terça-feira, 26 de julho de 2016

E o que há de concreto sobre câncer cerebral e celulares?

Você já deve ter ouvido alguém dizer algo como “essas engenhocas ultramodernas destroem nosso cérebro e arruínam o desenvolvimento das crianças”. A preocupação é compreensível, e não apenas porque todas as gerações anteriores tendem a desaprovar os comportamentos das seguintes. Sob vários aspectos os aparelhos digitais estão (pelo menos aparentemente) minando nossa juventude, da mesma forma como o rock “prejudicou” os jovens da década de 60, a televisão “comprometeu” a formação de nossos avós e os carros colocaram em risco nossos bisavós. Segundo essa lógica, estamos sendo arruinados há gerações. Mas o que a ciência diz sobre os efeitos nocivos da mais recente tecnologia?


Parte da resposta depende de sua definição de “arruinar”. É verdade que as coisas são diferentes agora. Muitas crianças moradoras das grandes cidades não “saem para brincar”, pelo menos não desacompanhadas. Mas também não precisam mais decorar nomes de presidentes e a tabela periódica, pois estão a apenas uma tecla de distância do Google. Estamos perdendo velhas destrezas, é verdade. Poucos sabem agora como usar um papel-carbono ou cuidar de cavalos; escrever à mão e dirigir podem ser as próximas habilidades a desaparecer.
Porém, diferente não é sinônimo de pior. E, por mais que psicólogos, educadores e pais se preocupem, ainda é surpreendentemente difícil encontrar estudos ligando aparelhos modernos à ruína da juventude. A pesquisa leva tempo e a era das telas sensíveis é muito recente. O iPad, por exemplo, surgiu em 2010.
Mas as pesquisas já começaram – e lançam alguma luz sobre como esses repentinamente onipresentes dispositivos podem afetar as crianças. Em 2009, um estudo na Universidade Stanford relacionou hábitos de adolescentes modernos de executar multitarefas no computador (que parecem ter se estendido a telefones e tablets) à perda da capacidade de concentração – um resultado um pouco preocupante.
Um estudo publicado na edição de fevereiro de Pediatrics revelou que crianças que têm aparelhos de tela pequena em seus quartos dormem em média 21 minutos a menos que as que não têm. Quanto à razão, os cientistas supõem que as crianças ficam acordadas até tarde para usar seus dispositivos ou, talvez, que a luz das telas produza atrasos no ritmo circadiano.
E quanto às habilidades sociais? No ano passado, em um estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles, foram acompanhados dois grupos de alunos do sexto ano (com idade média de 11 a 12 anos), O primeiro, formado por 51 jovens, passou cinco dias em um acampamento na natureza sem eletrônicos; o segundo grupo, de controle, com 54 participantes, não acampou. Depois disso, foram realizados testes e foi constatado que aqueles que haviam passado a temporada no campo se saíam significativamente melhor na leitura de emoções humanas em fotografias.
E o que há de concreto sobre câncer cerebral e celulares? Bem, em primeiro lugar, não é preciso um estudo para dizer que raramente os jovens estão com o telefone na orelha; eles mais digitam mensagens do que fazem ligações. De qualquer forma, os estudos não comprovaram nenhuma relação entre o uso de celular e câncer. Pelo menos não ainda.
É hora de começar a reclamar? Não necessariamente; nem todos os estudos chegaram a conclusões alarmantes. Em 2012 o grupo sem fins lucrativos de estudos sobre mídias e tecnologia Common Sense Media descobriu que mais da metade dos adolescentes dos Estados Unidos acreditam que as mídias sociais – agora acessíveis em qualquer lugar graças às telas sensíveis ao toque – ajudaram em suas amizades (apenas 4% acham que prejudicaram). Em 2014 pesquisadores do National Literacy Trust, do Reino Unido, descobriram que crianças pobres com aparelhos de tela sensível ao toque têm o dobro de probabilidade de ler todos os dias. Um estudo publicado na Computers in Human Behavior revelou que enviar mensagens é benéfico para o bem-estar emocional dos adolescentes – especialmente os introvertidos.
Precisamos claramente de estudos mais amplos e de mais longo prazo antes de começar uma nova rodada de reclamações. E eles estão a caminho; por exemplo, os resultados de uma grande pesquisa britânica com 2.500 crianças chamada Estudo de Cognição, Adolescentes e Telefones Móveis (Scamp, na sigla em inglês), do Reino Unido, com 2.500 crianças, sairão em 2017.
Enquanto isso, os sinais de alerta das pesquisas iniciais não são altos o suficiente para tirarmos aparelhos de nossas crianças e mudarmos para território amish. Por outro lado, o bom senso sugere que não é o caso de deixar a tecnologia ocupar todo o tempo dos jovens. Os achados até agora são suficientes para sugerir a prática de uma muito sábia e antiga precaução: a moderação. O excesso de qualquer coisa é ruim para as crianças, sejam eletrônicos modernos, televisão ou esporte.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de julho de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/29SXuYj 

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