sábado, 17 de maio de 2014

Por Que Estrógeno e Raloxifeno Melhoram a Densidade Mineral Óssea? Mecanismo de Ação do Estrógeno e de Um Modulador Seletivo do Receptor de Estrógeno (SERM) no Osso



Ana Claudia R. Ramalho
Marise Lazaretti-Castro
Martine E. Cohen-Solal
Marie Christine de Vernejoul
Disciplina de Endocrinologia e
Metabologia, Departamento de
Medicina, Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP-EPM),
São Paulo, SP e INSERM U349 -
Hospital Lariboisière, Paris, França
Recebido em: 08/08/00
Revisado em: 28/11/00
Aceito em: 30/11/00


RESUMO
A deficiência de estrógeno é responsável pelo aumento na remodelação óssea após a menopausa, cuja prevenção é feita pela terapia de reposição hormonal com estrógeno; porém, ainda não está esclarecido o mecanismo da ação anti-reabsortiva do estrógeno no osso e permanecem várias questões: (1) Qual a célula-alvo de ação do estrógeno no osso? O receptor de estrógeno já foi descrito em monócito, osteo-clasto, células do estroma da medula óssea e osteoblasto, mas é desconhecido o papel dessas células no efeito do estrógeno. (2) Quais os mediadores do efeito do estrógeno no osso? Os resultados da literatura são controversos quanto ao papel da interleucina-6, sendo a maioria dos resultados positivos em animais e não no homem. Outras citoquinas como interleucina-1 e fator de necrose tumoral parecem estar envolvidos. (3) O efeito anti-osteoclástico do estrógeno está relacionado à apoptose de precursores dos osteoclastos? Já foi relatado, em animais, que o estrógeno aumenta apoptose dos precursores dos osteoclastos, porém não é conhecido esse efeito no homem. (4) Qual o papel do estroma da medula óssea na osteoclastogênese e na sua inibição pelo estrógeno? Recentemente foi descrito um fator, produzido pelas células do estroma (RANK ligante) que induz a formação de osteoclasto, sugerindo a importância dessas células na osteoclastogênese e no efeito do estrógeno no osso. (5) Qual a via de transcrição intracelular do efeito do estrógeno? Proteínas NF-kB podem ter um papel significante na osteoporose pós-menopausa, podendo corresponder à via pelo qual o estrógeno regula a produção de citoquinas envolvidas na osteoclastogênese, porém ainda não está esclarecido este efeito. Estas questões, sobre o mecanismo de ação do estrógeno, como também dos SERMs serão discutidas nessa revisão. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/6:471-82)
Unitermos: Estrógeno; Citoquinas; Osteoclasto; SERM; Receptor de estrógeno; Apoptose.

ABSTRACT
Estrogen deficiency is responsible for increased bone turnover in the postmenopausal period, and it can be prevented by estrogen replacement therapy. The way by which estrogen acts on bone cells is not fully understood and there are still many unsolved questions: (1) What is the target-cell of estrogen in bone? Estrogen receptor has been described in monocyte, osteoclast, bone marrow stromal cell and osteoblast, but it is still not clear what cell mediates the effect of estrogen in bone. (2) What are the mediators of estrogen action on bone? There is some controversy about the role of interleukin-6; most of the positive results were in animals, not in human; other cytokines are also involved, as tumoral necrosis factor and interleukin-1. (3) Is the anti-osteoclast effect of estrogen related to the apoptosis of osteoclast precursors? Some authors had already reported that estrogen increase apoptosis of osteoclasts precursors in animals, but it is not clear whether this effect is also present in humans. (4) What is the role of the bone marrow in osteoclastogenesis and in its inhibition by estrogen? Recently, it has been shown that stromal cells produce a membrane-associated factor (RANK-ligand) that stimulates osteoclast precursors, showing the importance of stromal cells in osteoclastogenesis and probably in the effect of estrogen in bone. (5) What is the transcription mechanism of estrogen action into the cell? NF-kB proteins may have an important role in post-menopausal osteoporosis, by regulating the secretion of cytokines involved on osteoclastogenesis. These questions on the mechanism of action of estrogens and also SERMs will be discussed in this review based on studies of literature and on recent studies of our group. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000; 44/6: 471-82)
Keywords: Estrogen; Cytokine; Osteoclast; SERM; Estrogen receptor; Apoptosis.


OSTEOPOROSE DA PÓS-MENOPAUSA é uma desordem heterogênea caracterizada por perda óssea progressiva com início após menopausa natural ou cirúrgica, levando à ocorrência de fraturas 15-20 anos após a interrupção da função ovariana. Apesar de um baixo pico de massa óssea e da perda óssea fisiológica com o avançar da idade serem fatores contribuintes, um aumento na reabsorção óssea hormônio-dependente com acelerada perda da massa óssea nos primeiros 5-10 anos após a menopausa parece ser o fator patogênico determinante. Essa perda óssea na pós-menopausa pode ser restaurada pela terapia de reposição hormonal com estrógeno (1), porém ainda não está esclarecido o mecanismo de ação pelo qual esse efeito ocorre.
Durante os últimos anos, importantes avanços tem sido feitos no entendimento sobre a origem dos osteoblastos e osteoclastos, da interação entre essas células, dos fatores sistêmicos e locais que regulam o desenvolvimento dessas células e do papel anti-reabsortivo ósseo do estrógeno, cujo mecanismo de ação ainda suscita várias questões.
Neste trabalho serão discutidos os conceitos e controvérsias atuais sobre o mecanismo de ação anti-reabsortivo ósseo do estrógeno e SERM (raloxifeno), baseados em resultados da literatura e em estudos recentes do nosso grupo.

O OSTEOCLASTO
Osteoclasto é uma célula volumosa multinucleada, contendo em média 10 a 20 núcleos por célula, situada em contato com o osso. Seu polo em contato com a matriz óssea forma dobras da membrana conhecidas como "bordas em escova" (2) e em cada extremidade dessa borda existem zonas de citoplasma desprovidas de organelas e pouco coradas, conhecidas como "zonas claras" (3). O osteclasto produz enzimas lisossomais como: fosfatase ácida tartarato resistente, presente na célula e no compartimento de reabsorção (4); as cisteína-proteinases (catepsinas) (5) e as enzimas não lisossomais como a colagenase e anidrase carbônica tipo II (6). Todas essas estruturas celulares especializadas delimitam uma área de reabsorção em que o osteoclasto, através da utilização de um mecanismo de redução do pH desta área, possibilita a reabsorção da matriz calcificada (7).
Já está bem estabelecido que o osteoclasto é originado de células hematopoiética da linhagem monócito-macrófago (8). Porém existem divergências quanto ao estágio onde a via de diferenciação de monócitos/macrófagos se separa daquela dos osteoclastos. Existem três teorias (9) (figura 1):
1) Osteoclastos seriam derivados de um progenitor específico, o CFU-O (Colony Forming Units-Osteoclast), originado do CFU-S (Colony Forming Units-Stem);
2) Osteoclastos seriam derivados de CFU-GM (Colony Forming Units-Granulocyte Macro-phage),precursor comum de osteoclasto como também de granulócitos e macrófagos;
3) Osteoclastos seriam formados à partir de monócitos circulantes e de macrófagos teciduais.
A primeira teoria é pouco provável, pois até o momento não foi evidenciado um precursor específico para osteoclasto (9). A segunda teoria é a mais provável, pois já foi evidenciada a capacidade do precursor CFU-GM de se diferenciar tanto em osteoclasto quanto em monócito circulante ou macrófago tissular (9). A terceira teoria já foi demonstrada por alguns autores em que o osteoclasto pode ser formado não apenas de células da linhagem monócito-macrófago imaturas, mas também de monócitos circulantes e de macrófagos teciduais quando o meio ambiente fornecido é adequado (10). Assim, as duas últimas teorias se constituem nas possíveis vias de recrutamento de osteclasto, fisiológica e patologicamente.

PAPEL DO ESTROMA DA MEDULA ÓSSEA NA FORMAÇÃO DE OSTEOCLASTO
Osteoclastogênese é um fenômeno complexo, facilitado pela integração dos precursores hematopoiéticos dos osteoclastos com as células do estroma da medula óssea (células estromais). O estroma da medula óssea é morfologicamente heterogêneo e inclui fibroblastos, células osteogênicas e adipócitos. Existem evidências que essas células são derivadas de uma célula de origem única pluripotente que dá origem a progenitores de diferentes células mesenquimais (osteoblasto, adipócito, mioblasto, condroblasto e fibroblasto) (11). Essa células podem ser identificadas em cultura antes de sua diferenciação por um anticorpo monoclonal IgM, o Stro-1 (12).
As células estromais da medula óssea contribuem para osteoclastogênese, fornecendo um suporte físico para os osteoclastos como também pela produção de fatores de membrana solúveis e citoquinas que estimulam a proliferação e/ou diferenciação dos precursores hematopoiéticos dos osteoclastos (9).
Udagawa e cols (13) e Takahashi e cols (14) relataram que co-cultura de células precursoras de osteoclasto, como as células esplênicas ou de medula óssea associado às células estromais ou aos osteoblastos induzem a formação do osteoclasto. Porém, uma linhagem de células estromais de medula óssea de camundongo apresenta heterogeneidade na sua capacidade de favorecer osteoclastogênese (15). Células estromais ou osteoblastos que induzem a formação do osteoclasto devem ter capacidade de produzir M-CSF (Macrophage-Colony Stimulating Factor), pois células estromais ou osteoblastos de camundongos op/op, deficientes de M-CSF, não são capazes de estimular a diferenciação do osteoclasto, sendo portadores de osteopetrose (16). M-CSF solúvel não substitui a necessidade das células estromais nesse sistema de co-cultura, sugerindo que a ligação membrana-dependente de M-CSF ou outros fatores produzidos pelas células estromais ou osteoblastos são necessários para o desenvolvimento de osteoclastos à partir de seus precursores (16).
Recentemente, foi identificado um fator produzido pelas células estromais e pelos osteoblastos, que é crítico para a formação do osteoclasto. Esse fator é o RANK ligante (receptor activator of NF-kB ligand), também conhecido como TRANCE (TNF-related activation-induced cytokine), um novo membro da família do fator de necrose tumoral (TNF) (17). Yasuda e cols (17) mostraram que a maioria dos fatores ostcotrópicos que induzem a formação de osteoclasto agem indiretamente se ligando a células estromais da medula óssea, que por sua vez induzem um aumento da expressão de RANK ligante (RANK-L), que então se liga ao receptor de RANK-L no precursor de osteoclasto e induz a formação de osteoclasto (figura 2).
A ausência de expressão do RANK-L em camundongos resulta em ausência de osteoclastos e osteopetrose (18). De forma inversa, uma expressão aumentada de RANK-L em camundongos transgênicos induz osteoporose severa.
A atividade de RANK-L pode ser bloqueada por osteoprotegerina (OPG), também conhecida como fator inibidor da osteoclastogênese, que se constitui numa proteína relacionada ao receptor de TNF recentemente identificado (19). OPG é produzida por diversos tipos celulares e bloqueia o estágio de fusão/diferenciação na diferenciação osteoclástica. Yasuda e cols (17) demonstraram que RANK-L, produzido pelos osteoblastos, se liga à OPG e bloqueia suas ações inibitórias na osteoclastogênese. Assim, RANK-L e OPG são importantes reguladores da formação e atividade do osteoclasto produzido pela medula óssea (figura 2).

CITOQUINAS ENVOLVIDAS NA OSTEOCLASTOGÊNESE E REABSORÇÃO ÓSSEA
Durante os últimos 15 anos, grande volume de conhecimento foi acumulado no campo das citoquinas, compreendendo também seu efeito no osso. Citoquinas são peptídeos mediadores locais que agem como fatores autócrinos e parácrinos na proliferação e/ou diferenciação das células ósseas, sendo envolvidas de forma fisiológica e/ou patológica no acoplamento entre reabsorção e formação óssea (9).
Tanto osteoclastos quanto osteoblastos são derivados de precursores originados da medula óssea. O desenvolvimento dos osteoclastos depende da produção de citoquinas pelas células da linhagem estroma/osteoblasto (20). A importância das citoquinas no metabolismo ósseo é ainda confirmada pelo provável efeito de certos hormônios, como paratormônio (PTH), regulando a produção e provavelmente a ação de citoquinas (21). A ausência de receptores de PTH nos osteoclastos com o potente efeito desse hormônio na reabsorção óssea, sugere que seu modo de ação é indireto e mediado por fatores locais como as citoquinas (21,22). O conhecimento atual sobre o papel das citoquinas na comunicação entre as células ósseas está representado na figura 3.
Várias citoquinas e fatores estimulantes de colônias tem sido implicados no desenvolvimento do osteoclasto e remodelação óssea. Esta lista inclue as interleucinas (IL-1, IL-2, IL-3, IL-6, IL-11), TNF, fator estimulante de colônia granulócito-macrófago (GM-CSF), M-CSF e fator inibidor de leucemia (LIF). Por outro lado, TGF-b(transforming growth factor), IFN-g (interferongama), IL-4 e IL-18 têm sido implicados como fatores inibidores do desenvolvimento de osteoclasto e remodelação óssea (23).
Evidências experimentais sugerem ainda o papel das citoquinas na patogênese de várias doenças ósseo-metabólicas, como a doença de Paget e a osteoporose pós-menopausa. Assim, está claro que as citoquinas representam o ponto final de várias cascatas de eventos envolvendo hormônios sistêmicos, inflamação, infecção ou tumores (22,24,25).
lnterleucina-6 (IL-6)
IL-6 é produzida por várias células incluindo osteoblastos, células do estroma da medula óssea, monócitomacrófago, osteoclastos e em resposta a estimulação de vários hormônios sistêmicos, como paratormônio (PTH), peptídeo relacionado ao PTH (PTHrp) e 1,25 diidroxivitamina D3; de fatores de crescimento como TGFb e de outras citoquinas como interleucina-1 (IL-1) e fator de necrose tumoral (TNF) (22). IL-6 induz a formação de osteoclasto à partir de precursores hematopoiéticos de osteoclasto, induzindo reabsorção óssea in vitro (26). Porém, alguns autores não evidenciaram efeito de IL-6 na reabsorção óssea em células de calvária de camundongos neonatos que contém progenitores de osteoclastos já mais diferenciados e poucos progenitores mielóides primitivos considerados células-alvo para ação de IL-6 (27). Contrapondo-se a esses resultados, a presença de receptores de IL-6 em células de osteoclastoma, sugere que IL-6 deve influenciar não apenas estágios precoces do desenvolvimento do osteoclasto, mas também osteoclasto maduro (28).
IL-6 exerce seu efeito através de sua ligação à um receptor de membrana, levando à ativação de uma proteína intracelular, a glicoproteína-130 (gp130) (29). O receptor solúvel de IL-6 (IL-6rs) não apresenta o domínio transmembrana e citoplasmático e traduz sinais através de gp130, de forma semelhante à IL-6 (30); IL-6rs é gerado por proteólise do receptor de membrana de IL-6. Suda e cols (31) sugerem que a habilidade da IL-6 de estimular o desenvolvimento de osteoclasto requer a adição de IL-6rs exógeno e que a expressão do receptor de IL-6 pelos osteoblastos é indispensável para induzir formação de osteoclastos em co-culturas de osteoblastos com células esplênicas, porém isso não é confirmado por outros autores (26).
lnterleucina-1 (IL-1)
IL-1 é uma citoquina produzida por células monócitos-macrófagos, células do estroma da medula óssea e osteoclasto que podem estimular reabsorção óssea in vitro in vivo. IL-1 induz reabsorção óssea e formação de células osteoclasto- like em cultura de medula óssea em camundongos e em humanos (32). Recentemente, Uy e cols (33) usando um modelo in vivo de formação de osteoclasto para examinar os efeitos de IL-1 nos diferentes estágios do desenvolvimento do osteoclasto, observaram que a IL-1 induziu hipercalcemia e aumentou o crescimento e a diferenciação de GFU-GM, o mais precoce precursor de osteoclasto. Além disso, aumentou o número de células mononucleares, precursor de osteoclasto e estimulou osteoclasto maduro para reabsorção óssea. Esses resultados sugerem que IL-1 afeta todos os estágios do desenvolvimento de osteoclasto e pode explicar seu potente efeito na remodelação óssea in vivo.
Fatores de Necrose Tumoral (TNF-a e TNF-b)
Tanto TNF-a quanto TNF-b (linfotoxina) estimulam a formação de células multinucleadas osteoclasto-like em cultura de medula óssea humana (32). Thomson e cols (34) demonstraram que co-cultura de osteoclasto maduro com osteoblasto em presença de IL-1 e TNF na cultura, estimulam a reabsorção óssea. O efeito de TNF em estimular desenvolvimento de osteoclasto ocorre tanto através de um mecanismo direto mitogênico no osteoclasto (32), quanto indireto, induzindo células estromais e osteoblasto a secretar citoquinas como M-CSF (35).
IL-1, TNF, IL-6 estimulam o desenvolvimento de osteoclasto, sendo que provavelmente esse efeito depende da presença de célula estroma/osteoblasto (22); representam uma cascata de citoquinas, cuja produção é regulada por vários estímulos, entre eles as próprias citoquinas. Assim, IL-1 e TNF estimulam a produção de IL-6 e algumas respostas de IL-1 e TNF são mediadas por IL-6 (21,22).

EFEITO ANTI-OSTEOPORÓTICO DO ESTRÓGENO
Cinqüenta por cento da perda óssea ligada a idade ocorre nos 8-10 anos seguintes à instalação da menopausa. Que esta perda está ligada a carência de estrógeno, isso é bem estabelecido e comprovado pela terapia de reposição hormonal (1), porém o mecanismo de ação anti-reabsortivo ósseo do estrógeno ainda não está esclarecido.
A maioria dos estudos avaliou o efeito do estrógeno sobre a diferenciação de osteoclastos utilizando animais ooforectomizados (36). Flanagan e cols (37), concordante com nossos resultados, demonstraram que o estradiol diminui a formação de células osteoclasto -like de medula óssea humana. Nossos resultados evidenciam uma redução dose dependente no número de células multinucleares TRAP+ (precursores de osteoclasto) após tratamento com estrógeno in vitro (Ramalho e cols, dados pessoais).
Existem evidências de que o efeito do estrógeno na osteoclastogênese é mediado por célula do estroma e/ou osteoblasto baseado na expressão de receptor de estrógeno a e b nessas células (38-44).
Receptor de Estrógeno a e b (ERa e ERb)
Existem evidências da expressão ERa em células do estroma da medula óssea (38,39) e em osteoblasto (42,43). Em nosso estudo (Ramalho e cols, dados pessoais) observamos que a síntese do receptor modifica-se durante a cultura de medula óssea total. Todas as culturas (5/5) expressaram ERa no 5º dia de cultura e apenas 1/5 no 15ºdia, sugerindo que o efeito do estrógeno deva ocorrer no início da cultura.
Mais recentemente foi descrito o ERb, porém sua distribuição e seu papel na ação do estrógeno no osso não estão esclarecidos (40). A expressão de ERb já foi descrita em célula do estroma e osteoblasto em ratos e humanos (41,44), porém em nossas linhagens de células estromais, como também em cultura de medula óssea total, não encontramos expressão de ERb, sugerindo que a ação do estrógeno seja no ERa e não no ERb (Ramalho e cols, dados pessoais)
A expressão de ERa e/ou b descrita na literatura em células do estroma da medula óssea e/ou osteoblasto e sua ausência em osteoclasto (45) reforçam a importância das células estromais como mediadoras da ação anti-reabsortiva do estrógeno no osso; como também a idéia de que as células do estroma podem modular o efeito do estrógeno através da liberação ou inibição de fatores, entre eles as citoquinas.
Papel da Citoquinas na Reabsorção Óssea Induzida pela Deficiência de Estrógeno
Estudos recentes indicam o possível envolvimento de citoquinas (IL-1, IL-6 e TNEa) na perda óssea ligada a deficiência de estrógeno. Alguns autores têm demonstrado que menopausa natural ou cirúrgica aumentam o nível de IL-1, IL-6, TNF e IL-6rs (46,47).
Jilka e cols (36) demonstraram que a ação do estrógeno é mediada por IL-6. Estudando camundongos normais, evidenciaram que a ooforectomia aumenta o recrutamento de osteoclastos e esse efeito foi revertido com estrógeno e anticorpo anti-IL-6. Assim, sugerem que IL-6 estimula a osteoclastogênese nos estados de défict de estrógeno e que a ooforectomia aumenta não só a produção, mas também a resposta de precursores de osteoclasto à IL-6. Em outro estudo do mesmo grupo, Girassole e cols (48) demonstraram um efeito do estrógeno em reduzir os níveis de IL-6 basais e pós estímulo com IL-1 e TNF em células estromais de medula óssea em camundongos.
Poli e cols (49), estudando camundongos transgênicos com deleção do gene para IL-6, observaram um volume de osso trabecular normal após ooforectomia; reforçando os resultados apresentados acima sobre o papel de IL-6 como mediador do aumento da reabsorção óssea na carência estrogênica.
Esses resultados são controversos e não confirmados por outros autores que não verificaram um efeito do estrógeno sobre a produção de citoquinas em culturas de medula óssea. Riggs e cols (50) demonstraram que o estrógeno não altera a produção de IL-6 basal ou após estimulação com IL-1 ou TNF em células humanas osteoblasto- like. Este mesmo grupo, utilizando outro modelo de estudo, encontrou um perfil de citoquinas semelhante em medula óssea de mulheres tratadas com estrógeno, comparadas às não tratadas, tanto in vivoquanto in vitro (51). Esses resultados sugerem a ausência do efeito do estrógeno sobre a produção de IL-6 em diferentes modelos de estudo.
Ainda concordante com esses resultados, Lorenzo e cols (52) não observaram alteração na expressão de IL-6 em células da medula óssea de camundongos após ooforectomia e posterior tratamento com estrógeno, tanto in vivoquanto in vitro.
Em estudos do nosso grupo, Cohen-Solal e cols (53) encontraram o mesmo perfil de citoquinas em sangue periférico em mulheres tratadas com estrógeno em comparação com as mulheres sem tratamento e Ramalho e cols (dados pessoais) encontraram uma redução do número precursores de osteoclasto, em cultura de medula óssea humana após tratamento com estrógeno in vitro, porém sem alteração nos níveis de IL-6 e IL-6rs nessas culturas. Assim, a maioria dos estudos em células estromais e osteoblasto humano expressando receptor de estrógeno falhou em demonstrar efeito do estrógeno na produção de IL-6.
Essas divergências de resultados entre os diversos estudos podem ser secundárias às diferenças dos sistemas in vitro, dificuldade de reprodução dos modelos de estudo, níveis basais heterogêneos na produção de citoquinas, variabilidade na resposta dessas culturas primárias ao estradiol, diferenças entre espécies; por exemplo, o efeito do estrógeno na produção de IL-6 pelas células estromais foi evidenciado em animais (49,54), porém não em célula do estroma/ osteoblasto humano (51,52). Beresford e cols (55) relataram várias diferenças entre células estromais em ratos e humanos, que poderiam explicar esses resultados divergentes.
Outras citoquinas, além da IL-6, produzidas pelos célula do estroma/osteoblasto devem ter um papel na osteoporose pós-menopausa. Estradiol parece influenciar a secreção de IL-1 (56) e TNF-a (50) dos osteoblastos humanos. Monócitos periféricos circulantes de pacientes ooforectomizados produzem níveis elevados de IL-1 e TNF-a, sendo esse efeito antagonizado pela reposição estrogênica (23). Concordante com esse resultado, Cohen-Solal e cols (53) observaram que o sobrenadante de cultura de monócitos periféricos de mulheres na pós-menopausa tem atividade reabsortiva aumentada in vitro, a qual era bloqueada pelos anticorpos: anti IL-1 ra e TNF. Manolagas (54), por outro lado, sugere que o aumento de IL-1 e TNF em animais ooforectomizados é conseqüência da remoção do efeito inibidor do estrógeno sobre IL-6. Assim, IL-1 e TNF diferentemente de IL-6, não seriam diretamente suprimidos pelo estrógeno.
Tendo em vista a demonstração da expressão de receptores de estrógeno em células do estroma/ osteoblasto e não em osteoclasto, podemos imaginar o seguinte modelo para explicar o mecanismo de ação do estrógeno no osso: o aumento da reabsorção óssea decorrente da carência estrogênica pode ser conseqüente a um aumento da secreção pelos osteoblastos ou pelas células do estroma da medula óssea de fatores, como as citoquinas, capazes de estimular a osteoclastogênese e um aumento da reabsorção óssea. Dentro desse modelo podemos incluir ainda o efeito do estrógeno na apoptose de osteoclastos e/ou de seus precursores (36,37).
Estrógeno e Apoptose
Conforme já demonstrado (36,37), o estrógeno reduz o recrutamento de osteoclasto e/ou seus precursores. Alguns estudos têm sugerido que esse efeito do estrógeno seria decorrente de um incremento na apoptose de osteoclasto (57,58). Hughes e cols (58) demonstraram que 17b-estradiol promove um incremento na apoptose de osteoclastos em camundongos em 2 a 3 vezes e que esse efeito é mediado por TGF-b. Nossos resultados não confirmaram um efeito do estrógeno na apoptose de precursor de osteoclasto em medula óssea humana, utilizando o método TÚNEL que avalia a fragmentação internucleossomal do DNA, característica da apoptose(Ramalho e col, dados pessoais). A maioria desses estudos avaliou a apoptose de osteoclastos e/ou seus precursores em animais, sendo necessário um maior número de estudos em humanos para elucidação desse efeito.
Estrógeno e Fator Nuclear kB (NF-kB)
A família de fatores de transcrição NF-kB/Rel regula a expressão de uma série de genes alvos envolvidos no desenvolvimento e imunidade. Proteínas NF-kB podem ter um papel significante na osteoporose pós-menopausa regulando a produção de citoquinas (59) (figura 4).
Existe evidência de que o estrógeno iniba a produção de IL-6 pelos osteoblastos via receptor de estrógeno, que previne a ligação dos fatores de transcrição NF-kB e NF-IL6 com seus respectivos elementos resposta do DNA no promotor de IL-6 (60).
É bem conhecido que a ativação de NF-kB é estritamente regulada por seu inibidor endógeno (IkBa) que pode estar fisicamente associado com NF-kB. A expressão da forma ativa de NF-kB é induzida por diversos estímulos como IL-1, IL-2, TNFa e PMA (phorbol 12-myristate 13-acetate). Esses estímulos parecem ativar NF-kB através da indução da fosforilação e liberação de IkBa (60), dessa forma permitindo a rápida translocação de NF-kB do citoplasma para o núcleo (figura 4).
Sun e cols (60) demonstraram que o tratamento com estrógeno inibe a degradação protéica IkBa induzida por PMA e que um provável efeito do estrógeno seria na manutenção de IkBa e, portanto, a inativação de NF-kB. Outros autores, por sua vez, evidenciaram o efeito da via PKC (proteína C-quinase) para biossíntese e secreção de IL-6 em diferentes células, inclusive em células do estroma de medula óssea humana (61,62). Kim e cols (61) não encontraram efeito do estrógeno na produção constitutiva de IL-6 em células de medula óssea humana, porém o nível de IL-6 diminuiu com estrógeno em células estimuladas com PMA (estimulador da via PKC).
SERMs (Selective Estrogen Receptor Modulators)
A compreensão do mecanismo de ação do estrógeno poderá levar ao entendimento também do mecanismo de ação dos moduladores seletivos do receptor de estrógeno (SERMs). SERMs são uma nova classe de moléculas não hormonais que se ligam à receptores de estrógeno e podem funcionar como agonista ou antagonista do estrógeno na dependênca do tecido-alvo. O conceito de SERM nasceu a partir de constatações feitas com o tamoxifeno. Alguns estudos mostraram que o tamoxifeno previne parcialmente a perda óssea nas mulheres menopausadas e promove uma redução sérica do colesterol (63,64), mas a utilização prolongada do tamoxifeno aumenta o risco de câncer de endométrio.
Os resultados com o raloxifeno, primeiro SERM de segunda geração, são importantes. Um estudo multicêntrico europeu em 602 mulheres recém-menopausadas, mostrou que o raloxifeno induz um ganho mineral ósseo de 2-4% na coluna lombar, fêmur proximal e corpo total, em comparação à perda significativa do grupo placebo. Este efeito está ligado a uma redução da remodelação óssea, com as taxas dos marcadores de reabsorção e formação óssea tornando-se semelhante aos valores de mulheres não menopausadas (65). Informações complementares foram dadas pelo estudo MORE (Multiple Outcomes of Raloxifen Evaluation), realizado em 7.705 mulheres pós-menopausadas osteoporóticas, quando foi evidenciado uma diminuição em 50% na incidência de novas fraturas vertebrais em 36 meses de tratamento com raloxifeno, em comparação com placebo (66).
O mecanismo de ação molecular do raloxifeno envolve alta afinidade de ligação com o receptor de estrógeno, provocando alteração conformacional na estrutura do receptor, sua dimerização e associação com elementos resposta do DNA, já tendo sido descrito sítios de ligação do DNA, elementos resposta específicos para o raloxifeno e distintos do estrógeno (67). Estrógeno e raloxifeno podem ativar a transcrição de genes que codificam TGFb e que junto com outras citoquinas induzem a produção de osteoblasto e inibem a atividade e/ou a vida média do osteoclasto (67).
Dados de histomorfometria em ratos ooforectomizados tratados durante cinco semanas com raloxifeno ou estradiol, demonstram que raloxifeno, mimetizando a ação do estadiol, preveniu a perda óssea trabecular, através de um efeito anti-reabsortivo ósseo, como evidenciado pela redução no número de osteoclastos (68). Concordante com esse efeito, encontramos, após tratamento com raloxifeno, uma redução no número de células multinucleares TRAP+, precursores osteoclastos, em cultura de células de medula óssea humana (Ramalho e col, dados pessoais).
A habilidade do raloxifeno de provocar uma resposta tecido-seletiva parece estar relacionada com a diversidade de proteínas associadas ao receptor nos diferentes tecidos (co-ativadores, co-repressores, fatores de transcrição), com a diferente distribuição dos subtipos do receptor de estrógeno (a e b) nos tecidos e com a ativação de diversos elementos resposta em diferentes genes.

MODELOS DE ESTUDO IN VITRO DESENVOLVIDOS PARA ESTUDO DOS EFEITOS DO ESTRÓGENO E OUTRAS SUBSTÂNCIAS SOBRE O OSSO
Vários sistemas de cultura de células provenientes de diferentes espécies têm sido elaborados para estudar o mecanismo celular e molecular da osteoclastogênese e o efeito do estrógeno sobre esse processo. Quatro categorias podem ser descritas (69):
1) Osteoclastos desenvolvidos a partir de monócitos (de sangue periférico, de sangue do cordão umbilical, de origem esplênica ou linhagem de célula monocítica) cultivadas na presença de células estromais (linha de célula osteoblástica);
2) Co-cultura de células da medula óssea: cultura de células da fração mononuclear cultivadas com adequada linhagem de células estromais ou com osteoblastos;
3) Cultura de células mononucleares da medula óssea na presença de seroma e vários fatores solúveis;
4) Formação de osteoclasto a partir de cultura de células de medula óssea total (células hematopoiéticas e células do estroma). As células multinucleares são formadas por mecanismo de fusão de precursores mononucleares na presença das células estromais da medula óssea total e que aderem em cultura in vitro durante a cultura.
Todos esses modelos de estudo apresentam suas limitações para mimetizar de forma adequada o meio ambiente ósseo e, portanto, poder reproduzir de forma eficaz in vitro os mecanismos e substâncias que intervém na remodelação óssea. Apesar da melhora no método de isolamento de osteoclastos maduros (70,71), vários inconvenientes limitam sua utilização: o número escasso dessas células, a impureza das preparações, a baixa viabilidade das células em cultura e o seu difícil acesso no homem. Essas células chegam ao fim da diferenciação e não mais se dividem, podendo assim ser mantidas em cultura apenas durante poucos dias.
A ausência de um modelo in vitro com boa reprodutibilidade do meio ambiente ósseo tem dificultado um entendimento claro dos mecanismos envolvidos na remodelação óssea, como também do mecanismo de ação de drogas anti-reabsortivas ósseas, como o estrógeno.
Em resumo, o efeito anti-osteoclasto do estrógeno e do raloxifeno está relacionado à redução do número de células precursoras de osteoclasto, sendo controverso se esse efeito é mediado pela IL-6 ou ainda se está relacionado à apoptose dessas células. O efeito do estrógeno no osso parece ser mediado pelo ERa, não estando esclarecido o papel do ERb. Quanto à via de transcrição intracelular do efeito do estrógeno, existem evidências de que o estrógeno inibe a produção de IL-6 pelos osteoblastos via receptor de estrógeno, que previne a ligação dos fatores de transcrição NF-kB. As dificuldades no avanço do entendimento do mecanismo de ação do estrógeno e SERMs está relacionada às limitações dos diversos modelos de estudo para mimetizar de forma adequada o meio ambiente ósseo e portanto poder reproduzir in vitro de forma eficaz os mecanismos e substâncias que intervém na remodelação óssea

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Endereço para correspondência:
Ana Claudia R. Ramalho
R. Território do Guaporé 363, apto 901 - Pituba
41.830-520 Salvador, Bahia

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