quinta-feira, 11 de junho de 2015

Cidadania e justiça também são temas para a escola


Alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de São Carlos (SP) exercitam leitura e escrita enquanto aprendem sobre os direitos e os deveres do cidadão

Cidadania e justiça também são temas para a escola
Arquivo pessoal



Pricilla Honorato
“Escrevemos essa carta para dizer que estamos tentando construir um mundo mais justo”. Assim os alunos do 5° ano A da Escola Estadual Professor Arquimedes Aristeu Mendes de Carvalho, em São Carlos (SP), abrem a carta endereçada a Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e símbolo da resistência contra o regime do apartheid, que dividiu o país entre negros e brancos.
Eles sabiam que não seriam respondidos e esse não era o intuito. A produção fechou mais um ano de trabalho do projeto Cidadania e Justiça Também se Aprendem na Escola, uma parceria entre a Diretoria Regional de Ensino (DRE) e o Fórum Criminal da cidade.
O projeto surgiu em 2010, quando André Luiz Macedo, juiz de Direito da 3ª Vara Criminal de São Carlos e diretor do Fórum, propôs à DRE trabalhar o tema cidadania dentro da escola com base na Cartilha da Justiça, uma publicação da Associação de Magistrados Brasileiros. “A atividade judiciária tem tudo a ver com a Educação, porque a Educação produz justiça. Quanto mais Educação, maior a chance de nós construirmos uma sociedade justa”, declara o juiz.
Ivete Camargo, diretora da Escola Estadual Emydia Benetti Dias, no mesmo município, destaca os benefícios do projeto aos alunos do 5º ano. “Eles aprenderam que nós não temos nem mais direitos e nem mais deveres, é uma balança que você deve equilibrar”.
Em quadrinhos
E se todas as pessoas tivessem consciência de seus direitos? O Projeto Cidadania e Justiça se aprendem na Escola surge em resposta a esse questionamento e com a certeza de que quanto mais cedo se falar sobre cidadania melhor. Ele está presente em 15 escolas estaduais de São Carlos e o público alvo são os 5º anos do Ensino Fundamental.
Entretanto, se abordar temas como os três poderes de uma república, limites da atuação policial ou como funcionam os trâmites judiciais já são um desafio para adultos, trabalhar essas pautas com crianças de 11 e 12 anos não seria diferente. A solução a esse desafio foi a elaboração da Cartilha da Justiça.
Apostando no lúdico, o material em formato de quadrinhos apresenta personagens infantis liderados pelo menino Brasilzinho. Eles protagonizam situações que evocam dúvidas sobre direitos, cidadania e justiça. Os assuntos vão desde o que um juiz faz até a proibição da tortura ou a liberdade de manifestação.
A cartilha também se preocupa com a diversidade. Os personagens têm traços étnicos variados representando a riqueza cultural e humana do país. Acesse a cartilha online aqui. Outra característica positiva do material é que ele pode ser trabalhado de forma transversal, uma vez que os temas tocam em diversos saberes de português, história ou geografia.
Leitura e pesquisa
Longe de se restringir à leitura da Cartilha da Justiça, o projeto também investe nas atividades dinâmicas e no envolvimento de diversos atores escolares, profissionais e civis para ampliar ao máximo o alcance do debate sobre cidadania.
Na escola Elydia Benetti, que oferece Educação Integral, o trabalho com o material é realizado tanto nas disciplinas regulares, pela manhã, quanto nas disciplinas extras do período da tarde; entretanto, o foco está no professor regular polivalente e no professor de artes, dado o destaque para o lúdico e as competências de escrita e leitura.
Na primeira etapa do trabalho, os professores trabalham o conteúdo da Cartilha da Justiça. Os alunos fazem leituras compartilhadas dos quadrinhos, pesquisas online e debates sobre os temas apresentados. Ao mesmo tempo, eles também são incentivados a levar o material para casa, realizar os joguinhos presentes no fim da cartilha e discuti-los com os pais. A ideia é que os direitos sejam assunto de toda comunidade escolar e não apenas da sala de aula.
Alexandre Monte, professor coordenador do Núcleo Pedagógico dos Anos Iniciais da DRE de São Carlos é um dos responsáveis pela formação anual dos docentes que atuam no projeto. Ele explica a estratégia da modalidade de leitura compartilhada – ou colaborativa. “É uma leitura em que você vai problematizando o texto junto com os alunos, acionando perguntas , discutindo e fazendo uma compreensão muito rica do texto. Hoje, os estudos mostram que ler não é apenas decodificar, é preciso compreender e, para isso, os leitores fluentes acionam muitas habilidades de leituras. Ensinar a ler, a gente tem que ensinar sempre”.
Quem é quem
Após os diversos trabalhos pedagógicos centralizados no material, há a aproximação prática entre as crianças e a cidadania. Essa ponte é estabelecida pelas visitas de profissionais que estão diretamente envolvidos no dia a dia dos direitos e deveres do cidadão. Os estudantes se encontram com juízes, defensores e promotores públicos, policiais militares e civis.
“Nesses encontros eles fazem perguntas variadas. Desde questões sobre elas mesmas ou sobre parentes, como pensão alimentícia, criminalidade e abuso contra as mulheres e crianças”, explica a diretora Ivete Camargo Dias.
Débora Gonzalez, diretora da DRE de São Carlos destaca que esse momento também é de aprendizagem para os professores e outros atores escolares, pois é possível conhecer melhor as crianças. “Nas escolas do centro, as perguntas são sobre pensão alimentícia; nas escolas da periferia, sobre criminalidade e violência. A gente sai do encontro sentindo o clima da família do aluno e como determinadas regiões lidam com certos problemas”, afirma.
As visitas às escolas são semanais e envolvem todo o grupo de profissionais ao mesmo tempo. Em cada um desses encontros, eles revelam as particularidades das profissões que desempenham e respondem as perguntas dos alunos. Além disso, os estudantes também recebem um exemplar da Constituição Federal.
A escola e a Justiça
Ao final do ano, cada turma participante produz um texto coletivo de formato livre – pode ser carta, texto dissertativo, opinião, etc. – sobre três temas de cidadania definidos previamente. As produções compõem a coletânea de textos “A escola e a Justiça: trabalhando parcerias”, que neste ano chega à quinta edição.
Alexandre pontua que o momento da escrita não é uma surpresa para os alunos, pois é um trabalho do qual eles já estão cientes. “A professora conta no início do ano e eles vão sendo preparados ao longo do tempo”.
A criação do texto é feita pelos alunos, mas a escrita é ditada à professora, que serve de escriba para a turma. “Não é o professor escrevendo para alunos, mas sim os alunos produzindo o texto”, esclarece o professor coordenador Alexandre. O assunto é reiterado anualmente na formação docente.
Uma das produções de destaque que integraram a edição do ano passado foi a carta a Nelson Mandela, do 5º ano da escola estadual Prof. Arquimedes Aristeu Mendes de Carvalho. Nela, os alunos contam ao ex-presidente o que aprenderam com o projeto e o parabenizam pela coragem e contribuição social na luta contra o racismo.
O encerramento acontece com uma solenidade no Fórum Criminal da cidade, onde há o lançamento da coleção de textos e a apresentação de um texto sobre o trabalho naquele ano com a presença dos estudantes.
Alexandre destaca a importância da publicação como parte do processo pedagógico de leitura e escrita inserido no projeto. “É muito importante porque vincula a escrita com as práticas sociais: escrever sim, mas para quem e por quê? Os alunos não estão escrevendo apenas porque as professoras vão avaliá-los; eles estão escrevendo porque o texto vai para um livro e esse livro será publicado e outras pessoas o lerão”.
A produção coletiva do texto foi um aprimoramento implantado na edição do ano passado. A medida foi estabelecida para garantir que todos os alunos se sintam representados e motivados. Se antes apenas alguns tinham os textos publicados, hoje todos podem dizer que são escritores.

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