sexta-feira, 16 de maio de 2014

Proteção contratual do consumidor brasileiro



Mestranda pela Faculdade de Direito da UFRGS.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Elementos da relação jurídica de consumo. 2.1. Sujeitos: Consumidor e Fornecedor. 2.2. Objeto: Produto e Serviço. 2.3.Fato Jurídico. 2.4. Garantia. 3. Proteção contratual do consumidor. 3.1. Fase Pré-Contratual. 3.2. Formação do Vínculo. 3.3. Fase Contratual. 3.4 Fase Pós-Contratual. 4. Conclusões.

1. Introdução
As chamadas relações de consumo, durante muito tempo estudadas apenas no âmbito da ciência econômica, a partir dos anos 60 começam a ser objeto de políticas governamentais nas regiões mais industrializadas no planeta. O objetivo das políticas de proteção ao consumidor consiste em três principais tópicos: resolver as persistentes carências; aumentar a qualidade dos produtos ou mercadorias distribuídos no mercado; reconhecer o consumidor não mais como elemento passivo e secundário no cenário econômico, mas como elemento ativo e relevante (1).
A Constituição Brasileira de 1988, a exemplo de outras constituições (2), tal como a da Espanha (3) e a de Portugal (4), elevou a condição de princípio constitucional a proteção ao consumidor em seu art. 170, V (5).
A partir da promulgação do Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90, o direito do consumidor ingressa como ramo específico do direito brasileiro. A constatação do forte desequilíbrio da relação contratual entre fornecedor e consumidor exige a tutela legal a incidir sob vários aspectos, destacando-se a proteção no âmbito civil.
Dentre os temas abrangidos nessa área, a proteção contratual desponta como um desafio à ordem jurídica. Isto porque o critério para a aplicação da lei não é mais definido somente pela função econômica-social típica(locações, compra e venda, etc.) do contrato, mas também em razão da função social e da finalidade contratual. Em razão desta classificação cumulativa, tem-se encontrado dificuldades práticas em subsumir os contratos na categoria de consumo. A chave para desvendar este dilema, está no domínio dos conceitos que compõem a relação jurídica de consumo, o que analisaremos a seguir.
 
 

2. Elementos da Relação Jurídica de Consumo
De acordo com Mota Pinto, (6) "toda relação jurídica existe entre sujeitos; incidirá normalmente sobre um objeto; promana de um fato jurídico; e a sua efetivação pode fazer-se mediante recurso a providências coercitivas, adequadas a proporcionarem a satisfação correspondente ao sujeito ativo da relação, isto é, a relação jurídica está dotada de garantia". São quatro, portanto, os elementos da relação jurídica: sujeito, objeto fato jurídico e garantia.
A Lei 8.078/90 atribui juridicidade à relação de consumo através da identificação dos quatro elementos estruturais da relação jurídica. Como sujeitos ativo e passivo a lei identifica respectivamente o consumidor e o fornecedor; como objeto sobre o qual recai tanto a exigência do credor como a obrigação do devedor, temos o produto ou serviço.
2.1.1. Sujeitos da Relação de Consumo
I . Conceito de Consumidor
I.I. Conceito de Consumidor Padrão
Um dos conceitos mais controversos no Direito atual, sem dúvida é o de consumidor.
Além de polêmica, como aponta Antônio Herman V. Benjamin (7), é essa definição que "estabelecerá a dimensão da comunidade ou grupo a ser tutelado e, por esta via, os limites da aplicabilidade do Direito Especial. Conceituar o consumidor, em resumo, é analisar o sujeito da relação jurídica de consumo tutelada pelo Direito do Consumidor".
O CDC define em seu art. 2º, caput: " Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Entende grande parte dos autores nacionais que o legislador brasileiro preferiu uma noção objetiva de consumidor. Isto porque na definição legal, a aquisição ou utilização do bem como destinatário final é, a princípio, a única característica restritiva. Porém, há duas correntes - os maximalistas e os finalistas (8) - que interpretam diferentemente a expressão.
Para os maximalistas (9), o destinatário final do produto, que o retira do mercado, o utiliza e consome. Por esta razão, a definição do caput do art. 2º do CDC deve ser interpretada o mais extensivamente possível para que as suas normas possam servir cada vez mais às relações de mercado. Consideram que a definição de consumidor do CDC é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não o fim do lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço.
Já os finalistas, entendem que o destinatário final é o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, não bastando retirá-lo da cadeia de produção, mas também sendo necessário utilizá-lo para si e/ou para sua família.Entendem os finalistas que o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável, ou seja, em princípio, os não profissionais. Isto porque para esta corrente pioneira do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, uma vez que ele é a parte mais fraca nas relações contratuais, como afirma o art. 4º do CDC (10).
Dentre os autores nacionais que se identificam com esta corrente, temos Fábio Comparato (11) que em sua tão compilada definição já entendia em 1974 que:
"o consumidor é, pois, de modo geral aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua vez de outros empresários como fornecedores de insumos e financiadores, por exemplo, para exercer sua atividade produtiva; e nesse sentido é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor, quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com sua atividade própria. A recente Lei Sueca de 1973, sobre vendas ao consumidor, define este último como `pessoa privada que compra e um comerciante uma mercadoria principalmente destinada a seu uso privado, e que, é vendida no quadro da atividade profissional ou comerciante'. É nessa perspectiva que faz sentido em falar-se em proteção ao consumidor."
Como se pode perceber, a interpretação finalista é dominante na doutrina nacional. A partir deste primeiro conceito legal adotado pelo Código, que conceitua o consumidor padrão (12) percebe-se que:
1. Consigna-se neste dispositivo o conceito de consumidor adstrito à posição de DESTINATÁRIO FINAL econômico, cujo objetivo é "adquirir um produto" ou "utilizar um serviço". O destinatário fático, ainda que possa receber a tutela legal em virtude de outras situações, não estarão incluídos no conceito de consumidor padrão do art. 2º caput do CDC (13).
2. Deve-se entender, através de uma interpretação subjetiva de consumidor, o NÃO PROFISSIONAL, que adquire os bens de consumo para uso privado, fora de sua atividade profissional (14).
3. O consumidor é reconhecido como a parte MAIS FRACA, afetada em sua liberdade pela ignorância, pela dispersão, pela desvantagem econômica, pela pressão das necessidades, pela influência da propaganda (15).
Através do art. 4º, I do CDC, percebe-se que o consumidor é presumido vulnerável. Essa vulnerabilidade pode ser de três tipos: fática, técnica, jurídica (16). O caráter de mais fraco, pode ser igualmente imprimido ao consumidor em razão de sua hipossuficiência (art. 6º, VIII do CDC), em razão da comprovada disparidade econômica, trazendo como conseqüência a inversão do ônus da prova no processo.
4. O consumidor é um ADQUIRENTE: cinge-se nesse aspecto a uma relação de consumo a uma aquisição, um negócio jurídico que, via de regra, consubstancia-se num contrato de compra e venda (17).
5. Além de todas estas características inerentes ao consumidor, há, ainda, a dimensão RELACIONAL que este conceito possui. Pois só haverá tutela legal, se o outro pólo da relação for um fornecedor profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal.
Muitos autores brasileiros entendem que o conceito de consumidor dado pelo nossos Código é plurívoco. Uns entendem ser isso uma falta de precisão; outros, tal como Newton de Lucca (18), asseguram que isso se dá devido à manifesta impossibilidade de uma única definição, não em razão de falta de critério científico do Direito do Consumidor, mas em decorrência de circunstância inerente ao maior ou menor âmbito que se queira dar à disciplina protetora. Todavia, nos parece mais coerente o entendimento de apenas um conceito, o exposto no art. 2º, caput, sendo os demais casos equiparações para efeitos da tutela protetiva do agente, tal como se pode retirar da própria expressão encontrada no texto legal.
I.II. Consumidores-Equiparados
A lei prevê, igualmente a proteção para pessoas que, embora não constituindo consumidor em sentido estrito, possam sofrer os efeitos oriundos das atividades dos fornecedores no mercado.
Estas pessoas, grupos, ou mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabildade, mesmo não preenchendo as características de um consumidor standard. A relação desigual entre aquele que ocupa a posição preponderante - machtposition (o fornecedor) - e o que ocupa a posição de vulnerabilidade é tutelada pela lei brasileira.
Dessa maneira, para efeitos de proteção legal, o CDC equipara à consumidor: a) a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único); b) todas as vítimasdo evento danoso. (art. 17 do CDC); c) as pessoas expostas às práticas comerciais e à disciplina contratual (art. 29 do CDC).
O art. 2º parágrafo único do CDC, equipara a consumidor, a coletividade de pessoas, a quem a lei confere sua tutela, desde que intervenha nas relações de consumo (19). A importância do parágrafo único do art. 2º do CDC é o seu caráter de norma genérica, intepretadoras, aplicável a todos os capítulos e seções do código (20). Este terceiro, denominado pelo direito norte-americano de bystander, é aquele que embora não sendo adquirente se utiliza dos produtos colocados no mercado, ou, que venham a sofrer danos físicos causados por eles (21).
Através do art. 29 do CDC, em que se manifesta a maior amplitude da esfera protetiva da do CDC, o legislador concedeu um poderoso instrumento nas mãos de todos que porventura expuserem-se às práticas abusivas. O art. 29 amplia o conceito de consumidor, aplicando-se as regras dos capítulos cinco e seis do Código, referentes respectivamente as práticas comerciais e proteção contratual, para todos inclusive profissionais submetidos às práticas abusivas, permite uma tutela protetiva daquele profissional, consumidor-equiparado, de forma a reequilibrar a relação e reprimir o uso abusivo do poder econômico.
II. Conceito de Fornecedor
O outro pólo da relação contratual, menos polêmico, na sua caracterização, é o fornecedor. O art. 3º caput do CDC, define: "Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
A partir da simples leitura do artigo da lei, parece indicar a exigência de alguma reiteração ou habitualidade, mas fica clara a intenção do legislador de assegurar a inclusão de um grande número de prestadores de serviço no campo de aplicação do CDC, à dependência única de ser o co-contratante um consumidor. Philomeno Costa (22), no mesmo sentido, afirma que o sentido gramatical isolado leva à consideração de que mesmo algum tipo mais informal de comércio ou de prestação de serviços, estarão sujeitos a cerrada proteção que o código impõe às atividades desses profissionais.
Outro ponto importante da conceituação de fornecedor é o fato de incluir sob a tutela da lei, os serviços de natureza pública. Assim poderão ser fornecedores de uma relação jurídica de consumo: a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, os partidos políticos, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as concessionárias, as permissionárias e aquelas que exerçam prestação de serviço público por delegação. A única restrição aos fornecedores tanto privados, quanto públicos é que recebam remuneração direta quando do exercício de sua atividade profissional.
2.1.2. Objeto
O objeto de uma relação jurídica é, como se sabe, o elemento em razão do qual a relação se constitui e sobre a qual recai tanto a exigência do credor, como a obrigação do devedor, podendo ser tanto uma coisa quanto uma prestação.
Na relação de consumo, esse objeto, é, por certo determinado comportamento positivo por parte do sujeito passivo, isto é, a prestação por parte do fornecedor, a que se alude à definição do CDC, art. 3º, in fine.
O Código do Consumidor trouxe um interessante inovação em face à relação jurídica quanto a seu objeto. Estando os contratantes inseridos nos conceitos dos arts. 2º e 3º do CDC, estaremos em face a um contrato de consumo. Assim, aplicar-se-á a tutela específica da lei de defesa do consumidor, ainda que tal espécies de contrato possua regramento próprio.
Devemos, pois, buscar, a partir desse momento, a adequação dos agentes em função da finalidade do ato realizado e não mais da espécie do negócio realizado (23).
I. Conceito de Produto
O CDC define em seu art. 3º, par. 1º, produto como sendo "qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial".
As diversas qualificações que um produto pode assumir são bem mais amplas e flexíveis do que a terminologia tradicional do Código Civil, que utilizava a palavra "bens". Entende-se que a intenção do legislador foi englobar as diversas categorias de bens explicitadas pelo próprio conceito. Considera-se, a princípio, qualquer bem, como produto desde que resulte da atividade empresarial em série de transformação econômica. Quanto aos bens do setor primário, tal como são os de natureza agrícola, entende-se que serão incluídos sob a esfera do CDC desde que tenham sofrido transformação por intervenção do trabalho humano ou mecânico (24).
II. Conceito de Serviços
De acordo com o art. 3º, parágrafo 2º do CDC: " Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."
Para efeitos de proteção do consumidor os serviços devem ser prestados no mercado de consumo, mediante remuneração. Podem ser tanto de caráter público como privados, desde que observem os requisitos da profissionalidade (25) do recebimento de contra-prestação em dinheiro.
2.1.3. Fato Jurídico
Segundo Pontes de Miranda, fato jurídico é, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica (26).
No estudo realizado sobre as relações de consumo, o fato jurídico relevante é o novo fenômeno da contratação. Diante da complexificação social, que conduziu a produção em massa, o contrato alterou sua dinâmica da negociação para a objetivação. A partir daí há uma progressiva intervenção estatal no sentido de reequilibrar esta relação tutelando a parte mais fraca, em detrimento do princípio da autonomia da vontade.
Por outro lado, os negócio jurídicos de consumo devem ser visualizados em razão da função econômico-social, qual seja, a satisfação das necessidades dos consumidores que deve se materializar em cada tipo negocial realizado, independentemente da sua natureza (27).
2.1.4. Garantia
A garantia da relação jurídica, de acordo com a definição de Mota Pinto (28), "é o conjunto de providências genéricas de caráter coercitivo, postas à disposição do titular ativo de uma relação jurídica, em ordem a obedecer a satisfação do seu direito, lesado por um obrigado que o infringiu ou ameaça infringi-lo".
O CDC constitui um feixe de garantias postas à disposição do consumidor. A garantia mais comum, a responsabilidade pelo fato ou vício do produto ou serviço, prevista no art. 18 é de cunho alternativo. Caso o problema não seja sanado no prazo de trinta dias, o consumidor poderá exigir à sua escolha entre: a substituição do produto por outro da mesma espécie; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais danos; ou, ainda, o abatimento proporcional no preço.
 
 

3. Proteção contratual do consumidor no CDC
A proteção contratual do consumidor brasileiro, apresenta-se como um processo, bem no entendimento do professor Clóvis do Couto e Silva (29), uma vez que possui várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência. A proteção contratual vista como um processo, compõe-se, em sentido lato, do conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor, que neste caso é o consumidor.
3.1. Fase Pré- Contratual
Na fase pré-contratual observa-se a predominância do princípio da transparência, ou seja, informação clara e correta acerca do contrato e a respeito do produto ou serviço; e lealdade e respeito entre fornecedor e consumidor (30).
A informação surge antes da formação do contrato ao mesmo tempo como um dever imposto pela lei ao fornecedor (art. 8º do CDC) e como uma obrigação que vincula a manutenção da oferta (art. 30 do CDC). Assim teremos como dois principais deveres por parte do fornecedor o dever de informar sobre as condições da negociação e sobre as características do produto ou serviço, tais como preço, composição, riscos (31).
A publicidade, sempre tida como mero instrumento de vendas, e portanto juridicamente neutra, ganha múltiplas funções no Código do Consumidor. É vedada quando enganosa - mentirosa, fraudulenta, omissa - ou abusiva - atentatória contra os bons costumes, incitadora de violência (32) - deve ser identificável enquanto publicidade (art. 36 do CDC) e sobretudo ser verdadeira (art. 38 do CDC).
Cláudia Lima Marques (33) bem observa que todos estes papéis atribuídos a publicidade são decorrentes da sujeição ao princípio da boa-fé objetiva no sentido de que a publicidade seja uma atividade leal e refletida, pensando no receptor da mensagem. A publicidade pode, inclusive, ser fonte de obrigação, sendo equiparada à oferta quando suficientemente clara e precisa (art. 30 do CDC). Segundo Comparato (34), houve um alargamento da contratação, no sentido de entender os processo de publicidade comercial como integrante do contrato, em razão do aumento da preocupação com o consumidor. Por isso, os anúncio públicos, a apresentação de mercadorias e produtos devem ser feitos no interesse do consumidor, quanto a indicação dos preços, a embalagem e os rótulos.
A oferta, considerada como elemento inicial do contrato, aumenta seu caráter vinculativo não somente no que se refere à publicidade, mas também em razão de qualquer informe seja ele um pré-contrato, um recibo, ou qualquer declaração de vontade. Os efeitos gerados pela oferta é a obrigação de efetuar a obrigação principal, uma vez dada a aceitação pelo consumidor.
3.2. Formação do Vínculo
O art. 46 do CDC prevê que sem o conhecimento prévio do conteúdo contrato ou a presença de contrato cuja redação não for clara, não obriga o consumidor. Deve-se levar em conta o evidente desequilíbrio entre as partes, evitando-se a Lesão Enorme para um dos contratantes, Dentre os dispositivos que visam o equilíbrio contratual temos o art. 6º, VI, 1ª parte, e a norma que proscreve o destaque em caixa alta para as cláusulas restritivas dos direitos dos consumidores.
3.3. Fase Contratual
Na fase contratual propriamente dita, temos a presença do Dirigismo, que não se limita a interpretar os contratos realizados em massa, mas manifesta-se também através da imposição de cláusulas contratuais em favor do mais fraco e proibição de certas condutas que, uma vez presentes, são anuladas ou tornadas ineficazes quando pouco eqüitativas (35).
Neste mesmo sentido insere-se a regra da interpretação mais favorável, em caso de cláusulas dúbias em favor do consumidor. Caso a cláusula seja abusiva segundo o art. 51 do CDC ou se inobservar os princípios da equidade e da boa-fé, teremos a nulidade de pleno direito.
Em caso de vendas agressivas, ou seja aquelas realizadas fora do estabelecimento comercial temos o direito de arrependimento que se manifesta através da devolução do produto e reembolso das quantias já pagas a ser exercido no prazo de sete dias. (art.49 do CDC)
Por fim, temos a execução forçada da obrigação a ser realizada nos termos do art. 84 (36). (art. 48 do CDC)
3.4. Fase Pós-Contratual
A responsabilidade civil em matéria de consumidor, segundo Comparato (37), deu-se em razão de dois principais fatores: a produção em série e o circuito de distribuição dos bens em massa. O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, prevê nos arts. 12 a 14 a responsabilidade civil objetiva, independentemente de culpa do agente, por todos os danos causados aos consumidor. Esta responsabilidade do fabricante ou do produtor situa-se na esfera extracontratual, já que não há vínculo contratual direto como consumidor, não obstante as construções doutrinárias e jurisprudenciais para estabelecer uma relação direta entre as pontas de produção e do consumo.
 
 

4. Conclusões
A partir deste estudo constatou-se a presença de um sistema tal com o um conjunto de elementos organizados, unitariamente relacionados, de proteção contratual do consumidor.
Nesse sistema, a proteção civil visa três principais objetivos: 1. assegurar o equilíbrio econômico entre os contratantes; 2. proteger a relação contratual; 3. zelar pela integridade físico-psíquica do consumidor.
Para delimitar a incidência de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, é necessário precisar os conceitos da relação contratual de consumo e de seus sujeitos (consumidor-padrão, consumidor-equiparado e fornecedor), uma vez que não é mais o tipo de contrato, mas sim sua finalidade que determina a incidência da norma protetora.
O conceito de consumidor é único na lei, estando presente no artigo 2º do Código, caracterizando-se por ser o destinatário fático e econômico, não profissional, que se encontra no pólo mais fraco da relação jurídica, o adquirente que deve relacionar-se com um profissional remunerado (fornecedor), numa perspectiva relacional. Além do consumidor padrão são tutelados pela lei todos os envolvidos na relação de consumo, as vítimas do dano e, por fim, todos que forem expostos às práticas comerciais e ao ato da contratação.
A relação contratual de consumo apresenta-se como um processo dividido em várias fases: Pré-Contratual - que antecede o nascimento do vínculo publicidade não é mais vista apenas como um meio; Contratual - abrangendo a formação do vínculo, seu desenvolvimento e adimplemento; e Pós-Contratual - sobrevem ao cumprimento do dever principal.
A publicidade adquire maior importância no meio jurídico, pois não é mais percebida apenas como técnica de venda, mas também instrumento jurídico gerador de obrigações contratuais.
Em síntese, pode-se afirmar que o processo de proteção contratual no Brasil vêm sofrendo um lento e progressivo impulso no sentido de ampliar o alcance efetivo da lei através dos diversos órgãos de proteção ao consumidor. As associações não governamentais (ONGs) contribuem com o papel fiscalizador e educador da população. Dentre os órgãos estatais, o PROCON desponta como uma alternativa para a solução dos mais diversos problemas de consumo. Atua simultaneamente na educação e informação dos consumidores, assim como na mediação de conflitos entre consumidores e fornecedores, além de prestar assessoria jurídica e encaminhar demandas para o Judiciário. Na área legislativa, formam-se lentamente comissões para defesa do consumidor a fim de avaliar os projetos de lei na área do consumo. Também nos Juizados Especiais de Pequenas Causas, têm aumentado progressivamente as lides na área do consumo.
Finalmente, a Lei nº 8.78/90 da defesa do consumidor, resultou da necessidade pungente da sociedade de massas. Reformulou aspectos da Teoria Geral dos Contratos tal como a relativização da autonomia da vontade, contribui alguma medida, como mecanismo tutelar das relações de consumo, cujo equilíbrio, é indispensável para o desenvolvimento da cidadania.
 
 
 
 

Notas
(1) Comparato, Fábio Konder. "A Proteção ao Consumidor na Constituição Brasileira de 1988". In: Revista de Direito Mercantil nº 80, pp. 66-75, out-dez/90, pp. 66 e 67).
(2) A nova Constituição Argentina de 1994, em seu art. 42, igualmente incorpora a tendência de atribuir a proteção ao consumidor status constitucional.
(3) Constituição Espanhola de 1978, art. 51: " os poderes públicos garantirão a defesa dos consumidores e usuários protegendo, mediante procedimentos eficazes, a segurança, a saúde e os legítimos interesses econômicos dos mesmos".
(4) Constituição Portuguesa de 1982, revisada em 1989. art. 102 "a proteção dos consumidores é um dos objetivos da política comercial." In: Canotilho, J.J. e Moreira, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 2ª ed. , vol. 1. Coimbra, 1984, p. 475.
(5) Constituição Brasileira de 1988, art. 170, V: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digne, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V- defesa do consumidor"
(6) MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria Geral do Direito Civil. 3ª ed. Portugal: ed. Coimbra, 1988. Vol.1 p. 168.
(7) In: Revista dos Tribunais nº 628, p. 67.
(8) Vide: DONATO, Maria Antonieta Zanardo, p. 90; MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 100.
(9) Dentre os autores nacionais que pertencem à corrente Augusto ZENUN. Para o autor, a definição do art. 2º do CDC não deveria nem conter a palavra ‘final’ adjetivando destinatário. Argumenta o autor que se assim fosse, raríssimas seriam as pessoas jurídicas destinatárias finais, quer pelo Código, quer pelo que acontece na vida cotidiana. In: Comentários ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1991. pp. 8 e 9.
(10) vide MARQUES, ob. cit., p. 100.
(11) In: Revista de Direito Mercantil nº 15/16, 1974, pp. 90-91.
(12) Ou consumidor standard: terminologia adotada por Nelson Nery Jr. In: Revista de Direito do Consumidor nº 3 e Maria Antonieta Zanardo Donato In: Proteção ao Consumidor: conceito e extensão, p. 56; ou consumidor strictu sensu: denominação adotada pela professora Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 99.
(13) DONATO ob. cit., págs. 56 e 139. Vide também: MARQUES, ob. cit., p. 100.
(14) MARQUES, ob. cit., p. 99; LEÃES, IBCT p. 65-79 citado por LUCCA, Newton de. "O Código de Defesa do Consumidor: Discussões sobre seu âmbito de Aplicação", p. 85; Neste sentido vide também: 1. ALMEIDAOs Direitos dos Consumidores. Almedina: Coimbra, p. 215 "Já se viu que o consumidor é um não-profissional ou quem como tal atua, isto é, fora do âmbito da sua actividade profissional.(...)"; 2. BIHL, L. Droit de la consommation, p. 754. Citado por LUCCA, ob. cit., p. 86: "Consumidor é a parte que adquire os bens e serviços para consumir, sem ser ele mesmo produtor, nem distribuidor"
(15) PASQUALOTTO, Adalberto, p. 53; vide também COMPARATO"Consumidores são aqueles que não dispõem de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes". In: Revista de Direito Mercantil nº 15/16, p. 90.
(16) A vulnerabilidade fática concentra-se no fato do fornecedor que por sua posição de monopólio, impõe uma superioridade econômica a todos que com ele contratam; a técnica se dá em razão do desconhecimento específico sobre o produto ou serviço; e a jurídica ou científicaé falta de conhecimentos específicos sobre a técnica jurídica, contábil ou econômica. MARQUES, ob. cit., pp. 105-106.
(17) DONATO, ob. cit., p. 133.
(18) In: Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 37-40.
(19) DONATO, ob. cit., p. 56.
(20) MARQUES, ob. cit., p. 111.
(21) PASQUALOTTO, Adalberto. In: RT nº 658, p. 58; e LEÃES, ob. cit., p. 15.
(22) In: Revista de Direito Mercantil nº 83, p. 9.
(23) DONATO, ob. cit., p. 109.
(24) Vide: LEÃES, ob. cit., p.18; e DONATO, ob.cit., pp. 109 a 116.
(25) Entende-se por serviço profissional aquele prestado por agente com formação especializada na área, que exerça a atividade com habitualidade. DONATO, ob.cit., p.117.
(26) Tratado de Direito Privado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bosch, 1972, tomo I, p. 77.
(27) PASQUALOTTO, Adalberto. "Defesa do Consumidor". In: RT nº 658, ago/90, p. 59.
(28) MOTA PINTO, ob. cit., p. 182-183.
(29) A Obrigação como um Processo. São Paulo: Bushatsky, 1979, p. 10.
(30) MARQUES, ob. cit., p. 206.
(31) PASQUALOTTO, p. 60.
(32) Conceitos de Adalberto PASQUALOTTO, ob. cit., p. 62.
(33) In: Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1992., p. 216.
(34) In: "A Proteção do Consumidor: Importante Capítulo do Direito Econômico". Revista de Direito Mercantil nº 15/16, 1974, p. 97.
(35) Comparato, ob. cit., p. 94-95.
(36) art. 84 caput do CDC" Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz considerará a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."
(37) Ob. cit., p.

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