quinta-feira, 22 de maio de 2014

Stanislas Dehaene : "A neurociência deve ir para a sala de aula"


O cientista condena o construtivismo como método de alfabetização e diz como os estudos com cérebro podem ajudar disléxicos a ler.


Uma das tarefas comuns da ciência é desvendar a complexidade por trás de atividades aparentemente simples. O matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene dedica-se a decifrar as mudanças cerebrais causadas pelo ato de ler. Para ele, a leitura moldou o cérebro humano e preparou-o para assimilar habilidades impossíveis de ser aprendidas por iletrados. Em seu livro Os neurônios da leitura (Editora Penso, R$ 71), ele afirma que o conhecimento do impacto da leitura no cérebro pode melhorar métodos de alfabetização para crianças e dá exemplos de como esse conhecimento tem auxiliado pessoas com dislexia. E mais: Dehaene diz que a pedagogia do construtivismo, altamente disseminada no Brasil, pode ser ineficaz para o ensino da leitura.

ÉPOCA – O que suas pesquisas sobre o impacto da leitura no cérebro revelaram?
Stanislas Dehaene –
 Constatamos que nosso cérebro aprendeu a ler a partir de uma reciclagem dos neurônios. Isso quer dizer que neurônios usados na leitura antes eram empregados em outro tipo de tarefa. Concluímos que a leitura despertou em nosso cérebro a capacidade de perceber diferenças sutis e aumentou nossa capacidade de memorizar informações. 

ÉPOCA – De que forma suas descobertas podem auxiliar no processo de educação?
Dehaene – 
Verificamos, por meio de várias experiências, que o método mais eficaz de alfabetização é o que chamamos fônico. Ele parte do ensino das letras e da correspondência fonética de cada uma delas. Nossos estudos mostraram que a criança alfabetizada por esse método aprende a ler de forma mais rápida e eficiente. Os métodos de ensino que seguem o conceito de educação global, por outro lado, mostraram-se ineficazes. (No método global, a criança deve, primeiro, aprender o significado da palavra e, numa próxima etapa, os símbolos que a compõem.)

ÉPOCA – No Brasil, o construtivismo, que segue as premissas do método global para a alfabetização, é amplamente disseminado. Por que os sistemas que seguem o método global são ineficazes?
Dehaene –
 Verificamos em pesquisa com pessoas de diferentes idiomas que o aprendizado da linguagem se dá a partir da identificação da letra e do som correspondente. No português, a criança aprende primeiro a combinação de consoantes e vogais. Essa composição de formas, do menor para o maior, é feita no lado esquerdo do cérebro. Quando se usam metodologias para a alfabetização que seguem o método global, no qual a criança primeiro aprende o sentido da palavra, sem necessariamente conhecer os símbolos, o lado direito é ativado. Mas a decodificação dos símbolos terá de chegar ao lado esquerdo para que a leitura seja concluída. É um processo mais demorado, que segue na via contrária ao funcionamento do cérebro. Num certo sentido, podemos dizer que esse método ensina o lado errado primeiro. As crianças que aprendem a ler processando primeiro o lado esquerdo do cérebro estabelecem relações imediatas entre letras e seus sons, leem com mais facilidade e entendem mais rapidamente o significado do que estão lendo. Crianças com dislexia que começam a treinar o lado esquerdo do cérebro têm muito mais chances de superar a dificuldade no aprendizado da leitura.

ÉPOCA – É possível quantificar esse atraso de leitura que o senhor menciona?
Dehaene –
 Quanto mais próxima for a correspondência da letra com o som, mais fácil para um indivíduo automatizar a ação de ler. Português e italiano são idiomas muito transparentes, pois cada letra corresponde a um som. Inglês e francês são línguas em que a correspondência de sons pode variar bastante. Pesquisas mostram que, ao ter aulas regulares, todos os dias, na escola, a criança leva dois anos a mais para dominar o inglês que para dominar o italiano.


ÉPOCA – Pessoas com dislexia leem de forma diferente ou apenas mais devagar?
Dehaene –
 Pessoas com dislexia tendem a ter problemas com a conexão entre letra e som. É muito difícil para elas entender essa ligação. Em parte, porque não podem distinguir muito bem as diferenças dos sons da língua. Elas têm problemas com fonologia. Não com o som de letras como a, b, c e d. Mas com o som da linguagem, como dã, bã e pã. Há diferentes tipos de dislexia. Há pessoas que têm dificuldade em enxergar as letras em determinados lugares da palavra ou em visualizar símbolos específicos. O que os disléxicos têm em comum é a dificuldade em criar o mapa dos símbolos e dos sons.

ÉPOCA – Sua pesquisa pode ajudá-los de alguma forma?
Dehaene – 
Antes não era óbvio que a maioria dos disléxicos tinha problemas com os sons da linguagem. Agora que sabemos disso, começamos a trabalhar com jogos de reabilitação com ótimos resultados. É possível ajudar as crianças com dislexia com jogos de leitura, de rimas ou brincadeiras de mudar sílabas. Pode-se brincar de trocar o som de “bra” de Brasil por “dra” ou “pra”. Vimos que brincadeiras orais fáceis têm facilitado o aprendizado.

ÉPOCA – Se o cérebro dos disléxicos é organizado de forma diferente, isso sugere que eles possam ter outras habilidades que alguém sem a dislexia não tem?
Dehaene –
 Essa é uma questão interessante. Assim como há a possibilidade de perdermos algumas habilidades quando aprendemos a ler, existe a possibilidade de o cérebro disléxico ter facilidade com algumas áreas. Ainda faltam pesquisas para podermos constatar isso. Mas estudos sugerem que o senso de simetria do disléxico pode ser mais desenvolvido, e isso ajuda em matemática. Sabemos que há muitos disléxicos que podem ser bons em matemática. Estudos sugerem que eles podem enxergar padrões sofisticados com mais facilidade.


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