sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Falta de fibras para microrganismos debilita a saúde humana

Por Katherine Harmon Courage

O intestino é palco de constantes guerras territoriais.

Centenas de espécies bacterianas, além de fungos, archaea (microrganismos unicelulares procariotas) e vírus, lutam diariamente, competindo por recursos.

Enquanto algumas empresas defendem maior consumo de probióticos, bactérias vivas benéficas, para melhorar a composição de comunidades microbiais em nosso intestino, cada vez mais pesquisas sustentam a noção de que a abordagem mais poderosa pode ser alimentar melhor as bactérias boas que já abrigamos.

A refeição preferida delas? Fibras.

Fibras têm sido associadas há muito tempo a uma saúde melhor e novas pesquisas mostram como a microbiota intestinal pode desempenhar um papel nisso.

Um estudo concluiu que acrescer mais fibras à dieta pode levar à mudança de um perfil microbiano associado à obesidade a outro vinculado a um físico mais magro. Outro trabalho recente mostrou que quando microrganismos estão depauperados de fibras, eles podem começar a se alimentar do revestimento mucoso que protege o intestino, possivelmente provocando inflamações e doenças.

“A dieta é uma das ferramentas mais poderosas que temos para mudar a microbiota”, ressaltou Justin Sonnenburg, um biólogo da Stanford University.

Palestrante em um simpósio sobre o microbioma intestinal, em Keystone, no Colorado, no início de março, ele destacou que “fibra dietética e diversidade da microbiota se complementam para melhores resultados de saúde”.

Segundo Sonnenburg, microrganismos benéficos gostam de se banquetear particularmente em fibras fermentáveis, derivadas tanto de diversos vegetais, como de grãos integrais e outros alimentos que resistem à digestão (dissociação) por enzimas produzidas pelo corpo humano à medida que elas trafegam pelo do trato digestivo.

Essas fibras chegam relativamente intactas ao intestino grosso, prontas para serem devoradas por nossas multidões microbianas.

Microrganismos conseguem extrair energia, nutrientes, vitaminas e outros compostos extras das fibras para nós.

Ácidos graxos de cadeias curtas obtidos de fibras são particularmente interessantes por terem sido associados a uma melhor função imune, redução de inflamações e proteção contra obesidade.

Mas Sonnenburg salientou que, em padrões históricos, a atual dieta ocidental é extremamente pobre em material fibroso contendo apenas algo em torno de 15 gramas de fibras por dia.

Durante a maior parte de nossa história primitiva, como caçadores e coletores, provavelmente ingeríamos cerca de 10 vezes essa quantidade diariamente. “Imagine o efeito disso em nossa microbiota ao longo de nossa evolução”, argumentou.

A flora intestinal reflete de que nos alimentamos

Novas pesquisas indicam que nem todas as fibras úteis precisam derivar necessariamente das raízes e do volume de massa fibrosa que nossos ancestrais procuravam incorporar em seus forrageios.

Kelly Swanson, um professor de nutrição comparativa na University of Illinois em Urbana-Champaign e sua equipe constataram que o simples acréscimo de uma barrinha de cereal às dietas diárias de seus objetos de estudo era capaz de mudar perfis microbianos em questão de semanas.

Em um estudo que envolveu 21 adultos saudáveis, com um consumo de fibras médio para os padrões americanos, uma única barra de cereais por dia (contendo 21 g de fibra), durante três semanas, aumentou significativamente o número de bactérias do gênero Bacteroides e diminuiu o de Firmicutes.

Os resultados foram obtidos por meio da comparação entre os níveis dessas bactérias antes do estudo e após três semanas de consumo de barras de cereais.

Essa proporção, de mais de Bacteroidetes e menos Firmicutes, está associada a índices de massa corporal (IMC) mais baixos.

As conclusões do estudo foram publicadas na edição de janeiro do periódico especializado American Journal of Clinical Nutrition.

“Sabemos há muito tempo que se você ingere muitas fibras, você perde peso”, observou Swanson 

Tanto o seu como outros estudos recentes sugerem que nossa flora intestinal desempenha um papel-chave nessa correlação.

Além de identificar diferentes grupos de bactérias, um exame de varredura do genoma revelou uma mudança no padrão de atividade de genes ativos na microbiota intestinal.

À medida que o consumo de fibras aumentou a atividade de genes associados ao metabolismo de proteínas diminuiu. Pesquisadores esperam que essa constatação possa ajudá-los a entender o complicado quebra-cabeça de dieta e perda de peso.

“Estamos chegando mais perto do que é causa e efeito”, comemorou Swanson.

Alimente os microrganismos para que eles não se alimentem de você

Quando microrganismos intestinais são privados de fibras fermentáveis, alguns de fato morrem. Outros, porém, são capazes de se adaptar e passar para outra fonte de alimento: o revestimento mucoso que ajuda a manter a parede intestinal intacta e livre de infecções.

Em outro estudo, também apresentado no simpósio de Keystone, Eric Martens, da Faculdade de Medicina da University of Michigan, o pesquisador de pós-doutorado Mahesh Desai e seus colegas constataram que essa mudança de fonte energética teve consequências marcantes em roedores.

Um grupo de camundongos alimentados com uma dieta rica em fibras tinha revestimentos intestinais saudáveis, “mas em animais com um regime sem fibras a camada mucosa ficou drasticamente reduzida”, explicou Martens no encontro.

Ocasionalmente, essa alteração pode ter consequências graves para a saúde.

Uma pesquisa realizada por uma equipe sueca, divulgada em 2014 na publicação especializada Gut, revelou uma ligação entre a penetração de bactérias na camada mucosa e colite ulcerosa, uma doença intestinal crônica e bastante dolorosa.

Um terceiro grupo de camundongos recebeu porções de ração rica e pobre em fibras em dias alternados, “como se nós estivéssemos sendo mal comportados, devorando hambúrgueres e batatas fritas um dia, para, no dia seguinte, consumirmos bonzinhos nossos cereais integrais”, Martens exemplificou brincando.

No entanto, mesmo uma dieta fibrosa em tempo parcial foi insuficiente para manter os intestinos desse grupo de camundongos saudáveis: a camada mucosa deles tinha apenas cerca de 50% da espessura da dos animais que se alimentavam consistentemente de uma dieta com elevado teor de fibras.

Se pudermos estender esses resultados a humanos, “isso nos diz que nem o consumo concentrado de todos os alimentos fibrosos a cada dois dias é suficiente para nos proteger. Precisamos nos alimentar de uma dieta rica em fibras diariamente para manter um intestino saudável”, salientou Martens.

Ao longo dessas mesmas linhas, o grupo de Swanson determinou que os microbiomas intestinais de seus objetos de estudo adultos retornaram aos perfis iniciais assim que o consumo das barras de cereais foi descontinuado.

Martens e seus colegas também observaram que camundongos com dietas consistentemente ricas em fibras consumiam menos calorias e eram mais magros que os animais alimentados com rações sem fibras. Isso evidenciou que elas [as fibras] beneficiam o corpo de várias maneiras.

“Estudos como esse são ótimos porque eles investigam os mecanismos para explicar por que fibras são benéficas”, resumiu Swanson.

Como todos esses trabalhos enfatizam, o microbioma intestinal é excepcionalmente maleável.

Essas rápidas adaptações influenciadas pela dieta provavelmente nos serviram muito bem ao longo de nossa história evolutiva, mudando mais rápido que nossa própria fisiologia, escreveram Justin Sonnenburg e Erica Sonnenburg em um artigo publicado em novembro de 2014 em Cell Metabolism.

“Ao delegar parte de nossa digestão e absorção de calorias aos nossos residentes intestinais, a parte microbial de nossa biologia poderia se ajustar facilmente a variações cotidianas ou sazonais de alimentos disponíveis”, argumentaram eles.

Novos estudos continuam a demonstrar que mudanças microbiais devido à dieta são, “em grande parte, reversíveis em escalas de curto prazo”.

Ainda assim, persiste a questão de como uma ingestão cronicamente baixa, ou pobre em fibras, ao longo de toda uma vida ou de gerações, pode alterar permanentemente nossos intestinos e nossa saúde.

 

Publicado em Scientific American em 23 de março de 2015.

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