quinta-feira, 16 de abril de 2015

O QUE É Galactosemia ?


Definição

A galactosemia é um erro inato do metabolismo (de característica autossômica recessiva), caracterizado por uma inabilidade em converter galactose em glicose da maneira normal. O resultado imediato é o acúmulo de metabólitos da galactose no organismo, que passa a ter níveis circulantes elevados e tóxicos, principalmente para o fígado, cérebro e olhos.

A lactose do leite é a principal fonte de galactose na dieta. A hidrólise da lactose resulta em glicose e galactose. O principal passo do metabolismo da galactose, em humanos, é a conversão de galactose em glicose, o que requer várias etapas (via de Leloir).

Luis Federico Leloir nasceu na capital francesa em meados de 1906. Seus estudos iniciais se dividiram entre a Escola Geral San Martín, onde cursou o primeiro ano, o Colégio Lacordaire, o Colégio do Salvador e o Colégio Beaumont (este último na Inglaterra). Suas notas não se destacavam, nem por boas, nem por más, e sua primeira incursão universitária terminou rapidamente quando abandonou os estudos de arquitetura que havia começado no Instituto Politécnico de Paris. Leloir se dedicou a estudar o processo interno pelo qual o fígado recebe a glicose e produz o glicogênio, o material de reserva energética do organismo. Com Mauricio Muñoz, conseguiu oxidar ácidos graxos com extratos de células hepáticas. Em 1970, recebeu o Prêmio Nobel de Química. Posteriormente sua equipe se dedicou ao estudo das glicoproteínas – e determinou a causa da Galactosemia. O metabolismo da galactose é atualmente conhecido no mundo científico como via de Leloir.
Em um fígado normal, a maioria da galactose é convertida em glicose em pouco tempo. 

Normalmente a via segue a seguinte ordem:
  1. A galactose é fosforilada pela galactoquinase para formar galactose-1-fosfato
  2. A galactose-1-fosfato reage com a UDP-glicose resultando em dois produtos: a UDP-galactose e a glicose-1-fosfato, numa reação catalisada pela enzima galactose-1-fosfato uridil-transferase, (a glicose-1-fosfato produzida pode ser convertida a glicose);
  3. A UDP-galactose formada é convertida em UDP-glicose pela UDP-galactose 4 epimerase. Sendo, assim, a UDP-glicose pode entrar na reação novamente, de uma forma cíclica, até que toda a galactose que entra na via seja convertida a glicose. 
Caso haja algum problema com alguma enzima da via, duas outras vias entram em ação, levando à redução da galactose a galactitol, por intermédio da aldose redutase, ou à oxidação a galactonato, por intermédio da oxidase ou da desidrogenase.
Quando não há entrada de galactose na via metabólica (ou por bloqueio enzimático, ou por falta de ingestão) a UDP-galactose assume o papel de doador de galactose para a formação dos complexos glicoprotéicos e glicolipídicos. Estes compostos se transformam nas células, levando à liberação de galactose, que pode entrar novamente na via de metabolismo da galactose.Metabolismo anormal da Galactose
Galactose Galactoquinase (GALK), galactose-1-fosfato uridil transferase (GALT), uridina-difosfogalactose 4-epimerase (GALE) são enzimas da via da galactose. Quando ocorre deficiência na síntese ou na utilização dessas enzimas pela via temos a ocorrência de um quadro de galactosemia. Essa doença não deve ser confundida com intolerância à lactose, já que esta é substrato para a formação de galactose. Intolerância à lactose é uma reação alérgica que algumas crianças adquirem por laticínios.


Tipos de galactosemia

Galactosemia Tipo 1 ou deficiência da GALT

Este é o tipo mais comum de galactosemia cuja deficiência está na enzima galactose-1-fosfato uridil transferase. Esta disfunção leva ao acúmulo de galactose 1-fosfato impedindo a formação de glicose-1-fosfato que entraria na glicogenólise (degradação do glicogênio).
A incidência desse tipo é de 1:50000 neonatos.

Abaixo simplificamos como ocorre essa reação.

Galactosemia Tipo 2 ou deficiência da GALK
Consiste no defeito na galactoquinase, quando ocorre esta deficiência enzimática a galactose se acumula, podendo tomar vias alternativas. Ela pode ser convertida a galactitol que é um polialcool de toxidade elevada, ou galactonato que também é um produto tóxico.
A incidência dessa deficiência é de 1:40000 neonatos.
Abaixo representamos como ocorre essa reação.
Galactosemia Tipo 3 ou deficiência da GALE
Consiste na deficiência na uridil difosfogalactose-4-epimerase. A doença pode aparecer em duas formas diferentes: uma fase inicial (assintomática - enzimas deficientes apenas nos eritrócitos) e uma fase severa (possuem sintomas clássicos da doença - enzimas deficientes nos eritrócitos e nos fibroblastos).


Abaixo se encontra a representação da reação.
  • Há também outros tipos de galactosemia. A Galactosemia de Duarte é um deles. Essa variante da doença apresenta uma diminuição da atividade enzimática no eritrócito que geralmente não tem importância clínica, sendo portanto, assintomática. A seguir disponibilizamos um vídeo que explica detalhadamente o que consiste essa variante.

Principais sintomas

galactosemia afeta principalmente o fígado, os olhos, os rins e a região cerebral.
Nas células do epitélio do cristalino (no olho), o acúmulo do galactitol causa um aumento da osmolaridade, o que resulta na retenção de água, além da diminuição da solubilidade das proteínas da lente. Ocasionando, assim, na formação da catarata

acúmulo anormal de galactose-1-fosfato causa uma ação sobre a célula hepática, levando à cirrose. A ocorrência de icterícia nos primeiros dias também é verificado e ocorre devido ao excesso de bilirrubina não conjugada no sangue.


Ocorre também o surgimento de aminoacidúria secundária e hipoglicemia (provavelmente devida à inibição da fosfo-glicomutase e da glicose-6-fosfatase).
Outros sintomas também decorrentes da doença são: anorexia, perda de peso, ascite, distensão abdominal, hemorragia, falência ovariana, letargia, septicemia (devido a uma inibição da atividade bactericida dos leucócitos) e atraso de desenvolvimento psicomotor (retardo mental).

Diagnóstico

O diagnóstico pode ser feito no período pré-natal ou no período neonatal.

    No período pré-natal, o diagnóstico é feito através da amniocentese . Amniocentese é um procedimento que consiste na retirada de pequena quantidade de líquido amniótico para estudo laboratorial. A retirada de líquido é feita pela introdução de uma agulha de fino calibre na cavidade amniótica - neste exame, a agulha é introduzida em área distante do feto, sempre direcionada pelo ultra-som, sanando, assim, riscos de lesão do seu organismo. No exame são retirados cerca de 20ml do líquido, e é realizada a partir do quarto mês de gestação. O processo é quase indolor e dura cerca de 20 segundos.

    No caso da galactosemia, é feito um estudo para conferir os níveis de galactitol no líquido amniótico ou são feitos estudos enzimáticos para medir os níveis da galactose-1-fosfato uridil transferase.


    No período neonatal é efetuado o Teste do Pezinho. A triagem neonatal é feito a partir de gotas de sangue colhidas do calcanhar do recém-nascido. Por ser uma parte do corpo rica em vasos sanguíneos, o material pode ser colhido através de uma única punção, rápida e quase indolor para o bebê. Recomenda-se que o exame seja feito apartir de 48h e antes de 30 dias de nascimento. No caso da galactosemia, através do sangue colhido, pode ser feito um estudo o qual demonstra a ausência ou deficiência da uridil-tranferases ou níveis elevados de galactose-1-fosfato nas hemácias. A seguir estão os valores normais e alterados das concentrações.
    - Valores Normais: até 1 mg/dL (88% das crianças); entre 1-5mg/dL (12% das crianças).
    - Galactosemia clássica : >20 mg/dL

Tratamento

O tratamento é baseado na eliminação total da galactose da dieta, desde que MASON e TURNER, em 1935, descreveram que a remoção da galactose da dieta eliminava a síndrome de toxicidade aguda. Porém essa medida só é benéfico para os portadores da galactosemia tipo 1 e tipo 2. No caso da galactosemia tipo 3, os pacientes não devem ter sua alimentação totalmente restrita de galactose, isso se deve ao fato desses indivíduos serem dependentes da galactose exógena, que é um precursor necessário para a síntese de complexos de glicoproteínas, glicolipídeos, galactoproteínas e galactolipídeos. Portanto, para esses pacientes, o tratamento se restringe em prover pouca quantidade de galactose - quantidade essa que não será maléfica ao organismo e irá atender às necessidades do indivíduo. É importante, também, que ocorra um monitoramento constante do nível da galactose existente no organismo. 

Quando detectada por amniocentese é recomendado que a mãe já elimine a galactose da dieta cujo objetivo é sanar os sintomas presentes no nascimento, por exemplo, a ocorrência da catarata. Com um tratamento precoce, qualquer dano no fígado que por ventura tenha ocorrido nos primeiros dias de vida, serão completamente sanados.
** Dados obtidos da American Liver Foundation
Um outro tratamento é a Rã Terapia, que consiste em utilizar a carne de rã (Rana catesbeiana Shaw, 1802) como base alimentar no tratamento de crianças com erros inatos do metabolismo de carboidratos simples (frutosemia e galactosemia). A terapia nutricional deve ser implementada o quanto antes, através da modificação do padrão alimentar do paciente, restringindo os componentes metabólicos e fornecendo nutrientes em quantidades adequadas para possibilitar o crescimento físico e o desenvolvimento neuropsicomotor normais. A carne de rã é indicada no tratamento da galactosemia por apresentar baixo teor de carboidratos e elevado de proteínas (ALMEIDA et al., 2007), como mostrará a tabela abaixo. Possui fácil digestibilidade e é rica em minerais, como o cálcio, e em vitaminas. Portanto, a utilização na dieta de pacientes com galactosemia auxilia na oferta de nutrientes para manutenção da saúde colaborando para a qualidade de vida destes indivíduos.

Galactose nos alimentos

O leite e os produtos lacticínios são as principais fontes de galactose; algumas carnes - principalmente vísceras - e leguminosas também são grandes fontes do açúcar. A galactose também pode ser encontrada (em menores quantidades) em frutas, vegetais e frutos do mar (por exemplo, algas), entretanto, ainda não se sabe se as pequenas quantidades de galactose presentes nesses alimentos causam problemas a longo prazo.

A tabela a seguir mostra a quantidade de galactose em alguns alimentos.


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