terça-feira, 25 de novembro de 2014

Prescrição previdenciária contra menor relativamente incapaz



Em se tratando de prescrição contra menor, a lei previdenciária é expressa ao determinar que ela não corre, remetendo ao Código Civil as regras de regência da matéria. Mas a mesma lei previdenciária não esclarece a qual menor ela se refere, se a qualquer menor ou apenas ao menor de 16 anos.

INTRODUÇÃO

A prescrição, conceituada como a perda do direito de ação em razão de sua imobilidade em um determinado espaço de tempo estabelecido por lei, fulmina o direito da parte interessada a perseguir judicialmente sua pretensão. Sua aplicação decorre da necessidade de assegurar o mínimo de segurança jurídica nas relações, de modo que elas não fiquem indefinidamente instáveis, com possibilidade de serem questionadas a qualquer tempo; ressalvas aquelas que, em razão de sua natureza e magnitude, são consideradas imprescritíveis.
A prescrição ocorre entre um termo inicial e um final, cuja extrapolação remete à perda do direito de ação. O Art. 205 do Código Civil[1] prevê o prazo máximo para a prescrição, que é de 10 anos, caso a lei específica não o reduza.
Em sede previdenciária, o prazo previsto foge a essa regra geral, pois foi reduzido e possui características próprias, conforme veremos adiante.
Com o advento da Lei nº 11.280, de 2006, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil, a prescrição passou a ser ônus de pronunciamento de ofício pelo próprio magistrado[2], sendo que anteriormente o juízo deveria ser provocado para sua análise.
Essas regras de prescrição, em se tratando de direito previdenciário, possuem aplicação distinta quando envolvidos interesses de menores. Mas a questão que se discute é: e em relação aos ‘menores relativamente incapazes’ corre a prescrição? Qual o termo inicial de contagem do prazo prescricional contra menores? É o que passaremos a analisar.

1. A REGRA DA PRESCRIÇÃO CONTRA MENORES NA SEARA PREVIDENCIÁRIA

A regra geral é de que o prazo prescricional em sede previdenciária é de 5 anos, conforme Art. 103, parágrafo único da Lei 8.213/91:
 Art. 103. (omissis)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.
No âmbito previdenciário, em razão do caráter alimentar da prestação, seu tratamento é diferenciado, ocorrendo a prescrição apenas das prestações que vão se vencendo ao longo do tempo, e não do direito de ação de reclamar o principal, eis que as parcelas vão se vencendo mês a mês, pois se tratam de obrigações de trato sucessivo.
Importa registrar, que ainda se discute a ‘prescrição do fundo do direito’ em sede previdenciária, ocasião em que a prescrição fulmina todo o direito de ação. Mas essa tese é de aceitação minoritária em nossos tribunais quando se trata de direito previdenciário, ao fundamento da necessidade de observância do caráter alimentar da prestação, que possui obrigação de trato sucessivo[3].
Conforme observado acima, a lei previdenciária, seguindo a previsão civilista, afastou a aplicação da prescrição contra os menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil, de modo que está no Código Civil a definição dessas categorias que possuem o direito de não ver contra elas a fluência do prazo prescricional. Havendo alteração de seus conceitos ou parâmetros no Código Civil, implicação imediata terá a norma na seara previdenciária, neste particular.
Por fim, registre-se a discussão que existe no tocante à fixação da data dos efeitos financeiros dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão, em que figura como interessado beneficiário menor. O Art. 74 da Lei 8.213/91[4], aplicado também aos casos de auxílio-reclusão[5] determina que, se o benefício for requerido mais de 30 dias após o óbito (no caso de pensão por morte) ou após a prisão (no caso de auxílio-reclusão), é na data do requerimento que se fixa o início do benefício. O entendimento majoritário é de que, nesse caso, se trata de regra de prescrição e, portanto, havendo menor, independentemente da data do requerimento do benefício, os efeitos sempre serão fixados desde o óbito ou do recolhimento à prisão, conforme o caso.


Mas a qual menor a lei se refere? A todos ou apenas ao absolutamente incapaz? É o que passamos a considerar.

2. O TERMO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL NO TOCANTE AO RELATIVAMENTE INCAPAZ

Além da ressalva feita na parte final do Art. 103 da Lei nº 8.213/91, o art. 79 do mesmo diploma legal, ao tratar do benefício de pensão morte – cujas regras se aplicam também ao auxílio-reclusão - assim preconiza:
“Art. 79. Não se aplica o disposto no artigo 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei.”
Porém, como ocorreu na análise do Art. 103 da Lei nº 8.213/91, esse dispositivo também não esclarece contra qual menor a prescrição não corre, de modo que quando a lei não esclarece, cabe ao intérprete fazê-lo de acordo com as regras de hermenêutica. Coube à doutrina e à jurisprudência, portanto, analisarem a fixação o dies a quo, ou seja, a data de início de contagem do prazo prescricional, quando envolvido interesse de menores na seara previdenciária.          
Da leitura do Código Civil, ao qual se remete diretamente o Art. 103 e indiretamente o Art. 79 da Lei 8.213/91, conclui-se que não corre a prescrição contra menores de 16 anos, o que, interpretado a contrario sensu, não deixa outra possibilidade senão concluir-se que a partir dessa idade a prescrição já corre.
Vejamos o que preconiza o Art. 198 do Código Civil:
“Art. 198. Também não corre a prescrição:
 I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;”
Já o art. 3º, I, ao qual se remete o art. 198 do Código Civil, por sua vez, preconiza:
“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
 I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”
Portanto, não há dúvidas de que até a data em que completar 16 anos de idade não corre a prescrição em desfavor do menor absolutamente incapaz. Todavia, no dia em que o menor, agora relativamente incapaz, completar 16 anos de idade (dies a quo), o prazo prescricional começa a correr contra si e, em se tratando de prescrição das parcelas, e não do direito de ação, eis que como vimos afasta-se a prescrição do fundo de direito no campo previdenciário, a prescrição vai atingindo, mês a mês, as prestações sucessivas vencidas anteriormente ao quinquênio contado a partir da data de propositura da ação em que se persegue o reconhecimento do direito.
Nesse sentido é o entendimento do mestre Yussef Said Cahali, em sua obra Prescrição e Decadência, Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 3ª tiragem, página 312:
“57.18 Beneficiário menor e indivisibilidade do benefício:
O prazo prescricional de cinco anos, relativamente a pensionista menor, começa a fluir somente do dia em que completar dezesseis anos[6].”
Em arremate, temos que a jurisprudência ratifica essa conclusão:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PENSÃO POR MORTE. DIREITO INTERTEMPORAL. LEI COMPLEMENTAR N. 11/71. COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
[….]
VI - Em relação ao termo inicial do benefício, há que se manter a r. sentença recorrida, que o firmou a contar da data do óbito, ressalvando-se, entretanto, a prescrição quinquenal, cuja aplicação far-se-á  mediante a retroação de cinco anos da data do pedido judicial (de 24.06.2005 a 24.06.2000). Cumpre destacar que embora os filhos fossem menores à época do falecimento de seu pai, é certo que nenhum proveito financeiro irão auferir, em face da incidência da prescrição sobre a totalidade das prestações vencidas, haja vista o transcurso de período superior a cinco anos entre a data em que os autores completaram 21 anos de idade (o filho mais novo completou 21 anos em 02.07.1997) e a data do ajuizamento da ação (24.06.2005), a teor do artigo 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios da Previdência Social.
[….]”
(TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO, Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1167499, Processo: 200703990009882 UF: MS Órgão Julgador: DÉCIMA, TURMA, Data da decisão: 25/11/2008, Documento: TRF300203949, Relatora JUIZA GISELLE FRANÇA)
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS". TERMO INICIAL. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
[….]
V - O Código Civil de 2002, diploma legal em vigor à época dos fatos, estabelece em seu art. 198, I, que a prescrição não corria contra os incapazes de que trata o art. 3º e este, por sua vez, no inciso I, dispõe que os menores de 16 anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Portanto, da leitura dos aludidos preceitos, depreende-se que a contagem da prescrição tem início a contar do momento em que o titular do direito completa 16 anos de idade.
VI - No caso de autos, o co-autor Marcello Sevciuc da Silva contava com mais de 16 anos quando o segurado instituidor faleceu, de modo a correr a prescrição contra ele, razão pela qual o termo inicial deve ser fixado a contar da data da citação. Entretanto, no tocante aos co-autores Jonas Sevciuc da Silva e Noemi Sevciuc da Silva, estes tinham menos de 16 anos de idade por ocasião do óbito, não se sujeitando, assim à incidência da prescrição, de modo que o início de fruição do benefício deve ser a data do falecimento.
[….]
(TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO, Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1188551, Processo: 200461040115740 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA, Data da decisão: 23/09/2008, Documento: TRF300189405, relator JUIZ SERGIO NASCIMENTO)

3. CONCLUSÃO

A prescrição aplicada no campo previdenciário é quinquenal, porém, apenas no que diz respeito às parcelas vencidas, eis que, por se tratar de verbas de natureza alimentar cuja obrigação é de trato sucessivo, não se aplica a prescrição do fundo do direito.
Em se tratando de prescrição contra menor, a lei previdenciária é expressa ao determinar que ela não corre, remetendo ao Código Civil as regras de regência da matéria. Mas a mesma lei previdenciária não esclarece a qual menor ela se refere, se a qualquer menor, ou se a apenas ao menor de 16 anos.
A solução vem do próprio Código Civil, eis que, conforme conjugação de seus Arts. 198, I e 3º, I, a prescrição não corre contra os menores de 16 anos, sendo, portanto, consequência natural se concluir a contrario sensu que ela corre a partir do dia em que o menor completar 16 anos, sendo esse o entendimento remansoso da jurisprudência.

4. REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 20. ed. rev. aum. SP: Saraiva 2003.
ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. Lúmen Júris. Rio de Janeiro: 2008

NOTAS

[1] CC. Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
[2] CPC. Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
[3] TRF-5 - Apelação Cível AC 433549 PB 2007.05.00.097913-0; STJ, ERESP - 444676/PI; TNU - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL PEDILEF 200871510033511.
[4] Lei 8213/91 Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
[5] Lei 8213/91. Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
[6] TJRS, 1ª CC, 4.3.98, RJTJRS 188/165; 7ª CC, 18.6.97. RJTJRS 187/381.
  • Procurador Federal, pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE e especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília – UnB.


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