terça-feira, 18 de novembro de 2014

Afinal, quem é mesmo pedófilo?



Who is really pedophile, after all?


Jane Felipe
Coordenadora do GEERGE – Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero – do PPGEDU/FACED/UFRGS. nana_felipe@yahoo.com.br



RESUMO
O presente artigo busca problematizar alguns dos aspectos pertinentes ao debate contemporâneo em torno das "novas" modalidades de experimentação dos desejos erótico-sexuais, em especial a pedofilia/o pedófilo, discutindo os modos pelos quais tais conceitos vêm sendo re-significados nos últimos anos. A partir do referencial teórico dos Estudos Culturais e dos Estudos de Gênero, numa abordagem pós-estruturalista de análise, pretendo mostrar que, apesar das tentativas de aprisionar/categorizar/ normatizar determinados comportamentos em torno da sexualidade, a partir de campos de conhecimento específicos, estes escorregam, escapam, vazam, nos sentidos que lhes são atribuídos.
Palavras-chave: Infância, Gênero, Sexualidade, Pedofilia.

ABSTRACT
This article raises questions about some aspects of the contemporary debate concerning the "new" modes of experimenting erotic and sexual desires, especially pedophilia/the pedophile. It discusses the resignification of these concepts over the last years. The starting points are the Cultural Studies and the Gender Studies, in a post-structuralist analysis approach. I intend to show that, despite the attempts of confining/regulating/ categorizing certain behaviors regarding sexuality into specific fields of knowledge, they leak, slip, escape from the meanings attributed to them.
Key Words:. Childhood, Gender, Sexuality, Pedophilia.



Em artigo anterior, sobre erotização dos corpos infantis, terminei exatamente com esta pergunta que agora coloco como título do presente artigo: afinal quem é mesmo pedófilo?1 Não que eu tenha a intenção de respondê-la, mas o que pretendo, de fato, é provocar algumas reflexões acerca das próprias definições que estabelecemos para demarcar os comportamentos, categorizando-os como normais ou anormais, aceitáveis ou não. Cabe então observar o quanto, a partir de determinados momentos histórico-conjunturais, os conceitos – de infância, sexualidade, pedofilia – passam a ter outro sentido, provocando assim novas reformulações e estabelecendo até mesmo novas formas de comportamento. Os conceitos sempre nos escapam, pois as tentativas de categorização dos comportamentos são uma produção no campo da linguagem, e estas sempre parecem tão insuficientes para dar conta da complexidade dos comportamentos e sentimentos aos quais estamos sujeitos.
Por outro lado, com o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias e modalidades de comunicação, tem sido possível estabelecer novas experimentações do desejo afetivo-sexual nas suas mais distintas possibilidades. Com isso estamos criando ou reinventando "novas" estratégias de prazer, muitas vezes pautadas pela lógica do consumo, onde o sexo é acionado como espetáculo e performance, e a criança colocada como possibilidade de experimentação do desejo sexual adulto.

Uma infância inocente?
A partir do século XVIII importantes transformações ocorreram de modo a afetar as concepções de infância, bem como sua educação. As crianças passaram a ser percebidas como sujeitos instituídos de uma "natureza" infantil, possuidoras de características específicas próprias para a idade. Como argumenta Maria Isabel Bujes,
(...) o regime de visibilidade a que foi (e continua sendo) submetida a infância nos tempos modernos esteve (e está) associado à intensificação da produção discursiva sobre esse novo objeto, fazendo com que os fenômenos relacionados com a população infantil passassem a ser descritos, ordenados, medidos, calculados, categorizados, tornando as crianças e a infância alvos de determinadas instituições e foco de tecnologias de poder.2
Vistas como "inocentes, frágeis, imaturas, maleáveis, naturalmente boas, seres que constituem promessa de um futuro melhor para a humanidade"3, precisavam agora de proteção do mundo adulto. Deste modo, se instalou uma intensa produção discursiva sobre a infância possibilitando, de certa forma, a veiculação de uma imagem infantilizada e dessexualizada das crianças, de modo que elas deveriam ser protegidas de determinados conhecimentos, com destaque especial para as questões referentes ao sexo e à sexualidade.4
Dessa forma, a infância tem sido acionada como uma espécie de espaço utópico, associada à inocência, ingenuidade, pureza, sensibilidade, desproteção, como um tempo de felicidade, onde reina o que há de mais puro e bom.5 A partir de tais concepções, a erótica infantil foi invisibilizada ou mesmo negada. A partir dos escritos de Freud6 sobre a sexualidade infantil é que se passou a reconhecer as crianças como possuidoras de uma sexualidade, embora vários estudos mostrem o quanto elas foram usadas como objetos sexuais durante muitos séculos.7
Cabe lembrar que a violência contra as crianças não era passível de punição, tal como construído no século XX. Como nos lembra Mariana Azambuja:
1) No texto bíblico, temos o caso de Abraão, que quase sacrificou seu filho Isaac, e o de Herodes, que mandou exterminar todas as crianças menores de dois anos de idade; 2) Na Mitologia, Saturno devorou sua prole, assim como Medeia o fez para vingar-se de Jasão; 3) No século IV a.C. na antiga Grécia, as meninas eram sacrificadas e em Jericó, os corpos das crianças mortas eram colocados nos muros, paredes e pontes, a fim de dar-lhes maior sustentação; 4) O infanticídio foi usado como estratégia para se alcançar a pureza racial e para a eliminação de crianças defeituosas, e na China, para o controle populacional.8
Muita coisa mudou desde então, mas as estatísticas atuais em várias partes do mundo mostram quanto os corpos infantis têm sido usados das mais diversas formas, seja para a exploração de mão-de-obra barata nas carvoarias ou plantações de sisais, seja para o prazer sexual adulto.
É importante mencionar que, no Brasil, a violência/abuso sexual9 contra crianças e adolescentes só recentemente (década de 90 do século XX) começa a ser incluída como preocupação efetiva na agenda da sociedade civil e como política pública, através da Constituição Federal Brasileira (1988) e do Estatuto da Criança e do adolescente – Lei 8069/90. Cabe citar ainda a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1999.10 Portanto, a visibilidade que crianças e adolescentes têm ganhado nas últimas décadas é fruto de profundas transformações sociais, políticas, culturais, afetando assim o conceito de infância, família, instituições educativas e, conseqüentemente a forma como elas vêm sendo educadas e assistidas nas suas necessidades.
Tais mudanças se devem também à criação e ao desenvolvimento de novas tecnologias, dentre elas o computador e Internet, gerando a disponibilização de novas práticas e interesses. No campo da sexualidade, surgiram novas modalidades de exercício do prazer e de experimentação do desejo através do mundo informatizado. Dentro desse espectro, a prática da pedofilia encontrou o seu lugar de exercício, divulgação e expansão. Não se trata aqui, porém, de demonizar as novas tecnologias e, com isso, anunciar um pânico moral, tentando resgatar uma infância com aura de pureza e ingenuidade que ficou para trás, mas talvez seja produtivo nos perguntarmos: quais os mecanismos que têm propiciado um certo apagamento de fronteiras entre idade adulta, juventude e infância? Será que as marcas, antes tão bem delimitadas entre essas faixas etárias, e conseqüentemente as práticas – inclusive as sexuais – permitidas para cada uma delas, estão sendo cada vez mais borradas? Quais são, afinal, as fronteiras? Quais são os limites do exercício da sexualidade quando as crianças estão, de algum modo, envolvidas?
O borramento de fronteiras entre adultos e crianças tem levado governos e sociedade civil organizada a criar mecanismos de gerenciamento e controle para coibir o abuso e a exploração sexual. Vários materiais têm sido produzidos com a intenção de esclarecer professores/as, profissionais da saúde e áreas afins.11
Podemos, no entanto, pensar nessa interessante contradição, pois ao mesmo tempo em que se criam leis de proteção à infância, incentiva-se a exibição dos corpos infanto-juvenis como objetos de desejo e sedução. Em especial a sociedade brasileira tem utilizado bastante essa prática de exibição dos corpos através de inúmeros mecanismos e artefatos culturais veiculados principalmente pela mídia. Talvez não seja por acaso que, nos últimos anos, índices significativos de meninas estejam iniciando cada vez mais cedo sua vida sexual ativa. No Brasil tem aumentado o número de adolescentes e pré-adolescentes grávidas, na faixa de 10 a 14 anos.12 Das mulheres grávidas que dão entrada nos serviços públicos de saúde no Brasil, 28% é adolescente. Entre 1991 e 2000 o número de partos de meninas de até 14 anos subiu cerca de 108%.13 Podemos pensar que, atrelado a esse apelo do exercício da sexualidade cada vez mais cedo, há também uma glamourização da maternidade, vista como possibilidade de status, especialmente entre as camadas mais pobres da população. Os discursos que exaltam a maternidade, dentre eles o religioso, o pedagógico, o psicológico, o jurídico, não acenam com a possibilidade de enxergarmos a maternidade também como aprisionamento, ao contrário, acabam ressaltando a idéia de maternidade apenas como completude e realização.14

Usos e abusos dos corpos infantis
Os dados divulgados na III Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrida em Porto Alegre (2005), são alarmantes, e não são, de todo, desconhecidos: a cada 8 horas uma criança é vítima de violência/abuso sexual e em 70% dos casos tal situação se dá nas relações intrafamiliares. Este último fato remete-nos ao debate do quanto as relações de gênero estão envolvidas em relações de poder15 não somente entre homens e mulheres, mas entre adultos e crianças e o quanto estas se acirram quando se trata da própria família, na medida em que os homens se sentem no direito de abusar das mulheres e meninas de sua própria casa, como se estas fossem sua propriedade.
Um dos aspectos mais preocupantes, e que tem merecido a atenção do poder público e de várias entidades civis em defesa da criança e do adolescente, diz respeito à prática da pedofilia, especialmente aquela cometida através da Internet, uma vez que envolve a produção de material pornográfico utilizando imagens de crianças, muitas vezes submetidas a toda sorte de violência sexual. O Brasil ocupa o 4º lugar no ranking de material pornográfico, com pelo menos 1210 endereços na internet. Um dos nichos desse material refere-se à pornografia infantil, com o intuito de abastecer o mercado da pedofilia.16 Essa rede se organiza internacionalmente, de modo que existem facções em todos os lugares onde há pessoas interessadas em obter aceso a esse tipo de material. Segundo alguns especialistas presentes na III Jornada, o Brasil precisa tratar a questão da pedofilia como uma rede internacional que envolve o crime organizado, utilizando-se do tráfico de crianças. Tal rede é composta por "angariadores", que são pessoas pagas para seqüestrarem crianças com o intuito de utilizá-las em filmagens obscenas. Eles/as freqüentam todos os lugares onde existam crianças – parques, praças, escolas. Depois de encontrar crianças com as características solicitadas pela rede de pedofilia, elas são seqüestradas e logo em seguida as entregam aos chamados "monitores". Geralmente, a criança é levada a um cativeiro bem longe do local onde foi roubada, onde são realizadas as filmagens e onde ocorre todo o tipo de violência sexual. Logo após ela é assassinada e nunca mais se tem notícias dela. Os sites colocam simultaneamente no ar as imagens de violência/abuso sexual, ao vivo, para deleite dos pedófilos, que pagam elevadas taxas com o objetivo de ter acesso a tais cenas. Através desses sites os pedófilos podem se comunicar e estabelecer estratégias de sedução para obter novas vítimas.
Outro ponto importante refere-se ao lucro desse tipo de negócio, quanto mais nova a criança, mais caras são as imagens. Há registros de imagens feitas com bebês de 4 meses e crianças de 2 anos. Em 2002, os lucros com pornografia infantil chegaram a 5 milhões de dólares nos EUA e a 3 milhões de euros na Europa. No caso do Brasil, nossa legislação não possui leis que punam quem consome materiais de pedofilia, só é punido quem produz o material pornográfico. Muitos alegam que os materiais ou ele mesmo, como consumidor, não fazem mal nenhum a criança. No entanto, cabe considerar que a pedofilia não é um ato meramente individual, de preferências ou fantasias sexuais por parte do adulto, mas ela remete às relações de poder entre adultos e crianças. Além disso, ela está organizada numa rede mundial que tem ligações com o crime organizado, segundo dados de agências internacionais.17
Várias ações têm sido feitas no sentido de coibir a violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2001 foi criado e implantado o Programa Sentinela – Serviço de Enfrentamento e Combate à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual Comercial da Criança e Adolescente – financiado pelo Governo federal, que tem por objetivo prevenir e combater todas as formas de violência, abuso sexual e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes articulado com o sistema de garantias de direitos.18
No entanto, apesar de todos os esforços que têm sido feitos até agora no sentido de coibir a violência/abuso sexual e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, através da criação de programas e leis, campanhas de conscientização, disque denúncia e demais estratégias de contenção do problema, me reporto a outro aspecto da questão: as definições e tentativas de categorizar os comportamentos em torno da pedofilia e o conceito de pedofilização como prática social contemporânea.
É importante lembrar que, nas suas origens, o termo pedofilia designava o amor de um adulto pelas crianças (do grego antigo paidophilospais = criança e phileo = amar). No entanto, a palavra tomou um outro sentido, sendo designada para caracterizar comportamentos inadequados socialmente. De acordo com o Catálogo Internacional de Doenças (CID)19, a pedofilia é considerada um transtorno de preferência sexual, classificada como parafilia (para = desvio; filia = aquilo para que a pessoa é atraída) e também como uma perversão sexual. O CID é bastante minucioso no que se refere à classificação de tais transtornos, sendo a pedofilia assim definida como:
Uma preferência sexual por crianças, usualmente de idade pré-puberal ou no início da puberdade. Alguns pedófilos são atraídos apenas por meninas, outros apenas por meninos e outros ainda estão interessados em ambos os sexos. A pedofilia raramente é identificada em mulheres. Contatos entre adultos e adolescentes sexualmente maduros são socialmente reprovados, sobretudo se os participantes são do mesmo sexo, mas não estão necessariamente associados à pedofilia. Um incidente isolado, especialmente se quem o comete é ele próprio um adolescente, não estabelece a presença da tendência persistente ou predominante requerida para o diagnóstico. Incluídos entre os pedófilos, entretanto, estão homens que mantêm uma preferência por parceiros sexuais adultos, mas que, por serem cronicamente frustrados em conseguir contatos apropriados, habitualmente voltam-se para crianças como substitutos. Homens que molestam sexualmente seus próprios filhos pré-púberes, ocasionalmente seduzem outras crianças também, mas em qualquer caso seu comportamento é indicativo de pedofilia.
A pedofilia está classificada juntamente com outros transtornos elencados pelo CID como parafilias: voyerismo, exibicionismo, fetichismo, travestismo fetichista e sado masoquismo, sendo esta última modalidade também considerada uma perversão sexual. Segundo o CID:
As parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. As características essenciais de uma parafilia consistem de fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral envolvendo: 1) objetos não-humanos; 2) sofrimento ou humilhação, próprios do parceiro, ou 3) crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento.
Tais definições, associadas às campanhas em torno do combate à violência/abuso sexual e a uma ampla divulgação na mídia envolvendo padres, médicos, educadores, artistas e outros acusados de pedofilia20, têm levado a mudanças de comportamento e a um certo pânico moral, através de um e monitoramento de possíveis ações que antes pareciam tão inofensivas, mas que hoje podem ser interpretadas ou mesmo confundidas como nocivas às crianças. Tal situação tem levado muitos profissionais, no campo da educação, por exemplo, a mudarem seus comportamentos frente às crianças, para não serem confundidos com pedófilos. Refiro-me aos homens que trabalham com educação infantil (0 a 6 anos) que, para evitarem maiores problemas, procuram não ficar sozinhos com elas – especialmente numa situação de troca de fraldas – ou mesmo colocá-las sentadas em seus colos. As próprias manifestações de afeto e interesse de homens por crianças pequenas podem ser vistas, nos dias de hoje, com certa desconfiança. Chamo a atenção para um outro aspecto que me parece importante considerar: a idéia corrente de que só os homens são abusadores em potencial, por possuírem uma sexualidade tida no senso comum como incontrolável, quase "animalesca". Outro equívoco é associar a pedofilia e o pedófilo aos homossexuais, como se estes representassem um perigo constante aos bons costumes e às práticas sexuais consideradas legítimas. É preciso lembrar também que as estatísticas dificilmente fazem referências às mulheres, na medida em que estas, no exercício da maternidade ou na função de cuidadoras de crianças, parecem estar sempre acima de qualquer suspeita, o que nem sempre é verdade.
Apesar de todos os esforços da sociedade civil organizada e das instâncias públicas, no sentido de resolver o grave problema da violência/abuso sexual e da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, e não estou aqui negando este problema, nem minimizando a sua gravidade, gostaria de ressaltar o quanto os conceitos e as inúmeras tentativas de categorização dos comportamentos em torno daquilo que pode ou não ser considerado normal ou patológico, escorregam, vazam, nos escapam.
Por outro lado, se os projetos modernos de infância constroem um tipo de representação de criança que exige uma pedagogização, bem como mecanismos para sua proteção, as significativas mudanças ocorridas nas configurações sociais contemporâneas "(...) têm introduzido quebras, rachas, fissuras, na bem constituída arquitetura discursiva sobre a infância que nos foi legada pelo Iluminismo ou que nele se inspirou".21 Os mais diversos investimentos têm se entrelaçado para constituir o que entendemos por infância. É interessante perceber de que forma esses mesmos investimentos e representações correlatas à infância têm sido fortemente re-significados, sobretudo numa época de acelerado consumo e avanço tecnológico, como sugerem Felipe, Steinberg, Kincheloe, Walkerdine22, entre outros, que analisam as novas concepções de infância produzidas nas e pelas relações de consumo, através das pedagogias culturais.

Pedofilização como prática social contemporânea
O conceito de pedofilização tem sido por mim utilizado no intuito de pontuar as contradições existentes na sociedade atual, que busca criar leis e sistemas de proteção à infância e adolescência contra a violência/abuso sexual, mas ao mesmo tempo legitima determinadas práticas sociais contemporâneas, seja através da mídia – publicidade, novelas, programas humorísticos –, seja por intermédio de músicas, filmes, etc., onde os corpos infanto-juvenis são acionados de forma extremamente sedutora. São corpos desejáveis que misturam em suas expressões gestos, roupas e falas, modos de ser e de se comportar bastante erotizados.
Estudos divulgados pela Universidade da Califórnia mostram que dois terços dos programas de entretenimento dirigidos a crianças e adolescentes contém piadas pornográficas ou fazem referência a sexo. As propagandas, tanto impressas quanto as veiculadas na TV, se utilizam fartamente do recurso de exibição dos corpos femininos com forte apelo erótico. Propagandas de cervejas, de carros, de calçados, dentre tantas outras, remetem a idéia de um corpo para o consumo, que pode ser acionado para o deleite de fantasias sexuais, especialmente as masculinas.23 Como é possível perceber, o corpo erotizado é constantemente colocado em discurso através de diferentes artefatos culturais, produzindo assim o que chamamos de pedagogias da sexualidade.24
Um dos artefatos mais importantes na atualidade que tem ampliado significativamente seu campo de ação no que tange a espetacularização da sexualidade é a música. Enquanto artefatos culturais, as músicas estão a nos dizer uma série de coisas, indicando-nos modos de ser e sentir, constituindo-nos como sujeitos. Elas expressam concepções de mundo de uma época, de uma determinada cultura.25 Elas evidenciam, entre outras coisas, formas de representar homens e mulheres e suas relações afetivo-sexuais. Dessa forma, a música sempre educa e produz conhecimentos. Recentemente, as músicas de estilo funk ganharam destaque nacional, acionando um repertório repleto de referências explícitas ao exercício da sexualidade. Não quero dizer com isso que esse estilo musical tenha inaugurado o tema, pois as músicas, nos seus mais variados estilos e épocas sempre se reportam, de um modo ou de outro, a temas em torno da sexualidade, algumas de forma mais sutil, outras de forma explícita. Não pretendo aqui discutir a questão do ponto de vista moral, mas trazer algumas reflexões acerca das representações de gênero e sexualidade que essas músicas, bem como outros artefatos culturais acionam. Em recente trabalho apresentado por Fernanda Lazzaron – No mundo das "tchuchucas" e "glamurosas": representações de gênero e sexualidade no funk26  foram analisadas quinze músicas desse estilo musical, que vem se constituindo como um dos artefatos culturais mais importantes dos grandes centros urbanos no cenário brasileiro na atualidade. Tais músicas, amplamente veiculadas nas rádios, nos bailes e na TV, fazem muito sucesso entre jovens (e também entre as crianças)27, de modo que na escola, nos momentos de recreio, é comum vermos grupos de meninas dançando as coreografias dessas músicas.28
No caso do funk, as letras se caracterizam pela referência explícita a práticas sexuais, sem rodeios ou sutilezas, remetendo a um mero exercício sexual, onde os órgãos genitais são mencionados, atos sexuais em suas mais variadas formas são proclamados, acompanhadas de coreografias sensuais, que remetem à exibição dos corpos femininos. Trata-se de uma sexualidade explícita, sem pudores, nem rodeios. O amor e a paixão, temas tão recorrentes nas canções de décadas passadas (não significa que hoje as músicas não se refiram a esse tema), cedem lugar ou pelo menos parecem disputar espaço com músicas que proclamam práticas sexuais. Essas músicas, associadas a outras produções da cultura visual29, talvez possam acender um interessante debate sobre os limites do que pode ou não ser considerado hoje como erotismo, pornografia e obscenidade.30
Outro exemplo no campo da música, e que remete àquilo que venho chamando de pedofilização, pode ser encontrado na música do grupo porto alegrense Bidê ou Balde, intitulada E Porque Não?.31 A letra diz o seguinte:
Eu estou amando
A minha menina
E como eu adoro
Suas pernas fininhas
Eu estou cantando
Pra minha menina
Pra ver se eu convenço
Ela entrar na minha
E por que não?
Teu sangue é igual ao meu
Teu nome fui eu quem deu
Te conheço desde que nasceu
E por que não?
Eu estou adorando
Ver a minha menina
Com algumas colegas
Dela da escolinha
Eu estou apaixonado
Pela minha menina
Ouve o jeito que ela fala
Olha o jeito que ela caminha.
E por que não?
Teu sangue é igual ao meu
Teu nome fui eu quem deu
Te conheço desde que nasceu
E por que não?
Embora os autores da música tenham negado se tratar de uma exaltação ao incesto, uma das formas de pedofilia, levantando a discussão do que pode ou não ser considerado arte e quais os seus limites, é inevitável pensarmos no quanto essa letra produz um conhecimento, bem como a possibilidade desse corpo infantil – da menininha – ser representando como desejável. O incesto, bem como outras formas de pedofilia, remetem à problematização das relações desiguais de poder entre adultos e crianças. Mesmo que, ao serem tocadas (e nem sempre o são de forma violenta), as crianças sintam prazer, elas não têm escolha diante do adulto – pai, tio, avô, mãe – que a coloca numa posição de subordinação, mesmo que utilize palavras carinhosas, mesmo que diga o quanto as amam e isso que estão fazendo é para o bem delas, como costumam referir.
Outro ponto interessante refere-se à estreita relação entre pedofilização e consumo, uma vez que nos contextos atuais, as crianças têm sido descobertas como consumidoras exigentes, ao mesmo tempo em que se transformam em objetos a serem consumidos, desejados, admirados. É possível observar a grande quantidade de programas de TV que investem cada vez mais em quadros específicos para crianças, onde elas são entrevistadas, cantam, dançam, representam, inspiradas/os quase sempre em astros nacionais e internacionais. As meninas, especialmente, procuram imitar mulheres adultas muito sensuais e, por vezes, os próprios apresentadores do programa se dirigem a elas de modo erotizado, mesmo sendo crianças.
Outra importante dimensão do conceito de pedofilização pode ser encontrada em revistas dirigidas ao público masculino heterossexual, na medida em que as jovens e belas modelos, que aparecem em muitos dos ensaios sensuais e pornográficos veiculados por essas revistas, utilizam-se de elementos do mundo infantil, como bichinhos de pelúcia, roupas de colegial, etc. A própria aparência das modelos (mesmo sendo maiores de idade), remete-nos às feições de meninas pré-adolescentes, associada a essa mistura de ingenuidade e sedução.32 Nesse movimento, temos, portanto, o consumo dos corpos infantis por um lado, por outro, imagens de mulheres adultas vestidas e posicionadas como menininhas. O que se pode problematizar diante dessas questões, certamente, é um complexo emaranhado discursivo no qual as crianças e os significados da infância se encontram atualmente.
Um aspecto interessante nesse processo é discutir a construção das masculinidades heterossexuais articulando-as ao conceito de pedofilização, visto que há um discurso muito corrente em torno da idéia de que os homens possuem uma sexualidade mais "animalesca", incontrolável, de certa forma insaciável, como mencionei anteriormente. Tal concepção é muito presente nos casos de estupro, em que o agressor afirma ter sido provocado pela vítima, em função das roupas que ela usava ou de como se comportava. O historiador Georges Vigarello33 já mostrava o quanto esse argumento era comumente utilizado pelo agressor, mesmo que a vítima tivesse apenas cinco anos de idade.
Poderíamos, então, nos perguntar de que modo estamos construindo esse olhar masculino em torno das menininhas, colocadas como objeto de sedução?34 Ao disponibilizarmos determinadas imagens das menininhas não estamos construindo apenas um modo de representá-las direcionadas somente para os homens, mas também para as próprias meninas e adolescentes, que vão sendo subjetivadas por essas pedagogias da sexualidade. Elas aprendem que para serem desejadas, amadas, valorizadas, precisam se comportar de determinada forma, que o poder das mulheres está constantemente referido e atrelado à sua capacidade de sedução, que passa por um belo corpo e a utilização deste como performático.

Pensando nas pedagogias produzidas em torno da sexualidade
A partir da compreensão de que a educação acontece numa variedade de locais sociais, além do espaço escolar, e que as pedagogias culturais produzem conhecimentos e ensinam modos de ser e estar no mundo, defendo a importância de ampliarmos tal discussão no âmbito da escola (especialmente na formação de professores/as), bem como em várias áreas do conhecimento que, de uma forma ou de outra, se deparam com questões em torno da sexualidade e das relações de gênero, pois estas são compostas de relações de poder. Crianças, adolescentes, jovens e adultos podem ser desafiados a pensar nas formas como os sujeitos estão sendo produzidos, como suas identidades, inclusive as sexuais, vão se constituindo a partir de diferentes discursos.35
O conceito de pedofilização, por sua vez, nos permite explorar de maneira investigativa a curiosa contradição que se tem estabelecido em nossa cultura, a saber: as campanhas de proteção à infância e combate à violência e pornografia infantil estão lado a lado com imagens erotizadas das crianças, especialmente das meninas.36Caberia então perguntar de que modo as meninas são interpeladas37 por discursos que determinam o que é ser mulher na nossa cultura?
As músicas, assim como outros artefatos culturais contemporâneos, em especial a cultura visual a que temos amplo acesso, apelam para uma convocação do exercício da sexualidade, de modo que, crianças e adolescentes são cada vez mais cedo interpeladas por tais discursos. Qual educação para a sexualidade estamos produzindo? O que estamos mesmo pretendendo? Quais são os limites (nossos, das crianças, do poder público, da mídia, da arte)? Ou será que em tempos de diversidade e de borramento de fronteiras não há mais sentido nos perguntamos sobre eles?


Recebido para publicação em março de 2006, aprovado em maio de 2006.


1 FELIPE, Jane. "Cachorras", "tigrões" e outros bichos: problematizando gênero e sexualidade no contexto escolar. Revista Fazendo Escola, vol. 2, Secretaria de Educação de Alvorada/RS, 2003, pp.26-30.         [ Links ]
2 BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Discursos, Infância e Escolarização: caminhos que se cruzam. In: SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. (org.) Cultura, Poder e Educação: um debate sobre Estudos Culturais em Educação. Canoas, Editora Ulbra, 2005, p.188.         [ Links ]
3 Id., ib., p.190. Ver também FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 16ª ed. Rio de Janeiro, Graal, 2005;         [ Links ]e WEEKS, Jeffrey. O Corpo e a Sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org). O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. 2ª ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.         [ Links ]
4 FELIPE, Jane e GUIZZO, Bianca Salazar. Discutindo a "pedofilização" da sociedade e o consumo dos corpos infantis. Anais do XIV Congresso de Leitura do Brasil. Campinas, Editora da Unicamp, 2003 (CD-ROM);         [ Links ]GUERRA, Judite. "Dos segredos sagrados": gênero e sexualidade no contexto de uma escola infantil. Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, UFRGS, 2005.         [ Links ]
5 BUJES, M. I. E. Infâncias e Maquinarias. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.         [ Links ]
6 FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro, Imago, vol. 7, Obras Completas,1905.         [ Links ]
7 VIGARELLO, Georges. História do estupro: violência sexual nos século XVI-XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1998;         [ Links ]DE MAUSE, Lloyd. Historia de la infância. Madrid, Alianza Universidad, 1991;         [ Links ]Ariès, Phillippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.         [ Links ]
8 AZAMBUJA, Mariana Porto Ruwer de. Violência doméstica contra crianças: uma questão de gênero? In: STREY, Marlene Neves; AZAMBUJA, M. P. R.; JAEGER, Fernanda Pires. (orgs.) Violência, Gênero e Políticas Públicas. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2004, pp.260-1.         [ Links ]
9 Usarei sempre a expressão violência/abuso sexual e não simplesmente abuso sexual, posto que a palavraabuso supõe que, em alguma medida, é possível fazer uso de alguma coisa. Como no caso do álcool, que tem seu uso permitido, mas se o sujeito abusa, é porque extrapolou de sua cota, passando dos limites aceitáveis para o convívio social. No caso do termo corrente "abuso sexual", me causa um certo desconforto, pois ele dá a impressão de que algum uso desse corpo infantil é aceitável, permitido. Portanto, utilizarei sempre a expressãoviolência/abuso sexual para enfatizar o primeiro termo, ou seja, abuso remete à violência, mesmo que tenha sido praticado de forma sedutora. O que está em jogo aqui, fundamentalmente é a desigualdade de poder entre adultos e crianças.
10 Segundo o Guia Escolar para identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes(2004), a primeira organização no mundo dedicada a combater maus-tratos na infância foi a New Society for the Prevention of Cruelty to Children – NYSPCC (Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Crianças de Nova York), criada em 1894. Já a primeira organização internacional dedicada a combater e prevenir os maus-tratos na infância: a International Society for the Prevention of Child Abuse and Neglect – ISPCAN (Sociedade Internacional para a Prevenção de Abusos e Abandono de Crianças) foi criada em 1977. No Brasil, a primeira agência que surgiu com essa finalidade foi provavelmente o Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância – CRAMI, de Campinas, SP, em 1985. Em 1988 surgiram outras agências no ABC Paulista e São José do Rio Preto. Nesse mesmo ano foi criada a ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência.
11 Ver os seguintes documentos: ABRAPIA. Maus tratos contra crianças e adolescentes – proteção e prevenção: guia de orientação para educadores. Petrópolis, Autores & Agentes & Associados, 1997;         [ Links ]ABRAPIA.Maus tratos contra crianças e adolescentes – proteção e prevenção: guia de orientação para profissionais de saúde. 2ª ed. Petrópolis, Autores & Agentes & Associados, 2002;         [ Links ]BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SECRETARIA DE ESTADO DE DIREITOS HUMANOS/DEPARTAMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.Plano Nacional de Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Brasília, MJ/SEDH/DCA, 2001.         [ Links ]SANTOS, Benedito Rodrigues; NEUMANN, Marcelo; IPPOLITO, Rita. Guia Escolar: Métodos para Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 2ª ed. Brasília, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Ministério da Educação, 2004.         [ Links ]De acordo com este documento,há duas facetas da violência sexual que se inter-relacionam, que precisam ser entendidas em suas especificidades: o abuso e a exploração sexual. O Abuso sexual pode ser caracterizado como ato ou jogo sexual em que o adulto submete a criança ou o adolescente para se estimular ou satisfazer-se sexualmente, impondo-se pela força física, pela ameaça ou pela sedução, com palavras ou com oferta de presentes. Já a exploração sexual compreende o abuso sexual praticado por adultos e a remuneração em espécie ao menino ou menina e a uma terceira pessoa ou várias. A criança é tratada como objeto sexual e mercadoria. Em ambas as situações fica evidente a relação desigual de poder que se estabelece entre adultos e crianças/adolescentes.
12 Só em 2000 é que o censo do IBGE incluiu essa faixa etária nos indicadores de fecundidade. Antes não havia, portanto, dados disponíveis sobre fecundidade entre meninas de 10 a 14 anos. Cabe ainda ressaltar que grande parte da bibliografia sobre gravidez na adolescência prioriza a faixa de 15 a 19 anos. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS/SVS/DASIS – Sistema de Informações sobre nascidos vivos – SINASC), no ano de 2003 nasceram no Brasil 27.239 crianças de mães entre 10 e 14 anos. Para uma análise mais abrangente da questão, ver também pesquisa da ECOS. Ecos. Gravidez na adolescência entre 10-14 anos e vulnerabilidade social – estudo exploratório em cinco capitais brasileiras. 2004. www.ecos.org.br/download/pesquisa gravidez na adolescência.         [ Links ]
13 BERQUÓ, Elza e CAVENAGUI, Suzana. Sobre o rejuvenescimento da fecundidade no Brasil. Mimeo, 2003.
14 Para um maior aprofundamento dessa questão em torno da glorificação da maternidade ver BURMAN, Erica.La desconstrucción de la psicología evolutiva. Madrid, Visor, 1999         [ Links ]e MEYER, Dagmar. As mamas como instituintes da maternidade – uma história do passado? Educação & Realidade, vol. 25, nº 2, jul/dez 2000, pp.117-134 [         [ Links ]s.n.t.]. MEYER, Dagmar. Gênero e Educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre. Corpo, Gênero e Sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 2ª ed. Petrópolis, Vozes, 2005.         [ Links ]
15 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul/dez 1995, pp.71-99;         [ Links ]LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, Vozes, 1997         [ Links ]e Pedagogias da Sexualidade. In: LOURO, G. L. (org.) O Corpo Educado... Op. cit.
16 Dados divulgados pela Telefono Arcobaleno, associação italiana para a defesa da infância, que trabalha com informações do FBI, da Interpol e de polícias de vários países. Em seu balanço anual de 2003, a Associação catalogou 17.016 endereços na Internet veiculando pornografia infantil, dos quais 1.210 eram brasileiros (ver reportagem da Revista Isto É, "Pedofilia prolifera pela Internet e transforma o Brasil no quarto país do ranking mundial da pornografia infantil", de 24/10/04). Segundo estatísticas da Associação contra Pornografia Infantil de São Paulo, divulgadas na III Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrida em Porto Alegre (2005), há alguns traços comuns do sujeito pedófilo, a saber: 90% é casado, 70% possui acima de 35 anos, 75% não tem antecedentes criminais, 30% são pai, tio ou avô da vítima. Em geral, eles não costumam reconhecer o crime que cometeram e muitos deles possuem nível sócio econômico médio e alto, a maioria exercendo atividades profissionais próximas às crianças.
17 Segundo informações divulgadas na III Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (2005), ao apreender o computador na casa de um abusador, mesmo só tendo conseguido capturar apenas 40% das informações contidas no referido aparelho, o FBI encontrou pelo menos 1267 crianças diferentes catalogadas, 758 horas de imagens e 1866 horas de violência/abuso sexual.
18 Em 2004 o referido Programa passou para Serviço de Ação Continuada, o que lhe garante a possibilidade de continuar existindo, já que o Programa tem um tempo determinado, podendo ser interrompido. Depois disso houve uma significativa expansão do Serviço em todos os estados brasileiros. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o número de municípios com o Sentinela passou de 5, no mês de agosto, para 44 em setembro de 2005. Em todo o país, no mesmo período, eram 314 municípios com Sentinela, passando para 849 no mês de setembro. Atualmente são 1163 municípios brasileiros com Sentinela. Para ter esse Serviço, é preciso que os municípios tenham um alto índice de abuso sexual contra crianças e adolescentes, bem como Conselhos Tutelares em funcionamento e uma matriz intersetorial de enfrentamento à exploração sexual.
19 Para um maior detalhamento, ver Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas–– Coord. Organiz. Mund. da Saúde; trad. Dorgival Caetano –, Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.         [ Links ]Ver ainda http://www.virtualpsy.locaweb.com.br/index2
20 LANDINI, Tatiana. Pornografia Infantil na Internet: proliferação e visibilidade. Dissertação de Mestrado em Sociologia, USP, 2000.         [ Links ]
21 BUJES, M. I. E. Discursos, Infância e Escolarização... Op. cit., p.186.
22 FELIPE, J. Entre tias e tiazinhas: pedagogias culturais em circulação. In: SILVA, Luiz Heron. (org.) Século XXI: qual conhecimento? Qual currículo? Petrópolis, Vozes, 1999         [ Links ]e Erotização dos corpos infantis. In: LOURO, G.; FELIPE, J.; GOELLNER, S. (orgs.) Corpo, gênero e sexualidade... Op. cit.; STEINBERG, Shirley. Kindercultura: a construção da infância pelas grandes corporações. In: SILVA, Luiz Heron et aliiIdentidade social e a construção do conhecimento. Porto Alegre, PMPA, 1997;         [ Links ]STEINBERG, Shirley e KINCHELOE, Joe. (org.) Cultura infantil: a construção corporativa da infância. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001;         [ Links ]WALKERDINE, Valerie. A cultura popular e a erotização das garotinhas. Educação & Realidade, 24 (2), jul/dez 1999.         [ Links ]
23 Ver Folha OnLine, 10/09/04 e reportagem da revista Veja, edição 1871 de 15/09/04. Interessante observar que até mesmo nas campanhas oficiais de governo, o tema da erotização dos corpos se faz presente. Recentemente uma peça publicitária para a campanha do agasalho do governo do Estado do Rio Grande do Sul, veiculada nas rádios e TVs, incentivava as pessoas a fazerem uma espécie de strip-tease. A idéia era a seguinte: você tira sua roupa e doa para a campanha do agasalho.
24 LOURO, G. L. Gênero, Sexualidade e Educação... Op. cit. e Pedagogias da Sexualidade. Op. cit.
25 FELIPE, J. "Cachorras", "tigrões" e outros bichos... Op. cit.
26 LAZZARON, Fernanda. No mundo das "tchuchucas" e "glamurosas": representações de gênero e sexualidade no funk. Salão de Iniciação Científica, Livro de Resumos, Porto Alegre, UFRGS/PROPESQ, 2005.         [ Links ]
27 Segundo um radialista entrevistado, o público que mais pede as músicas está na faixa etária dos 10 aos 20 anos.
28 WENETZ, Ileana. Gênero e sexualidade nas brincadeiras do recreio. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Ciências do Desenvolvimento Humano, ESEF/UFRGS, 2005.         [ Links ]
29 Segundo a pesquisadora Susana Vieira da Cunha, "a cultura visual se preocupa em como as imagens são produzidas, distribuídas e utilizadas socialmente, como uma prática cultural que produz e negocia significados". CUNHA, Susana Vieira da. Apontamentos sobre a cultura visual. Anais do 19 Seminário Nacional de Arte e Educação: a poética da docência, Montenegro/RS, vol. 1, 2005, p.2.         [ Links ]Ver também KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, Vozes, 1995;         [ Links ]HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 2000.         [ Links ]
30 ABREU, Nuno. O olhar pornô. A representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas-SP, Mercado das Letras, 1996;         [ Links ]WINCLER, Carlos Roberto. Pornografia e sexualidade no Brasil. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983;         [ Links ]MORAES, Eliane Robert e LAPEIZ, Sandra Maria. O que é pornografia. São Paulo, Brasiliense, 1985;         [ Links ]BRANCO, Lucia Castelo. O que é erotismo. São Paulo, Brasiliense, 1987;         [ Links ]HUNT, Lynn. (org.) A invenção da pornografia. Obscenidade e as origens da modernidade. 1500-1800. São Paulo, Hedra, 1999;         [ Links ]CÂMARA, Adriane Peixoto. Masculinidade heterossexual e pedofilização: o universo infantil como recurso erótico em revistas masculinas. Proposta de Dissertação de Mestrado, Porto Alegre, UFRGS-Faculdade de Educação, 2006.         [ Links ]
31 A música foi duramente criticada por incentivar o incesto, a pedofilia, fazendo com que os autores da música mudassem a letra para "Teu sangue não é igual ao meu, o teu nome não fui eu quem deu". (grifos meus)
32 Ver PEIXOTO, A. C. Masculinidade heterossexual e pedofilização... Op. cit.
33 VIGARELLO, G. História do estupro... Op. cit.
34 WALKERDINE, V. A cultura popular e a erotização das garotinhas. Op. cit.; FELIPE, J. "Pedofilização" como prática social contemporânea: uma análise cultural a partir dos Estudos de Gênero. Porto Alegre, UFRGS, Projeto de Pesquisa, 2005.         [ Links ]
35 FELIPE, J. Entre tias e tiazinhas... Op. cit.
36 FELIPE, J. e GUIZZO, B. S. Entre batons, esmaltes e fantasias. In: Meyer, D. e Soares, Rosângela. (orgs.)Corpo, Gênero e Sexualidade. Porto Alegre, Mediação, 2004;         [ Links ]FELIPE, J. Erotização dos corpos infantis. In: LOURO, G.L. et alii (orgs.) Corpo, gênero e sexualidade... Op. cit. e Violência sexual contra crianças: uma análise cultural na perspectiva de gênero. Porto Alegre, UFRGS, Projeto de Pesquisa, 2006.         [ Links ]
37 WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.) Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, Vozes, 2000.
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