No âmbito do direito constitucional brasileiro, medida provisória (MP) é um ato unipessoal do presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior. O pressuposto da MP, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal é urgência e relevância, cumulativamente.
Sendo assim somente em casos de relevãncia e urgência é dado ao Presidente da República editar medidas provisórias, devendo submetê-las, obrigatoriamente, ao Congresso Nacional. Caso a medida provisória não seja apreciada em até 45 dias após a sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ou seja, passará a trancar a pauta nas duas Casas. As medidas provisórias vigorarão por 60 dias, prorrogáveis por mais 60. As medidas provisórias que não forem convertidas em lei neste prazo perderão sua eficácia, porém serão conservadas as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante a sua vigência. Há ainda a possibilidade de os congressistas apresentarem no prazo regimental de seis dias emendas à medida provisória editada. Nesse caso a MP passa a tramitar como Projeto de Lei de Conversão (PLV), caso o Congresso não aprove a emenda a medida provisória é votada como originalmente editada pelo Executivo.
Para Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo), de acordo com a nova redação do artigo 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, medidas provisórias são
providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período nos termos do Art.62 §7º CRFB.
Dito isso, noticiou-se que a presidente Dilma Rousseff enviou medida provisória ao Congresso Nacional que autoriza agentes de saúde a entrarem de maneira forçada em propriedades privadas abandonadas ou fechadas para combater focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e do vírus zika.
O texto autoriza que autoridades federais, estaduais e municipais do SUS (Sistema Único de Saúde) ingressem de maneira forçada, com a ajuda se necessário de forças policiais, em imóveis públicos e particulares que forem designados e identificados com a possibilidade de presença de criadouros do mosquito.
No caso de propriedades fechadas e com a ausência aparente de moradores, a medida prevê a realização de duas notificações prévias aos proprietários antes da entrada no imóvel particular.
Na matéria, sabe-se que compete, de forma concorrente, à União, aos Estados e aos Municípios, a teor do artigo 24, XII, da Constituição Federal, legislar sobre a defesa da saúde.
Atende-se aos casos de relevância e urgência na aplicação do modelo legislativo no que concerne ao exercício da autoexecutoriedade do ato administrativo para que se possa ter o poder de policia.
Trata-se de executoriedade dos atos administrativos unilaterais. Através dele a Administração pode modificar, por sua única vontade, situações jurídicas, sem o consentimento dos atingidos pelo ato.
É a chamada execução forçada na via administrativa, que consiste em uma via jurídica especial, própria do ato administrativo, fazendo a Administração prescindir da declaratio iuris do Poder Judiciário.
A executoriedade, pois, por sua importância, é a manifestação do poder de autotutela da Administração Pública, pelo qual esta tem a possibilidade de realizar, de forma coativa, o provimento no caso de oposição do sujeito passivo.
Pois a executoriedade dos atos administrativos tem fundamental importância no exercício do poder de polícia administrativo, na faculdade que tem a Administração Pública de disciplinar e limitar, em prol de interesse público adequado, os direitos e liberdades individuais, como já ensinou Caio Tácito (O poder de policia e seus limites. in Rev. De Dir. Adm., volume 27, páginas 1 e seguintes).
Nessa linha de pensar, as decisões administrativas de polícia são, por sua natureza, executórias. A Administração tem a faculdade de recorrer a meios coercitivos para compelir ao cumprimento de suas determinações. Mas entenda-se que essa coação administrativa, desde que exercida, de forma moderada, e dentro de quadros legais, é permite, nos limites da proporcionalidade.
A louvável providência legislativa adotada se enquadra em parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.
A razoabilidade é vista na seguinte tipologia:
a)razoabilidade como equidade: exige-se a harmonização da norma geral com o caso individual;
b)razoabilidade como congruência: exige-se a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação;
c)a razoabilidade por equivalência: exige-se uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.
Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação ás vantagens do fim.
Em resumo, a providência atende aos seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.
Não há falar em lesão ao direito de propriedade, cujo conteúdo absoluto, no contexto que vinha do direito romano ao pensamento liberal, já se perdeu. A propriedade deve ser vista dentro de uma visão social, a chamada função social da propriedade, pois enquanto vivente em sociedade, o homem deve empregar esforços no sentido de dar sua contribuição ao bem estar da coletividade em detrimento dos interesses unicamente individuais. Neste contexto, erige-se a teoria da função social, segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira.”
A matéria respeita ao artigo 182, parágrafo segundo, da Constituição Federal.
Com as normas dos artigos 182 e 183 a Constituição Federal fundamenta a doutrina segundo a qual a propriedade urbana é formada e condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social específica: realizar as chamadas funções urbanísticas de propiciar habitação (moradia), condições adequadas de trabalho, recreação e circulação humana; realizar, em suma, as funções sociais da cidade, como ensinou José Afonso da Silva (Direito Ambiental Constitucional, 2008).
Tal é o caso do combate ao aedes aegypti onde o Poder Público e toda a sociedade devem estar em parceria para debelar esse terrível mal.
O Aedes aegypti é um mosquito antropofílico, isto é, ele vive perto do homem. Por isso, sua presença é mais comum em áreas urbanas e a infestação é mais intensa em regiões com alta densidade populacional e, principalmente, de desocupação desordenada, onde as fêmeas têm mais oportunidades para alimentação e dispõem de mais locais para desovar. A infestação por Aedes aegypti é sempre mais intensa no verão, em função da elevação da temperatura e da intensificação de chuvas – fatores que propiciam a reprodução do mosquito. Para evitar esta situação, é preciso desenvolver medidas permanentes para o controle do mosquito, durante todo o ano, a partir de ações preventivas que objetivem a eliminação de focos do vetor. Essa ação depende sobretudo do empenho da população.
O caso alcança uma gravidade espantosa: Um novo boletim do Ministério da Saúde informa que o país já tem mais de 4 mil casos suspeitos de microcefalia relacionados ao vírus zika desde 2015. Cerca de 200 novos casos suspeitos estão sendo registrados todas as semanas. O governo decidiu que Rio de Janeiro será o centro da estratégia de combate à doença até agosto, quando terão início as Olimpíadas.
O mosquito falado é uma calamidade nacional.
Seja como for, fatalista ou não a declaração, é algo que já maltrata a população há pelo menos três décadas, trazendo vítimas.
Não adianta o Poder Público tomar providências, em todas as instâncias, quais sejam a municipal, estadual e federal, se a população não se conscientizar e passar a ser o fiel parceiro numa luta que é sua. Não se pode perguntar o que o Poder Público pode fazer pelo Poder Público, pois a população envolvida deve educar-se, ter em sua cultura, que o mal precisa ser combatido, agindo, seja para ajudar as autoridades no combate à doença, seja para coibir o mal tomando uma série de medidas. Para isso é mister que se faça uma maciça campanha de esclarecimento.
A cada semana a estatística tem sido aumentada, em média, com 200 novos casos suspeitos, e tais números não contemplam outras doenças transmitidas pelo vetor (dengue, também em alta, especialmente no Rio de Janeiro, chicungunha e outros vírus), consolida-se a evidência de que os danos do mosquito estão fora de controle. Além disso, considere-se que médicos e pesquisadores advertem que, assim como a microcefalia, é possível que o zika provoque também problemas neurológicos em bebês já nascidos.
Há sem dúvida a constatação de uma leniência diante da proliferação do Aedes de forma que o preço que a população está pagando já é alto e preocupante.
Quais são suas causas? Os estudiosos apontam a omissão do Poder Público quando dos programas de urbanização no país, destacando-se a falta de implantação de um serviço eficaz de saneamento. Além disso houve descaso com o investimento em pesquisas que são essenciais para dotar o país de mecanismos científicos de combate ao vetor. Tudo isso demonstra um verdadeiro quadro de leniência que levou ao caos.
Daí a excepcionalidade dessas providências inseridas na medida provisória vinculada em prol dos interesse público que coloca a propriedade, no direito constitucional atual, não mais como um direito absoluto, num conceito já ultrapassado, no contexto liberal, mas como de função social, que se não exercido pode levar a Administração a intervir em prol da coletividade dentro da devida moderação.
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