sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Influência do clima como desencadeante de crises de enxaqueca

 estudo prospectivo*


Mayra Souza CampanaI; Barbara Scarpim MolinaI; Diogo Molina Troiano NetoI; Vitor WaismanI; Yára Dadalti FragosoII
IGraduando de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos. Santos, SP, Brasil
IIChefe do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina, Universidade Metropolitana de Santos. Santos, SP, Brasil 



RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Enxaqueca é uma cefaleia primária altamente prevalente, afetando a qualidade de vida dos pacientes. Pode começar na infância ou adolescência e acompanhar o paciente por toda a sua vida. Os fatores desencadeantes das crises de enxaqueca, quando identificados, podem auxiliar o paciente a lidar com os estímulos externos e levar ao tratamento mais eficaz. O objetivo deste estudo foi observar se as alterações climáticas da região podem ser um potencial fator desencadeante de crises de enxaqueca.
MÉTODO: Estudo prospectivo incluindo 60 pacientes que apresentam enxaqueca e moram na cidade de Santos, SP, Brasil. Os participantes foram selecionados de acordo com os critérios diagnósticos de enxaqueca daInternational Headache Society. Os dados dos diários de cefaleia foram correlacionados com as informações fornecidas pelo Climatempo Santos.
RESULTADOS: Quarenta e nove diários de cefaleia abrangendo 104 dias de avaliação prospectiva foram devolvidos e analisados. Durante os 104 dias de estudo, foram registradas crises de enxaqueca em 96 dias (92,3%). Em 51 dias 10% ou mais dos participantes (> 5) apresentaram crises de enxaqueca, enquanto em sete dias 20% ou mais dos participantes (> 10) tiveram crise de enxaqueca. A umidade do ar foi praticamente 50% menor na véspera dos dias de maior incidência de crises de enxaqueca (p < 0,001), quando também se observou menor pressão relativa do ar (p = 0,01).
CONCLUSÃO: Foi observada correlação entre a baixa pressão atmosférica e a baixa umidade do ar com a prevalência de crises de enxaqueca no dia seguinte.
Descritores: Cefaleia, Clima, Enxaqueca.



INTRODUÇÃO
Na classificação da International Headache Society1, a enxaqueca está incluída no grupo de cefaleias primárias, de alta prevalência, que acometem mais mulheres do que homens e pode se iniciar na infância ou adolescência, acompanhando o paciente por toda a sua vida1. A importância de seu estudo se dá pelo sofrimento individual, e pelo seu prejuízo econômico de custos diretos com atenção médica e medicamentos e indiretos com diminuição da produtividade e falta ao trabalho, apesar de não ser causa de morte2.
Com prevalência estimada em 12% da população, e mais de duas vezes mais frequente em mulheres, a enxaqueca provoca impacto significativo na economia e no bem estar social de inúmeras pessoas e nações em todo o mundo, inclusive no Brasil3. A fisiopatologia da enxaqueca ainda não foi completamente elucidada4. As principais estruturas envolvidas parecem ser o sistema nervoso central (SNC), o sistema trigeminovascular e os vasos correspondentes, outras fibras autonômicas que inervam estes vasos, e os vários agentes vasoativos locais5. A alteração genética de um canal de cálcio cerebral específico provoca um estado de hiperexcitabilidade com metabolismo cerebral anormal, tornando o SNC mais suscetível a estímulos externos luminosos e olfativos, e internos como jejum e estresse6. Entre os potenciais fatores externos que poderiam ser desencadeantes de crises de enxaqueca, encontram-se as alterações climáticas7. O papel da alteração no clima como fator relacionado às crises de enxaqueca é discutível7 e pode depender muito mais de uma sensibilidade individual do que de um fator comum aos pacientes8. No entanto, em alguns estudos pelo menos metade dos pacientes refere condições climáticas como desencadeantes bem definidos8,10, enquanto em outros estudos parece claro que isto ocorre somente em uma subpopulação muito específica de enxaquecosos8.
Até o momento, não existem estudos brasileiros prospectivos que especificamente avaliem o papel do clima como potencial desencadeante de crises de enxaqueca. O objetivo deste estudo foi observar se mudanças das condições climáticas da Baixada Santista podem agir como fatores desencadeantes de crises de enxaqueca.

MÉTODO
Após aprovação pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Metropolitana de Santos, SP, sob nº 15/2011, CAAE: 0012.0.161.000-11, realizou-se este estudo prospectivo, incluindo indivíduos de 18 a 60 anos de idade, com diagnóstico de enxaqueca, que não estavam utilizando e que não buscavam tratamento profilático por ocasião da inclusão. Os participantes foram selecionados por preencherem 100% dos requisitos para o diagnóstico de enxaqueca da Sociedade Brasileira de Cefaleia, baseado na classificação da International Headache Society1. Indivíduos com outras formas de cefaleia associadas ou em tratamento profilático atual para enxaqueca foram excluídos.
Após identificação de que o indivíduo realmente apresentava todos os critérios para diagnóstico de enxaqueca, foi entregue o diário de cefaleia para ser preenchido por três meses consecutivos. O preenchimento do diário foi explicado de maneira individual e detalhado. Os detalhes climáticos temperatura, pressão e umidade do ar, foram obtidas do serviço "Climatempo" pelos portais www.climatempo.com.br e www.cptec.inpe.br/cidades. O período de seguimento incluiu 104 dias consecutivos no período de 20 de maio a 31 de agosto de 2011.
A análise estatística dos dados foi feita por meio do teste t de Student de correlação de Pearson para dados quantitativos. As demais descrições foram qualitativas.

RESULTADOS
Cem indivíduos foram inicialmente selecionados para avaliação da cefaleia. Destes, 60 apresentavam todos os critérios diagnósticos de enxaqueca e não apresentavam outra forma de cefaleia e foram incluídos no estudo. Após três meses os participantes retornaram os diários com todos os detalhes das crises e 49 destes (82%) estavam completa e corretamente preenchidos. Onze participantes não concluíram o estudo por não terem preenchido todos os dados dos diários durante os três meses de seguimento.
Do grupo de 49 participantes, a maioria era do gênero feminino (89,8%). A idade dos participantes variou entre 17 e 57 anos completos (média de 20 anos e mediana de 25 anos).
Nestes 104 dias de estudo, houve queixa de crise de enxaqueca em 96 dias (92,3%), sendo a variação entre zero e 13 participantes com enxaqueca por dia. Em 51 dias deste período, 10% ou mais dos participantes apresentou crises de enxaqueca. Em sete dias deste período, 20% ou mais dos participantes apresentou crises de enxaqueca (Tabela 1)
A temperatura nos dias estudados variou entre 13,2 e 26,6º C, com média 19,1º C. Nos dias de maior incidência de crises, mais de 20% dos participantes tiveram crise, a temperatura média foi de 18,4º C. Esta média foi 20,1ºC na véspera das crises e 21,9ºC nos dias sem crises registradas. A umidade relativa nos dias estudados variou entre 32% e 96%, com média 82,5%. Nos dias de maior incidência de crises, a umidade média foi 83,1%, semelhante àquela da média geral dos 104 dias. No entanto, na véspera do dia de maior frequência de crises, a média da umidade do ar foi 55,5%; tipicamente 48% menor do que na média de todos os dias e 40% menor do que a umidade média nos dias em que não houve registro de crises (p < 0,001 para ambas as comparações diretas e por correlação). Não houve diferença significativa entre a média de todos os dias (82,5%) e dos dias sem registro de crises (78%) no tocante às crises de enxaqueca observadas pelos participantes.
A pressão relativa média nos dias estudados foi de 1016,1 hectopascal (hPa). Deve ser lembrado que a cidade de Santos, SP, fica ao nível do mar, onde a pressão atmosférica relativa é realmente da ordem de 1000 hPa. Nos dias de maior incidência de crises, esta pressão foi menor, com média de 1012,7 hPa. Na véspera dos dias de maior incidência de crises de enxaqueca, a pressão média foi ainda mais baixa, da ordem de 1009,4 hPa (p = 0,01 para comparações diretas e por correlação).
Em resumo, houve menor pressão atmosférica e menor umidade do ar nos dias que precederam àqueles com maior frequência de crises de enxaqueca nessa população.

DISCUSSÃO
As dificuldades no estudo de alterações climáticas relacionadas a uma determinada doença não são poucas. O clima varia diariamente e varia dentro do mesmo dia. Pressão, temperatura e umidade como desencadeantes de crises podem ter seu efeito mascarado por ventos9, poluição10 ou estação do ano11.
A correlação entre crises de enxaqueca, inclusive de maior intensidade, com menores temperaturas e maior umidade do ar foi demonstrada7, porém estudo10 evidenciou exatamente o oposto, ou seja, maiores temperaturas e menor pressão relativa do ar se relacionavam às crises de enxaqueca. O presente estudo mostrou que a baixa umidade do ar e a baixa pressão atmosférica relativa se relacionaram à maior incidência de crises de enxaqueca trazendo, portanto, dados completamente diferentes dos estudos mencionados. Uma vez que altas pressões atmosféricas estão relacionadas com maiores índices de poluição, parece que o fator de poluição do ar, que não foi avaliado neste estudo, não se correlacionou com as crises de enxaqueca, pelo menos de forma indireta, avaliado pela pressão relativa do ar.
Considerando estudo brasileiro11, em que houve relato de maior incidência de crises de enxaqueca no verão, pelo menos 10% dos participantes teve crise de enxaqueca.
Potenciais vieses de memória ou de registro médico em prontuários de atendimento de pacientes, observados em muitos dos estudos aqui referenciados por serem retrospectivos e de coorte, foram minimizados no presente estudo que foi prospectivo. O retorno de mais de 80% dos diários devidamente preenchidos por mais de 100 dias evidencia o interesse dos participantes em observar potenciais fatores desencadeantes de suas crises de enxaqueca.
A evidência científica para os fatores climáticos como desencadeantes para crises de enxaqueca não são conclusivas de acordo com a revisão da literatura mundial.

CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou que a baixa umidade do ar e a baixa pressão atmosférica relativa se relacionaram à maior incidência de crises de enxaqueca no dia seguinte a tais alterações climáticas.

REFERÊNCIAS
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2. Brandes JL. Migraine and functional impairment. CNS Drugs 2009;23(12):1039-45.         [ Links ]
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 Endereço para correspondência:
Dra. Yára Dadalti Fragoso
Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina, UNIMES
Rua da Constituição 374
11015-470 Santos SP
Fone/Fax: +55 13 3226-3400
E-mail: yara@bsnet.com.br

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