quarta-feira, 25 de março de 2015

Suzane Von Richthofen: deslizes jurídicos na fixação da pena




Se não fossem os erros técnico-jurídicos existentes na sentença que condenou Suzane Von Richthofen, a pena dela seria bem menor da que foi efetivamente aplicada, por volta do quantum de 8 (oito) anos a menos.

Inicialmente, cabe destacar que SUZANE foi condenada pelo Tribunal do Júri como incursa nos delitos de homicídio triplamente qualificado (art.121, §2º, I, III e IV, CP) contra seus pais, MANFRED e MARÍSIA RICHTHOFEN.
A sentença penal condenatória de 39 (trinta e nove) anos (referente apenas aos delitos de homicídio perpetrados contra os pais dela, em concurso material - art.69, Código Penal brasileiro) de reclusão aplicada a SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN sofre de alguns erros técnico-jurídicos, o que ocasionou a fixação de uma pena privativa de liberdade bem superior ao que determina o princípio constitucional da individualização da pena (inciso XLVI, art.5º, Carta Política de 1988).
Da análise da referida sentença (link abaixo[1]), observa-se que o douto magistrado considerou 4 (quatro) circunstâncias judiciais (apenas 2, conforme se verá) desfavoráveis a SUZANE (culpabilidade, intensidade do dolo, clamor público e consequências do crime). Ademais, ante a existência de 3 qualificadoras, usou uma para qualificar o delito e as outras 2 (duas) deixou para valorá-las como agravantes (na 2ª fase da dosimetria). Destarte, sopesando as 4 circunstâncias judiciais, fixou a pena-base em 16 (dezesseis) anos de reclusão e, na fase seguinte, aplicando as 2 qualificadoras como agravantes (sendo que cada uma teve um quantum de 2 (dois) anos), alcançou o montante de 20 (vinte) anos, que, ante a existência da atenuante da menoridade (art.65, I, CP), onde o juiz valorou em apenas 6 (seis) meses, a pena definitiva restou em 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses para cada um dos homicídios praticados contra seus pais, ante a inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena (3ª fase). Neste diapasão, ante o concurso material dos referidos crimes, a pena somada chegou a 39 anos de reclusão.
Todavia, como dito alhures, a sentença condenatória sofre de "patologias" jurídicas, senão vejamos.
primeira falha técnica se refere a sopesar na fixação da pena-base, a intensidade do dolo e o clamor público como se fossem circunstâncias judiciais, quando verdadeiramente não são, vez que, referidas circunstâncias não estão encartadas no rol do art.59 do CP.
Primeiramente, cabe destacar que a intensidade do dolo é considerada pela doutrina jurídica como circunstância tendente a revelar o grau da culpabilidade, de tal sorte que, quanto maior a intensidade do dolo, maior será a culpabilidade. Porém, o juiz já havia considerado a culpabilidade como circunstância negativa. Em outras palavras, ele acabou por incorrer em bis in idem (dupla valoração), vez que considerou uma circunstância (intensidade do dolo) que leva a descortinar a culpabilidade como uma circunstância autônoma, porém, que não consta no rol das circunstâncias judiciais do art.59.
O mesmo se diga do clamor público. Considerando a ordem constitucional inaugurada em 1988, de feição nitidamente garantista, o julgador deve aplicar a pena de acordo com as normas legais (respeito ao princípio da legalidade), independentemente da opinião pública, que, como cediço, tende a ser manipulada pelos meios midiáticos. 
Desta forma, considerando que tanto a intensidade do dolo como o clamor público não fazem parte do rol das circunstâncias judiciais, em respeito aos princípios da legalidade e a individualização da pena, as aludidas circunstâncias não poderiam ser usadas para recrudescer a reprimenda a ser imposta a SUZANE.
Continuemos. Insta registrar que, apesar de não ser unânime, na época do julgamento de SUZANE, isto em 2006, predominava o entendimento nos Tribunais de que a ante a existência de mais de uma qualificadora, uma devia ser usada para qualificar o crime e as demais seriam valoradas na 1ª fase da dosagem da pena, referente à circunstância que mais se assemelhasse. Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Habeas Corpus[2] nº 102.242-SP (julgado em 02 de outubro de 2008), impetrado pela defesa de SUZANE, irresignada com pena que lhe foi imposta, acabou por sufragar esta corrente. 

É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima
.A última "patologia" no campo da fixação da pena-base foi considerar como consequência (negativa) - nos crimes de homicídio - a morte da vítima. Isso porque, ante a grave consequência natural que é a morte (senão sequer o crime se consuma), o homicídio possui uma das penas mais graves da legislação penal, vez que no primeiro momento da individualização da pena, isto é, a (fase) legislativa, o legislador, atento a tal fato, escolheu uma pena proporcional à magnitude da violação a tão caro bem jurídico (a vida). Nesse sentido, o jurista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO[3] leciona que:

Desta forma, o erro técnico-jurídico se deu ao valorar desfavoravelmente contra SUZANE as consequências dos crimes de homicídio, isto é, as mortes, vez que tal circunstância é inerente ao tipo penal, sendo aberrante caso de dupla valoração (bis in idem), vedado em nosso ordenamento jurídico. Na jurisprudência, ao dosar a pena de condenados por homicídio, o magistrado baiano e professor de Direito Penal da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), MOACYR PITTA LIMA FILHO, assim decidiu:

"[...] A consequência do crime, embora de enorme gravidade como em todos os delitos dessa natureza, é elementar do tipo de homicídio, motivo pelo qual não deve ser levada em consideração na dosimetria. [...]" (Ação Penal nº 0070491-83.2001.805.0001).

Assim, considerando os argumentos acima alinhados, tem-se que para a fixação da pena-base deveriam ser valoradas apenas a culpabilidade e as duas qualificadoras (conforme entendimento à época do STJ, o qual, frise-se, atualmente acolhe a corrente de que as demais qualificadoras devem ser valoradas como agravantes (se houver previsão nos arts.61 e 62 do CP) e se não houver previsão como circunstância judicial), sendo a pena-base fixada por volta de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Acontece que, ante a incidência da atenuante da menoridade (art.65, I, CP), na segunda fase da dosimetria, a pena será reduzida. Aqui cabe registrar outro erro técnico-jurídico da sentença, vez que, de forma desproporcional, valorou as agravantes em 2 (dois) anos para cada uma e para atenuante (a qual, diante do concurso de agravantes e atenuantes, prepondera sobre qualquer outra circunstância - art.67, CP), frise-se, em apenas 6 (seis) meses. Ora, em regra, como forma de se evitar a discricionariedade do juiz, o melhor é entender que cada circunstância legal genérica (agravante e atenuante) tem o mesmo quantum de valoração. Em regra, as aludidas circunstâncias têm que guardar proporcionalidade, seja para aumentar (agravante) ou diminuir (atenuante).
Como é cediço, em que pese a legislação penal não fixar o quantum de valoração das atenuantes (e também das agravantes), o entendimento jurisprudencial - neste sentido, na doutrina[4] conferir Guilherme de Souza Nucci, José Antonio Paganella Boschi, Cezar Roberto Bitencourt e Ricardo Augusto Shcmitt, etc. - predominante dos Tribunais Superiores (STJ[5] e STF) é no sentido de cada uma delas valem no máximo 1/6 (um sexto) a ser aplicado sobre a pena-base. 
Assim, considerando a pena-base de 18 anos e 6 meses, acrescida da redução da atenuante em 1/6, a pena definitiva de SUZANE RICHTHOFEN restaria definitiva em aproximadamente 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão, ante a inexistência de circunstâncias de aumento ou diminuição da pena
Por fim, considerando o concurso material (art.69, CP), vez que foram praticados 2 (dois) homicídios, somando-se as referidas sanções, a pena a ser cumprida seria de 31 (trinta e um) anos de reclusão, isto é, montante bem abaixo dos 39 (trinta e nove) anos que foram impostos a SUZANE pela referida sentença condenatória. Assim, verifica-se que foram impostos a SUZANE um montante de 8 (oito) anos a mais, sendo que tal acréscimo não se mostra condizente com o mandamento constitucional da individualização da pena gizado no inciso XLVI do art.5º da Constituição Federal de 1988.
Diante o exposto, observa-se claramente como quão prejudicial os referidos erros técnico-jurídicos se revelaram - e ainda revelam - para SUZANE, vez que, como sabido, a progressão de regime de cumprimento da pena se dá com relação à totalidade da pena imposta, que no seu caso, foram adicionados aproximadamente 8 (oito) anos em sua condenação. Este montante não são 8 (oito) dias, 8 (oito) meses, mas 8 (oito) anos, quase uma década. E o pior, em total desconformidade com a garantia da individualização da pena prevista em nossa Lei Maior.



Referências
[2] No que tange ao julgamento do supracitado Habeas Corpus impetrado pela defesa de SUZANE, o STJ redimensionou a pena para 38 (trinta e oito) anos de reclusão.
[3] Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. 1ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.231; BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 6ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p.240; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.612; SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória. 7ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.215.
[5] Na jurisprudência: STJ, HC 186769/SP, Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., Dje 12.06.2012.


Leia mais: http://jus.com.br/artigos/37473/suzane-von-richthofen-deslizes-juridicos-na-fixacao-da-pena#ixzz3VP82bEin

Nenhum comentário:

Postar um comentário