro no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Este tem como finalidade, na qualidade de princípio fundamental, assegurar ao indivíduo direitos que devem ser respeitados pela sociedade e pelo poder público, a fim de preservar a valorização do ser humano.
A Dignidade da Pessoa Humana, sendo princípio fundamental, fonte de todo ordenamento Jurídico Brasileiro, assim é tratada pelo STF:
(...) o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa a considerada centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema dedireito constitucional positivo (...). (HC 95464, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/02/2009, DJe048DIVULG12032009PUBLIC 13032009EMENT VOL0235203PP0046. 
As mulheres de hoje estudam, trabalham em diversos setores, assumindo vários papéis em seu cotidiano, como filhas, esposas e mães, mesmo as donas de casa, que exercem a direção do lar, colocando-as em posição de igualdade com seus companheiros.
É inaceitável qualquer forma de violação dos Direitos Humanos, bem como qualquer forma de violência contra mulher, sendo esta: física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. Dentre os tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher temos a:
Violência Física: é aquela que ofende a integridade e saúde da mulher;
Violência Psicológica: dano emocional à mulher; diminuição de autoestima; controlar suas ações, comportamentos e decisões: ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do direito de ir e vir;
Violência Sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada mediante: intimidação, ameaça, coação, força física, induzir a comercializar sua sexualidade, impedir métodos contraceptivos, forçar matrimônio, forçar gravidez, forçar aborto, limitar ou anular seus direitos sexuais e reprodutivos;
Violência Patrimonial: qualquer conduta que tipifique retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumento de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos, recursos econômicos;
Violência Moral ou Crimes contra Honra: consiste em qualquer conduta que tipifique calúnia (acusar alguém falsamente de um crime), difamação (imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação) ou injúria (ofender a honra de alguém).
O machismo é uma praga histórica. Não se elimina da noite para o dia. A criação da Lei Maria da Penha, em 2006, prevendo punição para quem agride e mata mulheres, foi um primeiro e audacioso passo. Antes, muitas brasileiras nada denunciavam porque sabiam que seriam ignoradas pelas autoridades e muitos brasileiros agiam com absoluta tranquilidade porque davam a impunidade como certa.
O segundo passo contra o machismo é a educação. Pelo Brasil afora, no mesmo estilo dos Alcoólicos Anônimos, há grupos de ajuda para mulheres que não conseguem se desvencilhar dos companheiros violentos, e outros para homens que não sabem refrear o ímpeto de agredir as companheiras. Mas o tipo de educação que mais dá frutos é a que se ensina na escola.
Afirma Maria da Penha Fernandes, a mulher que dá nome à lei:
“O que muda o comportamento da sociedade é a educação. Temos que ensinar a nossos filhos desde pequenos, na escola, que a mulher merece respeito. Antes, ninguém usava o cinto de segurança. Hoje, a primeira coisa que a criança faz ao entrar no carro é avisar ao pai que ele precisa pôr o cinto. Quando ela crescer, nem sequer passará por sua cabeça não usar o cinto. Na violência contra a mulher, a lógica é a mesma. Tenho fé que lá na frente os homens aceitarão as mulheres como iguais. Nesse momento, a Lei Maria da Penha se tornará desnecessária.”.
(Jornal do Senado Edição de 04 de julho de 2013)
A educação, porém, não apenas entendida como instrução escolar, mas em seu sentido mais amplo, fruto de um, às vezes imperceptível e longo, processo de ensino, aprendizagem, reclama, da parte do educando, o entendimento do contexto no qual são gestadas e reproduzidas as relações sociais dadas. Para superá-las é indispensável conhecer as determinações que as introduziram e as mantêm.
Dessa maneira, com o fim de compreender a violência doméstica, hoje enfrentada por instrumentos legais, é preciso desvendar a razão histórica de um papel subalterno desenhado para a mulher numa sociedade de classes, porque é justamente essa origem histórica que a leva à condição de vítima da violência masculina associada ao amor individual de caráter sexual.
Faz-se, portanto, necessário considerar as circunstâncias e os motivos que edificaram um cenário de inferioridade e consequente vitimização da mulher pelo homem. É no interior da evolução das forças produtivas, graças ao artifício do casamento monogâmico, que se localizam os fatores que destinam à mulher uma subalternidade suficiente para explicar a sua posição de vítima de crimes masculinos violentos. Estes são motivados por valores cujo desenvolvimento têm, por conseguinte, matriz econômica. Para quem desejar um atalho nesta análise, diga-se que a sociedade de classes é o contexto lógico da violência doméstica.
Nos agrupamentos sociais primitivos as relações entre homens e mulheres eram livres e a ideia atual de família tinha como equivalente a comunidade de parentes dentro da qual os filhos eram de todos os pais e como tal eram tratados. Uma posterior proibição de relação sexual entre alguns parentes, primeiro os ascendentes e descendentes, depois os colaterais, fortaleceu a formação de casais em pares, não exclusivos, ao invés de grupos.
Essa fase, que é a da família pré-monogâmica, afinal, é substituída pela da família monogâmica, caracterizada pela exclusividade da relação entre um homem e uma mulher. A consequente escassez de parceira(o) disponível principia a introduzir a ideia de valor de troca correspondente à pessoa almejada, elemento que comporá o quadro no qual, mais tarde, a violência se pretenderá justificável para assegurar a posse, ou a propriedade, de tal parceira(o).
Importante é localizar historicamente a origem dessa família constituída pela união monogâmica. Assim, vamos verificar, com Engels e Lessa¹, que esse arranjo surge engendrado por um determinado estágio de evolução das forças produtivas: após desenvolver instrumentos de produção, aprender a cultivar o solo e criar animais em escala comercial, o homem – assim entendido o humano do sexo masculino – começa a acumular riqueza pessoal, que ele pretende administrar com os seus próprios filhos, aos quais, ademais, deseja legar aquilo que considera sua propriedade exclusiva. A mulher, mantida em casa por seus deveres biológicos com a prole e para sua preservação, enquanto matriz reprodutora, não participa da formação dessa riqueza, da qual, portanto, não é dona. O lar é seu reino, no qual exerce a sua única parcela de poder, o qual, todavia, não gera valor econômico. Ora, para ter certeza da paternidade, só resta ao homem exigir exclusividade na sua função de parceiro sexual da mulher. Como a certeza da maternidade não necessita da exclusividade do lado feminino do casal, o matrimônio monogâmico já surge com a marca da tolerância no tocante ao adultério masculino e intolerância como feminino.
A partir desse ponto não é difícil compreender que o papel delineado para a mulher virtuosa é a atividade doméstica, que a exclui da vida social e das instâncias decisórias importantes no contexto da sociedade civil e política.
Lessa (p. 37) vai direto ao ponto:
Excluídas da participação na vida social, com sua existência reduzida ao estreito horizonte do lar patriarcal, as mulheres vão se convertendo no feminino que predominou ao longo de milênios: pessoas dependentes, débeis, frágeis, ignorantes, bonitas para os homens aos quais devem servir, dóceis, compreensivas. Enfim, pessoas moldadas para a vida submissa e subalterna que lhes cabe na sociedade de classes.
1 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado 2. ed. São Paulo: Escala. LESSA, Sérgio. Abaixo a família monogâmica! 1. ed. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.
Evidencia-se, dessa maneira, situar-se na propriedade privada da riqueza e no antagonismo de classe que ela inaugura, a partir da moldagem de uma sociedade de proprietários e não proprietários, o elemento fundante da subalternidade feminina, que estará, daí em diante, na raiz da violência que a mulher será condenada a sofrer do parceiro masculino. Violência preferencialmente física, mas também moral, patrimonial, psíquica e sexual, como já visto.
Essa violência, se precisa ser legalmente enfrentada, deve também ser desconstruída a partir do questionamento de um modelo vertical de sociedade que engendra papéis sociais de mando e de obediência, assim plantando as sementes de uma violência a um só tempo enraizada e frequentemente tomada por natural.

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