Juliane MorandoI; Marcos Augusto MauadII; Sérgio Costa FortierI; Flavia Zattar PiazeraI; Mair Pedro de SouzaII; Claudia OliveiraII; Clarisse MachadoII; Ederson MatosII; Wellington Moraes AzevedoII; Lisandro Lima RibeiroI; Elenaide Coutinho NunesI; Marco Antonio BitencourtI; Daniela Cariranha SetúbalI; Vaneuza Moreira FunkeI; Michel Michels de OliveiraI; Larissa Alessandra MedeirosI; Samir Kanaan NabhanI; Gisele LothI; Caroline Bonamim Santos SolaI; Adriana KoliskiI; Ricardo PasquiniI; José Zanis NetoI; Vergilio Antonio Rensi ColturatoII; Carmem Maria Sales BonfimI
IServiço de Transplante de Medula Óssea (TMO), Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba (PR), Brasil
IIServiço de Transplante de Medula Óssea, Hospital Amaral Carvalho, Jaú (SP), Brasil
IIServiço de Transplante de Medula Óssea, Hospital Amaral Carvalho, Jaú (SP), Brasil
RESUMO
O transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) é o tratamento de escolha para leucemias agudas de alto risco. Apesar da melhora na sobrevida destes pacientes, a recidiva continua sendo a maior causa de óbito pós-transplante de células-tronco hematopoéticas. O objetivo deste trabalho foi analisar os resultados dos transplantes realizados em crianças com leucemia aguda em duas instituições brasileiras. Realizou-se estudo retrospectivo de 208 pacientes transplantados entre 1990-2007. Mediana de idade: 9 anos; 119 pacientes com leucemia linfoide aguda (LLA) e 89 com leucemia mieloide aguda (LMA). Doença precoce: CR1 e CR2. Doença avançada: >CR3, doença refratária ou recidivada. Noventa pacientes vivos entre 258-6.068 dias (M:1.438), com sobrevida global (SG) de 45% (3 anos) e a sobrevida livre de recaída (SLR) 39% (três anos). 14/195 pacientes tiveram falha primária de pega (8%). Não houve diferença na sobrevida global e sobrevida livre de recaída entre pacientes com leucemia linfoide aguda e leucemia mieloide aguda, entre transplantes aparentados e não aparentados, tampouco entre as fontes de células utilizadas. O desenvolvimento da doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) aguda ou crônica também não influenciou a sobrevida global e sobrevida livre de recaída. Pacientes com leucemia linfoide aguda condicionados com irradiação corporal total (TBI) apresentaram melhor sobrevida global e sobrevida livre de recaída (p<0,001). Cento e dezoito pacientes morreram entre 1-1.654 dias pós-transplante de células-tronco hematopoéticas (M:160). Mortalidade relacionada a transplante (MRT) (dia+100): 16%. Incidência cumulativa de recaída: 40% (3 anos). Pacientes com doença avançada tiveram menor sobrevida global e sobrevida livre de recaída (três anos)(p<0,001). Na análise multivariada, o status da doença foi o principal fator associado ao aumento da sobrevida global e sobrevida livre de recaída. Nossos resultados mostram que é possível se atingir uma boa sobrevida para pacientes com doença precoce e também mostram a baixa eficácia naqueles com doença avançada.
Descritores: Transplante de células-tronco hematopoéticas; Leucemia mieloide aguda/terapia; Leucemia-linfoma linfoblástico de células precursoras; Doenças enxerto-hospedeiro; Transplante de medula óssea; Humanos; Criança; Pré-escolar; Adolescente
ABSTRACT
Hematopoietic Stem Cell transplantation (HSCT) is the treatment of choice for patients with high-risk leukemia. In spite of this, relapse remains a major cause of death of these patients. Our objective was to analyze the outcomes of patients with acute leukemia submitted to hematopoietic stem cell transplantation in two Brazilian institutions. A retrospective study of 208 patients transplanted between 1990 and 2007 with a median age of 9 years (range: 1-18 years) was made. One hundred and nineteen patients had acute lymphocytic leukemia (ALL) and 89 had acute myeloid leukemia (AML). Early disease was considered for CR1 and CR2 cases and advanced disease >CR3 and refractory and relapse disease. Ninety patients are alive between 258 and 6068 days after hematopoietic stem cell transplantation (M: 1438 days). The overall survival (OS) was 45% (3 years) and event free survival (EFS) was 39% (3 years). Primary graft failure occurred in 14/195 patients (8%). There were no differences in the overall survival and event free survival between patients with acute lymphocytic leukemia and acute myeloid leukemia, between sources of cells used or between those who developed acute or chronic graft-versus-host disease (GVHD). When comparing transplants from related and unrelated donors, there was no difference in the overall survival. Patients with acute lymphocytic leukemia receiving the total body irradiation (TBI) conditioning regimen had better overall survival and event free survival (p<0.001). One hundred and eighteen patients died between 0 and 1654 days after hematopoietic stem cell transplantation (M: 160 days). Transplantation-related-mortality (TRM) at D+100 was 16% and cumulative incidence of relapse was 40% (3 years). Patients with advanced disease had lower 3-year overall survival and event free survival (p<0.001). Multivariate analysis showed that disease status was the most significant factor associated with higher event free survival and overall survival . Our results show that children and adolescents transplanted with early disease can achieve considerable overall survival and also highlights the inefficacy of hematopoietic stem cell transplantation for patients with advanced disease.
Key words: Hematopoietic stem cell transplantation; Leukemia, Myeloid, Acute/therapy; Precursos cell lymphoblastic leukemia-lymphoma; Graft vs Host Disease; Bone marrow transplantation; Humans; Child, Preschool; Child; Adolescent
Introdução
As leucemias agudas são a neoplasia mais frequente na idade pediátrica, correspondendo a aproximadamente 30% dos cânceres em pacientes menores de 15 anos.(1) Apesar do elevado índice de remissão atingido nestes pacientes, 20% a 30% deles apresentam recaída, principalmente nos primeiros cinco anos após o tratamento.(2)Mesmo com os avanços atingidos nos esquemas de tratamento e nas medidas de suporte, a expectativa de sobrevida livre de doença ainda varia entre 35% a 60%.
O transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) permanece como melhor opção terapêutica para os pacientes com leucemia de alto risco ao diagnóstico e para a maioria daqueles que sofrem recaída.(3) Os resultados de diferentes estudos sugerem que o TCTH alogênico pode curar até 50% a 60% dos receptores, que não atingiriam tal resultado somente com quimioterapia.(4) Infelizmente, somente 30% dos pacientes com indicação de transplante têm um doador aparentado compatível, tornando-se necessária a busca de doadores alternativos.(5) Apesar do crescimento dos bancos de doadores voluntários e de sangue de cordão umbilical, a possibilidade de se encontrar um doador totalmente compatível para os pacientes brasileiros ainda não é grande e os transplantes realizados com incompatibilidades estão associados com um maior número de complicações, principalmente doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) e rejeição.(6)
Existem poucos estudos que mostram os resultados dos transplantes realizados nas crianças e adolescentes com leucemia aguda no Brasil. Considerando que o conhecimento da realidade local pode auxiliar no entendimento e na escolha das melhores opções terapêuticas, este estudo tem como objetivo avaliar os resultados dos TCTH realizados em crianças e adolescentes com leucemia aguda em dois grandes serviços brasileiros.
Métodos
Foram incluídos 208 pacientes, menores de 19 anos, submetidos à TCTH por leucemia aguda, no período de abril de 1990 a dezembro de 2007. Do total, 145 pacientes foram transplantados no Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba (PR), e 63 pacientes no Hospital Amaral Carvalho, Jaú (SP).
A idade dos pacientes variou de 1 a 18 anos, com mediana de 9 anos. Setenta e quatro pacientes eram do sexo feminino e 137 do sexo masculino. Demais características dos pacientes estão na Tabela 1.
A compatibilidade do HLA foi avaliada com base na tipificação dos antígenos do complexo maior de histocompatibilidade pertencentes às classes I e II, dos loci A, B e DR e foram considerados totalmente compatíveis os pacientes e doadores que apresentaram antígenos iguais nos 6 loci, ou seja, compatibilidade 6/6.
Os 26 pacientes que receberam transplante com células- tronco periféricas (CTP) apresentavam compatibilidade 6/6. Dos 128 pacientes que receberam medula óssea (MO), 19 (13%) tinham uma incompatibilidade (5/6) e os outros 119 (87%) eram totalmente compatíveis (6/6). Entre os pacientes que receberam transplante com sangue de cordão umbilical (SCU), 15 (34%) tinham duas incompatibilidades (4/6), 12 (27%) tinham uma incompatibilidade (5/6) e os demais 17 pacientes (39%) eram totalmente compatíveis (6/6).
Em relação à situação da doença no momento do transplante, foram transplantados vinte pacientes com leucemia linfoide aguda (LLA) em primeira remissão clínica (RC1); destes, 12 tinham citogenética de alto risco (t(9;22), t(4;11) ou hipodiploidia) e outros dois pacientes apresentaram resposta pobre à indução com corticoides. Os demais pacientes transplantados em RC1 tinham doença de alto risco, com hiperleucocitose ao diagnóstico, e outros dois tinham LLA-T de alto risco. Ainda, cinquenta pacientes foram submetidos a transplante com doença em segunda remissão clínica (RC2) e 49 com doença avançada (em terceira ou maior remissão, doença refratária ou recaída).
Dentre os pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA), oito foram a transplante em primeira recaída sem receber tratamento quimioterápico antes do condicionamento, 37 em RC1, 24 em RC2 e 20 com doença avançada.
Os pacientes que apresentavam doença em primeira e segunda remissão clínica foram considerados com doença precoce e os pacientes em terceira ou maior remissão e aqueles com doença refratária ou em recidiva foram considerados com doença avançada.
Os pacientes receberam, no regime de condicionamento, as drogas comumente utilizadas no período da realização do TCTH, levando em consideração a doença de base, o tipo de doador, a fonte de células e a presença de incompatibilidades no HLA. A escolha do regime de profilaxia da doença do enxerto contra o hospedeiro também levou em consideração os fatores acima citados.
O regime de condicionamento mais utilizado nos pacientes com LLA foi ciclofosfamida e irradiação corporal total, e nos pacientes com LMA foi bussulfano e ciclofosfamida. O esquema de imunoprofilaxia mais frequentemente utilizado para os pacientes que receberam TCTH com células de medula óssea e de sangue periférico foi ciclosporina e metotrexate e, para pacientes que receberam sangue de cordão umbilical, foi ciclosporina e corticoide (Tabela 1).
A pega neutrofílica foi avaliada nos pacientes que sobreviveram mais de trinta dias após o transplante e que apresentaram contagem absoluta de neutrófilos superior a 0,5x109/l por três dias consecutivos, sem uso de fatores de crescimento. A pega plaquetária foi definida nos pacientes que apresentaram contagem acima de 50.000x109/l por três dias consecutivos e que permaneceram sem transfusões por sete dias. Os pacientes que apresentaram apenas pega neutrofílica foram considerados com pega parcial do enxerto. Os pacientes que apresentaram recuperação autóloga na análise de quimerismo ou que não atingiram critérios de pega neutrofílica e plaquetária foram considerados com falha primária de pega.
Os pacientes que tiveram pega do enxerto parcial ou completa foram considerados avaliáveis para a ocorrência de doença do enxerto (DECH) aguda, e os pacientes que sobreviveram mais de cem dias com pega do enxerto foram considerados avaliáveis para a ocorrência de DECH crônica.
A doença do enxerto contra o hospedeiro aguda foi definida de acordo com os critérios clínicos e laboratoriais publicados(7) e classificada por Grau de I a IV. A DECH crônica foi classificada como limitada ou extensa, de acordo com os critérios de classificação propostos por alguns autores.(8)
Foram considerados com mortalidade relacionada ao transplante (MRT) os pacientes que evoluíram a óbito nos primeiros cem dias do transplante por qualquer outra causa que não a recaída da doença.
A recaída da doença foi avaliada pelos sintomas clínicos associados com a detecção de células leucêmicas no sítio acometido por punção medular, de líquor ou biópsia.
A sobrevida global (SG) foi calculada do dia do transplante até a data do óbito ou do último contato com o paciente, e a sobrevida livre de recaída (SLR) foi calculada do dia do transplante até o dia da recaída, do óbito ou do último contato.
Para análise de SG e SLR foi utilizado o método de Kaplan-Meier. Para análise univariada foi utilizado o teste de log-rank e para análise multivariada, utilizamos regressão de Cox, sendo incluídas as variáveis que apresentaram p<0,2 na análise univariada. Na avaliação de incidência cumulativa de pega e de recaída, a morte foi utilizada como fator de risco competitivo. Para análise de incidência cumulativa de mortalidade relacionada ao transplante, a mortalidade por recaída foi usada como fator de risco competitivo.
Adotou-se o nível de significância de 5% (p<0,05) e o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) foi utilizado na execução das análises estatísticas.
Resultados
Do total de pacientes analisados, noventa estão vivos, com um seguimento mediano de 1.438 dias (258 a 6.068 dias). A sobrevida global (SG) foi de 45% em três anos (Figura 1) e a sobrevida livre de recaída (SLR) foi de 39% em três anos.
Dos 208 pacientes incluídos no estudo, 195 sobreviveram mais de trinta dias após o TCTH e foram avaliáveis para pega do enxerto. A incidência cumulativa de pega do enxerto foi de 88%. Observamos que oito pacientes (4%) tiveram apenas pega neutrofílica e que 13 pacientes (8%) tiveram falha primária de pega do enxerto.
A sobrevida dos pacientes com falha primária de pega ou com pega apenas neutrofílica foi muito ruim. Apenas quatro pacientes estão vivos (14%), sendo três com recuperação autóloga e um após segundo transplante. As principais causas de morte, neste grupo de pacientes, foram: infecção em dez pacientes, persistência da doença em quatro, DECH aguda em três e hemorragia em dois.
As principais complicações pós-TCTH estão sumarizadas na Tabela 2.
A incidência cumulativa de mortalidade relacionada ao transplante (MRT) foi de 16% em cem dias (Figura 2) e as causas mais frequentes foram: infecção em 15 pacientes, DECH em oito, falha de pega em três e VOD em três.
Quando avaliados os pacientes que apresentaram MRT, observamos que esta foi significativamente superior, pela análise univariada, nos seguintes grupos: transplante não aparentado (p<0,001), doença avançada no momento do transplante (p<0,001), idade maior de 10 anos (p<0,001), transplantes com incompatibilidades (p<0,001), pacientes com DECH-aguda (p=0,04) e transplante realizado com células de sangue de cordão umbilical (p=0,03). Na análise multivariada, o único fator estatisticamente significativo para MRT foi doença avançada no momento do transplante (p=0,009).
Não foi observada diferença significativa na SG e na SLR nos pacientes que desenvolveram DECH aguda ou crônica, independente do grau da doença apresentada.
A incidência cumulativa de recaída pós-transplante foi de 40% em três anos (Figura 3). A mediana da ocorrência de recaída foi de 163 dias, variando de 22 a 1.468 dias pós-transplante.
Quando comparadas a SG e SLR entre os pacientes com LLA e com LMA, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas. Também não foram observadas diferenças significativas na SG e SLR entre os pacientes com idade maior ou menor de 10 anos, pacientes que receberam transplante de doador aparentado e não aparentado, transplantes com ou sem incompatibilidades no HLA, tampouco quando comparadas as fontes de células utilizadas nos TCTH.
Os pacientes que foram submetidos a TCTH com regime preparatório contendo irradiação corporal total (TBI) apresentaram uma tendência a melhor SG (p=0,06) e SLR (p=0,06) em três anos. Observamos também uma menor incidência de recaída entre os pacientes que receberam regime de condicionamento com TBI (p=0,001); entretanto, não encontramos diferença na MRT em relação ao regime de condicionamento utilizado.
Observamos que os pacientes submetidos a transplante antes do ano de 1995 apresentaram uma pior sobrevida global que os pacientes transplantados após o ano de 1995 (p=0,01).
Os pacientes transplantados com doença precoce apresentaram SG em três anos superior àqueles submetidos a TCTH com doença avançada (Figura 4). A SLR em três anos também foi significativamente superior no grupo transplantado com doença precoce (46 x 13%; p<0,001).
Na análise multivariada, o único fator que teve impacto na SG e SLR foi o status da doença no momento do transplante (doença avançada ou doença precoce).Tabela 3.
Leucemia Linfoide Aguda
A SG dos pacientes com LLA foi de 43% em três anos e a SLR foi de 38% em três anos. A incidência de falha de pega foi de 7% e da MRT foi de 20%.
A recaída da doença aconteceu em 42 pacientes (35%) e, destes, 31 (73%) apresentavam doença avançada no momento do TCTH.
Observamos que os pacientes com LLA que receberam TBI no regime de condicionamento apresentaram melhor SG e SLR em três anos que os pacientes que receberam outros esquemas (p<0,001). Além disso, os pacientes condicionados para transplante com TBI apresentaram uma menor incidência de recaída (p<0,001).
Os pacientes que foram transplantados em RC1 apresentaram a melhor taxa de sobrevida global, seguidos pelos pacientes em RC2 e em CR3. Os pacientes transplantados com doença em atividade (refratária ou recaída) mostraram resultados desapontadores (Figura 5).
A SG e a SLR foram significativamente superiores nos pacientes que apresentavam doença precoce no momento do transplante (p<0,001).
Na análise multivariada, o status da doença no momento do TCTH e o uso de TBI no regime de condicionamento foram os únicos fatores relacionados a melhor sobrevida dos pacientes com LLA.
Leucemia Mieloide Aguda
A SG dos pacientes com LMA foi de 44% em três anos e a SLR foi de 40% em três anos. A incidência de falha de pega foi de 6% e da MRT foi de 11%. A recaída da doença aconteceu em 36 pacientes (40%) e, destes, 26 (72%) apresentavam doença avançada no momento do TCTH.
Quando avaliamos somente os pacientes com LMA, observamos que aqueles transplantados em RC1 apresentaram melhor sobrevida global em três anos, seguidos dos pacientes transplantados em primeira recidiva e dos pacientes em RC2 (Figura 6). Os pacientes transplantados com doença em atividade apresentaram uma sobrevida de 5% em três anos (de vinte, somente um paciente vivo).
Os pacientes com doença precoce apresentaram melhor SG e SLR em três anos que os pacientes transplantados com doença avançada (p=0,002).
Para os pacientes com LMA o único fator relacionado a melhor SG e SLR, na análise multivariada, foi o status da doença no momento do TCTH.
Discussão
Este estudo, assim como outros encontrados na literatura, mostra que podemos atingir bons resultados na sobrevida dos pacientes transplantados em uma fase precoce da leucemia e que o principal fator relacionado à sobrevida dos pacientes é o status da doença na época do transplante.(9,10)
Os pacientes submetidos a transplante em primeira remissão apresentaram a melhor SG e SLR, porém, é sabido que o transplante só está indicado nesta situação quando os pacientes apresentam situação de alto risco, como a presença de alterações citogenéticas de mau prognóstico ao diagnóstico ou a falha de resposta à quimioterapia indutória.(9-11) Os pacientes em segunda remissão, tanto com LLA quanto com LMA, apresentam bons resultados na SG e SLR e têm indicações de TCTH já bem definidas.(12,13) Neste estudo, os pacientes transplantados em CR1 e CR2 (doença precoce) apresentaram taxas de sobrevida muito boas, comparáveis às relatadas na literatura.(5,9,10)
Os resultados com transplantes não aparentados têm melhorado significativamente, sendo atingidos resultados bem similares aos dos transplantes aparentados compatíveis.(14,15) Estes resultados foram comprovados em nosso estudo, entretanto observamos uma maior MRT nos pacientes que recebem TCTH de doadores não aparentados.
Não encontramos diferença na sobrevida dos pacientes quando avaliadas as diferentes fontes de células-tronco utilizadas; entretanto, o número de transplantes realizados utilizando células-tronco de sangue periférico e sangue de cordão umbilical ainda é pequeno.(15)
Além disso, não obtivemos diferenças na SG e SLR entre os pacientes transplantados com doadores totalmente compatíveis ou com alguma incompatibilidade. Estes dados diferem daqueles relatados na literatura,(16,17)provavelmente pelo pequeno número de pacientes e pela impossibilidade de se comparar a tipificação HLA entre os períodos de transplante analisados, visto que, nos últimos anos, tivemos avanços na tipificação HLA, o que resultou na melhor escolha dos doadores de medula óssea e na diminuição da mortalidade relacionada ao procedimento. Os pacientes transplantados recentemente com doadores compatíveis e em fase precoce da doença tiveram uma excelente sobrevida.
A MRT foi similar à relatada na literatura e teve influência de fatores já reconhecidos, como o tipo de doador (aparentado x não aparentado), presença de incompatibilidades no HLA, fonte de células utilizada, status da doença e ocorrência de DECH-aguda.(18)
É interessante ressaltar que os pacientes transplantados antes do ano 2000 não apresentaram diferença na MRT, provavelmente porque naquela época não eram realizados muitos transplantes com incompatibilidades ou com outras fontes de células que não medula óssea. Entretanto, a sobrevida foi inferior no grupo de pacientes transplantados antes de 1995; isso ocorreu possivelmente porque os cuidados suportivos eram mais deficientes naquela época.
Estudos têm demonstrado que os pacientes com LLA se beneficiam dos condicionamentos que contenham TBI, apresentando melhores índices de sobrevida livre de leucemia e menor mortalidade relacionada ao procedimento.(19) Observamos que os pacientes que receberam TBI apresentaram melhor SG e SLR.
Dos pacientes incluídos no estudo, 41% dos pacientes com LLA (49/119) e 22% dos pacientes com LMA (20/89) foram encaminhados para o transplante com doença avançada (acima da terceira remissão, com doença refratária ou recaída). Sabemos que os resultados obtidos com o transplante nos pacientes com doença avançada são muito ruins e, pelo menos, em parte, podemos refletir sobre vários problemas enfrentados pelos serviços de transplante do Brasil. Neles incluímos a dificuldade do estadiamento inicial adequado do paciente, a falta de tratamento quimioterápico em várias cidades brasileiras e, no caso dos pacientes que têm doadores compatíveis familiares, existe ainda a dificuldade para se conseguir um leito para transplantar o paciente no melhor momento após atingida a remissão.
Nos transplantes não aparentados, o maior entrave atual encontra-se na falta de leitos disponíveis para sua realização já que os custos são elevados e não são adequadamente repassados pelos órgãos públicos. Com o aumento do número de doadores voluntários brasileiros observa-se uma possibilidade cada vez maior de se encontrar um doador com compatibilidade adequada nos bancos nacionais.
Mesmo dentro do grupo de alto risco, sabemos que existem subgrupos de pacientes que realmente se beneficiam do transplante, e a identificação precoce destes grupos para início imediato de busca de um doador e de um leito disponível é fundamental. Além disso, a procura de novos regimes de condicionamento efetivos e mudanças nas estratégias de transplante, como a realização de um transplante haploidêntico, podem auxiliar um número cada vez maior de pacientes.
O TCTH haploidêntico está se tornando uma alternativa viável para estes pacientes, principalmente porque, virtualmente, todas as pessoas têm um doador haploidêntico disponível e de fácil acesso (pai, mãe, irmão).(20,21)Além disso, estes transplantes têm um potencial maior de efeito enxerto versus leucemia; entretanto, parecem estar relacionados a uma maior incidência de DECH severa e de demora na pega do enxerto, assim, consequentemente, a uma maior taxa de mortalidade relacionada ao procedimento.(22)
A formação de grupos cooperativos é de fundamental importância para avaliação dos resultados obtidos no País principalmente no que se refere ao tratamento dos pacientes que pertencem aos grupos de alto risco. Através dos grupos cooperativos poderemos ter um número maior de pacientes e, consequentemente, uma análise estatística de maior significância, o que permitirá um melhor conhecimento dos principais fatores que interferem nos resultados dos transplantes realizados para crianças e adolescentes com leucemias agudas no Brasil.
Este trabalho traz a oportunidade de avaliarmos os resultados obtidos em duas importantes instituições brasileiras e aponta a necessidade de melhorias no diagnóstico, estadiamento e tratamento das leucemias. Apesar dos resultados serem comparáveis com os da literatura, foi possível observar que muitos pacientes ainda foram encaminhados muito tardiamente para o TCTH, com doença em fase avançada, atingindo resultados pouco satisfatórios quando comparados aos pacientes transplantados em fase precoce da doença.
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Correspondência:
Juliane Morando
Serviço de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas da UFPR
Rua General Carneiro, 181, 15º andar – Bairro Alto da Glória
80060-900 – Curitiba (PR), Brasil
Tel.: (55 41) 3360-1000
E-mail: julimorando@terra.com.br
Juliane Morando
Serviço de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas da UFPR
Rua General Carneiro, 181, 15º andar – Bairro Alto da Glória
80060-900 – Curitiba (PR), Brasil
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E-mail: julimorando@terra.com.br
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