Adriell Ramalho SantanaI; Fábio Ferreira AmorimI,II; Paulo Henrique Alves SoaresIII; Edmilson Bastos de MouraII; Marcelo de Oliveira MaiaII
IEscola Superior de Ciências da Saúde - ESCS - Brasília (DF), Brasil
IIUnidade de Terapia Intensiva Adulto, Hospital Santa Luzia - Brasília (DF), Brasil
IIIGrupo Acreditar - Brasília (DF), Brasil
IIUnidade de Terapia Intensiva Adulto, Hospital Santa Luzia - Brasília (DF), Brasil
IIIGrupo Acreditar - Brasília (DF), Brasil
RESUMO
Doenças difusas do parênquima pulmonar pertencem a um grupo de doenças de evolução geralmente subaguda ou crônica, mas que podem determinar insuficiência respiratória aguda. Paciente masculino, 37 anos, em terapia para linfoma não Hodgkin, admitido com tosse seca, febre, dispneia e insuficiência respiratória aguda hipoxêmica. Iniciadas ventilação mecânica e antibioticoterapia, porém houve evolução desfavorável. Tomografia computadorizada de tórax mostrava opacidades pulmonares em "vidro fosco" bilaterais. Devido ao paciente ter feito uso de três drogas relacionadas à pneumonia em organização (ciclofosfamida, doxorrubicina e rituximabe) e quadros clínico e radiológico serem sugestivos, iniciou-se pulsoterapia com metilprednisolona com boa resposta. Pneumonia em organização pode ser idiopática ou associada a colagenoses, drogas e neoplasias, e geralmente responde bem a corticoterapia. O diagnóstico é anatomopatológico, mas condições clínicas do paciente não permitiam a realização de biópsia pulmonar. Pneumonia em organização deve ser diagnóstico diferencial em pacientes com aparente pneumonia de evolução desfavorável ao tratamento antimicrobiano.
Descritores: Pneumonia em organização criptogênica; Insuficiência respiratória; Toxicidade de drogas; Doenças pulmonares intersticiais; Linfoma não Hodgkin/quimioterapia; Tomografia computadorizada por raios X; Relatos de casos
INTRODUÇÃO
A insuficiência respiratória aguda secundária a doenças difusas do parênquima pulmonar é uma condição grave e de alta mortalidade, que requer diagnóstico etiológico e tratamento específico precoces. Nesse aspecto, é um grande desafio da prática clínica, pois as hipóteses diagnósticas são múltiplas, como doenças infecciosas, embolia pulmonar, pneumonia em organização (PO), pneumonia intersticial aguda, hemorragia alveolar, pneumonia eosinofílica e pneumonite actínica, entre outras.(1)
As doenças infecciosas, geralmente, são as primeiras a serem lembradas, pois constituem a etiologia mais comum. Porém, as causas não infecciosas também são frequentes e devem ser avaliadas, especialmente nos casos com apresentação e evolução atípicas.(2)
O presente artigo relata um caso de insuficiência respiratória aguda secundária à PO associada ao tratamento quimioterápico para linfoma não Hodgkin.
CASO CLÍNICO
Homem, 37 anos, procedente de Brasília (DF), admitido na unidade de terapia intensiva (UTI) com quadro de tosse seca há 4 dias, associada a febre (38,5ºC) e dispneia progressiva. Estava em uso de terapia antineoplásica para linfoma não Hodgkin com ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina, prednisona e rituximabe, tendo realizado a última sessão há 6 dias. Não possuía história de tabagismo, doença pulmonar prévia e exposição ocupacional ou ambiental. Ao exame físico, encontrava-se taquicárdico (115 batimentos por minuto), normotenso (115/68 mmHg), taquipneico (28 incursões respiratórias por minuto) e com crepitações difusas na ausculta pulmonar. Exames laboratoriais mostravam leucopenia (3.100 leucócitos/mm³ com 18% de bastões e 48% de segmentados), desidrogenase lática de 273 U/L e proteína C-reativa ultrassensível de 2,33 mg/dL. Gasometria do sangue arterial mostrava pressão de oxigênio (PaO2) de 44 mmHg e saturação de oxigênio (SaO2) de 82%. Após administração de oxigênio suplementar por meio de máscara de Venturi com fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 50%, apresentava PaO2 de 62mmHg e SaO2 de 90%. Tomografia computadorizada (TC) de tórax indicava extensas opacidades pulmonares, assumindo aspecto predominantemente em "vidro fosco", com acometimento bilateral difuso (Figura 1).
Optou-se, inicialmente, pela instituição de ventilação mecânica não invasiva e antibioticoterapia empírica de amplo espectro (piperacilina/tazobactam, claritromicina, trimetropim/sulfametoxazol e linezolida).
No segundo dia de internação, evoluiu com piora da mecânica respiratória e das trocas gasosas, com queda da SaO2, sendo optado por intubação orotraqueal (IOT) e instituição de ventilação mecânica invasiva (VMI) com estratégia protetora. No 6º dia de internação, apresentou melhora das trocas gasosas e da mecânica respiratória, sendo extubado após realização de teste de ventilação espontânea.
No entanto, no 10º quinto dia de internação houve nova piora respiratória, sendo realizada nova IOT e submetido a VMI. Apresentou ainda instabilidade hemodinâmica, quando foi iniciada noradrenalina. Leucometria encontrava-se em valores normais e a relação PaO2/FiO2 era de 69. Hemocultura, urocultura e cultura do lavado broncoalveolar foram negativas, assim como a pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR).
Ao 19º dia após a admissão, encontrava-se com relação PaO2/FiO2 de 74 e PaCO2 de 88 mmHg em VMI com pressão positiva expiratória final (PEEP) de 15 cmH2O e insuflação traqueal de gás a 6 L/min. Nesse momento, foi aventada a hipótese diagnóstica de PO e iniciada pulsoterapia com metilprednisolona (1 g por dia, por 5 dias) e mantido o uso da claritromicina (500 mg, duas vezes ao dia).
Ao término da pulsoterapia (23º dia), o paciente apresentava relação PaO2/FiO2 de 116. TC de tórax do 25º dia de internação mostrava grande redução das opacidades pulmonares em "vidro fosco" (Figura 2).
Foi realizada traqueostomia no 27º dia de internação e, no 31º dia, o paciente foi retirado da ventilação mecânica, quando apresentava relação PaO2/FiO2 de 402. Recebeu alta da UTI no 42º dia de internação e teve alta hospitalar após 8 dias. Em TC de tórax de controle terapêutico à alta hospitalar, ainda apresentava opacidades pulmonares em consolidação em "vidro fosco" bilateralmente, mais acentuadas nos segmentos basais posteriores e laterais dos lobos inferiores, no entanto, com significativa redução da extensão das opacidades pulmonares (Figura 3). Manteve acompanhamento ambulatorial, tendo feito uso de corticoterapia com predinisona 60 mg por dia por mais 6 meses.
DISCUSSÃO
A PO é uma entidade clínica que pode ser criptogênica (anteriormente denominada bronquiolite obliterante com PO ou BOOP, do termo inglês bronchiolitis obliterans organising pneumonia) ou secundária a doenças do tecido conjuntivo, infecções, radioterapia, aspiração, drogas e neoplasias, entre outras causas.(3-7) Essa classificação é essencial, pois o tratamento da doença de base ou a suspensão do contato com o fator agressor é extremamente importante no tratamento da PO secundária.
PO é considerada uma doença rara, com incidência de 1,96/100 mil, porém o número de casos tem aumentado nos últimos 20 anos, atingindo, principalmente, adultos na quarta e quinta décadas de vida, sem predomínio entre os gêneros. A mortalidade nos estudos tem variado de 5 a 27% e, aparentemente, é mais elevada na PO secundária.(5-8)
O padrão histopatológico característico é determinado pela proliferação excessiva de tecido de granulação nas vias aéreas terminais e ductos alveolares, caracterizada pelo preenchimento intraluminal irregular dos alvéolos e bronquíolos respiratórios por tampões soltos de tecidos de granulação (corpos de Masson) e predomínio de processo inflamatório alveolar em relação à doença de pequenas vias aéreas (bronquiolite).(4,6)
Os sintomas são inespecíficos e geralmente evoluem de forma subaguda ou crônica, apresentando quadro clínico semelhante ao da pneumonia adquirida na comunidade (PAC), fato que costuma retardar o diagnóstico e o tratamento. O uso de antibioticoterapia para o tratamento empírico de infecção é ineficaz,(3-6) embora macrolídeos sejam utilizados no tratamento de casos com sintomas leves ou como tratamento adjuvante devido a suas propriedades imunomoduladoras.(9,10) A doença geralmente desenvolve-se após um pródromo, no qual o paciente apresenta sintomas semelhantes aos da gripe: febre, fadiga, tosse seca e dispneia. Tipicamente, o diagnóstico não é suspeitado nas primeiras 4 a 10 semanas. O exame físico não é específico e crepitações inspiratórias ocorrem em dois terços dos casos, sendo mais comumente na PO secundária.(3-6)
Os achados radiológicos também não são específicos, o que leva à indicação de biópsia pulmonar para confirmação diagnóstica. Em estudo recente realizado por Drakopanagiotakis et al.,(6) consolidação foi observada em 82% dos pacientes na radiografia de tórax, sendo bilateral em 68,8% dos casos e podendo assumir padrão migratório. Na TC de tórax de alta resolução, a densidade do infiltrado alveolar pode variar de "vidro fosco" até consolidação, que pode ser de poucos centímetros até o comprometimento completo de um lobo pulmonar, ou assumir aspecto de nódulos ou massas, com broncograma aéreo em algumas ocasiões. Esse infiltrado alveolar é predominante periférico, mas pode apresentar, com menor frequência, localização peribroncovascular (padrão broncocêntrico).(7)
Casos de regressão espontânea são raros e, ocasionalmente, a PO evolui de forma rápida e progressiva, como no caso apresentado neste artigo, levando à insuficiência respiratória aguda. Dependendo da extensão das lesões, alguns pacientes preenchem os critérios clínicos para diagnóstico de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), embora o padrão histológico seja diferente, não ocorrendo dano alveolar difuso característico da SDRA. Nesses casos, sua suspeição diagnóstica é muito importante, por geralmente responder bem ao tratamento de pulsoterapia com metilprednisolona (125 a 250 mg, a cada 6 horas), que é administrada por 3 a 5 dias, seguida de corticoterapia oral com prednisona (1 a 1,5 mg/kg de peso ao dia) por 4 a 8 semanas.(10) A resposta clínica geralmente é rápida, precedendo a melhora radiológica, que pode levar meses. Acima de 80% dos pacientes respondem a corticoterapia, porém alguns estudos sugerem que a PO secundária apresenta pior prognóstico. Em alguns pacientes que não melhoram com o uso de corticosteroide, a associação de imunossupressores pode apresentar bons resultados.(6,7,10) Usualmente, a corticoterapia é suspensa em 3 a 6 meses, porém recaídas são comuns (13 a 58%), sendo mais frequentes em pacientes que apresentavam hipoxemia, infiltrado alveolar difuso, tabagismo e PO secundária.(5,6)
Em relação ao caso relatado neste estudo, vale ressaltar que o pulmão é um órgão frequentemente acometido por lesões decorrentes de reações adversas a drogas antineoplásicas. Essas lesões podem se manifestar por uma grande variedade de síndromes clínicas, sendo a PO uma dessas entidades. Entre as drogas utilizadas no tratamento antineoplásico desse paciente, ciclofosfamida, doxorrubicina e rituximabe já foram relatadas como causadoras de PO.(11-13)
Uma limitação do presente relato foi o fato de não ter sido realizado exame histiolopatológico para confirmação diagnóstica. A gravidade do quadro clínico, com evolução desfavorável após o tratamento inicial e o risco elevado para realização de procedimento cirúrgico, associados ao padrão das lesões na TC de tórax e à história de exposição a drogas que sabidamente estão relacionadas ao desenvolvimento de PO secundária, levaram à decisão para tratamento de PO com pulsoterapia com metilpredinisolona. Porém, é importante salientar que essa terapia possui alto risco de complicações. Ademais, a biópsia pulmonar cirúrgica (por toracoscopia ou a céu aberto) continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico de PO(3,6) e, na ausência de contraindicações, esse procedimento está indicado previamente a introdução da corticoterapia.
PO é uma doença que vem aumentando sua incidência nos últimos anos e pode evoluir ocasionalmente com insuficiência respiratória aguda. Por apresentar quadro clínico semelhante ao da PAC, seu diagnóstico é difícil, porém uma avaliação minuciosa da história clínica, especialmente em relação à exposição a drogas causadoras de PO secundária pode auxiliar na suspeição diagnóstica.
CONCLUSÃO
Em pacientes com aparente pneumonia de evolução desfavorável ao tratamento antimicrobiano, especialmente em casos de insuficiência respiratória aguda, a possibilidade de PO deve ser lembrada.
REFERÊNCIAS
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2. Monteiro AS, Addor G, Nigri DH, Franco CA. Biópsia pulmonar a céu aberto em pacientes sob ventilação mecânica e com infiltrado pulmonar difuso. J Bras Pneumol. 2005;31(3):212-8. [ Links ]
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5. Drakopanagiotakis F, Polychronopoulos V, Judson MA. Organizing pneumonia. Am J Med Sci. 2008;335(1):34-9. Review. [ Links ]
6. Drakopanagiotakis F, Paschalaki K, Abu-Hijleh M, Aswad B, Karagianidis N, Kastanakis E, et al. Cryptogenic and secondary organizing pneumonia: clinical presentation, radiographic findings, treatment response, and prognosis. Chest. 2011;139(4):893-900. [ Links ]
7. Cordier JF. Cryptogenic organising pneumonia. Eur Respir J. 2006;28(2):422-46. Review. [ Links ]
8. Gudmundsson G, Sveinsson O, Isaksson HJ, Jonsson S, Frodadottir H, Aspelund T. Epidemiology of organising pneumonia in Iceland. Thorax. 2006;61(9):805-8. [ Links ]
9. Stover DE, Mangino D. Macrolides: a treatment alternative for bronchiolitis obliterans organizing pneumonia? Chest. 2005;128(5):3611-7 [ Links ]
10. Epler GR. Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia, 25 years: a variety of causes, but what are the treatment options? Expert Rev Respir Med. 2011;5(3):353-61. [ Links ]
11. Maldonato F, Limper AH, Jett JR. Pulmonary toxicity associated with systemic antineoplastic therapy: Clinical presentation, diagnosis, and treatment. Uptodate.com [Internet]. 2012 [cited 2012 Nov 16; last updated: Mar 29, 2012]. Available from: http://www.uptodate.com/contents/pulmonary-toxicity-associated-with-systemic-antineoplastic-therapy-clinical-presentation-diagnosis-and-treatment [ Links ]
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Autor correspondente:
Fábio Ferreira Amorim
Coordenação de Pesquisa e Comunicação Científica
SMHN Quadra 03, conjunto A, Bloco 1, Edifício FEPECS
CEP: 70710-907 - Brasília (DF), Brasil
E-mail: ffamorim@gmail.com
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