quinta-feira, 17 de julho de 2014

Tratamento cirúrgico do linfoma gástrico primário



Surgical treatment of primary gastric lymphoma


Jaques Waisberg, TCBC-SPISansom Henrique Bromberg, ACBC-SPII; Simone Moraes StephaniIII; Maria Isete Fares FrancoIV; Antônio Cláudio de GodoyV; Fábio Schmidt Goffi, ECBC-SPVI
IEncarregado da Seção de Diagnóstico e Terapêutica
IIVice-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia Cirúrgica do IAMSPE
IIIPós-graduada. Área de Gastroenterologia Cirúrgica. IAMSPE
IVAssistente do Serviço de Anatomia Patológica
VDiretor de Serviço de Gastroenterologia Cirúrgica
VIDiretor da Divisão de Ensino e Pesquisa do HSPE-IAMSPE. Coordenador de Pós-graduação



RESUMO
OBJETIVO: o objetivo deste estudo retrospectivo foi analisar os resultados de 25 doentes com linfoma gástrico primário operados com intenção curativa.
MÉTODO: os dados foram obtidos pela revisão dos prontuários e contato com os doentes ou familiares. A doença foi estadiada pelo sistema Ann Arbor modificado por Musshoff e Schmidt-Vollmer e a classificação histológica utilizada foi o sistema de Kiel. O esquema de radioterapia utilizado foi o CHOP e a radioterapia aplicada foi de 2000 a 4000 cGy.
RESULTADOS: os sintomas e sinais clínicos assemelhavam-se aos da doença péptica ulcerosa ou do carcinoma gástrico Obteve-se o diagnóstico pré-operatório pela biópsia endoscópica em três casos e a exploração cirúrgica foi necessária para o diagnóstico nos restantes. No pré-operatório, sete doentes (30,4%) foram submetidos ao mielograma, que foi normal. Todos os pacientes foram submetidos à ressecção (12 gastrectomias subtotais e 13 gastrectomias totais) com retirada dos linfonodos regionais. Dez doentes (40%) receberam tratamento complementar (quimioterapia e/ou radioterapia). O estadiamento foi significativamente mais avançado nas lesões fundocárdicas e nos mais idosos e a sobrevida média foi de 31,5 meses.
CONCLUSÕES: nesta série, as variáveis que influenciaram significativamente os índices de sobrevida foram a idade e o estádio avançados, o tamanho da lesão maior que 6,0cm e a realização do tratamento adjuvante pós-operatório (p< 0,05). Estes resultados sugerem que a ressecção completa da lesão com linfonodos adjacentes, acompanhada de tratamento adjuvante, constitui a melhor abordagem do linfoma gástrico primário ressecável.
Descritores: Linfoma; Linfoma não-Hodgkin; Neoplasias gástricas.

ABSTRACT
BACKGROUND: we analyzed the results from 25 patients with primary gastric lymphoma operated with curative intention.
METHODS: Data were obtained retrospective ly and by contacting patients or theirs relatives. The disease was staged using the Ann Arbor system for non-Hodgkin's lymphoma, as modified by Musshoff and Schmidt-Vollmer, and classified according to Kiel's system.
RESULTS: The signs and symptoms were similar to those of peptic ulcer disease or gastric carcinoma. Preoperative diagnosis was obtained by endoscopic biopsy in three cases and by surgical exploration in the remaining. Seven patients (28%) were submitted to myelograms, which were normal in all cases. All patients were submitted to resection (12 subtotal gastrectomies and 13 total gastrectomies) with removal of regional lymph nodes. Ten of them (40%) received complementary treatment (chemotherapy and/or radiotherapy). The staging was significantly more advanced in fundocardiac lesions and in more elderly patients, and the average survival was 31.5 months.
CONCLUSIONS: in this series, the variables that influenced significantly survival rate were age, advanced stage, size of the lesion higher than 6,0 cm, and adjuvant postoperative treatment (p< 0,05). These results suggest that complete resection of the lesion with the adjacent lymph nodes, accompanied by adjuvant treatment, constitutes the best approach to resectable primary gastric lymphoma.
Key words: Lymphoma; Lymphoma non-Hodgkin; Stomach neoplasms.



INTRODUÇÃO
O linfoma gástrico primário (LGP) é afecção rara1,2 representando cerca de 1 a 10% de todas as neoplasias gástricas malignas nos países ocidentais, onde a sua incidência vem aumentando nas últimas duas décadas.1,3
Ainda não existe consenso em relação a melhor forma de seu tratamento: ressecção,4,5 radioterapia,6quimioterapia,7,8 isoladas ou combinadas. Esta multiplicidade de condutas deve-se à relativa raridade destes tumores e à conseqüente dificuldade de uma única instituição acumular grande número de doentes para a comparação de protocolos terapêuticos. Além disso, o emprego de diferentes modelos de estadiamento e de classificação histopatológica dificulta sobremaneira a análise dos resultados do tratamento.9
Poucos foram os trabalhos nacionais que analisaram aspectos ligados à terapêutica cirúrgica dessas neoplasias.10,11,12
O principal objetivo deste estudo foi analisar os aspectos clínicos e patológicos dos portadores de LGP submetidos ao tratamento cirúrgico com intenção curativa.

MÉTODO
Trinta e cinco doentes com LGP documentado por exame histopatológico foram tratados no Serviço de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital do Servidor Público Estadual de S. Paulo no período de 31 anos (1968 a 1999). Seis deles não foram submetidos a tratamento cirúrgico devido à presença de doenças associadas e outros quatro foram operados com procedimentos paliativos. Assim, os dados desta casuística representam o estudo retrospectivo de 25 doentes submetidos ao tratamento cirúrgico considerado adequado, associado ou não à quimioterapia e/ou radioterapia pós-operatórias. O termo "adequado" implicou a ausência macroscópica de doença residual no final do procedimento cirúrgico. Os dados foram obtidos pela revisão dos prontuários hospitalares, por entrevistas ambulatoriais com os doentes ou por telefone com familiares. Complicações pós-operatórias foram definidas como as ocorridas até 30 dias após a intervenção. A sobrevida foi calculada a partir do momento do diagnóstico histológico até o último seguimento ou óbito
Quinze enfermos eram do sexo masculino (60%) e dez do feminino (40%), resultando numa proporção homem/mulher de 1,5:1. A média de idade dos enfermos estudados foi 61,5 anos (40 a 83 anos) (Tabela1). Todos os doentes eram brancos.
A doença foi estadiada pelo sistema Ann Arbor para linfomas não-Hodgkin modificado por Musshoff e Schmidt-Vollmer.13 O estadiamento baseou-se nos achados do exame físico, endoscopia e respectiva biópsia, laparotomia, biópsia da medula óssea, radiografias contrastadas, ultra-sonografia, tomografia computadorizada e exame anatomopatológico do produto da ressecção cirúrgica. Cada neoplasia foi classificada como primária de acordo com os critérios estabelecidos por Dawson et al.14: ausência de linfadenopatia superficial palpável na apresentação clínica inicial; ausência de envolvimento linfonodal mediastinal nas radiografias do tórax; leucometria total e diferencial com valores normais; lesão predominantemente gástrica, somente com linfonodos regionais comprometidos; ausência de tumor no fígado e no baço, exceto por extensão direta.
As lâminas originais foram revistas pela patologista (M.I.F.F.) e sempre que necessário, foram processados novos cortes dos blocos parafinados. Os linfomas foram classificados histologicamente segundo o sistema de Kiel.15
Nos casos ressecados, a extensão da extirpação variou na dependência da localização da lesão gástrica, realizando-se gastrectomia subtotal, total ou total ampliada (associada à esplenectomia e pancreatectomia caudal).
O esquema de quimioterapia (QT) indicado em todos os enfermos para controle da doença residual microscópica, foi o CHOP (ciclofosfamida 750mg/m2, doxorubicina 50mg/m2, vincristina1,4mg/ dados por via intravenosa e prednisona 60mg/moral nos dias 1 a 5). Este regime foi repetido cada 21 dias. A radioterapia (RDTP), quando aplicada, foi na dose padrão de 2000 a 4000 cGy.
A análise estatística dos dados obtidos foi realizada utilizando-se o teste do qui-quadrado corrigido por Yates. Todos os doentes elegidos foram incluídos na comparação das variáveis. Adotou-se o nível de significância de 0,05. Níveis descritivos (p) inferiores a este valor foram considerados significativos. As curvas de sobrevida atuarial, plotadas em intervalos de seis meses até cinco anos do diagnóstico, foram calculadas de acordo com o método de Kaplan-Meier.

RESULTADOS
Os sintomas mais freqüentes foram epigastralgia (72%) e emagrecimento (64%) com perda ponderal média de 7,2kg, seguidos por astenia (32%), vômitos (28%) e hemorragia digestiva alta (28%). Os principais achados do exame físico foram anemia (20%) e massa abdominal palpável (20%).
Vinte e dois doentes (88%) foram submetidos à gastroscopia (média de 1,45 exame por doente) e à biópsia endoscópica. Esta revelou a presença de linfoma em três casos (12%); em outros sete doentes (28%), o diagnóstico da biópsia endoscópica foi de "carcinoma" e em três enfermos (12%) houve suspeita da presença de neoplasia. Nos nove doentes (36%) restantes, o estudo histopatológico concluiu por "gastrite crônica", apesar do aspecto endoscópico da lesão sugerir malignidade. Três doentes não submetidos à gastroscopia tiveram o diagnóstico de neoplasia gástrica realizado por estudo contrastado do estômago.
No pré-operatório, sete doentes (28%) foram submetidos ao mielograma, que foi normal. O estudo baritado do trato digestivo alto foi realizado em seis enfermos (24%) e mostrou-se alterado em todos. Dezessete doentes (68%) foram examinados pela tomografia computadorizada que revelou espessamento da parede gástrica em todos, sem outras anormalidades. Vinte e dois enfermos (88%) tiveram seu diagnóstico definitivo esclarecido por estudo histopatológico do produto da ressecção gástrica.
O tempo médio decorrido entre o início dos sintomas e o tratamento cirúrgico foi de 7,8 meses (um a 24 meses). Todos os doentes foram submetidos à ressecção gástrica com retirada dos linfonodos regionais: 12 submetidos à gastrectomia subtotal e 13 à total (Tabela 1) sendo oito do tipo ampliado. Treze enfermos (52%) apresentaram uma ou mais das seguintes complicações pós-operatórias: fístula anastomótica (cinco casos), broncopneumonia (quatro casos), sepse (dois casos), estenose da anastomose esôfago-jejunal (dois casos) e suboclusão intestinal (dois casos). Peritonite, abscesso subfrênico, empiema pleural, insuficiência renal aguda, insuficiência respiratória aguda e obstrução intestinal foram complicações isoladas. Sete enfermos (36%) faleceram devido a complicações pós-operatórias: fístula anastomótica em cinco, choque séptico em dois, peritonite e broncopneumonia em um doente cada.
A lesão situava-se no corpo gástrico em 13 doentes (52%), no antro em nove (36%) e na cárdia em três deles (12%) (Tabela 1). Cerca de 66,6% dos doentes com lesões antrais apresentaram sobrevida de cinco anos em contraste com 31,2% dos enfermos com lesões localizadas no corpo e cárdia. As lesões situadas mais proximalmente no estômago (cárdia e corpo) apresentaram dimensões maiores do que aquelas localizadas mais distalmente (antro). Não se obteve correlação significativa entre a localização do LGP e o estadiamento, embora houvesse forte tendência das lesões mais proximais atingirem estádios mais avançados (p=0,058). Porém, quando comparamos o estádio mais inicial (IE) com a localização da lesão, observamos sua correlação significativamente maior com a localização antral do LGP (p= 0,01).
A dimensão média da lesão gástrica no seu maior eixo foi de 6,0cm (Tabela 1). Doentes com lesões menores de 6,0cm apresentaram sobrevida de 36,6 meses, enquanto a dos maiores que 6,0cm foi de 23,8 meses (p<0,05).
A lesão era única em 16 (64%) e múltipla (duas ou mais lesões) em nove doentes (36%). As lesões múltiplas foram significativamente mais profundas na parede gástrica do que as únicas (p< 0,05). A sobrevida de cinco anos não foi influenciada pelo número de lesões únicas ou múltiplas, que foi de 41,2% e 44,4%, respectivamente. Lesões maiores que 6,0cm geralmente eram únicas, ao passo que as menores eram múltiplas (p= 0,04).
O aspecto macroscópico predominante da neoplasia foi o ulcerativo em 12 casos (48%), seguido do ulcerativo-infiltrativo em oito doentes (32%), ulcerativo-vegetante em quatro enfermos (16%) e infiltrativo em um caso (4%).
Nos estômagos ressecados, a neoplasia infiltrava a túnica muscular própria em oito casos (32%), a serosa em dez doentes (40%) e ultrapassava-a em sete enfermos (28 %) (Tabela 2). Sete doentes (38,9%) com lesão confinada gástrica tiveram sobrevida maior do que cinco anos, ao passo que quatro enfermos (57,1%) com doença que ultrapassava a serosa atingiram sobrevida maior do que cinco anos. Quanto maior a profundidade da lesão, mais avançado foi o estadiamento (p= 0,02).
A margem cirúrgica estava comprometida em quatro doentes (16%), o que não influenciou significativamente a sobrevida dos mesmos.
Dez doentes (40%) apresentaram linfonodos comprometidos pela neoplasia (Tabela 2). Nove doentes com linfonodos livres tiveram sobrevida maior do que cinco anos, ao passo que apenas dois enfermos com linfonodos positivos atingiram esta sobrevida. Houve correlação significativa entre o comprometimento dos linfonodos das cadeias perigástricas e/ou extragástricas e a idade mais avançada dos enfermos. O comprometimento linfonodal foi significativamente maior nas lesões fúndicas e cárdicas do que naquelas situadas no antro (p= 0,0579).
De acordo com a classificação de Kiel, o tipo histológico mais freqüente foi o centroblástico em sete doentes (28%), seguido pelo tipo linfocítico em quatro (16%), centrocítico centroblástico difuso em quatro (16%), linfoplasmocítico citóide em quatro (16%), centrocítico de grandes células em três (12%) e imunoblástico em dois (8%) (Tabela 2). Quinze doentes (60%) apresentaram LGP de baixo grau enquanto que outros dez (40%) exibiram LGP de alto grau. O tipo e o grau histológicos não influenciaram significativamente a sobrevida.
Treze doentes (52%) foram classificados no estádio IE, seis (24%) no estádio IV , três (12%) no estádio IIE2 e três (12%) no estádio IIE1 (Tabela 2). O estadiamento foi tanto mais avançado quanto mais proximal a lesão, porém sem atingir significância estatística, ao passo que as dimensões mais avantajadas da lesão correlacionaram-se significativamente com os estádios mais avançados (p=0,024). Os doentes com estádios mais precoces da doença (IE/IIE1) apresentaram sobrevida significativamente maior do que os enfermos com estádios mais avançados da doença (IIE2/IV) (p< 0,05).
Dez doentes (40%), todos nos estádios IE ou IIE1, foram submetidos a tratamento adjuvante pós-operatório: oito deles receberam exclusivamente quimioterapia, um exclusivamente radioterapia e outro recebeu quimioterapia e radioterapia (Tabela 1). Os doentes que receberam tratamento adjuvante tiveram sobrevida maior do que os que não receberam esta terapêutica (p= 0,03). Os motivos pelos quais os demais 15 doentes não receberam tratamento complementar foram condição clínica desfavorável (dez casos) ou recusa ( cinco casos).
Três doentes (12%) apresentaram recidiva, diagnosticada por exames de imagem: um deles (caso 4) teve recidiva hepática e faleceu quatro meses após a ressecção do LGP; outro (caso 1) apresentou recidiva nos linfonodos pré-aórticos falecendo cinco meses após a operação inicial e o terceiro doente (caso 11) apresentou disseminação peritoneal após três anos da ressecção gástrica e faleceu. Dois destes doentes (casos 1 e 4) foram classificados inicialmente no estádio IV e outro (caso 11) no estádio II1E; apenas um recebeu tratamento complementar (caso 11) (Tabelas 1 e 2).
A sobrevida média foi de 29,2 meses e foi significativamente menor para os doentes mais idosos (p=0,038). Dos 11 doentes (44%) que alcançaram sobrevida de cinco anos (Tabela 2) (Figura 1), nove deles (36%) apresentavam linfonodos regionais não comprometidos e doença confinada ao estômago. Oito deles (32%) receberam tratamento adjuvante: seis foram submetidos à quimioterapia exclusiva, um recebeu somente radioterapia e outro recebeu quimioterapia e radioterapia.

DISCUSSÃO
O estômago é o local mais freqüentemente acometido pelos linfomas extranodais primários do trato gastrintestinal, respondendo por cerca de 65 a 75% dos casos.1,16,17
Sua incidência é maior na sétima década de vida,1,9 fato também constatado na presente série, onde a média de idade foi de 61,5 anos. Observamos a proporção de 1,5:1 a favor do sexo masculino, semelhante ao descrito na literatura.1,4
Acredita-se que o LGP tenha origem nos folículos linfóides da região subepitelial do estômago cuja proliferação celular produziria espessamento da parede e proeminência das pregas gástricas.18,19 Diversos autores apontaram a participação do Helicobacter pylori (H.pylori)na etiopatogênese do LGP; sua presença pode causar gastrite crônica ou úlceras gástricas, além de estimular o acúmulo de tecido linfóide organizado no estômago, cujos linfócitos colonizariam a submucosa gástrica e sofreriam transformação neoplásica propiciando o aparecimento de linfomas de células B tipo MALT (mucosa-associated lymphoid tissue).18,19 O encontro de H. pylori na parede gástrica em linfomas tipo MALT é elevado, atingindo cerca de 92,3%.20
A localização mais freqüente do LPG é na região do corpo, seguida do antro e mais raramente na cárdia.21 Em nossa casuística também predominou a localização corpórea da lesão (52,1%), seguida da antral (39,1%), sendo a cárdia envolvido apenas duas vezes (8,7%).
O comprometimento dos linfonodos perigástricos e/ou extragástricos na presente casuística ocorreu em 34,8% dos casos, semelhante ao descrito em outros estudos que apontaram cerca de 32% a 55% de comprometimento linfonodal.9, 21
Não há sintomas, sinais ou anormalidades laboratoriais específicos da doença. No LGP de grau histológico baixo, freqüentemente o doente recebe tratamento para doença péptica antes que o diagnóstico correto seja estabelecido. 22 Já as manifestações clínicas do LGP de alto grau histológico podem ser semelhantes às do carcinoma gástrico: dor abdominal, perda de peso e anemia. Habitualmente, a lesão não estreita o lume gástrico nem interfere com a peristalse do órgão devido à reação desmoplásica pouco intensa que provoca.6 Na presente série, o tempo médio entre o início dos sintomas e o procedimento cirúrgico foi de 8,2 meses; o quadro clínico dominante foi representado por epigastralgia e emagrecimento em mais da metade dos doentes.
O sangramento não é freqüente e a perfuração gástrica rara, embora possam participar do quadro inicial.9,23 No presente estudo, o sangramento foi notado em 33,3% dos enfermos, sem que houvesse necessidade de transfusão sangüínea e nenhum doente apresentou perfuração gástrica, quer na apresentação inicial, quer durante o tratamento adjuvante.
A endoscopia com múltiplas biópsias é a mais específica, acurada e útil modalidade de diagnóstico na detecção do LGP.24,25 O aspecto das lesões é variável, pois a neoplasia apresenta-se plana, polipóide, ulcerada, vegetante ou infiltrativa.25,26 Os achados típicos são de lesão única ou múltipla, de grandes dimensões, de aspecto irregular e extensa infiltração na parede gástrica,24 com dobras mucosas elevadas e espessadas. Neste estudo predominaram as lesões únicas (64%) e ulceradas (48%).
No LGP, a positividade da biópsia endoscópica varia de 33,3% a 100% na dependência da obtenção de fragmentos múltiplos e profundos e ao uso de lavados para estudo citológico.17 Três fatores contribuem para a negatividade da biópsia endoscópica: a localização submucosa da lesão, a presença de material necrótico e a dificuldade no diagnóstico diferencial entre linfoma e carcinoma anaplásico, quando pequenas quantidades de tecido são disponíveis nas amostras colhidas.17,25 Na presente série, provavelmente tais fatores contribuíram para a baixa positividade (12%) do diagnóstico endoscópico pré-operatório.
O diagnóstico diferencial do LGP inclui o carcinoma ulcerado ou esquirroso, úlcera péptica, gastrites, pregas gástricas hipertróficas e doença de Menetrier.
Embora existam relatos com altas taxas de sobrevida de longo prazo utilizando radioterapia (RDTP)6 e quimioterapia (QT) exclusivas,7,8,27 a maioria dos estudos indica o tratamento cirúrgico para o LGP1,4,5 que pode ser curativo em mais de 50% dos casos. Além disso, o procedimento cirúrgico é capaz de obter amostras maiores para o diagnóstico histológico, reduzir o risco de hemorragias e/ou perfurações da parede gástrica durante tratamento por QT ou RDTP de tumores não removidos, estabelecer estadiamento mais acurado, possibilitar a remoção de lesões antes do início da radioterapia e/ou quimioterapia potencializando o seu sucesso, provocar rápido alívio dos sintomas e oferecer a possibilidade de cura para tumores localizados (estádio IE) sem a necessidade de tratamento adjuvante.5,16, 21,24
A ressecção gástrica curativa, incluindo linfonodos regionais e estruturas adjacentes invadidas, oferece ao doente melhor oportunidade de cura quando comparada às ressecções paliativas ou simples biópsias. Nas lesões proximais, deve-se incluir o baço na ressecção, devido a presumível alta incidência de metástases nos linfonodos esplênicos. Nas lesões distais, não há necessidade de sua extirpação, caso não esteja grosseiramente comprometido. A extensão da ressecção cirúrgica deve ser a da gastrectomia total ou subtotal com dissecção padrão R2.5,9 No presente estudo, nove doentes (36%) faleceram em decorrência de complicações pós-operatória, incidência mais elevada do que a citada em outro estudo (14,2%)21 e cujas razões não puderam ser totalmente esclarecidas.
Quando a extirpação completa da massa linfomatosa não for exeqüível, sugere-se a cirurgia citorredutora devido às dificuldades no tratamento pela RDTP e QT de lesões volumosas e ao risco de sangramento gastrintestinal e perfuração.6,9 Quando o mielograma mostrar-se positivo, a terapia sistêmica deverá ser inicialmente indicada.
A QT pós-extirpação cirúrgica visa erradicar doença residual microscópica, diminuindo a recidiva e melhorando a sobrevida dos doentes, podendo, ainda, ser utilizada como tratamento primário nas lesões irressecáveis.7,8Embora haja controvérsias sobre esquema quimioterápico mais eficiente, resultado de estudo multicêntrico mostrou ser o CHOP e suas variações a terapêutica de escolha. 7
O emprego da radioterapia no tratamento do LGP permanece controverso devido à ausência de estudos randomizados e prospectivos para avaliar sua eficácia, especialmente como tratamento isolado. A radioterapia direcionada para o leito gástrico e para os linfonodos para-aórticos foi relatada como benéfica para enfermos com linfonodos comprometidos e doença localmente avançada ou irressecável.6,16
Nos casos de ressecção com intenção curativa, para o controle da doença residual microscópica, indicamos o tratamento complementar pós-operatório. Na casuística deste estudo, os dez doentes que receberam tratamento quimioterápico e/ou radioterápico pós-operatório apresentaram sobrevida significativamente maior do que os que não a receberam. Entretanto, todos exibiam estadiamento inicial (IE e IIE1), o que pode ter constituído viés de seleção.
A terapêutica medicamentosa para o H.pylori vem sendo indicada no LGP tipo MALT, porém quando a lesão invade a submucosa, a regressão não pode ser completa.18,19 A erradicação do H.pylori resultaria na perda de tecido reativo linfóide gástrico, embora Genta18 tenha mostrado persistência de folículos linfóides por mais de um ano após a erradicação do microrganismo. Diversos autores sustentam que, dada a natureza indolente do linfoma de baixo grau e o aparente sucesso da regressão com a erradicação do agente microbiano, esta deveria ser a primeira linha de tratamento do LGP19,28 e os doentes não respondíveis ao tratamento medicamentoso do H.pylorie aqueles com LGP de alto grau deveriam ser submetidos à ressecção gástrica e, quando necessário, ao tratamento complementar.29 Não concordamos com tais condutas, já que as biópsias gástricas não podem assegurar a real extensão da lesão. Deste modo, indicamos o procedimento cirúrgico mesmo para os LGP de baixo grau histológico associado à presença do H.pylori.
O estádio da doença no momento do diagnóstico é importante fator prognóstico9,21. A presente série, ao lado de outras,2,4,9 demonstrou melhor prognóstico para doença localizada (estádio IE e IIE) se comparada com doença mais avançada (estádio IVE). A localização do tumor, seu tamanho maior do que 6,0cm, a penetração parietal e o grau histológico também foram apontados como fatores prognósticos.4,9,21,30 No presente estudo, a idade mais avançada, o tamanho maior que 6,0cm, a localização fundocárdica, o estadiamento mais avançado e a não realização do tratamento adjuvante foram parâmetros significativos de pior prognóstico.
O prognóstico de doentes com LGP é melhor que os com carcinoma gástrico10 que atingem cerca de 21 a 26% de sobrevida de cinco anos quando da ressecção curativa.9 No presente estudo, a sobrevida média foi de 29,2 meses e a sobrevida de cinco anos dos doentes submetidos à ressecção curativa, levando-se em conta todos os estádios, atingiu 48,5%, enquanto as descritas na literatura variaram de 43 a 57%.9,21 A taxa sobrevida de cinco anos nos doentes com LGP nos estádios IE e IIE atinge 52% a 93%1,4,6,9,21 e a por nós obtida foi de 61,1%.
Em nossa experiência, a exploração cirúrgica permitiu o estadiamento clínico-patológico acurado, a obtenção de material suficiente para classificação patológica e a ressecção das lesões limitadas ao estômago, linfonodos regionais e estruturas adjacentes não vitais. Os doentes com comprometimento da serosa ou dos linfonodos se beneficiarão com a ressecção gástrica associada à quimioterapia e/ou radioterapia adjuvantes pós-operatórias. Embora a presente série de doentes seja limitada, seus resultados sugerem ser a terapia combinada benéfica, mesmo nos LGP localizados. Assim, acreditamos que ressecção gástrica deve ser oferecida para todos os doentes com LGP sem comprometimento sistêmico.

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 Endereço para correspondência:
Dr. Jaques Waisberg
Rua das Figueiras 550/134 — B. Jardim
09080-300 — Santo André-SP
E-mail: jaqueswaisberg@uol.com.br

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