quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Abuso sexual na infância: traumas, desafios e superação

Fabíola Camilo


Algumas pessoas tentam tirar a própria vida e muitas vezes são alvos de críticas, quando na verdade precisam de ajuda e compreensão. Em 2008 após tentativa de suicido, a nadadora e medalhista brasileira Joana Maranhão, (28), contou publicamente o motivo que a levou a praticar tal ato.
Existe um assunto que é motivo de muita revolta e medo por parte de quem o vivencio, abuso sexual infantil. Quem pratica esse tipo de abuso não sabe o mal que está fazendo para criança ou adolescente, muitos dos abusados cometem suicídio e outra grande parte não conseguem se recuperar do trauma e da culpa que sentem por ter permitido que isso acontecesse.
Com a atleta Joana Maranhão, não foi diferente, atualmente ela tem uma ONG que visa conscientizar crianças sobre como identificar e denunciar o abusador, mas até ela chegar nesse grau de aceitação ele passou por momentos que a fizeram pensar em desistir, “eu estava no auge da terapia, indo a fundo às emoções e achei que não fosse aguentar”, relata Joana sobre a primeira tentativa de suicídio em 2006. Já a segunda tentativa aconteceu em 2013, por problemas financeiros. “Acredito que eu nunca teria tido de fato coragem de acabar com minha própria vida. Eu queria fugir daquela sensação e tomar remédio pareceu á solução. É idiota, eu sei, mas eu me perdôo por isso, o que é o mais importante”.
Os abusos
Joana chegou ao seu limite depois de ter passado por abusos sexuais na infância e ter tido dificuldades para contar, pedir socorro e se libertar de uma culpa que ela achava que tinha, “Eu sabia que aquilo não era correto, mas não sabia do que se tratava e não sabia como agir, a quem pedir socorro. Eu ia dizer o que, se eu não sabia o que estava acontecendo?”, conta Joana.
Os abusos começaram quando Joana tinha 9 anos, por um treinador que ganhou a confiança da família da atleta, já que seu desempenho havia tido grande melhora depois que os treinos com o tal homem começaram, o que a família não sabia, era que nos intervalos dos treinos ele a levava para casa e cometia os abusos. “Ele pedia que eu sorrisse, falava que já estava acabando e pedia pra que não contasse a ninguém. Ele nunca me ameaçou, acredito que ele tinha um poder sobre mim e sabia que eu não iria contar”. O relato de Joana mostra que essas pessoas agem de formas diferentes e ao mesmo tempo muito parecidas, nesse caso ele usou a influência que tinha sobre ela e a família dela para garantir que tudo ficaria em segredo, “teve um dia em que eu não queria dormir na casa dele e minha mãe insistiu, disse que eu estava sendo mal educada. Eu fui à contra gosto e quando vi ele se aproximando do quarto comecei a gritar, disse que queria ir embora e voltar para casa. A mulher dele não entendeu nada. Meus pais foram me buscar e nunca mais voltei ali”, conta em desabafo.
A culpa
Joana tentou contar para sua família o que estava acontecendo, mas nunca teve a atenção que esperava, por ela ainda ser uma criança, diziam que poderia estar confundindo as coisas, “foi absurdamente difícil. Contei em partes para minha tia avó (que já faleceu), também tentei contar pra minha mãe. Disse algo como: ‘acho que ele tentou me beijar’. Mas maínha logo disse: ‘é carinho de pai, você confundiu, ele gosta muito de você’. E aí eu preferi não tocar mais no assunto”, “pois eu não conseguia dizer: ele colocou a mão no meu maiô”.
Com o passar do tempo, Joana começou a sentir as piores sensações de sua vida, medo, revolta, culpa, pois ela achava que tinha provocado em algum momento para que isso acontecesse e se sentia enojada dela mesma. Esse tipo de sentimento é muito comum em situações como essas é por esse motivo que muitas das crianças abusadas não conseguem se recuperar do trauma, se relacionar sexualmente, não confiam em ninguém e se tornam sozinhas, vazias e depressivas.
A denúncia
A atleta chegou a um alto nível de depressão, até que tomou coragem e resolveu denunciar o caso, “Eu nunca quis denunciar ele, eu só me senti a vontade de falar sobre o assunto porque me perguntavam sobre minha queda de rendimento, minha mudança ao longo dos anos, e eu quis contar o processo que passei, jamais imaginei que fosse tomar essa proporção”.
Proporção essa que fez mudar a lei, que antes dizia que se o crime era acontecido na infância e denunciado na fase adulta seria prescrito, como aconteceu com Joana que mesmo com depoimentos de profissionais de psicologia e psiquiatria que havia atendido ela na época, não pode denunciar o abusar perante a justiça. Joana chegou a escrever uma carta que foi lida em juízo, relatando algumas situações pelas quais passou com o treinador, que abriu um processo contra a atleta e sua mãe.
A carta de Joana ao juiz
“Quero dizer que o fato de ele ter me despido na cama da própria esposa e ter me bolinado enquanto eu chorava e pedia para parar ainda é um fato que me enoja e me dói, mas isso não me derrotou". "Sou dependente de antidepressivo e apesar de tudo isso estou aqui hoje, mesmo que por meio de palavras, pronta para lutar por justiça. Porque, se o medo e a vergonha me calaram durante 12 anos, não me calam mais", "Nenhuma criança, aliás, nenhum ser humano merece ser tocado daquela forma. Pedofilia é uma doença e é triste que um homem não tenha tido a capacidade de se controlar diante de uma criança", "Eu confiava naquele homem, creditava minha evolução no esporte a ele e quando comecei a ser tocada achava que a culpa era minha, achava que eu tinha feito algo errado, que estava pecando, quando na verdade eu era a vítima", "Só peço que, pelo amor de Deus, a Justiça não deixe esse homem encostar em mais nenhuma criança". Um pequeno trecho da carta.
Lei Joana Maranhão
Enfim, após a denuncia de Joana, a Lei 12.650 de 2012 foi modificada, agora o abuso pode ser denunciado, ou seja, só depois que a pessoa completar 18 anos começará a contar o prazo para que o crime prescreva, tempo que varia de acordo com o tipo de crime cometido. Essa lei passou a ser chamada de Lei Joana Maranhão.
Reflexão
Casos como esses acontecem diariamente no mundo todo, a Joana se recuperou, está bem e ajuda crianças a não passarem o que ela passou.
Portanto qualquer sinal que sua criança demonstre que algo estranho possa estar acontecendo, não ignore, não deixe para depois, observe, seja amigo (a) de suas crianças e o mais importante, denuncie sempre.

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