Então, quando a garota estava com 11 anos, Colette participou de um estudo sobre doenças transmitidas por alimentos. O questionário veio de uma entidade chamada Safe Tables Our Priority (atualmente STOP Foodborne Illness), que fazia um levantamento com sobreviventes de surtos epidêmicos em busca dos pormenores da recuperação. Aos 3 anos, Dana, uma das 50 pessoas infectadas por salmonela após a ingestão de melão contaminado, havia passado duas semanas em um hospital. A pesquisa incluía uma lista de complicações, entre as quais se encontravam sintomas de um tipo de dano nas articulações denominado artrite reativa.
Estupefata, Colette levou a filha a um reumatologista e ele confirmou que não havia outra explicação para a causa das dores da menina. Em seguida, a mãe reexaminou os registros médicos da criança. No décimo dia da internação, uma enfermeira anotou que a paciente mancava e se queixava de dores nas articulações. Teriam sido aqueles os primeiros sintomas da doença que começava a se desenvolver à medida que o organismo reagia à infecção? “Jamais imaginei que pudesse haver uma relação entre salmonela e artrite”, relata Collete. “Nem eu, nem a maioria dos médicos.”
É assustadora a ideia de que uma intoxicação alimentar, que pensamos durar apenas alguns dias, possa ter consequências permanentes. Sempre se acreditou que a incidência dessas seqüelas fosse baixa, mas poucos pesquisadores haviam se debruçado sobre a questão até pouco tempo atrás. Os resultados de estudos recentes de vários grupos científi cos, no entanto, parecem indicar que essas complicações são mais frequentes que se pensava.
UM PROBLEMA COMUM?
As doenças transmitidas por alimentos são uma gravíssima questão de saúde pública, mesmo levando-se em conta apenas os episódios agudos iniciais. Anualmente nos Estados Unidos há 48 milhões de casos, 128 mil internações e 3 mil óbitos relacionados a elas segundo estimativa feita em 2011 pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs, na sigla em inglês). (O Brasil não dispõe de estatísticas nesta área.) Já na União Europeia, houve 48.964 ocorrências e 46 casos fatais em 2009, o último ano pesquisado. De acordo com dados do Serviço de Pesquisas Econômicas do Ministério da Agricultura americano, as bactérias por si sós já acarretam um custo de pelo menos US$ 6,7 bilhões, considerando a assistência médica, mortes prematuras e perda de produtividade. Mas os pesquisadores que acompanham os efeitos crônicos dessas enfermidades afirmam que a conta é, na verdade, bem maior.
“As pessoas não compreendem as consequências como um todo das doenças transmitidas por alimentos”, lamenta Kirk Smith, da secretaria da Saúde do estado de Minnesota, que permite a seus profissionais atuar em todo o país. “Acham que, depois de alguns dias, a diarreia passa e acabou. Não entendem que há toda uma série de sequelas crônicas. Embora nenhuma seja comum em separado, o conjunto delas é importante.”
As doenças transmitidas por alimentos são uma gravíssima questão de saúde pública, mesmo levando-se em conta apenas os episódios agudos iniciais. Anualmente nos Estados Unidos há 48 milhões de casos, 128 mil internações e 3 mil óbitos relacionados a elas segundo estimativa feita em 2011 pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs, na sigla em inglês). (O Brasil não dispõe de estatísticas nesta área.) Já na União Europeia, houve 48.964 ocorrências e 46 casos fatais em 2009, o último ano pesquisado. De acordo com dados do Serviço de Pesquisas Econômicas do Ministério da Agricultura americano, as bactérias por si sós já acarretam um custo de pelo menos US$ 6,7 bilhões, considerando a assistência médica, mortes prematuras e perda de produtividade. Mas os pesquisadores que acompanham os efeitos crônicos dessas enfermidades afirmam que a conta é, na verdade, bem maior.
“As pessoas não compreendem as consequências como um todo das doenças transmitidas por alimentos”, lamenta Kirk Smith, da secretaria da Saúde do estado de Minnesota, que permite a seus profissionais atuar em todo o país. “Acham que, depois de alguns dias, a diarreia passa e acabou. Não entendem que há toda uma série de sequelas crônicas. Embora nenhuma seja comum em separado, o conjunto delas é importante.”
As complicações de longo prazo não se limitam aos doentes submetidos a internação hospitalar, como no caso de Dana, tendo sido observadas em pessoas que, aparentemente, haviam tido apenas episódios leves de febre, vômito e diarreia. Entre elas estão artrite reativa, afecções do trato urinário e danos oculares após infecções por salmonela e Shigella; síndrome de Guillain-Barré e colite ulcerativa (um tipo de infl amação intestinal crônica) depois de contaminação porCampylobacter; e insufi ciência renal e diabetes como consequência de intoxicações causadas por Escherichia coli O157:H7. Trata-se de organismos muito comuns: a fiscalização federal já os identificou em carne, leite, aves, ovos, frutos do mar, frutas, verduras e legumes e até mesmo alimentos processados.
À medida que estudam os dados sobre surtos de enfermidades transmitidas por alimentos, os pesquisadores não só confirmam a ocorrência dessas sequelas como também aumentam a lista delas. Um levantamento realizado com 101.855 habitantes da Suécia contaminados entre 1997 e 2004 revelou, por exemplo, uma incidência acima do normal de aneurisma aórtico, colite ulcerativa e artrite reativa. Durante a revisão de um amplo banco de dados de províncias australianas sobre saúde observou-se que a probabilidade de desenvolver colite ulcerativa ou doença de Crohn (uma enfermidade crônica intestinal) é 57% mais alta entre pessoas que tenham contraído infecções gastrointestinais de causa bacteriana que entre outros nascidos no mesmo local e na mesma época. Vários anos após um surto ocorrido em 2005 na Espanha, 65% das 248 vítimas relataram sofrer de dores ou rigidez nas articulações ou nos músculos, em comparação a 24% no grupo de controle, que não havia sido infectado.
Até hoje realizaram-se poucas pesquisas abrangentes nos Estados Unidos. Em geral, o objetivo da investigação de problemas relacionados a alimentos sempre foi encontrar e entrevistar pessoas afetadas durante os surtos, explica Smith. Como a fase aguda dura, no máximo, cerca de duas semanas, nunca houve preocupação em realizar a difícil tarefa de, após esse período, seguir o cotidiano dos pacientes, que podem consultar vários médicos e, até mesmo, mudar de estado diversas vezes.
Um dos estudos americanos, publicado em 2008, acompanhou vítimas nos estados de Minnesota e Oregon entre 2002 e 2004. Os pesquisadores definiram as pessoas a contatar com base nos registros para um projeto denominado Foodborne Diseases Active Surveillance Network (Rede de Vigilância Ativa de Doenças Transmitidas por Alimentos) (FoodNet), que reúne relatos de infecções por dez agentes distintos e confirmadas em exames laboratoriais. Dos 4.468 participantes, 575 (13%) apresentaram sintomas posteriores que correspondiam aos da artrite reativa, ainda que a maioria houvesse tido o diagnóstico de um especialista.
Talvez o vínculo entre as enfermidades em questão e as complicações de longo prazo não passe de coincidência. Ainda assim, trata-se de uma possibilidade remota segundo os defensores da referida ligação, que, na verdade, poderia ser comprovada de maneira mais eficiente se houvesse uma identificação das vítimas já no aparecimento dos primeiros sintomas e um acompanhamento posterior durante anos, no que se denomina estudo prospectivo. Uma das poucas pesquisas desse tipo em todo o mundo (e a única na América do Norte) foi concluída há pouco, com resultados impressionantes e convincentes.
À medida que estudam os dados sobre surtos de enfermidades transmitidas por alimentos, os pesquisadores não só confirmam a ocorrência dessas sequelas como também aumentam a lista delas. Um levantamento realizado com 101.855 habitantes da Suécia contaminados entre 1997 e 2004 revelou, por exemplo, uma incidência acima do normal de aneurisma aórtico, colite ulcerativa e artrite reativa. Durante a revisão de um amplo banco de dados de províncias australianas sobre saúde observou-se que a probabilidade de desenvolver colite ulcerativa ou doença de Crohn (uma enfermidade crônica intestinal) é 57% mais alta entre pessoas que tenham contraído infecções gastrointestinais de causa bacteriana que entre outros nascidos no mesmo local e na mesma época. Vários anos após um surto ocorrido em 2005 na Espanha, 65% das 248 vítimas relataram sofrer de dores ou rigidez nas articulações ou nos músculos, em comparação a 24% no grupo de controle, que não havia sido infectado.
Até hoje realizaram-se poucas pesquisas abrangentes nos Estados Unidos. Em geral, o objetivo da investigação de problemas relacionados a alimentos sempre foi encontrar e entrevistar pessoas afetadas durante os surtos, explica Smith. Como a fase aguda dura, no máximo, cerca de duas semanas, nunca houve preocupação em realizar a difícil tarefa de, após esse período, seguir o cotidiano dos pacientes, que podem consultar vários médicos e, até mesmo, mudar de estado diversas vezes.
Um dos estudos americanos, publicado em 2008, acompanhou vítimas nos estados de Minnesota e Oregon entre 2002 e 2004. Os pesquisadores definiram as pessoas a contatar com base nos registros para um projeto denominado Foodborne Diseases Active Surveillance Network (Rede de Vigilância Ativa de Doenças Transmitidas por Alimentos) (FoodNet), que reúne relatos de infecções por dez agentes distintos e confirmadas em exames laboratoriais. Dos 4.468 participantes, 575 (13%) apresentaram sintomas posteriores que correspondiam aos da artrite reativa, ainda que a maioria houvesse tido o diagnóstico de um especialista.
Talvez o vínculo entre as enfermidades em questão e as complicações de longo prazo não passe de coincidência. Ainda assim, trata-se de uma possibilidade remota segundo os defensores da referida ligação, que, na verdade, poderia ser comprovada de maneira mais eficiente se houvesse uma identificação das vítimas já no aparecimento dos primeiros sintomas e um acompanhamento posterior durante anos, no que se denomina estudo prospectivo. Uma das poucas pesquisas desse tipo em todo o mundo (e a única na América do Norte) foi concluída há pouco, com resultados impressionantes e convincentes.
Em maio de 2000 houve uma contaminação da água potável de Walkerton, na província canadense de Ontário, por E. coli O157:H7 após fortes chuvas que transportaram esterco de fazendas das cercanias para o aquífero local. Mais de 2.300 pessoas, cerca de metade da população da cidade, tiveram febre e diarreia em seguida. Em 2002, o governo provincial financiou um estudo para avaliar quaisquer efeitos de longo prazo entre as vítimas. Os resultados foram publicados em 2010. Em comparação com os habitantes nos quais a infecção foi leve, os que tiveram diarreia por vários dias durante o surto apresentavam uma probabilidade 33% maior de desenvolver hipertensão, além de um risco 210% mais alto de ter infarto agudo do miocárdio ou AVC e 340% mais elevado de sofrer afecções renais nos oito anos pesquisados.
Mas essas complicações não se limitaram aos indivíduos mais afetados pela enfermidade causada pela bactéria. Houve casos de problemas circulatórios (cuja relação com esse microrganismo não teria sido estabelecida sem o acompanhamento prospectivo) mesmo entre os que relataram apenas sintomas mais leves. Para William F. Clark, coordenador do estudo e professor de nefrologia da University of Western Ontario, essa descoberta indica a possibilidade de serem muito frequentes os efeitos de aparecimento tardio da infecção por E. coli. Assim, o pesquisador recomenda que pessoas que tenham tido essa doença meçam a pressão anualmente e se submetam a um exame das funções renais a cada dois ou três anos.
Como a questão foi muito pouco investigada a maioria das complicações veio à tona graças à atuação de grupos de defesa de pacientes, cujos relatos formaram a base do levantamento da STOP de que participou Colette Dziadul. Em 2009 foi publicado o guia da entidade sem fins lucrativos Center for Foodborne Illness Research and Prevention [Centro de Pesquisa e Prevenção de Doenças Transmitidas por Alimentos], que desenterrou da literatura médica estudos já esquecidos sobre sequelas permanentes.
Atualmente essa organização conta com uma verba da agência de vigilância sanitária americana para uma pesquisa sobre a melhor maneira de estudar a frequência dos efeitos permanentes posteriores. As pessoas envolvidas com a questão das doenças transmitidas por alimentos reivindicam o desenvolvimento, pelos órgãos de saúde pública, de sistemas mais eficientes para identificação e acompanhamento das vítimas, que, como também defende Clark, deveriam passar a receber tratamento preventivo assim que possível.
“Queremos dimensionar com precisão o ônus da doença porque é nisso que as autoridades se baseiam para determinar as prioridades de saúde pública”, explica Barbara Kowalcyk, cofundadora do centro. “Enquanto nos concentrarmos apenas na fase aguda e não nas complicações de longo prazo, estaremos subestimando o problema.”
Mas essas complicações não se limitaram aos indivíduos mais afetados pela enfermidade causada pela bactéria. Houve casos de problemas circulatórios (cuja relação com esse microrganismo não teria sido estabelecida sem o acompanhamento prospectivo) mesmo entre os que relataram apenas sintomas mais leves. Para William F. Clark, coordenador do estudo e professor de nefrologia da University of Western Ontario, essa descoberta indica a possibilidade de serem muito frequentes os efeitos de aparecimento tardio da infecção por E. coli. Assim, o pesquisador recomenda que pessoas que tenham tido essa doença meçam a pressão anualmente e se submetam a um exame das funções renais a cada dois ou três anos.
Como a questão foi muito pouco investigada a maioria das complicações veio à tona graças à atuação de grupos de defesa de pacientes, cujos relatos formaram a base do levantamento da STOP de que participou Colette Dziadul. Em 2009 foi publicado o guia da entidade sem fins lucrativos Center for Foodborne Illness Research and Prevention [Centro de Pesquisa e Prevenção de Doenças Transmitidas por Alimentos], que desenterrou da literatura médica estudos já esquecidos sobre sequelas permanentes.
Atualmente essa organização conta com uma verba da agência de vigilância sanitária americana para uma pesquisa sobre a melhor maneira de estudar a frequência dos efeitos permanentes posteriores. As pessoas envolvidas com a questão das doenças transmitidas por alimentos reivindicam o desenvolvimento, pelos órgãos de saúde pública, de sistemas mais eficientes para identificação e acompanhamento das vítimas, que, como também defende Clark, deveriam passar a receber tratamento preventivo assim que possível.
“Queremos dimensionar com precisão o ônus da doença porque é nisso que as autoridades se baseiam para determinar as prioridades de saúde pública”, explica Barbara Kowalcyk, cofundadora do centro. “Enquanto nos concentrarmos apenas na fase aguda e não nas complicações de longo prazo, estaremos subestimando o problema.”
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