terça-feira, 16 de setembro de 2014

Ensino de astronomia em um espaço não formal: observação do Sol e de manchas solares



Teaching astronomy in an informal space: observing the Sun and its sunspots


Silvia Calbo ArocaI, 1; Cibelle Celestino SilvaII
IDepartamento de Física Teórica e Experimental, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
IIInstituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil



RESUMO
O presente artigo analisa os resultados obtidos num minicurso sobre o Sol e sua dinâmica realizado no Observatório Astronômico do Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) pertencente à Universidade de São Paulo (USP) na cidade de São Carlos para alunos do ensino fundamental. As atividades foram desenvolvidas na recente inaugurada, Sala Solar. Ela é dedicada ao estudo do Sol, enfatizando a observação de manchas solares e do espectro do Sol. A metodologia adotada no minicurso consistiu em pequenos experimentos, observações e diálogos expositivos. Isto incentivou os estudantes a tomarem decisões, fazerem questionamentos e refletirem gerando pensamentos mais críticos e produzindo um maior número de conexões entre o real e o abstrato que contribuiu para níveis de maior complexidade conceitual verificados durante entrevistas semiestruturadas e nas respostas ao questionário final.
Palavras-chave: ensino de astronomia, educação não formal, Sol, museu de ciências.

ABSTRACT
The current article analyses the results obtained following a short course about the Sun and its dynamics for middle and junior high school students promoted at the Astronomical Observatory at the University of São Paulo (Observatório Astronômico do CDCC/USP) in the city of São Carlos in Brazil. The activities were developed in a recently launched room, the Solar Room. It is totally dedicated to the study of the Sun, focusing on sunspots and solar spectrum. The adopted methodology consisted of experiments, observations and discussions in small groups allowing students to reflect upon what was being studied. It fostered students' critical thinking by means of a larger number of connections between real and abstract concepts contributing to higher levels of conceptual complexity. Data were gathered by semi-structured interviews and answers to questionnaires.
Keywords: astronomy teaching, informal education, Sun, science museum.



1. Introdução
A astronomia é a ciência mais antiga da humanidade. Sua origem está intimamente ligada à astrologia, que busca prever acontecimentos marcantes na vida de uma pessoa a partir da influência e posição dos astros. Observando os astros, foi possível determinar a época certa para realizar as colheitas, os festivais comemorativos que iniciam as estações do ano e o tempo mais apropriado para a caça e a pesca. Até hoje a astronomia desperta a fascinação pelas ciências de crianças, jovens e adultos de todo o mundo. Por se tratar de um tema tão atrativo e interdisciplinar, vários países possuem a astronomia como parte integrante do currículo de ciências devido, entre outros motivos, à sua função de despertar o interesse dos estudantes pela ciência.
No Brasil, a astronomia, também faz parte do currículo do ensino fundamental. Isto, por um lado, desperta a curiosidade dos alunos e permite uma abordagem interdisciplinar no ensino de vários conteúdos científicos [1]. Mas, por outro lado, traz dificuldades, uma vez que os professores, em geral, não tiveram contato com o tema em sua formação inicial e poucos o tiveram na formação continuada [2]. Grande parte dos professores de ciências do ensino fundamental concebe o Universo e seus elementos de maneira bastante distante dos modelos científicos aceitos atualmente [3]. Um dos motivos para isso é que os professores baseiam-se principalmente no livro didático, que trata a astronomia de forma restrita e incompleta. Ao pesquisar o conteúdo de cinco livros didáticos bastante usados na rede de ensino, Leite e Hosoume [4] notaram que houve uma melhora na forma em que o conteúdo de astronomia é apresentado desde a revisão proposta pelo MEC em 1999 com o PNLD (Plano Nacional do Livro Didático). Mas mesmo assim, ainda existem problemas sérios envolvendo tais conceitos, já que, muitas coleções aprovadas pelo PNLD apresentam o conteúdo de forma complexa e sem relação com a prática observacional, que muitas vezes, acaba sendo inacessível ao professor de ciências [5].
Segundo os PCN do quinto ao nono ano, os alunos devem "identificar, mediante observação direta algumas constelações, estrelas e planetas recorrentes no céu do hemisfério Sul durante o ano, compreendendo que os corpos celestes vistos no céu estão a diferentes distâncias da Terra; valorizar o conhecimento historicamente acumulado, considerando o papel de novas tecnologias e o embate de idéias nos principais eventos da história da astronomia até os dias de hoje" [6]
Atualmente a educação não se restringe ao contexto estritamente escolar, ocorrendo também em museus e centros de divulgação de ciências [7], como é o caso do Observatório Astronômico do CDCC/USP. Hoje, sabe-se que o conhecimento atual dos estudantes não advém apenas das experiências escolares, mas, principalmente da divulgação científica por meio da mídia eletrônica, e dos museus de ciências [8]. As pesquisas sobre educação em museus no Brasil têm crescido nos últimos anos, mas ainda há poucos trabalhos publicados na área de ensino de astronomia em espaços não formais de educação [9]. Talvez, isto se deva ao fato de os museus de ciências no Brasil terem se tornado mais populares somente a partir da década de noventa [10], quando houve também, um dos primeiros estudos brasileiros sistemáticos do que acontece dentro de um museu de ciências, com a publicação do trabalho de Gaspar [11].
Sendo assim, a importância do ensino de astronomia em espaços não formais de educação, como o Observatório Astronômico do CDCC/USP torna-se evidente já que um dos papéis principais destes locais é o de motivar os estudantes para a ciência por oferecer um ambiente atrativo permitindo a eles um contato direto com instrumentos e práticas científicas [12]. Uma das maneiras de alcançar este objetivo é oferecer cursos permitindo, assim, que os visitantes de museus de ciências permaneçam por mais tempo dentro destas instituições. Museus de ciências geralmente são considerados espaços não formais de educação, pois, segundo Cazelli, nestes espaços [13] "é veiculada pelos museus, meios de comunicação e outras instituições que organizam eventos de diversas ordens, tais como cursos livres, feiras e encontros, com o propósito de ensinar ciência a um público heterogêneo".
O tema é pouco conhecido pelos professores e alunos das escolas que procuram o CDCC/USP. Acreditamos que esta seja uma realidade, também no restante do país. Explorar conceitos sobre o Sol permite discutir outros campos da ciência como a física e a química e desta forma promover um ensino interdisciplinar. Este tipo de abordagem é fundamental para o estudante superar a visão compartimentada de ciências adquirida na escola.
Dentro deste contexto, o presente artigo analisa um minicurso que ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2006 e durante o mesmo período em 2007, envolvendo o estudo do Sol com alunos voluntários do ensino fundamental do sexto ao nono ano. Além de ensinar física solar, buscamos entender quais seriam as estratégias metodológicas adequadas para abordar este tema em um espaço não formal de educação.

2. O Observatório Astronômico do CDCC/USP
O Observatório Astronômico do CDCC/USP existe há mais de 20 anos na cidade de São Carlos, tendo como objetivo atender à comunidade da cidade e região. Este é um dos poucos observatórios existentes no Brasil voltado inteiramente para o ensino e divulgação da astronomia sem fins lucrativos. A equipe, além dos responsáveis, é composta por monitores, alunos dos cursos da Universidade de São Paulo e Universidade Federal de São Carlos. O Observatório realiza atividades nos períodos diurno e noturno, recebendo turmas de estudantes do ensino fundamental, médio e superior que podem observar o Sol, Lua, planetas e outros astros como aglomerados estelares, nebulosas e galáxias. Além disto, os alunos podem assistir a palestras ministradas pelos monitores durante as visitas, sobre temas de astronomia como: Sistema Solar, Sol, estações do ano, fases da Lua, estrelas, dentre outros. Aos finais de semana, o Observatório abre suas portas para visitação pública, quando os visitantes observam os principais objetos celestes com o auxílio de equipamentos astronômicos, como lunetas e telescópios. Um dos destaques dos finais de semana são as Sessões Astronomia, palestras de astronomia com uma duração de aproximadamente meia hora.2 Além das atividades regulares mencionadas acima, o Observatório oferece minicursos de astronomia para estudantes interessados do ensino fundamental e médio e também cursos para professores.
O Observatório, desde 2001, está passando por reformas e inovações. Sendo resultado destas reformas, um auditório, com capacidade para cinquenta pessoas, ampliação da área externa de observação, construção de uma sala inteiramente voltada para observação solar, dentre outras inovações. Além do incremento na estrutura física do Observatório, houve também uma crescente busca de conhecimento no sentido de se realizar pesquisas científicas na área de ensino de ciências e transposição didática dos conteúdos comunicados durante o atendimento à rede de ensino visando uma melhora na interação da equipe com o público visitante.
A pesquisa discutida neste artigo envolveu um estudo realizado com alunos do ensino fundamental na Sala Solar (Fig. 1) explorando conceitos relativos ao Sol por meio do minicurso, Observando o Sol. Durante o minicurso foram levantadas, as concepções prévias dos alunos sobre o Sol e manchas solares. Após observarem o Sol projetado pelo telescópio da Sala Solar3 foi realizada uma discussão gerando um confronto entre suas idéias iniciais e posteriores à observação. Foi possível ainda, acompanhar o movimento e desenvolvimento de manchas solares, proporcionando discussões de conceitos como rotação solar, natureza das manchas solares e evolução das manchas de forma que o aluno compreendesse que o Sol é um astro dinâmico. Isto foi feito projetando a imagem do Sol de aproximadamente 1 m de diâmetro num anteparo onde foi possível observar as manchas solares. Sobre a Sala Solar, na parte externa do prédio, existe um heliostato (Fig. 2) que consiste de um jogo de espelhos planos, sendo um deles motorizado que direciona a luz solar para outro espelho fixo, que por sua vez, direciona a luz para dentro do telescópio que se encontra dentro da sala solar. Esta disposição dos equipamentos permite que o telescópio da Sala Solar seja fixo projetando uma imagem fixa do Sol.


3. O minicurso, Observando o Sol
A proposta foi desenvolvida em quatro minicursos gratuitos, dois em 2006 e dois em 2007, cada um, com duração de oito horas, subdivididos em quatro aulas consistindo de dois encontros semanais. Os alunos que obtiveram pelo menos 75% de presença e que realizaram as atividades propostas tiveram direito a certificados.
A metodologia adotada nos minicursos Observando o Sol de 2006 e 2007 consistiu numa abordagem utilizando diálogos entre professora e alunos durante exposições de informações sobre o Sol, incentivando a participação dos alunos por meio da realização de pequenos experimentos, observações e a discussões em pequenos grupos dos mesmos. Esta opção se justificou por compartilharmos a ideia de que "não é possível observar como evolui a ideia de um aluno ao longo do processo de ensino, o que é possível descrever é a evolução das ideias como consequência da interação social com outros indivíduos" [15]. Além disso, o fato de o aluno expor seu pensamento sobre o assunto abordado, segundo Vygotsky, permite que ele possa organizá-lo de forma lógica.
A primeira atividade do minicurso foi a aplicação de um questionário escrito em que os alunos responderam a questões relativas ao Sol por meio de textos e desenhos, com o intuito de levantar suas concepções prévias a respeito dos temas que seriam abordados. Em 2006, os questionários foram elaborados na forma de afirmações em que os alunos deveriam responder verdadeiro ou falso justificando a escolha feita. Ao analisarmos as respostas dos alunos notamos que muitos apenas escreveram V ou F sem justificar suas afirmações, além de termos notado uma certa confusão dos alunos ao lerem as afirmações do questionário. Os cursos de 2006 serviram como testes para melhor elaborarmos os cursos do ano seguinte, uma das mudanças foi à implementação de questões abertas nos questionários escritos dos minicursos de 2007 [1].
As duas primeiras atividades, após a realização do questionário inicial foram estimar a distância e o tamanho do Sol em relação à Terra. Estas atividades proporcionaram uma noção do tamanho do Sol comparado à Terra e a outras estrelas, bem como as dimensões do Sistema Solar. O objetivo mais importante no primeiro dia do minicurso foi explicar que o Sol deve ser observado com extremo cuidado. Para isto, foi mostrado que um papel sendo colocado no foco do telescópio queima em questões de segundos. Feito isto, foram discutidas as formas mais seguras de se observar o Sol com um telescópio e alguns tipos de telescópios existentes.
No final do primeiro dia do minicurso foi debatida a natureza das manchas solares, após a observação das mesmas. A mesma discussão foi realizada com os alunos de 2007, porém com uma conotação um pouco distinta, interrogando-os sobre a inexistência de manchas no dia da observação, uma vez que não havia manchas no Sol na época em que o minicurso foi desenvolvido.
A primeira etapa do segundo dia dos minicursos de 2006 e 2007 foi mais teórica na medida que era voltada para uma discussão de como o Sol produz e transporta sua energia. Foram discutidas duas analogias; a primeira envolvendo uma bomba de hidrogênio comparada à fusão nuclear que ocorre no interior do Sol e a segunda comparou uma panela com água no fogo à convecção existente nas camadas externas do Sol. Na segunda etapa deste dia, os alunos puderam manusear imãs e observar como os mesmos atraem e repelem uns aos outros, além de atraírem palhas de aço. Em seguida foram mostradas imagens de manchas solares com alta definição, que foram comparadas às configurações produzidas por imãs com o objetivo de associar o comportamento de manchas solares aos de ímãs.
O terceiro e o quarto dia dos minicursos foram mais focados no movimento das manchas solares buscando encontrar uma explicação para este comportamento. Esta atividade foi realizada a partir do terceiro dia, uma vez que os alunos já haviam observado o Sol e assim poderiam, apontar as diferenças entre o que foi observado de um dia para o outro. Outros pontos discutidos nestes dias foram à influência da atividade solar sobre a Terra e o significado de ciclo solar. Nestas atividades, os alunos confeccionaram gráficos com dados de uma tabela contendo a contagem de manchas solares em função do tempo para evidenciar o comportamento cíclico do número de manchas.4
Considerando que é muito difícil avaliar quantitativamente a aprendizagem, ainda mais em um museu de ciências [16], optamos pela análise dos dados de maneira qualitativa, considerando o ambiente como fonte para coleta de dados, o pesquisador como principal instrumento e o processo, como o foco de interesse [17]. Com isto em mente, optamos pelo registro filmado dos minicursos e aplicação de questionários escritos no primeiro e último dia da realização dos mesmos. Por fim, elaboramos entrevistas semiestruturadas, compostas por questões abertas para complementar os resultados obtidos com o uso dos questionários escritos. Desta forma, foi possível obter triangulação dos dados visando maior confiabilidade na análise.

4. Resultados e Discussões
Um levantamento da pesquisa em ensino da astronomia no Brasil e no mundo tem evidenciado que alunos apresentam idéias confusas a respeito do Sol, Lua e demais astros [3-5, 18]. O papel do professor, neste caso, é o de tornar possível uma ponte entre as concepções íntimas do aluno, ou seja, como este explica o mundo à sua volta, e os conceitos que são aceitos pela comunidade científica.
4.1. O Sol, seu tamanho e distância à Terra
Analisando as respostas aos questionários iniciais notamos que os alunos apresentaram concepções ingênuas misturadas com conceitos mais próximos aos aceitos pela comunidade científica, o que é natural para este nível de escolaridade. Segundo Piaget, as crianças mais jovens concebem um universo em que a ênfase está na vizinhança e na ordem dos astros, e não em suas proporções ou dimensões, escalas e ângulos [18]. Vários outros autores constataram isto [19, 20] em suas pesquisas. Nossa pesquisa, também constatou que os alunos desconheciam a ordem de grandeza da distância da Terra ao Sol e a das dimensões do Sol. Por exemplo, o aluno T do sexto ano de 2006 afirmou no questionário inicial, quando perguntando se o Sol é a estrela mais próxima da Terra, que o Sol não é a estrela mais próxima da Terra justificando "porque a[há] várias estrelas". Este aluno acredita que as estrelas estão próximas da Terra possivelmente até mesmo no Sistema Solar.
Este último resultado foi semelhante aos obtidos por Bisch [18] ao analisar as concepções prévias de professores do ensino fundamental de escolas públicas em São Paulo. Em nossa pesquisa um aluno do sexto ano incluiu estrelas em sua representação do Sistema Solar como pode ser visto na Fig. 3. Este tipo de representação mostra que os alunos não concebem as distâncias dentro do Sistema Solar de maneira adequada. A dificuldade em compreender e representar as distâncias relativas de forma proporcional é reforçada pelos livros didáticos que apresentam um Sistema Solar com pontinhos em volta que representam estrelas, sem explicar para o leitor que as estrelas estão no fundo do Sistema Solar, e não fazem parte dele [4].


Os demais alunos do sexto ano de 2006, por sua vez, apresentaram respostas mais próximas às aceitas cientificamente no questionário inicial, como o aluno M do sexto ano que escreveu, respondendo à pergunta "Que tamanho tem o Sol comparado com a Terra? "é maior porque vemos ela [Sol] maior que as outras estrelas". Esta afirmação mostra que o aluno sabia que o Sol aparenta ser maior que as demais estrelas porque está mais próximo da Terra, apresentando uma certa noção de espacialidade.
Em relação à dimensão do Sol comparado à Terra, o aluno M7 do sétimo ano de 2007 afirmou no questionário inicial que o Sol é a maior estrela da Via Láctea. Esta concepção provavelmente advém de achar que as estrelas no céu estão a aproximadamente a mesma distância que o Sol da Terra.
Apenas a aluna B6 de 2006 do sétimo ano respondeu que "O Sol é menor do que a Terra, lógico, é uma estrela e é menor!!". Atualmente os alunos desde as séries iniciais aprendem que a Terra gira em torno do Sol e de que Sol é uma estrela. A maior dificuldade deles está em conectar estes conceitos com o mundo em que vivem de forma a criar uma estrutura mental coerente para explicar os fenômenos observados. Citando o exemplo da aluna B6, ela sabia que o Sol é uma estrela, mas não conseguiu entender como que o Sol podia ser maior que a Terra sendo que as estrelas à noite aparecem como pontinhos luminosos. Foi verificado que faltou a noção do que são as estrelas, seus tamanhos comparados à Terra e a distância que se encontram comparadas ao Sol [19, 20].
Em relação à distância da Terra ao Sol, o aluno L do sexto ano respondeu à pergunta do questionário inicial, "O Sol é a estrela mais próxima da Terra?" Escrevendo, "sim porque depois do sol a estrela mais próxima está a alguns anos luz da terra". Este aluno já sabia que à medida que usamos fora do Sistema Solar é o ano luz e que a estrela mais próxima do Sol estaria a alguns anos luz, um conhecimento surpreendente para um aluno do sexto ano.
O aluno Lu do sexto ano escreveu, "O Sol é a única estrela do sistema solar". Esta afirmação indica que o aluno sabia que o Sistema Solar possui somente uma estrela, o Sol e que, portanto deveria ser a mais próxima da Terra. Todos alunos do oitavo e nono ano de 2006 e 2007 sabiam que o Sol é a estrela mais próxima da Terra.
4.1.1. Trabalhando os conceitos
Com a intenção de explorar o conceito de distância da Terra ao Sol, foi usada uma representação do Sistema Solar em escala dentro de um campo de futebol [21]. Ao apresentá-lo foram discutidos o tamanho de um campo de futebol e as dimensões da pequena e da grande área. Em seguida, os alunos foram informados sobre a extensão do Sistema Solar em unidades astronômicas.5 A professora perguntou aos alunos qual a distância que a Terra encontra-se do Sol. Com uma regra de três envolvendo a distância da Terra (na metade da pequena área) ao Sol (no gol) e com os dados das dimensões de um campo de futebol real e no espaço foi possível responder a esta questão.
Inicialmente, embora, a maioria dos alunos do oitavo e nono ano sabia que o Sol é a estrela mais próxima da Terra eles desconheciam a ordem de grandeza da distância da Terra ao Sol. O aluno M. do sexto ano que havia escrito no questionário inicial que o Sol não é a estrela mais próxima da Terra, após concluir o minicurso afirmou que o Sol é a estrela mais próxima da Terra no questionário final e não mencionou outras estrelas. Sua resposta final à questão foi provavelmente influenciada pelas discussões durante o curso sobre as dimensões do Sol comparadas aos da Terra e sua distância da Terra ao Sol.
Encontramos, também justificativas realistas ingênuas como a de um aluno do nono ano de que o Sol é a estrela mais próxima da Terra "pois é a única que consegue emitir raios a distância o bastante para chegar a Terra". Sua resposta a esta questão no questionário final foi "O Sol é a estrela mais próxima da Terra, pois existem outras estrelas". A justificativa do aluno provavelmente advém de uma comparação entre os tamanhos aparentes das estrelas noturnas com o Sol. Como o Sol aparenta ser muito maior que as outras estrelas então o aluno conclui que este astro se encontraria muito mais próximo que o restante.
Com o objetivo de estimar o tamanho relativo do Sol comparado ao da Terra foi desenvolvida uma atividade usando barbante, giz, tesoura (para cortar o barbante) e botões de dois centímetros de diâmetro (representando a Terra). Os alunos traçaram uma circunferência de 220 cm de diâmetro (representando o Sol), em seguida colocaram os botões, representando a Terra, ao longo do diâmetro solar [22]. Ao final da atividade contaram quantos botões foram dispostos atingindo valores próximos a 110 botões, que corresponde ao valor aproximado de quantas vezes o diâmetro do Sol é maior que o da Terra.
A aluna B6 do sétimo ano do que havia escrito no questionário inicial que o Sol é menor do que a Terra escreveu no questionário final, quando foi perguntado qual o tamanho do Sol comparado com o da Terra, que, "o Sol é muito maior do que a Terra". O desenvolvimento da atividade de se estimar o tamanho do Sol comparado à Terra, e da discussão sobre a existência de estrelas maiores e menores que o Sol, permitiram que a aluna adquirisse uma noção do tamanho do Sol comparado às demais estrelas e à Terra.
A concepção de que o Sol é a maior estrela da Via Láctea é baseada apenas na observação sem considerar noções de dimensões relativas. Já a concepção de que o Sol é menor do que a Terra por ser uma estrela mostrou que a aluna buscou uma solução particular para o fenômeno que tentava explicar, baseada na observação do Sol e das estrelas noturnas combinado com seus conhecimentos prévios de que o Sol é uma estrela.
4.2. Representações do Sol
Segundo Bisch [18], as concepções dos alunos do primeiro ao sétimo ano a respeito do Sol são as de disco, esfera, cor amarela e com destaque especial às representações de raios solares. Numa concepção realista ingênua do Sol, a cor amarela e, sobretudo, os raios solares, parecem ser muito mais importantes que a forma (disco ou esfera) para crianças do segundo ao quinto ano. Os resultados da pesquisa realizadas com os alunos do minicursoObservando o Sol, no entanto, indicou um predomínio da primeira concepção, a de disco ou esfera, onde os alunos também usaram palavras como quente e brilhante. Isto se deve provavelmente ao fato, de os alunos de nossa amostra pertencerem a séries mais avançadas que os analisados por Bisch [18].
Outro aluno, L do sexto ano, desenhou, no questionário inicial, um Sol com manchas e arcos e ainda especificou que tais arcos são de hidrogênio em seu desenho (Fig. 4). O aluno provavelmente representou o Sol desta forma por ter visto, na mídia, imagens do Sol obtidas por satélites ou com o uso de filtros especiais que permitem observar os tais arcos de hidrogênio o que não é possível com um telescópio comum.


A aluna J7 do sétimo ano escreveu no questionário inicial que esperava observar as explosões; uma outra aluna, C7 do nono ano, de 2007 escreveu que sua cor varia de laranja ao amarelo. É interessante notar que o aluno não escreveu disco e sim esfera apresentando assim uma representação geométrica mais acurada, porém mencionou "gêiseres" que são "explosões" que liberam água quente ou vapor de água para o ar. O aluno provavelmente desconhecia o que são "gêiseres" tendo a usado no sentido das explosões ou arcos mencionado pela colega. Provavelmente o aluno tenha acreditado que as explosões causadas pelos "gêiseres" liberariam muita energia produzindo uma variação de laranja ao amarelo no Sol.
Muitos alunos do sexto ao nono ano que participaram dos minicursos de 2007 representaram o Sol com manchas, arcos e raios. Estes alunos já esperavam observar explosões e manchas solares, pois estes termos foram usados na divulgação do minicurso como chamariz.
Uma das representações do Sol mais interessantes foi a de um aluno do oitavo ano, G7 de 2007 que pode ser vista na Fig. 5. No desenho de G7 podemos notar que as explosões são maiores que o próprio Sol. Esta concepção é interessante, uma vez que muitos livros de astronomia e sítios na internet explicam que a camada mais externa do Sol, a coroa solar, se estende por todo o Sistema Solar. O que o aluno não sabia é que não iríamos observar a coroa solar, mas apenas a fotosfera.


Em relação à constituição física do Sol, a aluna J7 do sétimo ano de 2007 escreveu no questionário inicial, quando foi perguntando como que eles achavam que é superfície do Sol que o Sol é vermelho cheio de buracos e explosões; uma outra aluna, C7 do nono ano, de 2007 escreveu "a superfície do Sol deve ser cheia de buracos devido a sua alta temperatura". O aluno R7 do nono ano, apresentando a mesma concepção, desenhou o Sol repleto de buracos como pode ser visto na Fig. 6. Esta representação de buracos no Sol, também pode ser vista naFig. 5 de G7.


Alguns alunos usaram seus conhecimentos de geologia como, por exemplo, lava e magma adquiridos nas aulas de ciências para tentarem explicar o Sol, ou seja, partiram de algo conhecido em busca de explicações para algo novo, usando com isto seus conhecimentos prévios e experiências. As crianças aprendem sobre as camadas da Terra, sobre a existência de magma em altíssima temperatura em seu interior e sobre os vulcões. Provavelmente tentaram usar estes conhecimentos para explicar as manchas solares, já que sabiam que o Sol também é quente.
Notamos que as representações do Sol feitas pelos alunos do sexto ao nono ano oscilam entre o realismo ingênuo (Sol com raios e planetas, buracos em sua superfície) e o conceitual (Sol esférico com proeminências e manchas solares) originando representações intermediárias que são uma busca de conciliação entre os dois extremos. Resultados semelhantes foram obtidos por Bisch [18] em sua pesquisa ao analisar os modelos de universo de alunos do ensino fundamental do primeiro ao sétimo ano.
4.3. Cuidados ao se observar o Sol com um telescópio
Para que os alunos ficassem sensibilizados quanto aos perigos existentes ao observar o Sol de maneira descuidada foi colocada uma folha de papel no foco de um telescópio que estava apontado para o Sol. Em questão de segundos, o papel se queimou. Após uma euforia geral, foram discutidos os métodos disponíveis para observação solar, o método direto (com filtros na objetiva, jamais na ocular!) e o de projeção [23]. Foi feita a opção de trabalhar com este último, já que com ele a imagem do Sol é projetada em um anteparo permitindo a observação segura do Sol por várias pessoas ao mesmo tempo (Fig. 7). Apenas um aluno do nono ano, apresentou no questionário final uma concepção equivocada, quando perguntado quais foram os materiais usados para projetar o Sol, de que se necessita sempre de um filtro especial no telescópio para observar o Sol por projeção. O aluno parece ter se esquecido da projeção solar, apesar de ter sido a técnica adotada no minicurso. Talvez ele tenha pensado que mesmo na projeção necessita-se de um filtro para não danificar a óptica do telescópio, o que não é verdade. Todos os alunos sabiam que o Sol pode representar um perigo ao ser observado por um telescópio, uma vez que, no questionário inicial, colocaram que o Sol pode danificar ou mesmo queimar a visão.


Durante a discussão sobre métodos de observação solar, foi perguntado aos alunos porque é necessário o uso de filtros solares sobre a pele quando se está exposto ao Sol. Os alunos responderam que é pelo fato do Sol emitir ultravioleta e calor. Em seguida, foi discutido o papel desempenhado pela atmosfera terrestre ao barrar grande parte da radiação ultravioleta. Os alunos desconheciam a existência de outras radiações além da ultravioleta, para eles a luz é apenas o calor e a parte visível do espectro. Foi uma surpresa para os alunos saberem que o Sol, por ser uma estrela, deveria emitir em muitas outras radiações, como por exemplo, raios X e microondas. Os alunos do oitavo e nono ano sabiam que o ultravioleta e o microondas são ondas invisíveis como pode ser constatado no diálogo abaixo do curso de 2006.
P - Vamos ver o Sol. Como que a gente se protege do Sol?
Aluna N da sétima série - Protetor solar.
P - O que tem no protetor solar?
Aluna N da sétima série - Filtro U.V.
P - O que quer dizer filtro U.V.?
Aluna N da sétima série - Ultravioleta.
P - Certo, a gente consegue enxergar no U.V.?
Aluna N da sétima série - Não.
P - Por que não?
Aluna N da sétima série - É uma onda, não é?
P - E daí, nós conseguimos enxergar as ondas da água.
Aluna N da sétima série - Quando a gente liga o microondas solta ondas, mas a gente não vê.
P - Por que a gente não vê ultravioleta e nem microondas?
Aluno JE da oitava série - Não são visíveis.
P - Por que não?
Aluno JE da oitava série - Não é matéria.
Foi discutido com os alunos que não é possível enxergar as tais ondas invisíveis porque a atmosfera barra boa parte da radiação que não seja uma porção do infravermelho e o visível e que os olhos humanos e de outros animais provavelmente sofreram uma adaptação ao longo da escala evolutiva de forma que fosse possível ver apenas a radiação que nos seria útil à sobrevivência como o visível e o infravermelho (alguns animais como as cobras são capazes de detectar o infravermelho). Os olhos humanos são compostos principalmente por água, que não absorve radiações como os raios X e ultravioleta. Portanto vemos uma região muito estreita do espectro devido a uma limitação imposta pela atmosfera terrestre e a evolução de nossos próprios olhos.
4.4. Observação e natureza das manchas solares
Há muito tempo às manchas solares têm despertado a atenção de curiosos que observam o Sol. Os chineses, mesmo antes de Cristo, já sabiam da existência das manchas, pois conseguiam vê-las quando o Sol estava nascendo ou se pondo no horizonte, ou até mesmo, quando o astro rei encontrava-se parcialmente coberto por nuvens. Mas, por meio destas observações esporádicas, não foi possível saber se tais manchas estavam na frente do Sol ou em sua superfície, questão que somente foi esclarecida com as observações cuidadosas de Galileu Galilei (1564-1642) há quatrocentos anos atrás.
Galileu Galilei foi um dos primeiros estudiosos a apontar o telescópio para o Sol (Fig. 8). Qual foi sua surpresa ao notar que o Sol não era aquela esfera homogênea e perfeita como se acreditava até então. O Sol possuía manchas escuras! Seriam sujeiras na ocular do telescópio? Esta hipótese foi descartada após Galileu observar o Sol sistematicamente, notando que as manchas podiam ser vistas dia após dia em posições distintas. O fato de que as manchas não estavam estáticas no Sol, mas ao contrário, pareciam girar em volta dele, também o deixou intrigado. Galileu desconhecia a origem das manchas solares e especulou que poderiam ser satélites em volta do Sol, ou mesmo buracos na superfície solar. A fim de resolver o enigma das manchas solares, Galileu estudou o Sol cuidadosamente e, após medir as diferenças nos aspectos das manchas ao aparecerem e desaparecerem no limbo (borda) solar percebeu, que as mesmas diminuíam de tamanho próximas ao limbo e aumentavam de tamanho no equador solar. Se estas manchas estivessem na frente da superfície solar, ele não veria uma diferença de tamanho quando as mesmas atingissem as regiões do limbo solar. Como ele observou esta diferença de tamanho em todas as manchas concluiu, que as mesmas deveriam estar na superfície do Sol e não em volta dele.


Samuel Heinrich Schwabe (1789-1875), em 1843, após realizar observações telescópicas sistemáticas do Sol, percebeu que o número de manchas solares mudava, aumentando e diminuindo num período de aproximadamente 11 anos. Ou seja, o número de manchas crescia durante quatro ou cinco anos atingindo um pico e caia nos cinco a seis anos seguintes. Nos anos de 2006 e 2007, quando foi realizado o minicurso Observando o Sol, o Sol, se encontrava no final de um destes ciclos. Sendo assim, houve dias nos quais não foi possível observar manchas no Sol. Outro empecilho à realização das observações foi devido à presença de nuvens no céu em alguns horários de observação durante os minicursos.
As manchas solares muitas ultrapassam o tamanho da Terra e estão a uma temperatura (aproximadamente 4500 C) ligeiramente abaixo da temperatura da superfície solar (cerca de 6000 C). Elas não estão fixas no Sol, ou seja, é possível perceber um deslocamento das manchas após algumas horas de observação. Isto acontece porque o Sol, assim como a Terra, gira em torno de seu eixo. A rotação solar, no entanto, é diferenciada, durando, em média, 24 dias no equador e 30 dias nos pólos. Além de se movimentarem junto com o Sol, as manchas se desenvolvem, ou seja, surgem como pequenos pontos e evoluem no sentido de formar grupos gigantescos atingindo até mesmo, o tamanho do planeta Urano e depois diminuem e desaparecem, tornando-se manchas menores e mais escuras. Portanto, as manchas solares são fenômenos interessantes de serem sistematicamente observados e estudados [24].
A discussão acima foi realizada com os alunos do minicurso Observando o Sol, durante a discussão da natureza das manchas solares, após serem observadas através de um telescópio.
Todos os desenhos e/ou descrições escritas de como seria o Sol mudaram após os alunos terem observado o Sol pelo telescópio da Sala Solar. Durante as observações de manchas solares, os alunos foram encorajados a elaborar hipóteses para explicar o que seriam as tais manchas observadas. Abaixo temos um trecho extraído do minicurso de 2007 com os alunos do oitavo e nono anos sobre suas concepções prévias de explosões e manchas solares associadas, a bolhas e lava seca no Sol.
P - Será que vão aparecer manchas no Sol sendo que não vemos nenhuma hoje?
Aluno G7 do oitavo ano - Vai sim quando a superfície do Sol vai se secando e esfriando e escurecendo como se fosse a lava quando está quente, é vermelha quando seca fica escura.
P - Mas do que será que o Sol é feito?
Aluno G7 do oitavo ano - Lava.
Aluno R7 do nono ano - Fogo.
Aluno E7 do nono ano - Rocha derretida e magma.
P - Como se formam as manchas?
Aluno R7 do nono ano - Explosões.
P - Como se formam as explosões?
Aluno E7 do nono ano - Elas se formam por causa das bolhas.
P - Que bolhas?
Aluno E7 do nono ano - Quando está fervendo a água forma bolhas que são como explosões.
P - As explosões são as manchas?
Aluno E7 do nono ano - Não, ela tem que secar para virar mancha.
No diálogo acima podemos perceber que os alunos elaboraram um modelo em conjunto para explicar a ausência e surgimento de manchas solares relacionadas às explosões no Sol usando conceitos gerais sobre a Terra e fenômenos do cotidiano. Segundo os alunos, a lava quente na superfície solar borbulha provocando as explosões solares que originam buracos que ao resfriarem provocam as manchas solares. De acordo com o modelo, não havia manchas no dia da observação porque a lava na superfície solar não havia resfriado e secado o suficiente para escurecer e originar manchas.
Ao elaborar hipóteses sobre o que seriam as manchas solares e buscar uma explicação coerente para a solução do problema, os alunos estabeleceram relações entre fatos e o objeto observado, o que aponta para o que Vygotsky chamou de pensamentos por complexos [15].
Durante os minicursos foi perguntado aos alunos o porquê das manchas solares serem regiões mais frias na superfície solar, o aluno G7 do oitavo ano de 2007 respondeu que é porque o ar do Universo acaba esfriando a superfície do Sol nas regiões das manchas. Ao perguntar ao mesmo aluno se o Sol não deveria se resfriar como um todo por estar em contato com o ar do Universo ele respondeu que as manchas devem ter algum tipo de proteção. Esta resposta serviu de gancho para introduzir a idéia que o campo magnético nas manchas solares, protegem-nas do calor oriundo do interior solar.
Um problema que levou um bom tempo, desde as primeiras observações do Sol foi entender como que as manchas solares se originaram. Hoje se sabe que sua origem está estreitamente relacionada ao comportamento do campo magnético do Sol e sua rotação que provoca "nós" nas linhas de campo magnético, impedindo que o calor do interior do Sol chegue até sua superfície, resfriando estas regiões e assim originando as manchas solares [26].
Com a intenção de introduzir a natureza magnética das manchas solares no minicurso, por meio de uma atividade prática recorremos a imãs, papel, palhas de aço e imagens de manchas solares. Os alunos com o auxílio destes materiais e da professora puderam explorar o efeito produzido por imãs. Palhas de aço foram depositadas num papel sobre cada um dos imãs, a configuração apresentada pela palha de aço foi comparada às imagens de manchas solares (que apresentam configurações semelhantes). Esta comparação permitiu reforçar a idéia de que as manchas solares são como gigantescos imãs no Sol. A professora explicou que a força magnética faz com que o calor oriundo do interior solar não consiga penetrar na região das manchas, resfriando-as.
Esta atividade foi interessante porque permitiu aos alunos entenderem que as forças físicas que agem na Terra, também atuam em objetos celestes. Isso reforça a idéia de que a Terra é mais um planeta entre tantos outros do Universo e que as leis físicas são as mesmas em todo o Universo.
A concepção de que as manchas solares são regiões mais frias do Sol porque o ar do universo entra em contato com elas resfriando-as, é fruto de experiências prévias de que tudo que vemos na Terra está envolto pelo ar atmosférico. A idéia inicial do aluno G7 aparentemente sofreu mudança por influência das discussões realizadas sobre os efeitos do campo magnético mediada pelo grupo e pela professora. Ao final da discussão, o aluno compreendeu que não há necessidade de haver um ar permeando o Universo, uma vez que o campo magnético localizado nas manchas já seria suficiente para cumprir o papel de resfriá-las.
Comparando os questionários escritos, falas dos alunos, entrevistas finais e questionários finais notamos também que houve um desenvolvimento dos conceitos realistas ingênuos (manchas solares como buracos na superfície solar) em direção a níveis mais abstratos (manchas solares sendo regiões mais frias) em direção ao concreto e particular (manchas solares sendo gases mais frios no Sol devido à alta intensidade do campo magnético), ambos processo complementares, segundo Vygotsky [15].

5. Considerações finais
Este artigo analisou atividades de ensino de física solar desenvolvidas no Observatório Astronômico do CDCC da USP em São Carlos no interior de São Paulo. O objetivo principal consistiu em investigar o minicurso Observando o Sol oferecido para alunos voluntários do sexto ao nono ano do ensino fundamental.
Optamos por desenvolver um conjunto de atividades que permitiu uma visão mais adequada sobre o Sol e física solar no Observatório por meio de minicursos, já que os mesmos proporcionam mais tempo de contato entre professora e alunos, assim houve a possibilidade de discutir melhor as préconcepções a respeito do Sol e aspectos de física solar, além de realizar observações sistemáticas do Sol. As estratégias metodológicas adotadas foram focadas nas préconcepções registradas no questionário inicial de maneira que o conhecimento discutido tivesse relação com o universo dos alunos. O levantamento das concepções prévias permitiu, discernir alguns traços fundamentais do conhecimento dos alunos: o realismo ingênuo, uma mistura do realismo ingênuo com conceitos científicos e em alguns casos apresentaram também, concepções mais próximas às científicas.
A maior parte dos alunos teve contato com a astronomia na escola, e ainda assim, não construíram noções adequadas sobre as dimensões do Sistema Solar, de seus componentes e de outras estrelas. Assim, eles têm o conhecimento de que o Sol é a estrela mais próxima da Terra, porém não possuem uma idéia quantitativa e comparativa das dimensões envolvidas. A mesma observação aplica-se ao tamanho do Sol; em geral, sabem que é maior do que a Terra, mas não de maneira quantitativa. Os resultados obtidos apontam que os estudantes do ensino fundamental tendem a lembrar de características sensoriais dos astros, como cor e forma, mas não se atêm a valores quantitativos como tamanho e distância e questões relacionadas com a geração de energia pelo Sol e a dinâmica solar. As atividades desenvolvidas durante os minicursos permitiram lidar com estas questões, uma vez que foram direcionadas a estimar o tamanho do Sol e sua distância até a Terra, a partir de parâmetros conhecidos, respeitando, obviamente, os níveis de desenvolvimento cognitivo dos alunos, além de observações pelo telescópio que permitiu observarem a dinâmica das manchas solares. Apesar de algumas dificuldades iniciais, ao final dos minicursos, os alunos apresentaram concepções mais próximas às aceitas pela comunidade científica.
Os resultados obtidos neste trabalho apontam que os alunos do ensino fundamental concebem o Sol como sendo constituído por fogo e as manchas solares como sendo cavidades. Os estudantes do oitavo ao nono anos desenvolveram um modelo em conjunto para explicar a ausência e surgimento de manchas solares relacionadas às proeminências (explosões solares) usando conceitos de geologia. Estas concepções mudaram após a observação do Sol pelos telescópios do Observatório, questionamento de suas concepções iniciais e devido à intermediação da professora. Os alunos notaram que as manchas solares não poderiam ser buracos causados pelo calor solar, uma vez que aumentavam, diminuíam e se deslocavam a cada nova observação. Durante as atividades os alunos acompanharam o surgimento e mudança nas características das manchas solares. Desta forma passaram a enxergar o Sol como um astro dinâmico, interessante de ser observado e estudado.
O entusiasmo dos alunos foi grande do começo ao fim dos minicursos. Isto se deve, em parte, ao fato de Observatório Astronômico do CDCC ser um espaço não formal, atrativo, curioso e motivador. Um espaço de ensino não formal como este, permite que os alunos vivenciem a ciência, no caso, a astronomia, de maneira diferente do que ocorre nas salas de aulas tradicionais. Os alunos travaram contato com instrumentos astronômicos e observações dos astros, particularmente do Sol, indo muito além das informações dos livros didáticos. Acreditamos também, que a metodologia usada tenha sido outro fator responsável pelo sucesso dos minicursos. A abordagem adotada integrando diálogos, experimentos e observações, teve o objetivo de apresentar aos alunos algumas formas de produção do conhecimento científico (formulações de hipóteses, observações, registros e discussões). A estratégia buscou o máximo de participação dos alunos permitindo tomadas de decisão, questionamentos, reflexões e debates que acarretaram um pensamento crítico.
Trabalhar conteúdos astronômicos de forma interdisciplinar e ao mesmo tempo de maneira ativa e questionadora traz alguns desafios para as equipes de instituições como o Observatório. Dentre eles, destacamos a necessidade de ter, pelo menos, dois tipos de atividades em um museu de ciências. O primeiro tipo seria atividades que abordam superficialmente os temas, tais como exposições, palestras curtas e observações breves. Estas atividades têm como principal objetivo, despertar o interesse do visitante pela ciência. O segundo tipo seria a oferta de minicursos para voluntários, pois a linguagem, conteúdos e metodologias em atividades mais longas podem facilitar abordagens interdisciplinares e integradoras da astronomia com outras áreas do conhecimento científico pouco exploradas nas salas de aula.

Agradecimentos
Os autores agradecem ao físico e técnico responsável pelo Observatório Astronômico do CDCC/USP, M.Sc Jorge Hönel e ao Professor Dr. Dietrich Schiel por sua constante ajuda neste trabalho e ao técnico do Setor de Física do CDCC, Dr. Antônio Carlos de Castro por sua colaboração durante os minicursos. Por fim, ao CNPq e Fundação Vitae pelo apoio financeiro.

Referências
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