terça-feira, 25 de novembro de 2014

União estável como determinante de estado civil

Demonstra-se a necessidade de a união estável determinar estado civil, sob pena de se tornar fonte de desentendimentos e litígios, apontando possíveis soluções, como a indicação pela norma de livro para registro obrigatório.
Resumo: A união estável é considerada entidade familiar desde 1988 com a promulgação da Constituição Federal, devido a isso ela se igualou em importância e proteção jurídica à família. Contudo, sua normatização pelo legislador infraconstitucional foi deficiente, porquanto não previu sua aptidão para determinar estado civil, trazendo, assim, insegurança aos companheiros e contrassenso normativo. Dessa forma, busca-se demonstrar a necessidade de se colmatar esse vácuo legislativo, sob pena, até mesmo, de tornar a união estável fonte de desentendimentos e litígios, apontando possíveis soluções, como a indicação pela norma de livro para registro da união estável, bem como tornar esse registro obrigatório.
Palavras-chave: união estável. estado civil. ordenamento jurídico. lacuna. segurança jurídica.
Sumário: Introdução; II – Conceito e Características da União Estável; III – Formalização da União Estável; IV – Conversão da União Estável em Casamento; V – Por que a União Estável Deve Determinar Estado Civil; VI – Inclusão da União Estável entre os Estados Civis; Conclusão; Bibliografia.

INTRODUÇÃO

A sociedade está em constante evolução, surgindo diferentes formas de se relacionar, seja profissionalmente, economicamente, socialmente, seja afetivamente.
Dentro desse contexto, surgiu relação afetiva, consubstanciada na relação entre duas pessoas, de forma contínua, pública e duradoura, com o fito de constituir família, a qual se convencionou chamar “união estável”.
Ela surge para atender ao anseio social de ter protegida relação que, inobstante não ser levada a registro em cartório, possui todos os pré-requisitos para tanto.
De fato, não seria justo, razoável nem democrático, deixar tal relação sem qualquer proteção legal, ou pior, à margem de qualquer benefício típico de união marital, tão somente pelo fato de não ter sido registrada em cartório.
Então, a criação e normatização de instituto que atendesse aos casais que possuíam vinculo afetivo sólido, às vezes com prole, mas não eram unidos em matrimônio, tornou-se imperioso, sob pena de marginalizar relação que propiciava felicidade, amor, carinho, frutos, como qualquer casamento.
Além disso, a união entre pessoas com o fito de constituir família, mas sem unir em matrimônio, crescia a passos largos, tornando-se, em pouco tempo, algo comum.
E isso não se restringia à parcela jovem da população, mas havia, como ainda há, pessoas de idade, com anos de companheirismo, amor e afeto, que jamais se casaram, e aquelas que, depois de longo casamento, divorciavam ou ficavam viúvos, e depois se uniam com outra pessoa, sem formalizar no cartório a relação.
Diante disso, ficava claro o vácuo legislativo antes do advento da Constituição Federal de 1988, que previu o novo instituto, realçando a importância deste para a sociedade.
A união estável foi regulamentada pela Lei 8.971/94, e, posteriormente, pela Lei 9.278/96.
Não obstante, o ordenamento jurídico brasileiro foi muito tímido na regulamentação da união estável, sobretudo ante a justificativa de que se tratava de união de fato, e não jurídica, logo, carecedora de certas “regalias” jurídicas, sendo de importância para esta pesquisa, o fato da união estável não determinar estado civil, como ocorre com os estados civis de solteiro, casado, separado judicialmente, divorciado e viúvo.
Assim, esta pesquisa objetiva demonstrar o vácuo legislativo no que tange à determinação, pela união estável, de estado civil, trazendo, com isso, até mesmo contrassenso legislativo.
O estudo ganha importância ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de explicar por que a desconsideração da união estável como modificadora de estado civil pode facilitar a burla à legislação.
Parte-se da hipótese que o atual ordenamento jurídico, ao desconsiderar a união estável como determinante de estado civil, promove a má-fé e o ardil.
A discussão se revela pertinente quando se tem em tela instituto que promove a coesão social, ninho de sentimentos salutares, fator de progresso para o país, todavia, acometido de deficiência legal que pode minar todo o instituto.

Por fim, buscar-se-á descrever procedimento para incluir a união estável entre os estados civis existentes, a fim de afastar eventuais consequências negativas de assim não o fazer.

II – CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA UNIÃO ESTÁVEL

A união estável encontra-se prevista nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil de 2002, tendo o referido artigo 1.723 definido a união estável como a união entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
A doutrina não se ocupa de conceituar união estável, até mesmo porque a lei, desta vez, já o fez, mas descreve elementos que devem estar presentes para que haja lídima união estável.
Maria Helena Diniz entende que os elementos identificadores seriam:
“a) diversidade de sexo; b) ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os conviventes; c) notoriedade das afeições recíprocas; d) honorabilidade, reclamando união em que haja respeito mútuo; e) fidelidade entre os parceiros; f) coabitação; g) participação da mulher no sustento do lar” (DINIZ, 2002, p. 322/329).
Já o professor Sílvio de Salvo Venosa identifica cinco elementos constitutivos da União Estável, são eles:
“a) estabilidade da união; b) continuidade da relação; c) diversidade de sexos, posto que necessário o intuito de gerar prole; d) publicidade da convivência; e) objetivo de constituição de família” (VENOSA, 2006, p. 42/45).
Os elementos caracterizadores da União Estável não podem desbordar daqueles previstos na lei, pois, se a lei não exige, não cabe ao intérprete assim o fazer.
Dessa forma, data máxima vênia, a professora Maria Helena Diniz peca ao listar elementos que não se encontram previstos na lei, nem mesmo mediante grande esforço interpretativo, quais sejam: coabitação e participação da mulher no sustento do lar, pois, em assim sendo, estar-se-ia diante de verdadeiro casamento, e não de união estável, que, por sua própria essência, demanda menos requisitos que a união matrimonial.
A linha que diferencia união estável de mero namoro, do concubinato e do casamento às vezes é bem tênue.
O namoro seria relação menos séria, no sentido de que os envolvidos possuem pontos de afinidade, isto é, um faz bem ao outro, às vezes envolve relações sexuais, até mesmo ajuda financeira recíproca, mas não possui elemento indispensável para caracterizar união estável, o objetivo de constituir família. Seria algo parecido com casal que não tem planos para muito além do agora.
O concubinato chega ao extremo de ter quase as mesmas características da união estável, exceto por um, que é exatamente o que diferencia um do outro, o impedimento matrimonial, ou seja, no concubinato há vício na relação que impede o casal de um dia, se desejar, contrair núpcias, já na união estável o casal não se casa por mera faculdade, nos termos do artigo 1.723, §1º, do Código Civil.
Nesse diapasão, segue acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que fica claro que eventual conversão da união estável em casamento não passa de mera faculdade:
“UNIÃO ESTÁVEL. PRAZO. Confessada a vida em comum, ainda que por período inferior a dois anos, não há como desqualificar-se o relacionamento pelo fato de o varão afirmar que não tinha a intenção de casar. Apelo provido. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70000908756. Relatora: Maria Berenice Dias. SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. TJRS. Porto Alegre, 10 de maio de 2000.” (DIAS, 2010).
Em relação ao casamento, listar as diferenças dele para a união estável é o que traz à tona as demais características deste instituto.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, determina que o casamento e a união estável são entidades familiares. Logo, elas têm o mesmo status e importância.
Na união estável, assim como no casamento, há dependência do companheiro em plano de saúde, direito à pensão no caso de morte, acesso à adoção, escolha do regime de bens.
É na sucessão hereditária que as diferenças entre esses institutos se evidenciam. Isso porque, ao contrário do que ocorre no casamento, na união estável o companheiro supérstite não é herdeiro necessário, logo, não concorre com os herdeiros do de cujus, nem participa como herdeiro dos bens particulares, sua participação se restringe aos bens adquiridos, onerosamente, durante a união estável.
E não é outra a posição adotada pelos nossos tribunais:
“União estável. Dissolução. Morte do companheiro. Partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum do casal durante a coabitação. Admissibilidade. Bens doados em vida pelo de cujus à companheira, que devem integrar o quinhão a ser partilhado, cabendo à mulher a metade ideal do patrimônio comum” (RT 844/291).
Além disso, o cônjuge supérstite não tem direito a ¼ da herança, concorrendo com filhos comuns, e igual cota, concorrendo com filhos comuns e exclusivos ou somente exclusivos; na união estável o cônjuge supérstite tem direito ao mesmo montante daquele destinado aos filhos comuns e metade do destinado aos filhos exclusivos, e, saliente-se, somente em relação aos bens adquiridos durante a união estável.
Por último, o casamento se dissolve com o divórcio, que pode ser judicial ou extrajudicial, enquanto a união estável basta provar, por qualquer meio de prova, o término da união.
A fim de ilustrar, segue acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“UNIÃO ESTÁVEL. DESCONSTITUIÇÃO. Tanto a constituição da união estável como sua dissolução, que se opera pelo simples rompimento da vida em comum, não estão condicionadas à chancela judicial. Não há necessidade, como ocorre no casamento, de que sua formalização e sua desconstituição ocorra pela intervenção estatal. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70001561406. Relatora: Maria Berenice Dias. SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. TJRS. Porto Alegre” (DIAS, 2010).
Não obstante as disparidades, tanto no casamento quanto na união estável é deferido ao cônjuge sobrevivente o direito de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, quando for o único daquela natureza a inventariar, nos moldes do artigo 1.831 do Código Civil.
Além disso, em ambos o casal pode mudar o sobrenome, apesar de que, em se tratando de união estável, isso somente se dá excepcionalmente.
Segue acórdão do Superior Tribunal de Justiça admitindo a inclusão do patronímico do companheiro, mesmo que os requisitos do artigo 57 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) não estejam configurados:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.206.656 - GO (2010/0141558-3). RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. RECORRENTE: ÁUREA SALVADOR DE MEDEIROS. ADVOGADO: MARCO ANTÔNIO CALDAS E OUTRO(S). RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS. EMENTA. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. ALTERAÇÃO DO ASSENTO REGISTRAL DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DO PATRONÍMICO DO COMPANHEIRO. POSSIBILIDADE.
I . Pedido de alteração do registro de nascimento para a adoção, pela companheira, do sobrenome de companheiro, com quem mantém união estável há mais de 30 anos.
I I .A redação do o art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73 outorgava, nas situações de concubinato, tão somente à mulher, a possibilidade de averbação do patronímico do companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, desde que houvesse impedimento legal para o casamento, situação explicada pela indissolubilidade do casamento, então vigente.
I I I .A imprestabilidade desse dispositivo legal para balizar os pedidos de adoção de sobrenome dentro de uma união estável, situação completamente distinta daquela para qual foi destinada a referida norma, reclama a aplicação analógica das disposições específicas do Código Civil relativas à adoção de sobrenome dentro do casamento, porquanto se mostra claro o elemento de identidade entre os institutos e a parelha ratio legis relativa à união estável, com aquela que orientou o legislador na fixação, dentro do casamento, da possibilidade de acréscimo do sobrenome de um dos cônjuges, pelo outro.
IV.Assim, possível o pleito de adoção do sobrenome dentro de uma união estável, em aplicação analógica do art. 1.565, § 1º, do CC-02, devendo-se, contudo, em atenção às peculiaridades dessa relação familiar, ser feita sua prova documental, por instrumento público, com anuência do companheiro cujo nome será adotado.
V. Recurso especial provido” (STJ, 2012).
A diferença mais palpitante, por fim, pelo menos para esta pesquisa, consiste em que o casamento traz modificação no estado civil, ao ser registrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, enquanto na união estável o casal permanece como solteiro.
Em que pese o artigo 1.723 do Código Civil determinar que se trata de união entre homem e mulher, em cinco de maio de dois mil e onze, os ministros do Supremo Tribunal Federal, invocando princípios como dignidade da pessoa humana, isonomia e busca da felicidade, ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, decidiram que união homossexual também poderia constituir união estável, desde que preenchidos os demais requisitos para tanto (STF, 2011).
Assim, tanto união entre homem e mulher quanto união entre pessoas do mesmo sexo, cuja relação seja pública, contínua e duradoura, com intuito de constituir família, traduz-se em união estável para todos os efeitos legais, inclusive a possibilidade de converter em casamento, como tem ocorrido.
Aliás, recente resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, aprovada pela maioria de 14 (quatorze) contra 1 (um), no dia quatorze de maio de dois mil e treze, determina a obrigatoriedade dos cartórios de todo o país realizar não só a conversão da união estável em casamento, como o próprio casamento civil de uniões homoafetivas (G1, 2013).
Nesse sentido, leciona Luiz Guilherme Loureiro:
“Embora não tenha sido objeto da ADI, que cingiu-se à “interpretação conforme” do art. 1.723 do Código Civil, fica claro do conteúdo da decisão do STF a inexistência de obstáculos ao casamento homossexual. [...] se é possível a conversão da união estável em casamento, por imperativo lógico também é possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo” (LOUREIRO, 2012, p. 639/640).
Ainda colaciona-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA EM CASAMENTO. CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO.
1. Tendo em vista o julgamento da ADI nº 4.277 e da ADPF nº 132, resta superada a compreensão de que se revela juridicamente impossível o reconhecimento de união estável, em se tratando de duas pessoas do mesmo sexo.
2. Considerando a ampliação do conceito de entidade familiar, não há como a omissão legislativa servir de fundamento a obstar a conversão da união estável homoafetiva em casamento, na medida em que o ordenamento constitucional confere à família a “especial proteção do Estado”, assegurando, assim, que a conversão em casamento deverá ser facilitada (art. 226, § 3º, CF/88).
3. Inexistindo no ordenamento jurídico vedação expressa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, não há que se cogitar de vedação implícita, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo e livre planejamento familiar. Precedente do STJ.
4. Afirmada a possibilidade jurídica do pedido de conversão, imperiosa a desconstituição da sentença, a fim de permitir o regular processamento do feito. APELO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL N.° 70048452643. OITAVA CÂMARA CÍVEL. COMARCA DE CAXIAS DO SUL. Relator: DES. RICARDO MOREIRA LINS. COMARCA DE CAXIAS DO SUL” (TJRS,2012).

III – FORMALIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

Importante que fique claro a desnecessidade de qualquer formalidade para que a união estável reste configurada, conforme ensina o doutrinador Hélder Silveira:
“Para que seja configurada como estável, já não se exige da união duração determinada. O que importa é que tenha duração suficiente para distingui-la de um relacionamento passageiro. Não há necessidade, também, de que os conviventes morem sob o mesmo teto nem redijam qualquer documento” (SILVEIRA, 2011, p. 203).
 Contudo, é aconselhado que a união seja formalizada através de contrato ou escritura, para tornar mais fácil a prova da sua existência, fixar o prazo de início, determinar regime de bens, caso contrário a união será regida pela comunhão parcial.
Além disso, não obstante a união estável se configurar pela só existência dos elementos aludidos acima e, consequentemente, ao menos em tese, bastante para gerar todas as consequências advindas da união estável, na prática, não é bem assim, pois, na grande maioria dos casos, exige-se documento formal que comprove a união, como para colocar o outro cônjuge como beneficiário de plano de saúde, e não raro se exige que o documento seja público, isto é, lavrado pelo Tabelião de Notas.
Portanto, é importante que se tenha a união estável formalizada em documento, preferencialmente público, pois, até mesmo por razões de segurança jurídica, a mera comprovação verbal, ainda que suficiente para a lei, é insubsistente na prática.
A formalização pode se dar na forma particular ou pública. A forma particular consiste em um contrato, geralmente lavrado por advogado, com a presença de duas testemunhas, sob pena de invalidade do ato.
Já a forma pública consiste na lavratura de escritura pública por Tabelião de Notas ou Oficiais de Registro com atribuições notariais, independentemente do comparecimento de testemunhas ao ato.
Os elementos que devem constar no documento, tanto público quanto particular, são os dados de identificação dos cônjuges, a data de início da convivência estável e o regime de bens que pretendem adotar, caso seja diferente do legal, qual seja, comunhão parcial de bens.
Saliente-se que deve ser exigida Certidão de Nascimento atualizada, a fim de verificar se não há eventual impedimento para o casamento, caso contrário, não se lavrará o documento, pois estar-se-á tratando de concubinato, exceto se tratar de casamento em que o casal está separado de fato ou judicialmente.
Corroborando o exposto acima, Luiz Guilherme Loureiro aduz que:
“Além dos documentos de identidade, o notário deve exigir as certidões de nascimento para comprovar que não existem impedimentos em razão de parentesco. Vale lembrar que a pessoas casada pode celebrar contrato de união estável quando estiver separada de fato ou tiver sido extinta a sociedade conjugal pela separação judicial ou administrativa” (LOUREIRO, 2012, p. 640).
As normas de serviço dos cartórios, em sua maioria, preveem, hoje, que a Escritura de União Estável pode ser registrada no Registro de Títulos e Documentos do domicílio dos companheiros, para fins de publicidade e conservação, e não mais no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, como havia sido determinado a princípio.

    IV – CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, §3º, reconheceu a união estável como entidade familiar a merecer proteção do estado, prevendo que a lei deve facilitar sua conversão em casamento.
Na contramão do exposto, o Código Civil de 2002 previu que a conversão da união estável em casamento demandaria pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil, conforme consta no artigo 1.726.
Não obstante, as corregedorias gerais de justiça dos estados têm previsto procedimento simplificado, dispensando a intervenção do juiz, porquanto essa intervenção burocratiza e retarda a conversão, o que não se coaduna com a determinação constitucional.
Na prática, os companheiros assinam requerimento perante o Oficial de Registro Civil, desencadeando o procedimento de habilitação, que será autuado com os documentos do artigo 1.525 do Código Civil, quais sejam, memorial, atestado de duas testemunhas, Certidões de Nascimento dos companheiros e documentos de identificação, o qual, após publicação de edital de proclamas, será remitido ao Ministério Público. Estando tudo em ordem, será procedida à conversão da união estável em casamento, independentemente de celebração do casamento, da presença do juiz de paz e das testemunhas.
Exigir-se-á a intervenção do juiz de direito apenas no caso de haver impugnação de terceiros ou do Ministério Público, embora em São Paulo as Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça determine “que deve haver pronunciamento judicial, salvo se existir portaria do juiz corregedor permanente em contrário” (LOUREIRO, 2012, p. 106).
Dessa forma, atende-se à determinação constitucional de facilitar a conversão da união estável em casamento, bem como desafoga o poder judiciário, que fica dispensado de intervir em procedimento em que não há lide a ser dirimida.
Isso não torna o procedimento de conversão da união estável em casamento em instituto de somenos importância ou vulnerável a procedimentos ardilosos, pelo contrário, reforça a fé pública e a seriedade do Registrador, que se atém a mais estrita legalidade na qualificação dos atos que lhe são apresentados, afastando, assim, eventuais vícios, o que, aliás, seria a atribuição do juiz, caso interviesse.
Imperioso salientar que a configuração da união estável depende do afastamento dos impedimentos do artigo 1.521 do Código Civil, exceto o do inciso VI, que se trata de pessoa casada, quando esta se achar separada de fato ou judicialmente.
Ademais, o registro não pode conter a data de início da união estável, por ser relação de fato que independe de tempo para se concretizar.
No que diz respeito ao livro de registro da conversão da união estável em casamento, os estados-membros ainda divergem, a título de exemplo, no estado de Minas Gerais, é no livro “B-auxiliar”, no estado de São Paulo, é no livro “B”.

V – POR QUE A UNIÃO ESTÁVEL DEVE DETERMINAR ESTADO CIVIL

Na ordem jurídica brasileira, são considerados estados civis apenas o de solteiro, casado, viúvo, divorciado e separado judicialmente; qualquer outro, inclusive união estável, são meros fatos, que não encontram respaldo legal.
Ocorre que não são os fatos sociais que devem adaptar à norma, pelo contrário, a norma deve ser ampla o bastante para abarcar o máximo de situações possíveis ou ser alterada para absorver as mutações sociais, sob pena de se tornar obsoleta e, consequentemente, ineficaz.
Desse modo, negar à união estável a aptidão para determinar estado civil é ignorar a realidade social e até mesmo o espírito da Constituição Federal, que considera a união estável entidade familiar que goza de proteção estatal.
O direito patrimonial é um dos direitos de maior relevância para a sociedade, pois é na busca pela formação de patrimônio que o ser humano encontra o motor que impulsiona a vida, e o seu alcance é a sua realização.
Assim, não obstante as concessões significativas que o ordenamento jurídico fez à união estável, não considerá-la como determinante de estado civil mitiga sobremaneira sua efetividade, uma vez que, atualmente, o ponto nevrálgico das relações afetivas reside no patrimônio, que se tornou fonte de desentendimentos entre os casais.
Não se olvida que o Código Civil, no seu artigo 1.725, prevê a faculdade dos companheiros de elegerem o regime de bens que lhes aprouver. Contudo, tal norma somente é útil, na prática, se resguardar o companheiro de eventuais intentos ardilosos do outro.
Isso porque, de nada adianta se eleger regime de bens, se o companheiro possui autorização legal para omitir a união estável em eventual negócio jurídico, por exemplo, companheiro pode vender imóvel adquirido onerosamente na constância da união estável sem autorização do outro companheiro, ainda que o regime não seja da separação absoluta.
O prejuízo é tão evidente, que, conforme aduz Hélder Silveira:
“os notários, para se resguardarem, de forma geral, têm exigido a anuência do companheiro(a), por analogia à obrigatoriedade determinada aos casados civilmente. [...] sem anuência, o(a) companheiro(a) poderia dilapidar todo o patrimônio, à revelia do outro, causando prejuízo incalculável à família” (SILVEIRA, 2011, p. 203/204).
E não há de se cogitar que a via indenizatória é sempre opção no caso do companheiro ser enganado, porque a imprescindível segurança jurídica para o progresso estatal restaria abalada, gerando retrocesso social e econômico.
Assim, é fácil perceber a lacuna deixada pelo ordenamento jurídico, a qual permite e incentiva a perpetração de fraudes. Ainda que haja a possibilidade de anular eventual transação viciada, em um Estado de Direito, as normas devem ser confeccionadas, antes de tudo, para obstar o litígio, e não para traçar ditames de como solvê-lo.
Logo, as escusas de que há remédio para evitar fraudes ou de que os homens são naturalmente bons, e, assim, pode-se fiar na sua boa-fé, são inadmissíveis, senão utópicas.
Portanto, a melhor forma de se tornar efetiva a tão propalada segurança jurídica, é fazer com que a união estável tenha aptidão para determinar o estado civil, de modo que a própria união estável assuma a importância que lhe é devida, tornando-se plenamente eficaz e efetiva.

VI – INCLUSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE OS ESTADOS CIVIS

O argumento utilizado para abstrair a união estável de um dos estados civis previstos pelo Código Civil reside na sua condição de estado de fato, de relação informal, isto é, não se trata de fenômeno jurídico.
Isso se deve, sobretudo, pelo fato de que não há norma federal determinando que o instrumento da união estável, seja público, seja particular, deva ser levado a registro. O que há é a possibilidade de se registrar o instrumento de união estável no Registro de Títulos e Documentos, na forma do inciso VII e do parágrafo único do artigo 127 da Lei 6015/73, ou seja, por não haver previsão de registro em outra serventia (subsidiário) e para fins de conservação.
Dessa forma, fica claro que a Lei Federal supracitada nem qualquer outra tenham se preocupado em abstrair a união estável de mera relação informal, deixando de dispensar a ela a mesma importância que a Constituição Federal lhe atribui.
Todavia, alguns estados, sobretudo São Paulo e Santa Catarina, já começam a compreender a importância de se dar forma jurídica à união estável, seja determinando o registro obrigatório do instrumento de união estável no livro do Registro Civil das Pessoas Naturais, mais especificamente no Livro “E” (item 6.2.1 do Capítulo XVII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, redação dada pelo Provimento da Corregedoria Geral n.° 06/2013), seja prevendo a averbação da escritura de união estável na matrícula do imóvel (art. 817 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina).
Assim, não se deve mais ignorar a relevância que a união estável tem para a sociedade, principalmente, porque através dela é possível que um dos companheiros seja dependente do outro, seja para fins de pensão por morte, seja em plano de saúde, além disso, durante a união estável pode haver incremento patrimonial e, consequentemente, sua dissolução pode gerar partilha de bens.
Além disso, pela relativa simplicidade do procedimento e o baixo custo do instrumento, podendo, até mesmo, ser feito pelo próprio casal (instrumento particular), desde que na presença de duas testemunhas, é notável o crescimento das relações tidas como união estável.
Nesse diapasão, já é mais que hora de outorgar forma jurídica à união estável, como São Paulo e Santa Catarina já o fizeram. Para tanto, é preciso atribuir-lhe Livro para registro, que deve ser o Livro “E” do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, pois é aí que se encontram todos os assentos da pessoa natural, não podendo ser diferente com a união estável. Além do mais, o registro irá ensejar anotações nos atos anteriores, o que obsta eventual manobra ardilosa.
Deve-se, ainda, determinar a averbação da escritura de união estável na matrícula do imóvel, já que, diferentemente do registro, a averbação é “numerus apertus” e ela mantém o registro de determinado imóvel sempre atual, contribuindo na correta qualificação do título.
Assim o fazendo, a união estável deixa de se um mero negócio informal, para gozar de reconhecimento jurídico, o que, sem dúvida, traduz-se em segurança para as relações, especialmente, as negociais.

CONCLUSÃO

A relevância da união estável é reconhecida juridicamente desde 1988, ocasião em que a Constituição Federal, no seu artigo 226, parágrafo 3°, atribuiu à união estável a condição de entidade familiar.
Contudo, a Constituição Federal não aprofundou nesse instituto, o que, de fato, nem era de sua alçada, relegando a regulamentação da matéria ao legislador infraconstitucional. E isso foi feito, primeiro através da lei 8.971/94, e, mais tarde, pela lei 9.278/96.
Não obstante, essas leis não trataram do registro da união estável na serventia competente, tornando a união estável mera relação informal.
Isso se deve a lapso do legislador, pois, conforme demonstrado, estabelecer regime de bens, partilha, mas olvidar de seu registro, é algo que beira à contradição, pois, sem registro, ou ao menos sem registro no Cartório competente para registros dessa alçada, não há publicidade, consequentemente, dá-se azo a transações fraudulentas.
Além do mais, negar-lhe o registro e, com isso, forma jurídica, é diminuir a importância que a própria Constituição Federal lhe outorgou, ao considerá-la entidade familiar.
Portanto, deve-se alterar a legislação em vigor, de modo que a união estável passe a modificar o estado civil, tornando-a, assim, jurídica.
Por isso, o legislativo deve dispensar muita atenção ao projeto de lei proposto pelo deputado Fernando Lucio Giacobo, do Partido Liberal do estado do Paraná, que visa, exatamente, a fazer com que a união estável seja modificadora do estado civil dos companheiros.
Afinal, as relações sociais são dinâmicas, enquanto as leis são estáticas, portanto, ao se deparar com movimento social sensível que a lei não prevê ou não prevê a contento, não pode o legislativo ignorá-lo, sob pena de privilegiar a rigidez da lei em detrimento dos anseios sociais, o que desvirtuaria toda a essência de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Pelo contrário, deve a norma abarcar esse fato, como fez com tantos outros, por exemplo, o usucapião.

BIBLIOGRAFIA

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, 6ª Edição, São Paulo: Atlas, 2006.


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