quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Designers podem melhorar o atendimento à saúde para todos

Por Samantha Dempsey, em Blog para Convidados, Scientific American


O último lugar onde alguém espera encontrar um designer é em um quarto de hospital, uma clínica ou em uma sala de cirurgia, mas esses são exatamente os espaços em que me insiro.

Meu primeiro passo rumo a esse universo ocupacional ocorreu quando produzi catorze pinturas de microrganismos que exploravam a relação entre desenvolvimento humano e doenças.

À época, eu cursava o segundo ano na Rhode Island School of Design com especialização em ilustração; mas mesmo em uma escola de arte, fazer pinturas sobre doenças era considerado estranho.

Cada quadro retratava um microrganismo diferente que tinha mudado o curso do desenvolvimento humano: peste bubônica, tuberculose e varíola, para citar alguns dos meus favoritos.

Foi só depois que a tinta secou e minha turma tinha dado seu feedback é que percebi que faltava alguma coisa.

Analisando as pinturas penduradas na parede, me dei conta de que, por mais forte que fosse meu sentimento em relação aos quadros, independente de quanta pesquisa e reflexão eu tinha dedicado a cada um deles, aquelas imagens não mudariam o relacionamento de ninguém com doenças.

Tudo o que elas faziam era descrever saúde e ciência que já existiam. Como designer, eu sabia que poderia fazer mais.

Esse “estalo” foi há quatro anos e marcou o ponto em que parei de me sentir satisfeita com os domínios tradicionais, onde a maioria das pessoas julga existir arte e design: lugares como editoras, empresas de publicidade, museus e galerias.

Agora sou uma “designer de experiências”, uma definição que normalmente é saudada com olhares vazios, de incompreensão, quando me apresento em festas ou coquetéis.

Combino pesquisas, metodologias de design e colaboração clínica para reinventar o modo como pessoas interagem com cuidados para a saúde. Isso pode ser qualquer coisa, desde a criação de ferramentas visuais que melhoram o diálogo entre pacientes e médicos até desenvolver experiências digitais que permitem que pacientes concluam exames de fisioterapia sem sair de suas casas.

Nada é mais importante em cuidados para a saúde que criar interações eficientes, contínuas e (por que não?) agradáveis entre humanos e sistemas.

O mundo do atendimento à saúde ainda é 90% humano. Enfermeiros, médicos, profissionais de saúde e pacientes são apenas algumas das pessoas que compõem esse enorme sistema vivo e pulsante.

Esses usuários precisam de sistemas que podem ser “navegados” suavemente, sem percalços, mesmo quando eles cometem erros, permitem que as emoções afetem suas decisões, e agem de maneiras contrárias aos seus melhores interesses (alguém quer um cigarro?).

O sistema de saúde precisa trabalhar para pessoas reais, não robôs. Designers entendem as diferenças entre os dois e podem criar experiências que funcionamcom humanos, não apesar deles.

Essa compreensão é importante quando se projetam ferramentas para médicos, mas ela é igualmente importante quando se cria algo para os pacientes.

De que adianta fazer uma gastroplastia redutora [também chamada cirurgia de bypass gástrico] em uma pessoa que estará voltando para uma casa fartamente estocada com salgadinhos e batatas chips, e uma família que não sabe como apoiar escolhas alimentares saudáveis?

Em vez de simplesmente tratar os resultados de maus hábitos, o design nos permite criar interações que sistematicamente motivam as pessoas a fazer mudanças sustentáveis em suas próprias vidas.

Podemos projetar intervenções que não visam apenas o corpo físico, mas também a mente, a situação social, o meio ambiente e a motivação interna que impulsionam mudanças comportamentais.

Design nos permite entender como cuidados de saúde se encaixam na vida de um paciente, em vez de simplesmente entender como aquela vida se encaixa em nosso sistema de saúde.

Os próprios alicerces de clínicas e hospitais estão começando a se esfacelar.

A noção de saúde como uma atividade especializada, supervisionada por uma autoridade entendida, não existe mais. Pacientes interagem diariamente com ferramentas de saúde e bem-estar em seus lares, assim como no ambiente controlado da clínica.

“Fitbits” [dispositivos e sensores de monitoramento de atividades físicas produzidos pela empresa Fitbit Inc, com sede em São Francisco, na Califórnia], telemedicina, despertadores que se sincronizam com padrões de sono, balanças que se comunicam com telefones, e aplicativos que monitoram dosagens de medicamentos tornaram-se parte de nossas vidas cotidianas.

Designers trazem consigo um profundo conhecimento de usabilidade e a capacidade de realizar pesquisas sobre ela, o que faz com que esses produtos sejam fáceis e agradáveis de usar.

Esses problemas emergentes na área da saúde exigem que superemos as tradicionais barreiras interdisciplinares. Quando todo nosso sistema está desconectado e não mais centrado no paciente, não podemos mais contar com especialistas individuais para corrigir o problema.

Designers são pontes entre os diferentes tipos de pessoas com um interesse em nosso sistema de saúde: pacientes, médicos, engenheiros e empresários.

Design é interdisciplinar por natureza, e os designers procuram entender e incorporar esses diferentes pontos de vista, conduzindo diversas entrevistas com os interessados ao longo de todo o processo de design, ou desenvolvimento.

Esse raciocínio e colaboração interdisciplinar é o ingrediente secreto necessário para a inovação.

Designers têm inovado discretamente na área de atendimento e cuidados com a saúde há anos, mas recentemente suas vozes têm se tornado mais audíveis.

Poucos, como Aidan Petrie, cofundador da Ximedica, se concentram nas necessidades dos clínicos ao projetarem dispositivos médicos como o sistema cirúrgico robótico SPORT, que reduz a carga de trabalho cognitivo do médico e aumenta a segurança do paciente durante procedimentos cirúrgicos complexos.

Outros, como Kim Goodman, vice-presidente de experiência do usuário na PatientsLikeMe, respondem às necessidades de pacientes ao criarem plataformas que permitem que pessoas com doenças que alteram suas vidas aprendam umas com as outras, enquanto também geram dados acessíveis a pesquisas sobre curas.

Nick Jehlen, sócio e diretor criativo na The Mill Ação, executa designs para cuidadores ao criar jogos que estimulam e facilitam conversas sobre cuidados de fim de vida no seio da família.

Christian Richard da Philips está trabalhando em um verdadeiro desafio: desfibriladores acessíveis ao público, que poderiam ser usados por qualquer pessoa durante uma situação cardíaca de emergência.

E, quando trabalhava como designer de serviços no Centro de Inovação da Clínica Mayo, Krissa Ryan conseguiu reduzir em 40% o número de internações em unidades específicas de diálise ao alinhar objetivos clínicos e de pacientes por meio de personagens baseados em entrevistas.

Na Mad* Pow, faço parte da equipe de mudança de comportamento onde trabalho com o renomado designer Dustin DiTommaso para mesclar ciência comportamental, game design e narrativa de histórias em um novo tipo de experiência de cuidados com a saúde.

Criamos experiências empáticas que ajudam pacientes a encontrar a motivação necessária para adotarem mudanças positivas de comportamento.

Recentemente, projetamos uma ferramenta digital que aumenta a autonomia e competência de pacientes com doença cardíaca crônica ao orientá-los por uma série de interações digitais.

O primeiro passo dessas interações é educar pacientes sobre sua condição, depois usá-las para conectá-los com recursos que os ajudam a lidar com isso. Por fim, elas têm por objetivo incentivar esses pacientes a tutorar outros recém-diagnosticados.

Embora Dustin e eu tenhamos formações muito diferentes, somos atraídos para o atendimento à saúde pela mesma razão: queremos empregar design para melhorar a vida das pessoas.

Em um ou outro momento da vida, todos nós seremos pacientes. Sei que quando eu acabar em um leito hospitalar, vou querer um médico que entenda que tomarei decisões melhores se eu estiver usando minhas roupas cotidianas, normais, do que se eu estiver seminua em um jaleco de hospital.

E vou querer uma equipe de cuidadores que saiba que os alimentos em minha geladeira merecem tanta atenção quanto as receitas que estão em meu gabinete de remédios. E vou querer um sistema que reconheça que minhas necessidades e as da minha equipe de atendimento não são opostas, mas parte de um sistema humano mais abrangente, concebido para fornecer apoio aos dois lados.

Portanto, se continuarmos a incorporar designers ao nosso sistema de saúde, esse futuro pode não estar tão distante.

Sobre a autora: Samantha Dempsey é uma designer de experiência na Mad*Pow e recentemente graduada pela Rhode Island School of Design. Como fellowno Centro de Inovação da Clínica Mayo, ela realizou uma pesquisa sobre visualizar narrativas de pacientes e criou ferramentas para ajudar médicos a se comunicarem melhor com os doentes. Sua formação anterior em ilustração tempera sua abordagem de design de experiência à medida que ela incorpora fluxo narrativo, narração visual de histórias e arte sequencial em seu trabalho. Siga-a no Twitter em @samanthademps.

As opiniões expressas são as da autora e não necessariamente as da Scientific American.

Publicado em Scientific American em 2 de março de 2015.

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