The Geisel administration: political-economic transition? An essay of revision
José Pedro Macarini
Professor Associado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: jpmacarini@globomail.com
RESUMO
Este artigo procura reconstituir os principais traços da política econômica durante o governo Geisel (1974-1978), concentrando-se no exame de dois desdobramentos de especial importância. O primeiro diz respeito à política macroeconômica voltada aos problemas conjunturais (inflação e balanço de pagamentos). Discute-se o grau de importância atribuído a essa faceta da política econômica bem como os resultados alcançados, distinguindo-se dois períodos marcados por ênfases distintas. O segundo desdobramento refere-se ao II PND, marca fundamental da política econômica do período: o artigo procura apresentar uma leitura crítica de alguns pontos controversos suscitados pela literatura dedicada ao tema.
Palavras-chave: Brasil; ditadura militar; política econômica
Classificação JEL: E65
Classificação JEL: E65
ABSTRACT
This article seeks to trace the main aspects of the Geisel Administration (1974-1978) economic policy, focusing on two main developments. The first concerns the macroeconomic policy related to problems of inflation and balance of payments affecting the economy. A discussion is made of its degree of importance in the conduct of economic policy, as well as the results achieved, distinguishing two periods (1974-1975 and 1976-1978). The second point centers around II PND (National Plan of Development), the focal point of the economic policy of that period: a critical assessment is made of the main issues of controversy surrounding the theme as treated in the literature.
Keywords: Brazil; military dictatorship; economic policy
JEL Classification: E65
JEL Classification: E65
1. INTRODUÇÃO
A política econômica do governo Geisel (1974-1978) foi objeto de vários estudos, realizados em distintos momentos, os quais deram margem à ampla controvérsia na interpretação das opções então adotadas. Tais estudos misturam insights analíticos de maior permanência com aspectos datados em função do momento histórico da observação. O longo período já transcorrido (implicando um novo momento de observação) convida a uma retomada do tema – tendo em vista a sua inegável relevância na história político-econômica brasileira contemporânea bem como a disponibilidade de novos materiais sobre o período surgidos mais recentemente. Não é meu objetivo, de forma alguma, encerrar a controvérsia ou esgotar o tema, e sim sistematizar os traços fundamentais e refletir sobre aquela experiência da política econômica brasileira (com o benefício propiciado pela distância histórica).
Dessa perspectiva, busca-se aqui recuperar um aspecto do governo Geisel, presente na literatura mas talvez ofuscado pela controvérsia. Nascido sob o signo da transição política – expressa no compromisso com a abertura "lenta, gradual e segura" (após a exacerbação da ditadura durante a presidência Médici) – e embalado pelo projeto "Brasil Grande Potência", inaugurado explicitamente na administração anterior, a trajetória da economia e da política econômica também terminou por se revestir de um caráter de transição. De fato, a segunda metade da década de 1970 assinala o encerramento do brilhante "ciclo longo" desenvolvimentista e o trânsito para a melancólica "longa estagnação" das três décadas seguintes – durante a qual ilusões foram perdidas, profundas transformações ocorreram e um amesquinhamento das ambições político-econômicas deitaria raízes aparentemente profundas.
O artigo compõe-se de quatro seções, incluindo esta introdução. A seção 2 centra-se no exame de possíveis tensões cercando a definição inicial do curso da política econômica do governo Geisel. A questão chave que orienta a investigação neste passo pode ser colocada da seguinte forma: por que, com um ministro da Fazenda tão umbilicalmente vinculado a uma visão de política econômica tipificada pelo PAEG de Campos-Bulhões (Simonsen), em uma conjuntura de aceleração inflacionária e desequilíbrio de balanço de pagamentos, a opção de política econômica do governo Geisel foi heterodoxa? A seção 3, a par de oferecer uma sintética apresentação do II PND e sua execução, busca elaborar criticamente as principais questões surgidas no debate sobre o tema. Algumas reflexões de cunho mais geral compõem a última seção.
2. 1974: DUAS LINHAS DE POLÍTICA ECONÔMICA?
Um exame acurado da política econômica do regime militar mostra a existência de importantes mudanças de um período para outro (às vezes verificando-se sob uma mesma administração). Não é de forma alguma impróprio descrever o curso da política econômica apontando movimentos (sucessivos) de inflexão, os quais explicitam uma mudança substantiva. Inaugurado em 1964 com uma preocupação obsessiva com a inflação, um programa de estabilização de linha essencialmente ortodoxa foi persistentemente implementado durante o triênio Castelo Branco. Seus resultados imediatos foram: redução expressiva da inflação, mas muito aquém do pretendido (e talvez ainda mais decepcionante: queda de patamar em 1965, seguida de alta em 1966 – induzindo a percepção de que para eventualmente lograr sucesso aquele tipo de política econômica deveria se estender indefinidamente); duas recessões atingindo com mais intensidade a indústria (embora de curta duração, a segunda coincidia com a inflação em alta); e uma coleção de efeitos colaterais geradores de atrito ou mesmo fissuras na base de sustentação da política econômica: desemprego, falências, desnacionalização. Os seus formuladores, mais aferrados à ortodoxia econômica ou dotados de inclinação eclética, nunca abandonaram suas convicções. Isso foi manifestado de uma forma lapidar por Simonsen ao doutrinar que as recessões observadas durante a busca da estabilidade eram fenômenos de curto prazo, compatíveis com o princípio do "recuar para saltar melhor" – i.e., retomar o desenvolvimento em bases sólidas1.
As convicções do primeiro time de tecnocratas do regime não bastaram para assegurar a continuidade daquela orientação de política econômica: esta experimentaria uma clara inflexão no governo Costa e Silva, quando o peso da "dinâmica imediatista" (na caracterização de Simonsen) induziu a opção por uma alternativa heterodoxa na sua execução, sintetizada na extrema liberalidade da expansão nominal da liquidez e do crédito2.
Durante o governo Médici (1970-1973) a política econômica se revestiria de feições singulares. Pela primeira vez desde sua implantação, o regime proclamaria a meta de crescimento acelerado (a 10% a.a.), inserida em um objetivo (explícito) de longo prazo: ingressar, no espaço de uma geração, no seleto grupo de países capitalistas desenvolvidos, expressão do projeto "Brasil Grande Potência". A estratégia embasando esse desiderato consistiu no "modelo agrícola-exportador", criatura de Delfim Netto. A política macroeconômica foi continuamente expansionista, atingindo um clímax em 1973. Enquanto a desinflação, originalmente o alvo prioritário do regime, na prática tendeu a ser colocada em um plano secundário. Refletindo sobre as vicissitudes experimentadas pelo enfoque gradualista, que ele mesmo ajudara a edificar com o PAEG, Simonsen comentaria (no início do governo Médici), com indisfarçável pesar, que, sufocada pela "dinâmica imediatista", "o combate à inflação desceu da categoria de meta autônoma para a de mínimo condicionado", com a política econômica voltada crescentemente para o objetivo de "atingir certas metas básicas de crescimento a curto prazo e, dentro disso, reduzir ao mínimo a inflação"3.
O desempenho da economia durante esses anos foi fruto de condições internacionais extremamente favoráveis em combinação com variados fatores de natureza interna que deflagraram um novo ciclo expansivo (para isso contribuindo de uma maneira decisiva a política econômica, em especial as reformas do governo Castelo Branco)4. Há de se lembrar, contudo, que o regime – parafraseando um importante relato histórico, vivendo a sua etapa de "ditadura escancarada" (GASPARI, 2002) – incorporou os vistosos números do desempenho macroeconômico em sua retórica triunfalista, colocando em estreita correspondência o potencial econômico do país e as virtudes técnicas da política econômica. É possível que, no início, a aposta no crescimento acelerado (coincidindo, note-se, com a entrada em recessão da economia norte-americana) tenha constituído muito mais um lance ousado, porém de resultado incerto, refletindo a opção não isenta de risco por buscar disseminar uma mensagem de esperança e otimismo apta a consolidar um regime até então sujeito a recorrentes sobressaltos. Como se sabe, a ousadia foi recompensada; a sucessão de êxitos logrados deu margem ao surgimento de um "estado d'alma" tendencialmente otimista e a política econômica revestiu-se de uma aura de convicção cega. Para o regime, o "milagre" brasileiro não foi casual, fruto de condições especialmente favoráveis, fase exuberante de um movimento cíclico da economia; ao contrário, ele foi o produto natural de uma política econômica racionalmente traçada, executada com coerência e flexibilidade para responder com rapidez a uma realidade sempre em mutação.
Seu arquiteto, Delfim Netto, manifestou seguidas vezes esse tipo de autoavaliação. Vejam-se, a título de exemplo, algumas declarações:
(...) dificilmente se pegará esse Governo num erro de lógica ou de uma incoerência (...) há uma estrutura lógica que preside a formulação da política econômica e há uma coerência implícita em toda essa política"5."Eu acho que o que houve no Brasil foi realmente uma certa consciência de que o importante era ter uma política econômica razoavelmente certa e estável. O que houve de mais importante na experiência brasileira foi justamente o que aconteceu na experiência alemã e japonesa: a estabilidade da política econômica, de suas regras (...) Eu acho que o que caracteriza a nossa política é isso: a direção do vetor, isto é, um vetor sempre na mesma direção. No Brasil não há marcha à ré. Pode-se caminhar em primeira, em segunda, em terceira, mas marcha à ré não há. Se as coisas estão favoráveis anda-se em terceira, se a ladeira é muito forte passa-se à primeira, mas sempre na mesma direção. E ajustando a situação aqui e ali6.
Até o encerramento da administração Médici, as projeções oficiais eram de continuar a "caminhar em terceira" por muito tempo. A título de ilustração, podem-se pinçar as declarações nada cautelosas de Delfim Netto:
O Brasil encontrou definitivamente o seu caminho, graças ao dinamismo de suas forças internas. Somente uma calamidade nacional é capaz de impedir a marcha do país para seu destino histórico (...) O desenvolvimento econômico e social é definitivo, e não um acidente. E chegou para ficar7. Não se identifica nenhum fator impeditivo do desenvolvimento da economia brasileira. Nada poderá retardar o crescimento econômico do Brasil, a não ser os próprios brasileiros8.
Um evidente ufanismo perpassa a última Mensagem ao Congresso (1974) do presidente Médici. Contemplando os êxitos colhidos por sua administração – "Nesse quadro de prosperidade até hoje inigualado, na crônica da nossa história econômica (...)" (p. XI), a qual "entre 1969 e 1973 alcançou os maiores índices da nossa história." (p. V) –, a Mensagem afirmava a certeza de um futuro magnífico:
Atingiram-se, por conseguinte, do ponto de vista quantitativo, as condições indispensáveis para assegurar crescimento acelerado e permanente, porque apoiado, de maneira fundamental, em recursos gerados dentro da própria economia nacional" (p. VII); "Essas realizações (...) constituem hoje a infraestrutura em que se apoiarão as exportações brasileiras nos anos vindouros, garantindo, sem solução de continuidade, ao contrário do que ocorria no passado, a sustentação do desenvolvimento econômico." (p. XI); "Em momento histórico extremamente complexo, quando a tônica, no quadro mundial, é a perplexidade e o sobressalto, em época na qual ganham corpo, em todos os horizontes, fatos ou fenômenos sociais, inéditos e complexos, está o Brasil, seguramente, entre as nações que (...) podem olhar para o futuro com justificada confiança." (p. XXII)9.
Essa a autoavaliação da herança legada a seu sucessor (Notável: o general Geisel foi o primeiro presidente escolhido pelo regime em um processo tranquilo, sem contestação interna. Como rejeitar a herança recebida?).
O governo Geisel, inaugurado nesse "momento histórico" e embalado por esse tipo de perspectiva (àquela altura, pode-se dizer, enraizada no regime), prolongaria tal postura em meio a um cenário (interno e externo) completamente diferente. Disso é prova o II PND, seguramente o eixo da política econômica pelo menos até 1976. Antes de alinhavar algumas observações a seu respeito, cabe referir-se à evolução da conjuntura e ao comportamento da política econômica (dita de curto prazo).
Os dois últimos anos do governo Médici compõem um quadro certamente sui generis. O auge cíclico prosseguia a pleno vapor e sua percepção, em termos de um "milagre econômico" engendrado pelo regime (replicando as experiências anteriores observadas na Alemanha e no Japão), alcançava um grau máximo de ressonância10. O governo Médici, como se acreditasse poder tudo – em um quadro político em que a oposição militar havia sido aniquilada e a oposição liberal sufocada, enquanto a aliança Estado/Empresa Multinacional/Empresa Privada Nacional parecia dotada de indefinida longevidade em face da generosa colheita de lucros em tempos de auge cíclico –, anuncia a meta de redução da inflação (15% em 1972, 12% em 1973), sem admitir qualquer sacrifício em termos de crescimento econômico. Note-se que, após o PAEG, a política econômica prudentemente jamais se comprometera com um número explícito para a sua meta de inflação. Importa aqui observar que, enveredando por esse caminho, o curso da conjuntura e a administração do "milagre" resultaram no seguinte quadro em 1973: crescimento do PIB da ordem de 14,0% (enquanto o PIB mundial crescia 6,1% e a América Latina 8,4%), crescimento do produto industrial de 17,0% (16,6% no caso da indústria de transformação), o indicador de utilização de capacidade na indústria alcançou um pico de 90% (87% em 1972) – outro indicador, a proporção de industriais considerando o nível de demanda como "forte" em vez de "normal" ou "fraco", cresceu para 33% em abril (o mais elevado registrado pela Sondagem Conjuntural da FGV desde 1967) e prosseguiu a escalada para inéditos 49% em julho e 60% em outubro. Do lado da política econômica: ligeiro superávit orçamentário mas com expansão nominal da despesa da ordem de 37,4%, expansão da base monetária de 46,8%, determinada pelo forte incremento das reservas internacionais e pela atuação do Banco do Brasil expandindo suas operações de empréstimo em 49% (seguido, aliás, pelos bancos comerciais, com um crescimento de 43%)11.
Isso tudo, lembre-se, quando a política econômica perseguia como um objetivo prioritário a redução no patamar de inflação. Não é necessário professar um rígido quantitativismo, nem mesmo uma visão "eclética" da economia, para enxergar nessa conjuntura riscos acentuados de aceleração inflacionária. Em um sentido de certa forma paradoxal, pode-se dizer, a política econômica em 1973 perdeu o controle da situação. Com efeito, o endividamento externo ultrapassou toda e qualquer programação, exigindo, para que fosse mantido um controle mínimo sobre a expansão da liquidez, uma desaceleração do crédito incompatível com o estado de excitação da demanda; ao mesmo tempo, tensões inflacionárias, originadas na tendência ao surgimento de escassez de insumos e matérias primas, foram intensificadas pela conjuntura internacional (de explosão nos preços dascommodities), culminando, já no final do período, com o choque do petróleo. Assim, as avaliações iniciais de beneficiar-se de um "choque deflacionário" na esteira de uma grande expansão da agricultura (a "colheita" esperada após anos de implementação do "modelo agrícola-exportador") acabaram se frustrando. A heterodoxia delfiniana teve de recorrer às condenadas práticas dos governos populistas (tabelamento de alguns preços e o surgimento de ágios não computados nos índices de inflação) para obter um êxito ilusório: o IGP de 1973 foi de apenas 15,6%, o mais baixo desde 1964 – mas o deflator implícito do PIB registrou forte alta no ano (29,6%) e disseminou-se rapidamente a ideia de que ocorrera uma inflação reprimida (artificialmente), a qual seria sucedida por uma inevitável fase de inflação corretiva já em 197412.
Esse foi o cenário do início do governo Geisel (a verdadeira herança que lhe cabia administrar). Ao longo de 1974, a sua definição na área da política econômica deveria ser concretizada: a sistemática então vigente propiciava esse prazo, pois, em tese, continuavam em vigor as diretrizes estabelecidas no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) – 1972/1974. O ritmo febril da atividade econômica prosseguiu durante parte do ano, refletindo os projetos já em curso ou recém decididos da "safra de investimentos do milagre" (cf. Castro, 1985; Tavares 1998). O desequilíbrio externo alcançou uma dimensão inaudita, para o que o choque do petróleo contribuiu de forma importante mas tão somente parcial (cf. Bonelli e Malan, 1976). Ainda assim, sua influência no desenho da política econômica não deve ser supervalorizada: as exportações conseguiram manter um alto dinamismo, os indicadores comumente monitorados (como a razão dívida externa/exportações) situavam-se em níveis tidos por aceitáveis e, sobretudo, as reservas internacionais tinham atingido montante bastante elevado (ao ponto de obrigar a administração anterior a colocar uma barreira na forma de um depósito compulsório de 40% sobre as novas captações de empréstimos no exterior). Tudo indica que o problema mais sério identificado na abertura do novo governo tenha sido a realidade inquietante da inflação em alta. De fato, de janeiro a abril o IPA cresceu à média mensal de 3,9% e a imprensa recolhia uma avaliação generalizada de um movimento de alta, projetando-se uma inflação no ano em torno de 25 a 30%. Ademais, o novo ministro da Fazenda era portador de concepções largamente conhecidas e de fácil consulta, sendo previsível que sob seu comando a política econômica abandonaria os "artifícios" que cercaram a sua condução em 1973. Assim, a nova administração começou sob o signo da "desrepressão dos preços"13.
Essa linha de ação configuraria tão somente uma primeira etapa de um programa (implícito) de estabilização, devendo ser seguida de uma política de cunho contencionista nas áreas monetária (e creditícia) e fiscal. Não é possível precisar até onde se imaginava ir com esse esforço de moderação e disciplina. As análises e relatos a distância tendem a incorporar um viés, informado pela transformação do que era futuro (desconhecido) em passado (conhecido). Delfim Netto alerta com razão: "As pessoas ficam muito sábias quando o futuro virou passado. Quando o futuro é futuro, as coisas são diferentes (...) as decisões que você toma hoje são tomadas com base no conjunto de informações que você tem hoje, e na confiança que você tem nesse conjunto de informações."14. Provavelmente, a inflação assustava o suficiente para deflagrar um ajuste naquele sentido – mas, após anos de doutrinação em torno das virtudes do "gradualismo" e da "imaginação reformista", aliados à própria magnitude da alta inflacionária prevista, é de se supor que não chegasse a abalar a confiança em um rápido sucesso na sua contenção, sem exigir um sacrifício comparável ao observado durante o PAEG15.
De qualquer forma, é fato que a Fazenda esboçou uma ação contencionista na execução da política macroeconômica. O descontrole monetário observado em 1973, e que projetava sobre 1974 um rastro de novas pressões inflacionárias (o "ecletismo" de Simonsen sabidamente incorporava a componente de "ortodoxia monetária"), seria sucedido pelo anúncio (já em abril) de volta à disciplina, com a programação monetária estabelecendo a meta de crescimento dos meios de pagamento de 35%. É digno de nota, tendo em vista o desempenho da política monetária nos anos subsequentes, que essa programação foi efetivamente cumprida (o M-1 cresceu 33,5% e a base monetária 32,9%); com a inflação (IGP-DI) acumulando uma alta de 35,4%, não é de estranhar que o ano se encerrasse em meio à sensação generalizada de liquidez restrita. A situação foi agravada pelos efeitos da quebra de uma importante instituição financeira (Grupo Halles), em paralelo à crescente incerteza incidindo de forma desestabilizadora sobre um sistema financeiro segmentado em contratos nominais e contratos com correção monetária. Foi preservada a prática de taxas de juros administradas pelo Banco Central (introduzida em 1969), certamente um sinal da cautela com que a restrição monetária foi aplicada. O complemento necessário na área fiscal era naturalmente mais difícil de ser implementado: ainda assim, um crescimento nominal da despesa (governo federal) de 38,7%, implicando um modesto crescimento em termos reais, e um superávit orçamentário de 0,5% do PIB podem ser tomados como indicadores de uma política fiscal em maior sintonia com o objetivo imediato de reverter a escalada inflacionária16.
Um aspecto negligenciado pela literatura diz respeito à política de controle de preços. A "desrepressão" de preços promovida pela política econômica não implicou de forma alguma a adoção, em 1974, de uma liberação generalizada dos preços controlados pelo CIP, nem mesmo o regime mais brando de liberdade vigiada (introduzido em 1976, quando cresciam os atritos com o empresariado e a condução da política econômica experimentava uma inflexão). Ao contrário, uma atuação muito firme do CIP foi preservada como peça importante da política de combate à inflação – o próprio Simonsen declarou (ainda em abril): "O governo vai ser extremamente severo, daqui por diante, com elevações de preços além das margens permitidas (...) O importante é que estamos encerrando este ciclo de reajustamentos de preços e pretendemos dar um basta nas elevações"17.
O ano de 1974 encerrou-se com a economia sendo revisitada pelo fantasma da crise de estabilização. Como na experiência pretérita do PAEG, as séries de produção calculadas em base anual ocultam o processo; mas a observação de variáveis proxy (como o consumo industrial de energia elétrica no eixo Rio-São Paulo) deixavam entrever uma substancial desaceleração no último trimestre do ano e a eclosão de uma recessão aberta nos primeiros meses de 1975. Isso também se refletiu na percepção dos empresários, conforme captada pela Sondagem Conjuntural da FGV: a proporção das respostas considerando a demanda "forte" (superexcitada ao longo de 1973 e primeiro semestre de 1974) reduziu-se para 17% em janeiro e 9% em abril de 1975 (desde 1968 o nível mais baixo registrado nessa época do ano tinha sido 17%). Um clima de economia mergulhando em recessão, após anos de "milagre" e reiteradas proclamações de "justificada confiança" na capacidade de crescimento acelerado e "permanente", se disseminava pela economia18.
O governo Geisel, comprometido com um projeto de liberalização do regime, foi também abalado por um "choque político": a inesperada derrota nas eleições legislativas de novembro de 1974. A partir daí a "política de distensão" ingressaria em uma rota tortuosa, tendo de enfrentar recorrentes desafios de frações internas e apelar para o arsenal de instrumentos discricionários à sua disposição para não descarrilhar19.
Analistas da política econômica atentos às determinações oriundas do processo político têm apontado esse evento como importante (no mínimo, se não decisivo) na opção tomada pelo governo Geisel de priorizar o crescimento, lançando o II PND (formalmente a ser executado a partir de 1975) e dessa forma colocando tacitamente em posição subordinada o combate à inflação20. O caráter contraditório da política econômica do período (a coexistência de uma estratégia de desenvolvimento, perseguindo completar a industrialização e preservar o crescimento acelerado com uma política de curto prazo obstinada com a contenção da demanda) e a presença no governo de uma figura com o perfil de Simonsen (personificação da "imaginação criadora" do regime e obsessivo cultor da estabilidade, incapaz de sucumbir à tentação da "dinâmica imediatista"), compõem um cenário propício a esse tipo de interpretação. Parece-me, entretanto, que a decisiva incidência da política deu-se em função de outros fatores (apontados na literatura). Em primeiro lugar, os interesses capitalistas afetados pelas consequências de uma consistente política de estabilização (a qual, na melhor hipótese, necessariamente se prolongaria por alguns anos) eram suficientemente fortes para bloquear essa opção de política econômica. Pré-64, essa dinâmica política levara a um abandono prematuro de três diferentes programas de estabilização; pós-64, essa mesma dinâmica levara ao abandono da ortodoxia ao cabo de um triênio, adiando sine die o sonho da estabilidade (é pertinente reler o "lamento" de Simonsen, 1970); pós-74, ela está na raiz da sempre anunciada/adiada recessão (até que a fragilidade do balanço de pagamentos e os credores internacionais impuseram-se no final de 1980). A manifestação epidérmica dessa condicionante política foi a infinda "tolerância com taxas mais elevadas de inflação"21.
Por outro lado, o regime no curso de sua complexa e acidentada trajetória desenvolveu um projeto "Brasil Grande Potência" incompatível com a aventura da política de estabilização. A fração militar que tinha no general Geisel a sua personificação não apenas continuava a empunhar essa bandeira, mas, inclusive, era dotada de um nível de percepção e coerência mais elevados, o que se traduziu em um programa ousadamente industrializante (no lugar do "modelo agrícola-exportador" de Delfim Netto). Mesmo passando por um longo período de gestação, o II PND – explicitando a promessa de manutenção do crescimento acelerado – veio à luz muito antes das eleições de novembro. De qualquer forma, as principais medidas instrumentais para a sua implementação já vinham sendo adotadas ao longo de 197422.
Assim, o mais plausível é que a decisão tomada no início de 1975 tenha sido a de abandonar uma política de curto prazo cujos efeitos, previstos pelo professor de teoria econômica, não foram devidamente antecipados pelo agora ministro da Fazenda e que claramente conflitavam com a estratégia de política econômica do governo Geisel. Tenha-se em conta, para compor o quadro dessa conjuntura, que a avaliação inicial da crise internacional, ainda que suscitando preocupação, não chegou ao ponto de antecipar um grau de turbulência capaz de erigir-se em barreira externa impeditiva do projeto desenvolvimentista, o que se refletiu na timidez das medidas de contenção das importações. Tudo isso obviamente mudaria ao longo do tempo – mas, advirta-se, há um risco de tornar ilusório o relato da política econômica quando reinterpretado a partir da transformação do "futuro em passado" (na expressão de Delfim Netto)23.
Como quer que seja, é um fato que a política econômica de curto prazo muda, num sentido expansionista, ao longo de 1975. Já no início do ano, em um quadro de contração da liquidez muito mais acentuado que a previsão do orçamento monetário, o Banco Central acionou o mecanismo do "refinanciamento compensatório", emprestando fundos aos bancos comerciais, a prazos de 90 a 150 dias, sobre os quais incidiriam apenas juros nominais de 6% a.a. Dessa forma, buscou-se evitar que a expansão do crédito privado fosse obstada pela queda observada até então nos depósitos a vista. Nos meses subsequentes, cresceu a assistência financeira do Banco Central às demais instituições financeiras, às voltas com sérios problemas de liquidez oriundos da combinação inflação em alta, incerteza sobre a correção monetária (na oportunidade ocorreu o primeiro "expurgo" oficial) e a prática da carta de recompra, que transformava em moeda ("dinheiro financeiro") títulos privados como as letras de câmbio e os certificados de depósito, ao mesmo tempo em que ensejava ganhos para as instituições (através do diferencial entre a correção estimada e a taxa prefixada na carta de recompra). Assim, e apesar do efeito contracionista da redução das reservas internacionais, o crescimento dos meios de pagamento (M-1) foi de 42,8%, desfigurando a política de contenção da demanda24.
Na verdade, a política de curto prazo perfilava-se ao que veio a ser um padrão oscilante, do tipo stop and go. A fase expansiva também seria breve, cedendo lugar a novo esforço contencionista de 1976 para 1977. Evidentemente, o ritmo da atividade econômica seria afetado por essa inconstância da política econômica, como evidenciado nas taxas de crescimento do produto industrial: 5,9% em 1975, 12,4% em 1976, 3,9% em 1977.
3. O II PND E O DEBATE POLÍTICO-ECONÔMICO
O II PND constituiu sem sombra de dúvidas o norte da política econômica durante a primeira metade do governo Geisel. Inicialmente, cumpre explicitar o que teriam sido seus aspectos distintivos, responsáveis por uma identidade própria na trajetória contemporânea da política econômica brasileira.
O II PND, elaborado no ambiente do "milagre brasileiro" dos primeiros anos da década de 1970, anunciou o seu compromisso – posteriormente, em 1976, reinterpretado como apenas "um indicador a ser logrado com pragmatismo responsável", jamais"uma meta"25 – com a manutenção do crescimento acelerado pelo restante da década. Em uma clara extrapolação das taxas de crescimento do "milagre", o II PND externou sua aposta em um crescimento do PIB da ordem de 10% a.a. até 1979 (e no caso da indústria de transformação, eixo dinâmico da economia, um "mínimo de 12% a.a."). Tenha-se em conta que, até então, jamais a política econômica ousara se expor dessa forma. Nos tempos pré-"milagre" a modéstia nas projeções de crescimento ditava o tom imprimido à retórica oficial (veja-se o PED de 1968). Enquanto no momento da irrupção do "milagre" (final de 1969), o próprio ministro Velloso parecia preocupado em conter os excessos de otimismo, alertando para o risco das "formulações irrealistas". Até mesmo o I PND 1972-74 (de dezembro de 1971), produzido em pleno "milagre" (porém, quando a política econômica era capitaneada por Delfim Netto, que alardeava sua descrença no planejamento), explicitava os objetivos de crescimento do PIB "na ordem de 9% ao ano" e expansão industrial "acima de 10%"26.
O nível de ambição do II PND é tão mais notável tendo em vista que o diagnóstico formulado apontava para uma economia na fronteira do pleno uso da capacidade instalada, exigindo, pois, uma elevação da taxa de investimento. Ademais, o esforço requerido teria de ser ainda maior, dado que a razão incremental capital-produto fora anormalmente baixa na média do período 1971-197327.
E no plano internacional, quando de sua divulgação, já eram visíveis os sinais de crise, em particular com a recessão norte-americana já em curso desde novembro de 1973. Contudo, é recomendável cautela para não incidir em juízos apressados e infundados, feitos à distância e ignorando as incertezas que cercam toda conjuntura quando ainda em processo. Nesse sentido, convém lembrar que a recessão nos Estados Unidos vinha se desdobrando com muita suavidade até setembro de 1974 (coincidentemente quando o II PND fica pronto e é anunciado), ganhando dramaticidade nos meses subsequentes. Isso foi ainda mais acentuado no caso da economia alemã ocidental, que exibiu uma ligeira recessão até o terceiro trimestre de 1974 e, em seguida, uma contração expressiva28.
Por outro lado, a própria experiência brasileira recente mostrava uma economia crescendo vigorosamente enquanto uma recessão ocorria nos Estados Unidos (1970); esta, por sua vez, foi sucedida pelo boomsincronizado do capitalismo avançado de 1972-1973. Há anos, deve ser lembrado, os círculos dominantes da profissão vinham cultivando um otimismo incontido com as virtudes das transformações operadas no capitalismo que teriam engendrado a obsolescência do ciclo econômico. Parafraseando Gunder Frank (1983), se a bola de cristal dos planejadores do II PND estava embaçada, havia muitas razões para isso e o fenômeno se mostrou amplamente disseminado. Nesse sentido, a interpretação de Lessa (1998), sugerindo que o diagnóstico oficial captou a conjuntura internacional em termos superficiais, descrevendo-a como a "crise do petróleo", instrumentalizada para viabilizar uma mudança de curso na política econômica (determinada por uma avaliação crítica do "modelo" vigente durante o "milagre"), parece-me convincente29.
Porém, o aspecto certamente mais importante do II PND residiu na mudança qualitativa almejada. Durante o "milagre" do governo Médici, o crescimento acelerado tendeu a ocultar a preocupação limitada da política econômica com a promoção de transformações na estrutura industrial do país. A própria apresentação da estratégia de desenvolvimento em termos de um "modelo agrícola-exportador" é reveladora dessa orientação. A estratégia pré-64 da substituição de importações era vista como esgotada e, de qualquer forma, um modelo inferior porque implicando alto nível de proteção e baixa eficiência. Aliás, volta e meia acenava-se com a possibilidade de introduzir uma reforma tarifária visando estimular a eficiência30.
É verdade que essa descrição não pode ser levada a um extremo: a indústria foi o eixo do crescimento acelerado, a indústria petroquímica surgiu nesse período, o programa siderúrgico constituiu um "projeto impacto" do governo Médici e a indústria de bens de capital foi um dos líderes do crescimento durante o auge (com apoio explícito da política econômica). Ocorre, porém, que o padrão de crescimento durante o "milagre", alavancado pela vigorosa expansão da indústria de bens de consumo duráveis, fez-se explorando o potencial implícito em uma estrutura industrial implantada anteriormente, envolvendo ajustes localizados (realizados frequentemente com atraso). Sua consequência foi a emergência de desequilíbrios, sintetizados em um aumento expressivo do coeficiente de importações (bens intermediários e bens de capital), apenas amplificado (e não originado) pelo choque do petróleo31. Sob Delfim Netto, pode-se argumentar, isso não representaria problema: uma política de firme apoio às exportações (industriais e agrícolas) e à agricultura, complementada pela política de endividamento externo, garantiria a remoção de qualquer barreira externa ao crescimento acelerado. E convém chamar a atenção para o óbvio: uma política de industrialização não necessariamente é do interesse da totalidade dos interesses industriais já constituídos, implicando uma articulação política que pode ou não ter sucesso32.
Deve ser enfatizado que o II PND representou uma inflexão substantiva na política econômica da ditadura. Ao desenhar uma coleção de grandes metas de investimento, distribuída pelas várias indústrias de bens intermediários e de bens de capital, bem como pela infraestrutura de energia e transporte, o II PND reproduziu o espírito do Plano de Metas da década de 50, até mesmo na recuperação assumida da retórica da substituição de importações. Não obstante os cuidados na sua "encadernação", de forma a sugerir uma linha de continuidade com a administração anterior – o que foi reforçado, sem dúvida, pela preservação das diretrizes prioritárias em matéria de agricultura e exportação (negligenciados na década de 50) e a política de endividamento externo (e de capital estrangeiro em geral) –, a política econômica perseguia agora o crescimento acelerado nos marcos de um padrão ("modelo") distinto, implicando um objetivo de mudança qualitativa.
Materializadas as metas de investimento do programa, a indústria de transformação teria um nítido ganho de participação no produto, exibiria uma estrutura mais diversificada com adensamento dos segmentos fundamentais para a reprodução ampliada do capital e uma correspondente diminuição (relativa) da dependência de importações. No curso de sua implementação, a dinâmica do crescimento acelerado teria como eixo central as inter-relações de demanda e oferta originadas nos grandes blocos de investimento planejados para as indústrias de bens intermediários e de bens de capital, energia e transporte. A correspondente expansão do emprego, somada a uma política salarial modificada para evitar o arrocho observado no passado (Lei 6.147, de 14/10/74), asseguraria o crescimento do consumo de massa, dessa forma arrastando as indústrias de bens de consumo. Alguma contribuição nesse sentido também proviria da continuidade de uma política de estímulo à agricultura e às exportações – contempladas com metas não menos ambiciosas: 7% a.a. para a agropecuária, 20% a.a. para as exportações. Em suma, o resultado esperado da execução do II PND seria a aproximação a um estágio de grande maturidade do capitalismo industrial no Brasil e a articulação de uma dinâmica de crescimento livre das fragilidades potenciais reveladas durante o "milagre" (quando as indústrias de bens de consumo duráveis desempenharam um papel destacado).
Assim, do prisma da reconstituição do movimento da política econômica, sob a aparência de continuidade (exercitada, diga-se, com grande empenho pela linguagem característica do regime), esconde-se uma mudança expressiva de orientação (e implicitamente uma avaliação crítica da administração passada). Os traços de continuidade se manifestam, por exemplo, na ênfase dada à agricultura e às exportações (quintessência da retórica da política econômica do governo Médici), na política de endividamento externo, até mesmo nas políticas de mercado de capitais e de conglomeração financeira. Mas o foco do II PND naquelas prioridades de investimento, menos pela magnitude almejada (embora nisso também resida um elemento funcional) e mais pela mudança qualitativa projetada, constitui um diferencial substantivo. Pode-se argumentar que o governo Geisel deu seguimento ao projeto Brasil Grande Potência gestado anteriormente, conferindo-lhe um grau de consistência que até então não havia revelado33.
Na matriz determinante da opção representada pelo II PND, encontra-se, antes de mais nada, a evolução experimentada pelo regime. Este, ao consolidar-se assumindo uma feição repressiva intensificada (com o AI-5, o "golpe dentro do golpe"), ensejou a forma peculiar de aglutinar forças de sustentação (frações militares, frações do capital, segmentos da população) traduzido no projeto Brasil Grande Potência. Este por si só não levaria ao II PND (conforme evidenciado pelo governo Médici e o "modelo agrícola-exportador") – e sim à rejeição da estratégia convencional de ajuste, defendida pelas correntes ortodoxas. Uma oferta de projetos diferenciados de política econômica, em competição mais ou menos discreta pelo prêmio de projeto oficial, mais um natural rearranjo de forças propiciado pela mudança de administração, além da "oportunidade" criada pela evolução da conjuntura econômica: tal a combinação de circunstâncias que levou à "estratégia de 74" (na expressão de Castro)34.
Em que medida o II PND foi efetivamente executado e seus efeitos sobre a economia é um tema que despertou acesa controvérsia. A esse respeito cabem algumas observações.
Não resta dúvida de que a política econômica perseguiu com empenho a realização do programa de investimentos contemplados na estratégia, para isso recorrendo a diversas ações: notável fortalecimento do BNDE, visando equacionar a questão crucial do financiamento (duplicação dos recursos e criação de subsidiárias direcionadas ao apoio dos setores prioritários), remanejamento dos diferentes mecanismos de incentivo ao setor privado numa linha coerente com os objetivos da estratégia, continuado esforço de marketing junto a potenciais sócios internacionais (cuja participação, via aporte crescente de IED, era decisiva para assegurar a plena consecução das metas de investimento) etc. Com isso, a taxa de investimento (FBKF/PIB) atinge seus mais altos níveis justamente no triênio 1974-1976, declinando suavemente nos anos subsequentes graças à preservação dos principais projetos já em andamento (sob comando das maiores e mais influentes empresas estatais). Isso significou que, no movimento cíclico da economia brasileira observado no longo período dos anos 1950 aos anos 1970, após o auge cíclico 1970-1973 seguiu-se uma desaceleração bastante branda: o PIB cresceu a 6,7% a.a. no período 1974-1978 (11,1% a.a. no período 1968-1973). Esse desempenho deve ser contrastado com a desaceleração muito mais forte que se seguiu ao auge do Plano de Metas, quando a política econômica fracassou em articular um novo bloco de investimentos e a adoção de programas de estabilização (Trienal e PAEG) conduziu a cortes de investimento público (e ainda observou-se um refluxo do IED). Inegavelmente, o II PND foi decisivo para frear a sobreveniência de uma crise econômica de maiores proporções35.
O II PND, enquanto opção de programa econômico do governo Geisel, estabelecendo a diretriz básica da política econômica e tornando claramente subordinados outros objetivos da política econômica (como a estabilidade monetária), perdeu acentuadamente importância ao longo do quinquênio. A interpretação formulada por Lessa (1998) é persuasiva e dá conta plenamente do movimento da política econômica. Em 1975-1976, a realidade da crise internacional ganha um contorno nítido, chocando-se contra as premissas originais do II PND. Suas consequências, desestabilizadoras da política econômica, foram: as exportações perderam dinamismo, o hiato de recursos manteve-se prolongadamente em um elevado patamar (intensificando o grau de endividamento externo, agora cum deterioração dos indicadores de solvabilidade), as reservas internacionais continuaram em queda (a ponto de acender um "sinal vermelho") e, não menos importante, os fluxos de IED, embora recordes históricos, ficaram aquém do necessário para permitir a materialização das metas ambiciosas de investimento (um caso exemplar, e não único, foi o atraso na execução, ainda assim parcial, do programa siderúrgico, à medida em que os sócios buscados no exterior reavaliavam suas decisões à luz de uma conjuntura de crônico excesso de capacidade no plano mundial)36.
As implicações foram de duas ordens. O "erro" no projeto, desenhando metas que não se cumpriram conforme a programação, vitimou o projeto maior de grandeza nacional. A manutenção do crescimento acelerado, com base em outra dinâmica, supunha a realização sincronizada de investimentos, pois das relações interindustriais é que se originaria a crescente demanda para justificar o programa e sustentar a trajetória de crescimento da economia – a título de exemplo, os investimentos em siderurgia, energia elétrica etc. ampliam a capacidade produtiva de insumos básicos e criam a demanda compatível com os projetos de investimento nas indústrias de bens de capital. O empresariado, tendo apostado no II PND (e, sobretudo, apoiado generosamente pela política econômica), em face das dificuldades imprevistas experimentadas por vários projetos prioritários, mergulhou na incômoda situação de carregar uma capacidade produtiva ampliada tornada excedente em um ambiente de incerteza crescente. Apenas um indicador: a produção corrente da indústria de bens de capital, após um crescimento de 13% a.a. de 1974 a 1976 (de longe o melhor desempenho setorial) exibe um crescimento de apenas 3,4% a.a. de 1977 a 1980 (o mais fraco desempenho setorial)37.
A reação compreensível das lideranças dessa fração empresarial, a despeito do tratamento preferencial que recebera do II PND, foi a de manifestar sua "ingratidão", reforçando o movimento de crítica à política econômica sob a forma de "campanha contra a estatização" e levando-o a um patamar de maior radicalidade, expresso em crítica ao próprio caráter do regime e consequente defesa da democracia. Assim, o fracasso do II PND consistiu no fracasso em alcançar o objetivo maior de mudança no "padrão de industrialização", passagem necessária para o trânsito ao status almejado de Nação-Potência38.
A outra consequência foi a mudança de posição no tabuleiro da política econômica, com as preocupações com os objetivos de curto prazo ganhando uma preeminência que não chegaram a ter em 1974. A inflação sofre forte alta, com o IGP atingindo 46,3% em 1976 (29,4% em 1975). É difícil imaginar um ministro com o perfil de Simonsen mantendo, nessa conjuntura, um espírito tolerante diante da inflação, disciplinadamente cerrando fileira pró-desenvolvimento. Até mesmo Reis Velloso, o arquiteto do II PND, situado em uma posição que lhe permitia desfrutar de influência determinante na condução da política econômica, dava sinais de desconforto diante da conjuntura e "ajusta" o seu discurso, reinterpretando o II PND como uma "estratégia de desaceleração progressiva"39.
A preocupação maior, porém, originou-se na evolução decepcionante das contas externas, em contínua deterioração ao longo de 1975 e primeiros meses de 1976 – e tendo na queda das reservas internacionais o seu indicador-síntese. Assim, o financiamento externo, peça fundamental da estratégia do II PND, parecia sob risco de desorganizar-se. As medidas tomadas em 1974 e 1975 visando conter as importações (sem envolver qualquer moderação no crescimento, até mesmo coadjuvando o apoio dado ao setor de bens de capital) eram, agora, avaliadas como insuficientes. Ganhava força o diagnóstico de que o ritmo de crescimento era excessivo, incompatível com o equilíbrio interno (inflação) e externo40.
A nova orientação da política econômica materializou-se na liberação das taxas de juros, promovida de março a setembro de 1976 (o que significava, naquele contexto, alta das taxas de juros), no anúncio da meta de restabelecimento da disciplina monetária (nos moldes do PAEG) e no reconhecimento da necessidade de realizar cortes na programação de investimentos do II PND. Esta última decisão era certamente um fato emblemático da conjuntura de crise da política econômica, independentemente da complicada arbitragem política que se seguiu e dos resultados sem dúvida insatisfatórios – nem a estabilização logrou avançar nem a "magia" suscitada em 1974 de uma marcha firme em direção à Nação Potência foi restabelecida.
A política macroeconômica teve efeitos sobre a atividade econômica: o PIB cresceu 5,7% em 1977 (9,7% em 1976) e a indústria 3,9%, o pior desempenho da década (e após ter alcançado 12,4% em 1976). A inflação recua ma non troppo (o IGP reduz-se de 46,3% em 1976 para 38,8% em 1977) e sem configurar uma tendência (40,8% em 1978). Em medida não desprezível, essa trajetória da inflação deveu-se aos azares da produção agrícola (2,9% em 1976, 11,8% em 1977 e -2,6% em 1978), implicando choques inflacionário em 1976 e 1978 e deflacionário em 1977. Contudo, o conjunto de incentivos ao endividamento externo, somado à nova mudança do cenário internacional, outra vez irrigado de abundante liquidez, alteram (temporariamente) o estado do balanço de pagamentos: da dificuldade de financiamento no início de 1976 a um sobrefinanciamento em 1978 (rigorosamente análogo ao observado em 1973: crescimento das reservas muito além das mais otimistas previsões, com efeitos desestabilizadores sobre a política monetária e a necessidade de colocar barreiras para conter o fluxo de captações externas). Ironicamente, a trajetória da balança comercial não se ajustou aos objetivos dessa política econômica: em 1977, um forte crescimento das exportações (beneficiadas pela acentuada melhora nos termos de troca) antecipa o equilíbrio da balança; em 1978, as exportações perdem fôlego e as importações dão um salto, ressurgindo o déficit41.
A política de curto prazo, perseguindo a "desaceleração controlada", tornou-se dominante, passou a ditar a condução da política econômica, porém, permaneceu muito aquém do desejado pelos seus executores. A despeito da retórica oficial, não há como imaginar um outro sentimento que não fosse a insatisfação com o estado da economia na transição do governo Geisel para o governo Figueiredo. Nesse momento, Reis Velloso, de saída após uma longa permanência no governo, repassou ao general Figueiredo um documento a título de "legado explícito do governo Geisel", contendo a recomendação de perseguir um crescimento de 5% a.a., o qual só poderia vir a ser melhorado (para algo entre 6 a 8% a.a.) quando se consolidasse um quadro de superávits crescentes na balança comercial e taxa de inflação declinante. Enquanto Simonsen, que permaneceu com poderes reforçados para conferir-lhe o controle sobre a política econômica, estaria programando uma desaceleração da economia para 3% em 197942.
A contrapartida do insucesso da política de curto prazo foi a continuidade, aquém de suas metas originais e estendendo-se no tempo, dos projetos de investimento do II PND. Tanto mais que, por diversas razões (influência política das maiores estatais, canal de obtenção de financiamento externo, impossibilidade de paralisar grandes projetos já em andamento etc.), a desaceleração constituiu uma alternativa factível. Sendo assim, é evidente que, deixando de ser já a partir de 1976 o norte da política econômica, a execução do II PND acarretou importantes mudanças na economia brasileira. Talvez a mesma avaliação que Castro (1985) endereça a Lessa (1998) lhe possa ser retribuída: despida de exageros, com que revestiu sua valiosa defesa de uma política industrializante, sua leitura do II PND mostra muito bem as transformações provocadas na economia e as possibilidades colocadas durante a transição para a democracia nos anos 198043.
4. CONCLUSÕES
É muito frequente a tendência a enfocar o tema da política econômica a partir de um ângulo unilateral, buscando identificar a sua lógica (ou deficiências) em termos estritamente econômicos. Isso é inevitável dado que o saber econômico é constituído sempre por diferentes escolas em competição e a abordagem naqueles termos é um veículo natural para abrir espaço (ou reafirmar um espaço já desfrutado). Ocorre, porém, que a política econômica não se resume a melhor ou pior aplicação de teorias econômicas mais ou menos adequadas à realidade. Uma melhor compreensão do processo político-econômico passa pelo reconhecimento da natureza complexa de sua formulação, envolvendo não apenas aspectos econômicos (sem dúvida presentes e dotados de grande importância) mas igualmente fatores determinantes de ordem política. Além disso, atuando para tornar de maior complexidade o processo de sua elaboração, a política econômica é uma atividade frequentemente (se não sempre) envolvida em uma camada ideológica, na medida em que se mostra um canal para a difusão de um ideário específico (o qual pode se distanciar mais da realidade ou simplesmente revestir interesses concretos de imediata identificação).
O exame da política econômica durante o governo Geisel permite apreender tais características. A reflexão a respeito talvez possa ser iluminada esboçando-se um paralelo com episódios anteriores. O II PND apresenta similitude com o Plano de Metas enquanto programa industrializante, de transformação estrutural do capitalismo no Brasil. Nem sempre essa perspectiva foi dominante na política econômica do Brasil contemporâneo: coteje-se as experiências contrastantes dos governos Dutra e segundo Vargas, Juscelino e Castelo Branco e, até mesmo, Médici e Geisel. Neste último caso, ambas as administrações foram marcadas por alimentarem o "sonho" de "grandeza" associado ao crescimento acelerado – mas, enquanto a primeira o fez brandindo um pretenso novo modelo de desenvolvimento ("agrícola-exportador"), a segunda lançou o ambicioso II PND alicerçado na recuperação (pelo menos formal) do modelo de substituição de importações.
Na tentativa de penetrar mais a fundo no processo da política econômica há que se partir do reconhecimento da importância crucial de fatores políticos44. No contexto da ditadura militar, a influência decisiva do político teve uma manifestação absolutamente específica: o projeto Brasil Grande Potência, aflorado durante o governo Médici e inteiramente preservado no governo Geisel. Isso tornou extremamente difícil, para dizer o mínimo, propor em 1974 qualquer coisa parecida com uma estratégia de "desaceleração progressiva" (ou "controlada") – e mais ainda o ajuste recessivo do balanço de pagamentos (e o ataque frontal à inflação). É sintomático (e revelador) que terminaram caindo no vazio tanto as recomendações dos conservadores de fora do governo quanto a opção seguramente preferencial de Simonsen, defrontado com uma conjuntura de inflação novamente em alta. (Ironicamente, Simonsen viu-se na contingência de render-se à "dinâmica imediatista".) Impossível divorciar desse pano de fundo político-ideológico a definição da política econômica em 1974. A proposta explícita de perpetuar o crescimento acelerado (a 10% a.a.) – no exato momento em que o ciclo econômico doméstico dava sinais de mudar de fase e em meio à recessão mundial – constituiu, sem dúvida, uma projeção da megalomania alimentada pelo "milagre", dando sobrevida ao "sonho" acalentado pelo regime.
Não há nenhum desdouro em sugerir que a "bola de cristal" do planejador estava embaçada – o futuro é rigorosamente desconhecido. A questão pertinente reside justamente no porquê de tal aposta, com um nível de ambição tão inflado, ter sido feita e assumida tranquilamente pela nova administração. Sem desconhecer (nem minimizar) a substância do argumento keynesiano levantado por Castro (e Velloso), parece-me que, usado ligeiramente, contribui mais para tergiversar sobre a questão. O fato decisivo não residiu no risco de, ao tentar desacelerar, acabar transformando o "milagre" em recessão aberta – e sim na dificuldade política (interna ao regime) de desinflar suas ambições. Como aqui se usou a imagem da "bola de cristal", talvez se pudesse colocar a questão: qual teria sido a recepção do II PND em setembro de 1974 se algum mago revelasse o destino reservado ao Brasil nas décadas seguintes (a longa estagnação no lugar da esperada potência emergente)? E, por suposto, a influência dos fatores políticos também se fez sentir através do peso, naquela conjuntura, da coalisão de interesses econômicos (e políticos) contrários à recessão (e mesmo a uma redução expressiva do crescimento). A evolução da conjuntura, seguindo uma trajetória acidentada e imprevista, levou ao término do "sonho" (em 1976), posteriormente ao arquivamento do projeto de potência (governo Figueiredo: esse o significado da "mensagem" de Velloso recomendando indefinida modéstia nas ambições de crescimento), por fim até mesmo à aceitação da inevitabilidade da recessão (final de 1980).
Se o foco da análise reside no movimento da política econômica, a reconstituição mais próxima da realidade não pode perder de vista as importantes inflexões verificadas em seu curso. Dessa perspectiva, é correto argumentar que o II PND foi "sepultado" em algum momento em 1976 – quando a política econômica passou a ser ditada pela premência cada vez maior dos problemas de curto prazo, i.e., a alta inflação e o desequilíbrio de balanço de pagamentos (ambos revestidos de uma outra dimensão, após três anos de inesperada permanência). Pode-se mesmo argumentar que a evolução da conjuntura, em seus avatares surpreendentes, terminou imprimindo outro sentido ao II PND. "Sepultado" com o acordar amargo do "sonho", a sua difícil e acidentada implementação passou a ser apreciada do prisma da sua funcionalidade para sustentar um crescimento modesto em face das ambições originais, mas nem por isso perdendo brilho em comparação à experiência internacional (e pretérita da economia brasileira); e igualmente do prisma das mudanças que acarretou, criando espaço a ser melhor (ou pior) aproveitado pelas administrações seguintes. Nesse sentido, Lessa (1998) continua sendo a mais densa e sugestiva análise do II PND – enquanto recuperação do processo (e movimento) da política econômica.
Cabe ainda uma referência ao papel desempenhado pelas diferentes concepções da economia, disputando influência na elaboração da política econômica. Certamente a dinâmica política do regime abriu espaço para cursos distintos da política econômica (tal como no passado). Em meio a traços de continuidade, existem importantes diferenças na política econômica de um período para outro (que não refletem estritamente as mudanças de conjuntura). A literatura há muito chamou a atenção para esse ponto, distinguindo a ortodoxia de Campos-Bulhões (e Simonsen) e a heterodoxia de Delfim Netto. Menos enfatizada, porém, foi uma acentuada diferença de perspectiva em matéria de estratégia de desenvolvimento. Fishlow (1986) corretamente apontou a permanência da influência estruturalista no âmbito da tecnocracia do regime. Isso se traduziu na "estratégia de 74", com sua preocupação em corrigir desequilíbrios estruturais da economia, negligenciados (ou mesmo ignorados) na perspectiva rival do "modelo agrícola-exportador" de Delfim Netto.
Nesse sentido, mesmo uma leitura crítica que revele as inconsistências do II PND, oriundas da circunstância de ser produto de um exercício extremado de autoritarismo45, e que enxergue o seu abandono a meio do caminho, admite tranquilamente os seus aspectos novos em termos de, bem ou mal, buscar enfrentar o insuficiente aprofundamento da industrialização observado na fase anterior do "milagre". É amplamente reconhecido que, em forte contraste com a conjuntura após o Plano de Metas, a tendência à desaceleração iniciada em 1974 foi muito suave – ao ponto de levar muitos economistas a não reconhecerem qualquer crise econômica na segunda metade da década de 1970. O papel decisivo nesse desempenho coube à "estratégia de 74", que permitiu manter a taxa de investimento. Mas daí não se segue que o processo político-econômico do período tenha tido nessa perspectiva a sua motivação, o seu determinante. Este tem a ver com o "sonho", fruto de um específico regime político.
Sem qualquer pretensão de aprofundar o tema, manifesto minha preferência por caracterizar o regime em termos de ditadura do grande capital. Ao fazê-lo, creio não incorrer em nenhum reducionismo simplório: a fórmula capta tanto o elevado grau de autonomia do Estado, quanto a sua base junto às classes sociais (ou frações de classe). As frações empresariais capitalistas, enquanto estiverem valorizando seus capitais a contento podem tranquilamente deixar livre o regime para acalentar seus sonhos (mesmo porque, enquanto projeto, eles sinalizam oportunidades de valorização do capital). Quando a evolução da conjuntura contradiz o projeto, abrindo (e/ou aprofundando) fissuras na base de sustentação da ditadura, as frações capitalistas farão valer o seu poder de veto – assim revelando o limite (político) da ação político-econômica. Eventualmente, os condottieri da política econômica envidarão esforços, com maior ou menor sucesso, para recompor a base de apoio – cf. Aguirre e Saddi (1997) tentarão "cooptar". A política econômica do governo Geisel ilustra cristalinamente o ponto. E a execução do projeto, a pleno vapor até 1976, limitadamente a partir daí, somado ao novo curso imprimido de 1976 a 1978 (o "enfoque monetário de balanço de pagamentos"), se alcançou êxito em diferir no tempo a plena emergência da crise, criou um tal acúmulo de problemas que iria dificultar sobremaneira a gestão da política econômica já no início do governo Figueiredo, quando a crise se explicita em definitivo. Outro limite (de natureza econômica) se manifesta com força nesse momento: o seu reconhecimento leva a um notável encolhimento das ambições político-econômicas do regime.
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1 Simonsen (1970, p. 18-19). Os termos ortodoxia e heterodoxia são empregados na literatura com as mais diversas conotações. Nesse sentido, pode ser útil cotejar a apreciação do PAEG como um programa heterodoxo elaborado por Resende (1982), com a alternativa, que julgo correta, presente em Fishlow (1974). O essencial da concepção ortodoxa é admiravelmente retratado em depoimento, dado em 1989, de Octavio Gouvêa de Bulhões: "O Paeg era muito amplo. Não cogitava apenas de combater a inflação, mas também de levar avante o desenvolvimento do país, sob diversos ângulos. À proporção que fosse sendo eliminada a inflação, poderiam ser introduzidas outras medidas, concernentes ao desenvolvimento. O espírito que orientava as reformas se resumia no seguinte: desenvolver o país sem estabilidade monetária é assumir um risco grande de retrocessos. E esses retrocessos são prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social. Ao passo que, se o progresso for feito de maneira saudável, no sentido de ser executado sem grandes déficits orçamentários e sem redução do valor da moeda, pode ser mais lento, mas é mais seguro e isento de retrocessos maléficos. Essa é que era a filosofia." – Alberti et al. (2002, p. 28).
2 Sobre a política econômica do triênio Costa e Silva ver Fishlow (1974) e Macarini (2006).
3 Simonsen (1970, p. 19). Sobre a política econômica do governo Médici, ver Macarini (2005).
4 Da extensa literatura a respeito, veja-se, para maiores referências, Bonelli e Malan (1976) e Tavares (1998).
5 Delfim Netto: "Os cinco objetivos da política econômica", in Revista Bancária Brasileira n. 478, out. 1972, p. 26.
6 Delfim Netto, entrevista à Visão, 26/02/73, p. 106. Na ocasião, ele responderia aos críticos: "Em qualquer lugar onde tenha havido desenvolvimento, o fator mais elementar foi o aumento do nível de racionalidade das decisões (...). Chamar-se tecnocrata àquele que tem lógica é uma questão de semântica. " (p. 108).
7 Jornal da Tarde, 29/07/72 – declaração de Delfim Netto após se reunir com o presidente Nixon nos Estados Unidos. Dois meses antes, em entrevista ao The Times de Londes, Delfim Netto declarara: "Não gosto de falar sobre futurologia, mas acho que temos impulso para continuar a crescer durante talvez mais dez ou quinze anos na mesma proporção." – Jornal da tarde, 24/05/72.
8 Pronunciamento no Congresso Nacional, em junho de 1973 – ver Delfim Netto (1973, p. 90).
9 Mensagem ao Congresso Nacional 1974, passim. Para uma sintética e aguda interpretação das vicissitudes da política econômica da ditadura, do PAEG ao II PND, ver Lessa (1998, p. 58-76).
10 Para situar em perspectiva o tema do "milagre brasileiro", ver as análises críticas de Santos (1995, cap. VI) e Singer (1989, p. 15-76).
11 Os números foram extraídos de Banco Central do Brasil (1973); Giambiagi et al. (2005, Apêndice Estatístico); Bacha (1976, 1º parte, 2).
12 Singer (1989) propicia uma arguta análise contemporânea dessa conjuntura. Uma reconstituição detalhada da política econômica encontra-se em Macarini (2005). Ver também Conjuntura Econômica, fev./1974, para um balanço global da conjuntura, antecipando a transferência para 1974 de um elevado potencial inflacionário "à medida que o efeito da injeção monetária do ano anterior se propague integralmente sobre o nível dos preços." Bacha (1976), comentando a herança deixada por Delfim Netto, observou criticamente: "(...) o governo federal continuou a expandir a demanda agregada a taxas elevadas, como se pretendesse 'furar' o teto representado pelo produto potencial (...)" (p. 33); "Ao invés de procurar controlar as pressões de demanda, o governo anterior preferiu congelar alguns preços críticos bem como manipular os índices oficiais de preços para ocultar as taxas reais de inflação." (p. 35). Um depoimento de Julian Chacel, da FGV, dado como contribuição a um perfil biográfico de Simonsen – ver Alberti et al. (2002) – parece confirmar a opinião corrente: "Eu tinha que ter a informação objetiva. O que fosse cobrado por fora era, por definição, clandestino." (p. 179). Mas ele recusa a pecha de manipulação: "Os artifícios que o Delfim usava naquela época, que eram tão combatidos, tinham a ver com o conceito, hoje, de core inflation." (p. 179). Chacel sugere que os "artifícios" utilizados iam além do mero tabelamento: "Delfim, por exemplo, olhava o Índice de Preço por Atacado. Que peso tem o arroz no índice? Era só convocar um atacadista e dizer: 'segura o preço do arroz por aqui que eu lhe dou um subsídio por ali.'. Aquilo que foi segurado, através de um artifício que o ministro da Fazenda podia fazer, não tinha como deixar de refletir no índice de preços." (p. 179).
13 A expressão é de Carneiro (1994), um autor muito identificado com Simonsen e que oferece uma excelente análise da política econômica de curto prazo no período aqui examinado (p. 194-216). Ver também o seu depoimento em Alberti et al. ( 2002): "Como havia uma grande repressão de preços, ou seja, havia preços que não subiam porque estavam tabelados, no momento em que se desreprimiu – e foi a primeira coisa que o Mario Henrique fez, concedeu os aumentos que estavam represados para poder enxergar efetivamente quais eram os preços de mercado –, a taxa de inflação foi dos 12% oficiais para 30%. Essa foi a herança que ele recebeu." (p. 78). Para um exemplo de relato contemporâneo disseminado na imprensa, ver a matéria "A volta da inflação", Visão, 11/03/74, p. 115-118.
14 Alberti et al. (2002, p. 183-184).
15 "A duplicação da taxa de inflação entre 1973 e 1974, de 20 para 40%, não foi exageradamente preocupante, dadas essas circunstâncias institucionais. Isso era mais verdadeiro na medida em que a inflação estava se acelerando nos países industriais, passando a níveis de dois dígitos. Os brasileiros orgulhavam-se de sua maior capacidade de adaptação ao contexto inflacionário sem pagarem um custo real elevado. Existia, na verdade, uma exultante conversa de se exportar sua testada técnica de correção monetária para os Estados Unidos." Fishlow (1986, p. 516).Também nesse sentido, ver o depoimento de D. D. Carneiro, citado adiante (nota 21).
16 Carneiro descreve o desenho da política econômica desejada por Simonsen: "O programa de estabilização do Mario Henrique tinha duas etapas. A primeira era essa desrepressão, para poder ver os preços em movimento, e a segunda era um processo de austeridade fiscal. A desrepressão já iria corroer um acréscimo de moeda que tinha havido no ano anterior. Quando você deixa os preços subirem, o poder de compra é diminuído, e só isso já implica uma diminuição de demanda. O passo seguinte era fazer uma elevação da taxa de juros e contrair o crédito.", Alberti et al. (org., 2002, p. 180). "A segunda etapa do esforço de estabilização, portanto, era exatamente o disciplinamento fiscal e monetário." (p. 181). Para diferentes análises do ensaio de ortodoxia tentado em 1974, ver Carneiro (1994), Bacha (1976 e 1978) e Fishlow (1986). Sobre os desdobramentos específicos do mercado financeiro, ver Silva (1980), Assis (1983) e Lessa (1998, p. 207-211).
17 Veja, 10/04/74, p. 81. Sobre essa faceta da política econômica, são muito sugestivas as observações de Lessa (1998, p. 271-291).
18 "Os resultados da recessão industrial, que só foram conhecidos de fato ao final do primeiro trimestre de 1975, eram alarmantes, pelos indicadores parciais publicados pela imprensa." Carneiro (1994, p. 204). Para Bacha (1976, p. 34), essa foi a consequência de "uma dose exagerada de restrição fiscal e monetária". Ver também os comentários sobre essa conjuntura de Fishlow (1986), Singer (1989, p. 157-167) e Serra (1982).
19 Para um exame detalhado, ver Moreira Alves (1984, cap. VII).
20 "Para a política econômica de curto prazo, a derrota do governo nas urnas transformou 1975 em ano de recuo na tentativa de contenção de demanda.", Carneiro (1994, p. 202-203). "Momentos de incerteza política – abundantes no início de 1975 – não são adequados para a imposição de medidas convencionais e impopulares", Fishlow (1986, p. 515). Isso deve ser cotejado com o imprescindível relato de Gaspari (2003, p. 437-481).
21 Apud Carneiro (1994, p. 206-207). São os próprios admiradores de Simonsen, uma personalidade reconhecidamente dotada de um "conservadorismo cartesiano" (na caracterização de Carneiro, 1994), que manifestam estranheza com a situação e buscam uma explicação plausível. Vários depoimentos recolhidos em Alberti et al. (2002) abordam a questão. Pelo menos dois deles merecem destaque. Segundo Carneiro: "A ideia de que você poderia provocar uma recessão era sempre assustadora – embora, diante do crescimento anterior, de 1972-73, qualquer taxa de crescimento responsável fosse uma recessão (...) Geisel era fundamentalmente austero, até pessoalmente, e o Mario Henrique não precisava vender a ele a idéia de austeridade. No entanto, o fantasma de que um excesso de austeridade poderia fazer o país cair na recessão, era um grande risco na época. Isso ficou mais claro ainda quando o governo perdeu as eleições (...) A virada foi ali, porque o Geisel tinha que administrar duas coisas: a economia e a política." (p. 181-182). Carneiro lembra que, em um seminário internacional promovido pelo BNDE na FGV (em outubro de 1973), o próprio Simonsen marcara sua participação no evento exaltando as virtudes da correção monetária e desenvolvendo um arrazoado sobre "o porquê de a inflação no Brasil não ser um problema tão grave" (p. 178). Nesse sentido (e por ironia da vida) – cabendo-lhe o papel "de causar e de administrar a recessão" para evitar uma inflação que, de qualquer forma, "não se tornaria um problema tão grave" –, "(...) ele ficou numa posição enfraquecida na prática da política econômica, apesar de muito sintonizado com o Geisel em termos da lógica da política econômica." (p. 178 e 182). A perplexidade da situação é bem traduzida no depoimento de Bacha: "A questão de por que o Simonsen, no governo Geisel, embarcou nessa de 'tolerância com a inflação', mesmo sendo contra as convicções dele, de por que, apesar de tudo, ele se acomodou, só se explica pela atração psicológica, pela afeição e o respeito que ele tinha em relação ao Geisel como figura de pai. Acho que a interpretação tem de ser meio freudiana, porque, seguramente, apesar de o Simonsen estar no ministério mais importante, que era o da Fazenda, quem comandava a política econômica era o Velloso, que não era um economista do nível dele." (p. 189). "Acho que, no governo Geisel, o Simonsen ficou aguentando aquela política econômica, que era contra as suas convicções em relação a como se deveria atuar no período, por causa do próprio Geisel. Quando o Geisel desapareceu, ele quis se impor, tanto que mudou para o Planejamento achando que o problema era que estava no ministério errado." (p. 195).
22 Lessa (1998, p. 89-101) deixa isso muito claro. Apesar de suas profundas divergências de interpretação do II PND, Lessa (1998) e Castro (1985) coincidem na descrição acima. Ver também os pronunciamentos de Reis Velloso do ano de 1974 – e seu depoimento mais recente, em D'Araujo e Castro (2004, caps. 6 e 7).
23 Ver nota 14. Acerca da condução da estratégia externa, ver Davidoff Cruz (1984, p. 37-46) e Bacha (1978, p. 51-52). A dificuldade de compreender a natureza e profundidade da crise mundial, amplamente disseminada após a longa "idade de ouro" do capitalismo, está bem documentada em Frank (1983, cap. 6). Uma interpretação distinta é feita por Castro (1985).
24 Ver a descrição de Carneiro (1994, p. 204-206), o qual conclui (em sintonia com Simonsen): "o fato de que a política monetária estava sujeita a arrependimento prenunciava um longo período de tolerância, na prática, com taxas mais elevadas de inflação." (p. 201); "(...) o resultado prático do arrependimento foi o descontrole monetário" (p. 204), "pondo por terra todo o esforço de estabilização iniciado em março de 1974" (p. 206). Ver também Bacha (1978, p. 50-51): ele mostra como a expansão monetária (e fiscal) foi ainda mais intensa quando se toma o período de junho de 1975 a junho de 1976.
25 Lessa (1998, p. 176).
26 Brasil (1971, p. 13). Adiante, explicitava como um "objetivo nacional" um crescimento anual do PIB "entre 8 e 10%" (p. 15). Ver, a respeito, Macarini (2005). Em uma aula no Curso de Doutorado da EPGE–FGV, proferida em 12/07/74, Reis Velloso referiu-se à "imaginação criadora" revelada pelos "formuladores da política econômica" e atestada pelos números do crescimento recente da economia, esclarecendo em seguida: "Exemplo disso foi a atitude de não definir as metas de crescimento pela simples projeção, para o futuro, das tendências do passado recente. Programou-se a ruptura em relação a tendências passadas próximas. Quis-se alcançar o que se poderia denominar de pleno potencial no período seguinte – superando conceitos menos relevantes como o de pleno emprego ou plena capacidade –, numa atitude de seriedade técnica, sim, mas também de intuição econômica e desafio político." E, fazendo menção ao fato de que "já começam a surgir as sugestões de passar o país a crescer em ritmo moderado", ele reafirmava a posição de "preservar o objetivo de efetivar o pleno potencial (...) o que, em 1974, se traduz por uma meta de crescimento de 10%.", Reis Velloso (1974).
27 Fishlow (1986, p. 510) observa que um crescimento de 10% a.a., com a razão capital-produto passando de 1,75 (1971-1973) para 2,67 (1965-1970), implica uma taxa de poupança da ordem de 27% do PIB (a poupança doméstica oscilara entre 22 e 23% no período de 1970-1972).
28 Enquanto no Brasil o ministro Simonsen falava em uma "ilha de prosperidade", na Alemanha Ocidental o chanceler Helmut Schmidt declarava (em set/74): "É quase embaraçoso constatar a que ponto nossa economia se porta bem em comparação com a economia internacional." – citado em Mandel (1990, p. 11). Sobre a recessão nos Estados Unidos, ver Macarini (2007, p. 17-22).
29 Lessa (1998, p. 37 et seq). Castro (1985, cap. 2), em um saudável esforço de defender a política econômica de cunho desenvolvimentista e industrializante (tipificada no II PND), sugere uma interpretação totalmente distinta – mas, a meu ver, ela é viciada pela releitura à distância, quando o futuro tornado passado dissipou as incertezas, coloca novas questões e cria o risco de traduções distorcidas do passado em reexame.
30 Na véspera da mudança de governo, Eduardo de Carvalho, importante assessor de Delfim Netto, declarava: "Houve uma época em que especialistas e analistas econômicos julgavam que a agricultura era até mesmo um sinônimo de subdesenvolvimento. Uma economia nitidamente agrícola seria uma economia necessariamente subdesenvolvida. No entanto, foram exatamente os produtos primários que mantiveram as duas grandes potências – EUA e União Soviética – na liderança do comércio internacional.". Entusiasta do "modelo agrícola-exportador" ele projetava: "A perspectiva para a agricultura brasileira é a melhor possível. O potencial de expansão é muito grande, muita coisa ainda não foi sequer aproveitada e muito precisa ser feito. Ao mesmo tempo em que se torna necessário aumentar a extensão de terra ocupada, é necessário aumentar a produtividade por área ocupada. Conjugando esses dois fatores, é possível obter da agricultura o seu rendimento máximo. E tudo isso dependerá da habilidade em se utilizar a política correta para o setor." – Visão, 11/03/74, p. 116.
31 Ver, dentre outros, Oliveira (1977, cap. 3); Bonelli e Malan (1976); Werneck e Bonelli (1978); Cardoso de Mello e Belluzzo (1982); Suarez (1983).
32 Castro (1985) deixa bem claro esse ponto.
33 A aparência de continuidade na política econômica é facilitada/reforçada pela circunstância de o redator do II PND, Reis Velloso, ter sido um servidor de várias administrações: ele já redigira o I PND do governo Médici e o PED do governo Costa e Silva. Lessa (1998) lança luz sobre as inflexões na política econômica durante a ditadura, dissolvidas pela linguagem do regime e confundidas em certas análises surgidas após a ditadura. Castro (1985), em sua reinterpretação do II PND como a mais consequente política de ajuste estrutural (e a mais autenticamente "heterodoxa"), deixa igualmente muito claro que o II PND implicou uma importante reorientação da política econômica. E não será destituído de significado, ou informado apenas por razões políticas de menor ordem de grandeza, o fato de Delfim Netto em diferentes oportunidades ter manifestado uma avaliação abertamente crítica do II PND: a heterodoxia de Delfim, reafirmada por ocasião de seu retorno em agosto de 1979 ao comando da política econômica, envolvia outra articulação de interesses e dispensava qualquer projeto de avanço da industrialização. Ver, por exemplo, a matéria "Os Arquivos de Delfim", Isto É Dinheiro n. 325, 19/11/03; Gaspari (2003, passim).
34 Castro (1985) a descreve (com razão) como "extremamente ousada" (p. 32); rejeitando a crítica conservadora, ele contra-argumenta: "longe de evitar problemas, a opção brasileira foi no sentido de atacá-los pela raiz." (p. 34); com efeito: "Optou-se aqui por uma autêntica transformação: da economia e do seu relacionamento com o exterior." (p. 34). Lessa (1998) enfatiza corretamente o caráter voluntarista do II PND e mostra com grande perspicácia como interesses empresariais contrariados deram vazão a uma onda crescente de críticas, contribuindo para um encurtamento das ambições durante a segunda metade do mandato. As críticas de Castro (p. 44-46), a meu ver, não atingem o alvo (mas, provavelmente, são inevitáveis dado o seu indiscutível apreço pela estratégia de transformação, o que não parece ser o caso de Lessa). Advirta-se que a leitura de Lessa não deve ser supersimplificada: toda política econômica supõe apoio (diferenciado) de frações capitalistas e o II PND não seria exceção, haja vista o tratamento dispensado à indústria de bens de capital (e a recepção inicial, de "aplausos prolongados"). Sobre a base de classe da política econômica do governo Geisel (e igualmente o papel do contexto de rivalidade inter-imperialista crescente), ver os preciosos insights de Marini (1977). Ver também Fishlow (1986) para uma referência à permanência da influência "estruturalista" sobre quadros do regime pós-64 (Fishlow integrou um grupo de "brazilianistas" servindo no IPEA em seus anos iniciais).
35 Para um exame da dinâmica cíclica e do desempenho da economia nesse período, ver Tavares (1998) e Bonelli e Werneck (1978). Esse papel do II PND é bastante enfatizado por Castro (1985), que sugere a interessante hipótese de que na conjuntura de 1974 – com a "safra de investimentos do milagre" em maturação e um inflado animal spirits do empresariado – outra opção de política econômica (até mesmo a proposta de um modesto crescimento) poderia engendrar uma drástica reversão de desdobramentos imprevisíveis (diferentemente da conjuntura posterior, de 1979). En passant, a desaceleração pós-74 mostrou-se tão branda ao ponto de suscitar um debate acerca da realidade mesma da crise econômica no período. Ver, por exemplo, as observações de Marini (1977) e diferentes palestras reproduzidas em: Revista da Anpec, n. 1, 1976; Tibiriçá, n. 12, jan.-mar./1980; Tibiriçá, n. 13, jul.-out./1980.
36 Note-se que, no final de 1976, a recuperação em curso da economia norte-americana dava sinais de um fôlego limitado. Ver sobre a conjuntura internacional: Macarini (2007, p. 17-22); Frank (1983, cap. 6); Magdoff e Sweezy (1982, cap. 1); Volk e Shapiro (1980).
37 Ver Serra (1982). Note-se que, para esse modesto desempenho, contribuiu o grande impulso dado às exportações, as quais passaram de US$ 893 milhões em 1975 para US$ 2,4 bilhões em 1979 (cf. Carneiro, 1994, p. 216).
38 "Esta articulação exigiria que houvesse 'espaço' político-econômico para que, num golpe concentrado no tempo, fosse implantado um grande bloco integrado pelos projetos de insumos básicos e nova capacidade ampliada e diversificada na indústria nacional de bens de capital. Esse bloco interarticulado garantiria a demanda para a indústria de bens de capital e o suprimento de insumos básicos. A constituição dessas novas capacidades, significando uma descontinuidade, um salto pelo lado da oferta, cristalizaria um pacto entre esses dois setores. O peso e a necessidade da sustentação dinâmica desse pacto imporiam uma nova diretriz ao movimento ulterior da industrialização. E teríamos então instalado um novo Padrão. Assincronias e reduções das magnitudes dos projetos interarticulados implicam objetivamente a frustração do salto. Uma analogia é útil para esta questão. Uma aeronave necessita uma potência de decolagem e uma velocidade mínima para sua sustentação em cruzeiro. Sem potência não decola e abaixo da velocidade estola. A diluição em tempo indefinido do bloco de inversões projetado pelo II PND – patente nas peripécias dos projetos básicos – e arritmia das ampliações da indústria de bens de capital – realizadas na escala e no tempo propostos pelo II PND – e 'descalçadas' pelo atraso e pela redução dos projetos básicos, impediram a decolagem. A aeronave – novo padrão de industrialização – não decolou." (Lessa, 1998, p. 150). Implícita nessa análise há uma outra idéia, elaborada por Tavares (1998): a mudança de padrão, dando maior densidade ao DI, aumentaria as chances de ciclos expansivos prolongados (como ilustrado pela experiência japonesa dos anos 1950 e 1960). O tema explorado por Lessa, contudo, diz respeito ao porquê do fracasso, levando-o a sugestivas hipóteses sobre a interação política-economia enquanto fonte de limites à ação da política econômica. A substância de sua análise não é de forma alguma atingida por críticos que insistem em mostrar (corretamente) o sucesso alcançado em termos de altas taxas de crescimento econômico e de mudanças fundamentais na estrutura da economia – cf. Batista (1986) (e indiretamente, talvez John Wells, reconhecido na dedicatória como "a major source of inspiration").
39 Fishlow (1986, p. 518) aponta a incoerência de Velloso em seu esforço retórico para construir uma imagem de continuidade essencial na execução do II PND. Carneiro (1994) chama a atenção para a circunstância de, na sistemática do processo decisório da administração Geisel, o ministro Velloso ter ocupado uma posição estratégica: "(...) nos conflitos entre a Seplan e o Ministério da Fazenda (...) a balança pendeu de modo geral para os argumentos do ministro da Seplan, calçados em uma estratégia previamente estabelecida, e o qual tinha na secretaria executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico oportunidade para definir a agenda do mesmo e assim arregimentar apoio para o programa de investimentos." (p. 207). Reis Velloso descreve sua atuação no papel de secretário geral do CDE (instituído pela administração Geisel, abandonado pela administração Figueiredo): "A mim cabia a função de preparar a pauta, de estar sempre acompanhando os assuntos para ver se era oportuno sugerir ao presidente que eles fossem colocados em discussão, e assim por diante (...) Todo mundo falava, todo mundo opinava, mas quem decidia era o presidente." , Albertini et al. (2002, p. 167). Velloso bate na tecla de que a estória de suas divergências com Simonsen não passa de "mito" (p. 168-170), mas parece incorrer em um lapso ao confidenciar em um tom de naturalidade: "Nunca cometemos o erro político de levar ao presidente um assunto para ele desempatar, porque aí ele perderia a confiança em nós dois (...)" (p. 171). Que o "mito" continua muito disseminado constata-se em vários depoimentos recolhidos em Alberti et al. (2002).
40 Contrastem-se as avaliações de Velloso sobre as perspectivas do balanço de pagamentos feitas em 1974 ("Transição e importações", em O Globo, 30/06/74) e em 1978, em "reunião de trabalho informal com empresários" (cf. Reis Velloso, 1978). Sobre a inflexão de 1976, Velloso recapitula: "Houve, por exemplo, uma diferença no segundo semestre de 1976. O Simonsen voltou da reunião do FMI preocupado e escreveu uma nota longa ao presidente dizendo que a credibilidade do Brasil junto aos organismos financeiros internacionais estava muito baixa porque a situação da balança comercial não era boa, a situação da inflação não era boa, o país estava crescendo demais, e a razão desse excessivo crescimento era um excessivo investimento público (...). O que eu escrevi ao Simonsen foi o seguinte: 'Em essência acho que você tem razão (...). Concordo com o que você propõe, de reduzir investimentos públicos, mas com a condição de que os investimentos prioritários, dentro do II PND, não sejam afetados'. (...)Então, nós, em conjunto, fizemos uma proposta ao presidente de como desacelerar os investimentos públicos." – depoimento dado a Alberti et al. (2002, p. 168-170).
41 A melhor análise da política econômica desse período é a de Davidoff Cruz (1984, p. 37-64). Ver também Silva (1980, caps. III e IV) para uma crítica às inconsistências da política econômica de Simonsen; para um contraponto, favorável a Simonsen, ver Carneiro (1994, p. 194-216). E para captar o grau de tensão envolvendo a conjuntura e a política econômica é muito útil consultar as intervenções no V Encontro Nacional de Economia da Anpec, realizado em novembro de 1977, de um crítico (Lopes, 1978) e de um fiel defensor (Lemos, 1978) da política recessiva de Simonsen. Diagnosticando a emergência em 1977 "de um quadro nitidamente recessivo", lembrando que "somente em 1967 verificou-se uma taxa de crescimento do produto industrial inferior", Lopes alertava: "Se essas medidas surtirem o efeito desejado, e se a atual orientação da política de controle da demanda global for mantida no próximo ano, o resultado poderá ser a pior recessão do nível de atividade na experiência recente da economia brasileira (pior inclusive que as crises de estabilização de 1964/1965 e 1967)." (p. 8). Examinando a natureza do surto inflacionário de 1976, atribuindo-o às componentes "estrutural" (alta dos preços agrícolas) e de "realimentação" (a modificação da política salarial introduzida pela Lei 6.147), e com base em projeções para o balanço de pagamentos compatíveis com o objetivo de "procurar maximizar o crescimento econômico", Lopes concluía: "não há justificativa para uma política de desaquecimento da economia na atual conjuntura brasileira." (p. 10). A resposta de Lemos (importante assessor de Simonsen no início de sua gestão) é especialmente interessante na medida em que traduz a lógica e o objetivo implícitos na política de Simonsen, supondo-se que pudesse contar com sólida sustentação política: reverter as expectativas inflacionárias (o indicador de sucesso seria dado pelo retorno a taxas de inflação de 20 a 25% a.a.), criadas por "um estilo excessivamente pendular na condução de sua política monetária e fiscal, devido, possivelmente, a divergências entre os ministros da área econômica, que só foram aparentemente equacionadas no início do corrente ano." (p. 20). Essa política de desaquecimento "envolveria uma crise de estabilização, mas nunca uma recessão permanente", sendo pois "compatível com satisfatório crescimento real do PIB a médio prazo" (id). Com certeza, tal era a "doutrina" Simonsen.
42 D'Araujo e Castro (2004, p. 235). Ver também Reis Velloso (1978).
43 Ver também o exame detalhado dos resultados do II PND de Batista (1986).
44 Aguirre e Saddi (1997) argumentam com muita propriedade que a decisão de lançar o II PND "fundou-se, de fato, em motivos políticos e não puramente econômicos" (p. 93). Ter batido nessa tecla e elaborado todo um trabalho para fundamentá-la constitui um ponto forte dessa contribuição. Incidentalmente, cabe chamar a atenção para a circunstância (aparentemente ignorada) de a sua linha de análise encontrar farto material de apoio (ou de subsídio para a reflexão) em Lessa (1998), fato obscurecido pela sua opção de focar a questão das leituras alternativas girando em torno do "fracasso" ou da "marcha forçada" (p. 90-91).
45 Extremado, não em função de alguma suposta tradição histórica que terminou deitando raízes, e sim porque, após dez anos de vigência do regime, dos quais os últimos sete assinalados pelo êxito do crescimento acelerado, interpretado como fruto da racionalidade da nova política econômica, o ambiente tornara-se propício a manifestações de megalomania e voluntarismo. É possível que a visão de mundo do planejador tenha tido alguma influência nisso: a linha de argumentação de Velloso falando em "sintonia fina", recomendando crescer a 5% (como em 1974 propusera 10%), identificando na decisão "errada" de acelerar (em 1979, em 1985) a causa maior das dificuldades, sugere uma visão da economia como um "sistema controlado". Se é assim, em 1974 a "tentação" do II PND era, certamente, irresistível.
2 Sobre a política econômica do triênio Costa e Silva ver Fishlow (1974) e Macarini (2006).
3 Simonsen (1970, p. 19). Sobre a política econômica do governo Médici, ver Macarini (2005).
4 Da extensa literatura a respeito, veja-se, para maiores referências, Bonelli e Malan (1976) e Tavares (1998).
5 Delfim Netto: "Os cinco objetivos da política econômica", in Revista Bancária Brasileira n. 478, out. 1972, p. 26.
6 Delfim Netto, entrevista à Visão, 26/02/73, p. 106. Na ocasião, ele responderia aos críticos: "Em qualquer lugar onde tenha havido desenvolvimento, o fator mais elementar foi o aumento do nível de racionalidade das decisões (...). Chamar-se tecnocrata àquele que tem lógica é uma questão de semântica. " (p. 108).
7 Jornal da Tarde, 29/07/72 – declaração de Delfim Netto após se reunir com o presidente Nixon nos Estados Unidos. Dois meses antes, em entrevista ao The Times de Londes, Delfim Netto declarara: "Não gosto de falar sobre futurologia, mas acho que temos impulso para continuar a crescer durante talvez mais dez ou quinze anos na mesma proporção." – Jornal da tarde, 24/05/72.
8 Pronunciamento no Congresso Nacional, em junho de 1973 – ver Delfim Netto (1973, p. 90).
9 Mensagem ao Congresso Nacional 1974, passim. Para uma sintética e aguda interpretação das vicissitudes da política econômica da ditadura, do PAEG ao II PND, ver Lessa (1998, p. 58-76).
10 Para situar em perspectiva o tema do "milagre brasileiro", ver as análises críticas de Santos (1995, cap. VI) e Singer (1989, p. 15-76).
11 Os números foram extraídos de Banco Central do Brasil (1973); Giambiagi et al. (2005, Apêndice Estatístico); Bacha (1976, 1º parte, 2).
12 Singer (1989) propicia uma arguta análise contemporânea dessa conjuntura. Uma reconstituição detalhada da política econômica encontra-se em Macarini (2005). Ver também Conjuntura Econômica, fev./1974, para um balanço global da conjuntura, antecipando a transferência para 1974 de um elevado potencial inflacionário "à medida que o efeito da injeção monetária do ano anterior se propague integralmente sobre o nível dos preços." Bacha (1976), comentando a herança deixada por Delfim Netto, observou criticamente: "(...) o governo federal continuou a expandir a demanda agregada a taxas elevadas, como se pretendesse 'furar' o teto representado pelo produto potencial (...)" (p. 33); "Ao invés de procurar controlar as pressões de demanda, o governo anterior preferiu congelar alguns preços críticos bem como manipular os índices oficiais de preços para ocultar as taxas reais de inflação." (p. 35). Um depoimento de Julian Chacel, da FGV, dado como contribuição a um perfil biográfico de Simonsen – ver Alberti et al. (2002) – parece confirmar a opinião corrente: "Eu tinha que ter a informação objetiva. O que fosse cobrado por fora era, por definição, clandestino." (p. 179). Mas ele recusa a pecha de manipulação: "Os artifícios que o Delfim usava naquela época, que eram tão combatidos, tinham a ver com o conceito, hoje, de core inflation." (p. 179). Chacel sugere que os "artifícios" utilizados iam além do mero tabelamento: "Delfim, por exemplo, olhava o Índice de Preço por Atacado. Que peso tem o arroz no índice? Era só convocar um atacadista e dizer: 'segura o preço do arroz por aqui que eu lhe dou um subsídio por ali.'. Aquilo que foi segurado, através de um artifício que o ministro da Fazenda podia fazer, não tinha como deixar de refletir no índice de preços." (p. 179).
13 A expressão é de Carneiro (1994), um autor muito identificado com Simonsen e que oferece uma excelente análise da política econômica de curto prazo no período aqui examinado (p. 194-216). Ver também o seu depoimento em Alberti et al. ( 2002): "Como havia uma grande repressão de preços, ou seja, havia preços que não subiam porque estavam tabelados, no momento em que se desreprimiu – e foi a primeira coisa que o Mario Henrique fez, concedeu os aumentos que estavam represados para poder enxergar efetivamente quais eram os preços de mercado –, a taxa de inflação foi dos 12% oficiais para 30%. Essa foi a herança que ele recebeu." (p. 78). Para um exemplo de relato contemporâneo disseminado na imprensa, ver a matéria "A volta da inflação", Visão, 11/03/74, p. 115-118.
14 Alberti et al. (2002, p. 183-184).
15 "A duplicação da taxa de inflação entre 1973 e 1974, de 20 para 40%, não foi exageradamente preocupante, dadas essas circunstâncias institucionais. Isso era mais verdadeiro na medida em que a inflação estava se acelerando nos países industriais, passando a níveis de dois dígitos. Os brasileiros orgulhavam-se de sua maior capacidade de adaptação ao contexto inflacionário sem pagarem um custo real elevado. Existia, na verdade, uma exultante conversa de se exportar sua testada técnica de correção monetária para os Estados Unidos." Fishlow (1986, p. 516).Também nesse sentido, ver o depoimento de D. D. Carneiro, citado adiante (nota 21).
16 Carneiro descreve o desenho da política econômica desejada por Simonsen: "O programa de estabilização do Mario Henrique tinha duas etapas. A primeira era essa desrepressão, para poder ver os preços em movimento, e a segunda era um processo de austeridade fiscal. A desrepressão já iria corroer um acréscimo de moeda que tinha havido no ano anterior. Quando você deixa os preços subirem, o poder de compra é diminuído, e só isso já implica uma diminuição de demanda. O passo seguinte era fazer uma elevação da taxa de juros e contrair o crédito.", Alberti et al. (org., 2002, p. 180). "A segunda etapa do esforço de estabilização, portanto, era exatamente o disciplinamento fiscal e monetário." (p. 181). Para diferentes análises do ensaio de ortodoxia tentado em 1974, ver Carneiro (1994), Bacha (1976 e 1978) e Fishlow (1986). Sobre os desdobramentos específicos do mercado financeiro, ver Silva (1980), Assis (1983) e Lessa (1998, p. 207-211).
17 Veja, 10/04/74, p. 81. Sobre essa faceta da política econômica, são muito sugestivas as observações de Lessa (1998, p. 271-291).
18 "Os resultados da recessão industrial, que só foram conhecidos de fato ao final do primeiro trimestre de 1975, eram alarmantes, pelos indicadores parciais publicados pela imprensa." Carneiro (1994, p. 204). Para Bacha (1976, p. 34), essa foi a consequência de "uma dose exagerada de restrição fiscal e monetária". Ver também os comentários sobre essa conjuntura de Fishlow (1986), Singer (1989, p. 157-167) e Serra (1982).
19 Para um exame detalhado, ver Moreira Alves (1984, cap. VII).
20 "Para a política econômica de curto prazo, a derrota do governo nas urnas transformou 1975 em ano de recuo na tentativa de contenção de demanda.", Carneiro (1994, p. 202-203). "Momentos de incerteza política – abundantes no início de 1975 – não são adequados para a imposição de medidas convencionais e impopulares", Fishlow (1986, p. 515). Isso deve ser cotejado com o imprescindível relato de Gaspari (2003, p. 437-481).
21 Apud Carneiro (1994, p. 206-207). São os próprios admiradores de Simonsen, uma personalidade reconhecidamente dotada de um "conservadorismo cartesiano" (na caracterização de Carneiro, 1994), que manifestam estranheza com a situação e buscam uma explicação plausível. Vários depoimentos recolhidos em Alberti et al. (2002) abordam a questão. Pelo menos dois deles merecem destaque. Segundo Carneiro: "A ideia de que você poderia provocar uma recessão era sempre assustadora – embora, diante do crescimento anterior, de 1972-73, qualquer taxa de crescimento responsável fosse uma recessão (...) Geisel era fundamentalmente austero, até pessoalmente, e o Mario Henrique não precisava vender a ele a idéia de austeridade. No entanto, o fantasma de que um excesso de austeridade poderia fazer o país cair na recessão, era um grande risco na época. Isso ficou mais claro ainda quando o governo perdeu as eleições (...) A virada foi ali, porque o Geisel tinha que administrar duas coisas: a economia e a política." (p. 181-182). Carneiro lembra que, em um seminário internacional promovido pelo BNDE na FGV (em outubro de 1973), o próprio Simonsen marcara sua participação no evento exaltando as virtudes da correção monetária e desenvolvendo um arrazoado sobre "o porquê de a inflação no Brasil não ser um problema tão grave" (p. 178). Nesse sentido (e por ironia da vida) – cabendo-lhe o papel "de causar e de administrar a recessão" para evitar uma inflação que, de qualquer forma, "não se tornaria um problema tão grave" –, "(...) ele ficou numa posição enfraquecida na prática da política econômica, apesar de muito sintonizado com o Geisel em termos da lógica da política econômica." (p. 178 e 182). A perplexidade da situação é bem traduzida no depoimento de Bacha: "A questão de por que o Simonsen, no governo Geisel, embarcou nessa de 'tolerância com a inflação', mesmo sendo contra as convicções dele, de por que, apesar de tudo, ele se acomodou, só se explica pela atração psicológica, pela afeição e o respeito que ele tinha em relação ao Geisel como figura de pai. Acho que a interpretação tem de ser meio freudiana, porque, seguramente, apesar de o Simonsen estar no ministério mais importante, que era o da Fazenda, quem comandava a política econômica era o Velloso, que não era um economista do nível dele." (p. 189). "Acho que, no governo Geisel, o Simonsen ficou aguentando aquela política econômica, que era contra as suas convicções em relação a como se deveria atuar no período, por causa do próprio Geisel. Quando o Geisel desapareceu, ele quis se impor, tanto que mudou para o Planejamento achando que o problema era que estava no ministério errado." (p. 195).
22 Lessa (1998, p. 89-101) deixa isso muito claro. Apesar de suas profundas divergências de interpretação do II PND, Lessa (1998) e Castro (1985) coincidem na descrição acima. Ver também os pronunciamentos de Reis Velloso do ano de 1974 – e seu depoimento mais recente, em D'Araujo e Castro (2004, caps. 6 e 7).
23 Ver nota 14. Acerca da condução da estratégia externa, ver Davidoff Cruz (1984, p. 37-46) e Bacha (1978, p. 51-52). A dificuldade de compreender a natureza e profundidade da crise mundial, amplamente disseminada após a longa "idade de ouro" do capitalismo, está bem documentada em Frank (1983, cap. 6). Uma interpretação distinta é feita por Castro (1985).
24 Ver a descrição de Carneiro (1994, p. 204-206), o qual conclui (em sintonia com Simonsen): "o fato de que a política monetária estava sujeita a arrependimento prenunciava um longo período de tolerância, na prática, com taxas mais elevadas de inflação." (p. 201); "(...) o resultado prático do arrependimento foi o descontrole monetário" (p. 204), "pondo por terra todo o esforço de estabilização iniciado em março de 1974" (p. 206). Ver também Bacha (1978, p. 50-51): ele mostra como a expansão monetária (e fiscal) foi ainda mais intensa quando se toma o período de junho de 1975 a junho de 1976.
25 Lessa (1998, p. 176).
26 Brasil (1971, p. 13). Adiante, explicitava como um "objetivo nacional" um crescimento anual do PIB "entre 8 e 10%" (p. 15). Ver, a respeito, Macarini (2005). Em uma aula no Curso de Doutorado da EPGE–FGV, proferida em 12/07/74, Reis Velloso referiu-se à "imaginação criadora" revelada pelos "formuladores da política econômica" e atestada pelos números do crescimento recente da economia, esclarecendo em seguida: "Exemplo disso foi a atitude de não definir as metas de crescimento pela simples projeção, para o futuro, das tendências do passado recente. Programou-se a ruptura em relação a tendências passadas próximas. Quis-se alcançar o que se poderia denominar de pleno potencial no período seguinte – superando conceitos menos relevantes como o de pleno emprego ou plena capacidade –, numa atitude de seriedade técnica, sim, mas também de intuição econômica e desafio político." E, fazendo menção ao fato de que "já começam a surgir as sugestões de passar o país a crescer em ritmo moderado", ele reafirmava a posição de "preservar o objetivo de efetivar o pleno potencial (...) o que, em 1974, se traduz por uma meta de crescimento de 10%.", Reis Velloso (1974).
27 Fishlow (1986, p. 510) observa que um crescimento de 10% a.a., com a razão capital-produto passando de 1,75 (1971-1973) para 2,67 (1965-1970), implica uma taxa de poupança da ordem de 27% do PIB (a poupança doméstica oscilara entre 22 e 23% no período de 1970-1972).
28 Enquanto no Brasil o ministro Simonsen falava em uma "ilha de prosperidade", na Alemanha Ocidental o chanceler Helmut Schmidt declarava (em set/74): "É quase embaraçoso constatar a que ponto nossa economia se porta bem em comparação com a economia internacional." – citado em Mandel (1990, p. 11). Sobre a recessão nos Estados Unidos, ver Macarini (2007, p. 17-22).
29 Lessa (1998, p. 37 et seq). Castro (1985, cap. 2), em um saudável esforço de defender a política econômica de cunho desenvolvimentista e industrializante (tipificada no II PND), sugere uma interpretação totalmente distinta – mas, a meu ver, ela é viciada pela releitura à distância, quando o futuro tornado passado dissipou as incertezas, coloca novas questões e cria o risco de traduções distorcidas do passado em reexame.
30 Na véspera da mudança de governo, Eduardo de Carvalho, importante assessor de Delfim Netto, declarava: "Houve uma época em que especialistas e analistas econômicos julgavam que a agricultura era até mesmo um sinônimo de subdesenvolvimento. Uma economia nitidamente agrícola seria uma economia necessariamente subdesenvolvida. No entanto, foram exatamente os produtos primários que mantiveram as duas grandes potências – EUA e União Soviética – na liderança do comércio internacional.". Entusiasta do "modelo agrícola-exportador" ele projetava: "A perspectiva para a agricultura brasileira é a melhor possível. O potencial de expansão é muito grande, muita coisa ainda não foi sequer aproveitada e muito precisa ser feito. Ao mesmo tempo em que se torna necessário aumentar a extensão de terra ocupada, é necessário aumentar a produtividade por área ocupada. Conjugando esses dois fatores, é possível obter da agricultura o seu rendimento máximo. E tudo isso dependerá da habilidade em se utilizar a política correta para o setor." – Visão, 11/03/74, p. 116.
31 Ver, dentre outros, Oliveira (1977, cap. 3); Bonelli e Malan (1976); Werneck e Bonelli (1978); Cardoso de Mello e Belluzzo (1982); Suarez (1983).
32 Castro (1985) deixa bem claro esse ponto.
33 A aparência de continuidade na política econômica é facilitada/reforçada pela circunstância de o redator do II PND, Reis Velloso, ter sido um servidor de várias administrações: ele já redigira o I PND do governo Médici e o PED do governo Costa e Silva. Lessa (1998) lança luz sobre as inflexões na política econômica durante a ditadura, dissolvidas pela linguagem do regime e confundidas em certas análises surgidas após a ditadura. Castro (1985), em sua reinterpretação do II PND como a mais consequente política de ajuste estrutural (e a mais autenticamente "heterodoxa"), deixa igualmente muito claro que o II PND implicou uma importante reorientação da política econômica. E não será destituído de significado, ou informado apenas por razões políticas de menor ordem de grandeza, o fato de Delfim Netto em diferentes oportunidades ter manifestado uma avaliação abertamente crítica do II PND: a heterodoxia de Delfim, reafirmada por ocasião de seu retorno em agosto de 1979 ao comando da política econômica, envolvia outra articulação de interesses e dispensava qualquer projeto de avanço da industrialização. Ver, por exemplo, a matéria "Os Arquivos de Delfim", Isto É Dinheiro n. 325, 19/11/03; Gaspari (2003, passim).
34 Castro (1985) a descreve (com razão) como "extremamente ousada" (p. 32); rejeitando a crítica conservadora, ele contra-argumenta: "longe de evitar problemas, a opção brasileira foi no sentido de atacá-los pela raiz." (p. 34); com efeito: "Optou-se aqui por uma autêntica transformação: da economia e do seu relacionamento com o exterior." (p. 34). Lessa (1998) enfatiza corretamente o caráter voluntarista do II PND e mostra com grande perspicácia como interesses empresariais contrariados deram vazão a uma onda crescente de críticas, contribuindo para um encurtamento das ambições durante a segunda metade do mandato. As críticas de Castro (p. 44-46), a meu ver, não atingem o alvo (mas, provavelmente, são inevitáveis dado o seu indiscutível apreço pela estratégia de transformação, o que não parece ser o caso de Lessa). Advirta-se que a leitura de Lessa não deve ser supersimplificada: toda política econômica supõe apoio (diferenciado) de frações capitalistas e o II PND não seria exceção, haja vista o tratamento dispensado à indústria de bens de capital (e a recepção inicial, de "aplausos prolongados"). Sobre a base de classe da política econômica do governo Geisel (e igualmente o papel do contexto de rivalidade inter-imperialista crescente), ver os preciosos insights de Marini (1977). Ver também Fishlow (1986) para uma referência à permanência da influência "estruturalista" sobre quadros do regime pós-64 (Fishlow integrou um grupo de "brazilianistas" servindo no IPEA em seus anos iniciais).
35 Para um exame da dinâmica cíclica e do desempenho da economia nesse período, ver Tavares (1998) e Bonelli e Werneck (1978). Esse papel do II PND é bastante enfatizado por Castro (1985), que sugere a interessante hipótese de que na conjuntura de 1974 – com a "safra de investimentos do milagre" em maturação e um inflado animal spirits do empresariado – outra opção de política econômica (até mesmo a proposta de um modesto crescimento) poderia engendrar uma drástica reversão de desdobramentos imprevisíveis (diferentemente da conjuntura posterior, de 1979). En passant, a desaceleração pós-74 mostrou-se tão branda ao ponto de suscitar um debate acerca da realidade mesma da crise econômica no período. Ver, por exemplo, as observações de Marini (1977) e diferentes palestras reproduzidas em: Revista da Anpec, n. 1, 1976; Tibiriçá, n. 12, jan.-mar./1980; Tibiriçá, n. 13, jul.-out./1980.
36 Note-se que, no final de 1976, a recuperação em curso da economia norte-americana dava sinais de um fôlego limitado. Ver sobre a conjuntura internacional: Macarini (2007, p. 17-22); Frank (1983, cap. 6); Magdoff e Sweezy (1982, cap. 1); Volk e Shapiro (1980).
37 Ver Serra (1982). Note-se que, para esse modesto desempenho, contribuiu o grande impulso dado às exportações, as quais passaram de US$ 893 milhões em 1975 para US$ 2,4 bilhões em 1979 (cf. Carneiro, 1994, p. 216).
38 "Esta articulação exigiria que houvesse 'espaço' político-econômico para que, num golpe concentrado no tempo, fosse implantado um grande bloco integrado pelos projetos de insumos básicos e nova capacidade ampliada e diversificada na indústria nacional de bens de capital. Esse bloco interarticulado garantiria a demanda para a indústria de bens de capital e o suprimento de insumos básicos. A constituição dessas novas capacidades, significando uma descontinuidade, um salto pelo lado da oferta, cristalizaria um pacto entre esses dois setores. O peso e a necessidade da sustentação dinâmica desse pacto imporiam uma nova diretriz ao movimento ulterior da industrialização. E teríamos então instalado um novo Padrão. Assincronias e reduções das magnitudes dos projetos interarticulados implicam objetivamente a frustração do salto. Uma analogia é útil para esta questão. Uma aeronave necessita uma potência de decolagem e uma velocidade mínima para sua sustentação em cruzeiro. Sem potência não decola e abaixo da velocidade estola. A diluição em tempo indefinido do bloco de inversões projetado pelo II PND – patente nas peripécias dos projetos básicos – e arritmia das ampliações da indústria de bens de capital – realizadas na escala e no tempo propostos pelo II PND – e 'descalçadas' pelo atraso e pela redução dos projetos básicos, impediram a decolagem. A aeronave – novo padrão de industrialização – não decolou." (Lessa, 1998, p. 150). Implícita nessa análise há uma outra idéia, elaborada por Tavares (1998): a mudança de padrão, dando maior densidade ao DI, aumentaria as chances de ciclos expansivos prolongados (como ilustrado pela experiência japonesa dos anos 1950 e 1960). O tema explorado por Lessa, contudo, diz respeito ao porquê do fracasso, levando-o a sugestivas hipóteses sobre a interação política-economia enquanto fonte de limites à ação da política econômica. A substância de sua análise não é de forma alguma atingida por críticos que insistem em mostrar (corretamente) o sucesso alcançado em termos de altas taxas de crescimento econômico e de mudanças fundamentais na estrutura da economia – cf. Batista (1986) (e indiretamente, talvez John Wells, reconhecido na dedicatória como "a major source of inspiration").
39 Fishlow (1986, p. 518) aponta a incoerência de Velloso em seu esforço retórico para construir uma imagem de continuidade essencial na execução do II PND. Carneiro (1994) chama a atenção para a circunstância de, na sistemática do processo decisório da administração Geisel, o ministro Velloso ter ocupado uma posição estratégica: "(...) nos conflitos entre a Seplan e o Ministério da Fazenda (...) a balança pendeu de modo geral para os argumentos do ministro da Seplan, calçados em uma estratégia previamente estabelecida, e o qual tinha na secretaria executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico oportunidade para definir a agenda do mesmo e assim arregimentar apoio para o programa de investimentos." (p. 207). Reis Velloso descreve sua atuação no papel de secretário geral do CDE (instituído pela administração Geisel, abandonado pela administração Figueiredo): "A mim cabia a função de preparar a pauta, de estar sempre acompanhando os assuntos para ver se era oportuno sugerir ao presidente que eles fossem colocados em discussão, e assim por diante (...) Todo mundo falava, todo mundo opinava, mas quem decidia era o presidente." , Albertini et al. (2002, p. 167). Velloso bate na tecla de que a estória de suas divergências com Simonsen não passa de "mito" (p. 168-170), mas parece incorrer em um lapso ao confidenciar em um tom de naturalidade: "Nunca cometemos o erro político de levar ao presidente um assunto para ele desempatar, porque aí ele perderia a confiança em nós dois (...)" (p. 171). Que o "mito" continua muito disseminado constata-se em vários depoimentos recolhidos em Alberti et al. (2002).
40 Contrastem-se as avaliações de Velloso sobre as perspectivas do balanço de pagamentos feitas em 1974 ("Transição e importações", em O Globo, 30/06/74) e em 1978, em "reunião de trabalho informal com empresários" (cf. Reis Velloso, 1978). Sobre a inflexão de 1976, Velloso recapitula: "Houve, por exemplo, uma diferença no segundo semestre de 1976. O Simonsen voltou da reunião do FMI preocupado e escreveu uma nota longa ao presidente dizendo que a credibilidade do Brasil junto aos organismos financeiros internacionais estava muito baixa porque a situação da balança comercial não era boa, a situação da inflação não era boa, o país estava crescendo demais, e a razão desse excessivo crescimento era um excessivo investimento público (...). O que eu escrevi ao Simonsen foi o seguinte: 'Em essência acho que você tem razão (...). Concordo com o que você propõe, de reduzir investimentos públicos, mas com a condição de que os investimentos prioritários, dentro do II PND, não sejam afetados'. (...)Então, nós, em conjunto, fizemos uma proposta ao presidente de como desacelerar os investimentos públicos." – depoimento dado a Alberti et al. (2002, p. 168-170).
41 A melhor análise da política econômica desse período é a de Davidoff Cruz (1984, p. 37-64). Ver também Silva (1980, caps. III e IV) para uma crítica às inconsistências da política econômica de Simonsen; para um contraponto, favorável a Simonsen, ver Carneiro (1994, p. 194-216). E para captar o grau de tensão envolvendo a conjuntura e a política econômica é muito útil consultar as intervenções no V Encontro Nacional de Economia da Anpec, realizado em novembro de 1977, de um crítico (Lopes, 1978) e de um fiel defensor (Lemos, 1978) da política recessiva de Simonsen. Diagnosticando a emergência em 1977 "de um quadro nitidamente recessivo", lembrando que "somente em 1967 verificou-se uma taxa de crescimento do produto industrial inferior", Lopes alertava: "Se essas medidas surtirem o efeito desejado, e se a atual orientação da política de controle da demanda global for mantida no próximo ano, o resultado poderá ser a pior recessão do nível de atividade na experiência recente da economia brasileira (pior inclusive que as crises de estabilização de 1964/1965 e 1967)." (p. 8). Examinando a natureza do surto inflacionário de 1976, atribuindo-o às componentes "estrutural" (alta dos preços agrícolas) e de "realimentação" (a modificação da política salarial introduzida pela Lei 6.147), e com base em projeções para o balanço de pagamentos compatíveis com o objetivo de "procurar maximizar o crescimento econômico", Lopes concluía: "não há justificativa para uma política de desaquecimento da economia na atual conjuntura brasileira." (p. 10). A resposta de Lemos (importante assessor de Simonsen no início de sua gestão) é especialmente interessante na medida em que traduz a lógica e o objetivo implícitos na política de Simonsen, supondo-se que pudesse contar com sólida sustentação política: reverter as expectativas inflacionárias (o indicador de sucesso seria dado pelo retorno a taxas de inflação de 20 a 25% a.a.), criadas por "um estilo excessivamente pendular na condução de sua política monetária e fiscal, devido, possivelmente, a divergências entre os ministros da área econômica, que só foram aparentemente equacionadas no início do corrente ano." (p. 20). Essa política de desaquecimento "envolveria uma crise de estabilização, mas nunca uma recessão permanente", sendo pois "compatível com satisfatório crescimento real do PIB a médio prazo" (id). Com certeza, tal era a "doutrina" Simonsen.
42 D'Araujo e Castro (2004, p. 235). Ver também Reis Velloso (1978).
43 Ver também o exame detalhado dos resultados do II PND de Batista (1986).
44 Aguirre e Saddi (1997) argumentam com muita propriedade que a decisão de lançar o II PND "fundou-se, de fato, em motivos políticos e não puramente econômicos" (p. 93). Ter batido nessa tecla e elaborado todo um trabalho para fundamentá-la constitui um ponto forte dessa contribuição. Incidentalmente, cabe chamar a atenção para a circunstância (aparentemente ignorada) de a sua linha de análise encontrar farto material de apoio (ou de subsídio para a reflexão) em Lessa (1998), fato obscurecido pela sua opção de focar a questão das leituras alternativas girando em torno do "fracasso" ou da "marcha forçada" (p. 90-91).
45 Extremado, não em função de alguma suposta tradição histórica que terminou deitando raízes, e sim porque, após dez anos de vigência do regime, dos quais os últimos sete assinalados pelo êxito do crescimento acelerado, interpretado como fruto da racionalidade da nova política econômica, o ambiente tornara-se propício a manifestações de megalomania e voluntarismo. É possível que a visão de mundo do planejador tenha tido alguma influência nisso: a linha de argumentação de Velloso falando em "sintonia fina", recomendando crescer a 5% (como em 1974 propusera 10%), identificando na decisão "errada" de acelerar (em 1979, em 1985) a causa maior das dificuldades, sugere uma visão da economia como um "sistema controlado". Se é assim, em 1974 a "tentação" do II PND era, certamente, irresistível.
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