domingo, 27 de abril de 2014

Ameaça e controle da gripe A(H1N1): uma análise discursiva de Veja, IstoÉ e Época


Threat and control of influenza A (H1N1): a discursive analysis of Brazilian magazines Veja, IstoÉ and Época


Isaltina Maria de Azevedo Mello GomesI; Luiz Marcelo Robalinho FerrazII
IDoutora em Linguística. Jornalista e professora de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Endereço: Rua José Carvalheira, 203/1302, Tamarineira, CEP 52051-060, Recife, PE, Brasil, E-mail: isaltina@gmail.com
IIJornalista, publicitário e doutorando em Comunicação e Saúde no Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fiocruz, Endereço: Rua Maria Ramos, 1153/02, Bairro Novo, CEP 53030-050, Olinda, PE, Brasil, Email: marcelorobalinho@yahoo.com.br



RESUMO
Em 2009, o aparecimento de casos da gripe A(H1N1) – a chamada gripe suína – em 207 países indicou o registro da primeira pandemia do século XXI, como já previam os informes dos órgãos sanitários há alguns anos. No Brasil, foram confirmados 27.850 casos de suína, dos quais 1.632 evoluíram a óbito, representando 18,6% das mortes mundiais e 27,7% no continente americano, segundo dados do Ministério da Saúde (2009). Os meios de comunicação brasileiros bem como os de outros países vincularam o surgimento da gripe suína como uma "reedição" diferenciada da gripe espanhola, devido à identificação de um novo subtipo de vírus da gripe que podia ser tão letal quanto a antiga. Um temor semelhante havia sido vivenciado também com a gripe aviária, em 1997, que levou autoridades a permanecerem em estado de alerta. Este artigo tem por objetivo avaliar a produção das notícias sobre a gripe A(H1N1) nas três principais revistas de circulação nacional do Brasil. Para tanto, escolhemos as oito capas de Veja, IstoÉ e Época em que a doença foi destaque nos primeiros meses da pandemia, em 2009. Tomando como base noções ligadas à Análise do Discurso e às Teorias do Jornalismo, as análises indicam que o noticiário se divide em duas fases, enfatizando, inicialmente, o alarme provocado pelo medo diante do novo vírus e das mortes registradas e, em seguida, o controle pela constatação de que a moléstia representava menos risco do que se imaginava, além das ações para combatê-la.
Palavras-chave: Gripe A(H1N1); Memória discursiva; Imprensa. 

ABSTRACT
In 2009, the emergence of cases of influenza A(H1N1) – the popular flu – in 207 countries indicated the registration of the first pandemic of the XXI century, as predicted in reports from health authorities some years ago. In Brazil, 27,850 cases of swine were confirmed, of which 1,632 died, representing 18,6% of deaths worldwide and 27,7% in the Americas, according to the Health Ministry of Brazil (2009). The media have linked the emergence of flu as a differentiated 'new edition' of flu, due to the identification of a new subtype of influenza virus that could be as lethal as the old one. A similar fear to what had been experienced also with avian influenza in 1997, prompting officials to remain on alert. This article aims to evaluate the production of news on influenza A(H1N1) in the three main national magazines in Brazil. We chose to analyze the eigth covers of magazines Veja, IstoÉ and Época published during the first months of the pandemic, in the beginning of 2009. Based on concepts of Discourse Analysis and Journalism Theory, the analysis indicates that the news can  be divided into two phases, focusing initially on the alarm over the fear of new virus and deaths recorded and afterwards on the control due to the finding that the disease presented less risk than previously thought and to the actions taken to fight it.
Keywords: Influenza A(H1N1); Discursive Memory; Press.



Introdução
No século XX, o mundo vivenciou três pandemias de influenza que tiveram repercussões variadas. A primeira – a gripe espanhola – foi a de maior impacto, atingindo em torno de 500 milhões de pessoas em várias partes do planeta e provocando pelo menos 22 milhões de óbitos entre 1918 e 1919, bem mais que os oito milhões de mortos na Primeira Guerra Mundial (Ujvari, 2003, p. 240). Já a gripe aviária e a de Hong Kong causaram cerca de 1 milhão de mortes cada uma, em 1957 e 1968, respectivamente, com maior repercussão na morbidade que na mortalidade.
Em 2009, o aparecimento de casos da gripe A(H1N1) – a chamada gripe suína – em 207 países indicou o registro da primeira pandemia do século XXI, como já previam os informes dos órgãos sanitários há alguns anos. "Numa pandemia de influenza espera-se que a doença se dissemine rápida e amplamente, afetando indivíduos de todas as faixas etárias e estimando-se que 30% a 50% da população sejam atingidas" (Ministério da Saúde, 2006). No Brasil, foram confirmados 27.850 casos de suína, dos quais 1.632 evoluíram a óbito, representando 18,6% das mortes mundiais e 27,7% no continente americano, de acordo com dados do Ministério da Saúde (2009).
O registro da pandemia, provocado pela identificação de um novo vírus da Influenza, foi motivo de alerta não apenas para os órgãos de saúde pública, mas também para a imprensa, que noticiou permanentemente a doença, sobretudo na fase inicial de descoberta do H1N1. No Brasil, bem como em outros países, os meios de comunicação vincularam o surgimento da gripe suína como uma "reedição" diferenciada da gripe espanhola, devido à identificação de um novo subtipo de vírus da gripe que podia ser tão letal quanto à antiga. Um temor semelhante ao que havia sido vivenciado também com a gripe aviária, em 1997, que levou autoridades a permanecerem em estado de alerta e determinou o sacrifício de 1,2 milhão de galinhas, bem como outras 400 mil aves, para controle da epidemia (Ujvari, 2003, p. 245).
Tendo em vista esses acontecimentos sanitários de grande magnitude, o objetivo do nosso artigo é analisar discursivamente o noticiário produzido pelas principais revistas semanais brasileiras (Veja, Istoé e Época). Pinçamos os oito exemplares em que a gripe A foi chamada de capa no ano de 2009, especificamente entre os meses de maio e setembro. Como conceitos-base para discussão, buscamos a memória discursiva e o interdiscurso, ambos tratados pela Escola Francesa da Análise do Discurso (AD), a fim de avaliar como as noções seculares de medo, mal, morte e epidemia, além das metáforas de guerra, costumam aparecer nas matérias sobre doenças, sendo decisivas para definir a ênfase dada a elas nos textos. Completam o aporte teórico os critérios de noticiabilidade de um fato, ligados às Teorias do Jornalismo.  

Memória da Espanhola no Discurso da Gripe A(H1N1)
A noção de epidemia é milenar e faz parte do imaginário popular desde os tempos mais remotos. Exemplos de doenças que acometeram nações, dizimando milhares de vidas, não faltam: peste, cólera, varíola, febre amarela e, mais recentemente, a AIDS e a própria gripe suína. Embora sejam vistas como um agente externo, as epidemias estão diretamente ligadas ao corpo. É a partir dele que a doença se manifesta, torna-se real aos olhos e se dissemina num determinado território para outros corpos.
A relação das pessoas com as epidemias é material e subjetiva ao mesmo tempo, uma vez que lida com o agente transmissor, o indivíduo infectado e o trabalho de controle da doença (mundo material) e as representações e os valores do fenômeno epidemiológico na sociedade (mundo subjetivo)1. Segundo Le Goff (1997[1985], p. 8), "a doença pertence não só à história superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às instituições, às representações, às mentalidades". Não é à toa haver uma história de sofrimento ao tratar das epidemias, sobretudo nos séculos passados, quando a origem das moléstias ainda era um desafio para a ciência.
O grego Hipócrates, considerado pai da Medicina, usava a palavra epidemeion no sentido de "visitar", referindo-se ao caráter provisório e temporal de uma epidemia, em contraposição a endemeion (endemia), que traduzia a idéia de "habitar o lugar", designando as doenças habitualmente presentes num determinado grupo social. Apesar de ser um fenômeno coletivo, o processo epidêmico possui uma historicidade que o individualiza no tempo e no espaço, expressando-se de diferentes maneiras. De acordo com Foucault (2006[1963], p. 26), a epidemia "exige um olhar múltiplo; processo único, é preciso descrevê-la no que tem de singular, acidental e imprevisto".
Para a Análise do Discurso (AD), a noção de epidemia pode ser entendida por tudo o que foi dito a respeito dela, pelo conjunto de formulações que a designam no tempo e espaço. "Não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si, um campo de coexistências, efeitos de série e de sucessão, uma distribuição de função e papéis" (Foucault, 2007[1969], p. 112). Na AD, a memória tem um papel importante na construção dos discursos por "invocar" os elementos pré-construídos, ou seja, traços existentes em outros enunciados.
Termo introduzido por Henry (1990) e baseado na ideia de pressuposto2, o pré-construído "designa uma construção anterior, exterior, independente por oposição ao que é construído na enunciação", remetendo assim ao que "cada um sabe" e, ao mesmo tempo, ao que "cada um pode ver" em uma situação determinada (Courtine, 2009[1981], p. 74-75). Isso supõe a existência de um sujeito universal, específico a uma formação discursiva, conforme Maingueneau (1997[1984], p. 115), ao qual o sujeito enunciador se identificaria discursivamente.
Dentro dessa concepção, a memória não é entendida no sentido individual, e sim inscrita em práticas sociais que permitem compreender o funcionamento do discurso, o fato de um já-dito sustentar cada tomada de palavra e as próprias relações de sentido dos discursos. Um espaço móvel, segundo Pêcheux, de deslocamentos, retomadas e conflitos de regularização da materialidade discursiva, revelando o jogo de forças ante um discurso que surge como um acontecimento a ser lido.
[...] a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os "implícitos" (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível. (2007[1983], p. 52)
Para Pêcheux, a memória sempre é perturbada a cada acontecimento discursivo novo, desmanchando a "regularização" existente e fazendo surgir um novo sistema por meio de um jogo de forças "que visa manter uma regularização pré-existente com os implícitos que ela veicula" e, em sentido contrário, "perturbar a rede dos implícitos".  Nas matérias sobre a gripe A(H1N1), o jogo entre esquecer e lembrar – constitutivo da memória discursiva – foi fundamental na configuração dos enunciados. Aparentemente "esquecida", a tragédia da gripe espanhola de 1918-19 foi "rememorada" nos textos jornalísticos, especialmente na divulgação dos primeiros casos, para dimensionar a potencial ameaça da gripe suína, como havia sido no passado.
Destacamos trechos de três matérias publicadas logo nesse início a fim de observar o papel da memória discursiva nos textos jornalísticos sobre a gripe:
(01)
Por toda parte ressurgiu o espectro da pior epidemia do século XX, a gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas nos cinco continentes. (Veja. Pânico. 06/05/2009)
(02)
O fator maior de pânico da população mundial, hoje, é a associação que se faz a um trágico passado conhecido como gripe espanhola. Durante um ano – entre 1918 e 1919 –, uma variante do Influenza tomou o mundo e matou entre 20 e 50 milhões de pessoas. E era também da família dos H1N1. (IstoÉ. O mundo em alerta. 06/05/2009)
(03)
No fim da guerra, em 1918, um desses vírus apareceu ninguém sabe de onde e matou, em apenas dois invernos, algo entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas (os estudiosos jamais chegaram a um consenso sobre o número correto). Na semana passada, esse pavoroso inimigo tomou nova forma e ressurgiu. Sua voracidade – suspeita-se que ele tenha contaminado 2.600 pessoas e matado mais de 170, em apenas duas semanas – despertou temores de uma nova pandemia. Que, infelizmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmou, na quarta-feira, emitindo um alerta de nível 5 (o máximo é 6). Isso não significa que a catástrofe de 1918 vai se repetir. (Época. A ameaça da gripe suína. 07/05/2009)
Pelos textos, constatamos que a memória da gripe espanhola é trazida à tona pelas revistas para reforçar a sensação de risco diante da nova pandemia que se configurava. A ênfase dada a esses elementos pré-construídos do passado é fundamental para determinar o destaque da imprensa.  Em todos os três trechos, a pandemia de 1918-1919 é adjetivada por expressões qualificativas que denotam um desastre ou calamidade, como pior epidemia do século XXtrágico passado conhecido como gripe espanhola ou mesmo catástrofe de 1918. Envolta em sofrimento e milhões de mortes, essa memória influencia diretamente na constituição de sentidos da gripe A(H1N1) pelas semelhanças entre as duas e, evidentemente, pelo temor de que um novo evento epidêmico de grande magnitude pudesse provocar novamente  mortes em massa na população.
Na discussão sobre a memória discursiva, não podemos deixar de tratar também do interdiscurso, considerado pela AD o conjunto de discursos que dialogam e se articulam entre si. Segundo Orlandi (2007, p. 31), a memória:
[...] tem suas características, quando pensada em relação ao discurso. E, nessa perspectiva, ela é tratada como interdiscurso. Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pre-construído (sic), o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada.
A Escola Francesa vem dedicando atenção especial ao assunto, tendo desenvolvido o primado do interdiscurso, um dos conceitos-base da AD. Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 286, grifos do autor), em Dicionário de Análise do Discurso, determinam dois sentidos para o interdiscurso: um mais restritivo, referindo-se a um espaço discursivo, "um conjunto de discursos (de um mesmo campo discursivo ou de campos distintos) que mantém relações de delimitação recíproca uns com os outros"; e outro mais amplo, como "o conjunto das unidades discursivas (que pertencem a discursos anteriores do mesmo gênero, de discursos contemporâneos de outros gêneros etc.) com os quais um discurso particular entra em relação implícita ou explìcita".
Para Maingueneau (2008, p. 20), reconhecer o primado do interdiscurso significa entender que os discursos estão inseridos numa rede de trocas, e nunca de identidade fechada. Para ele (2008, p. 36-37), é importante entender que o interdiscurso precede o discurso, significando dizer que "a unidade de análise pertinente não é o discurso, mas um espaço de trocas entre vários discursos convenientemente escolhidos". Essa visão contradiz as teorias espontâneas dos enunciadores, que reivindicam a autonomia de seu discurso, justamente pelo fato de admitir as relações de cada discurso com o seu Outro como elemento constitutivo do Mesmo.
Assim, o Outro não deve ser pensado como uma espécie de "envelope" do discurso nem um conjunto de citações. No espaço discursivo, o Outro não é nem um fragmento localizável, uma citação, nem uma entidade exterior; nem é necessário que seja localizável por alguma ruptura visível da compacidade do discurso. Ele se encontra na raiz de um Mesmo sempre já descentrado em relação a si próprio, que não é em momento algum passível de ser considerado sob a figura de uma plenitude autônoma. O Outro é o que faz sistematicamente falta a um discurso, é aquela parte de sentido que foi necessário que o discurso sacrificasse para constituir sua identidade.
Falar de memória e interdiscurso é falar inevitavelmente de esquecimento e lembrança, a possibilidade de considerar tudo o que foi dito e não-dito sobre as diferentes doenças, os dizeres lembrados e esquecidos em um discurso para dar significado às palavras do sujeito. Em se tratando de interdiscurso, o esquecimento é estruturante, diferentemente do intertexto, que se restringe à relação entre textos. No interdiscurso, o esquecimento faz parte do saber discursivo, mobilizando relações de sentido. Sobre o assunto, diz Orlandi  que a noção de historicidade é fundamental para se compreender as relações de sentido no "jogo complexo da discursividade". De acordo com ela:
[...] para que uma palavra faça sentido é preciso que ela já tenha sentido. Essa impressão do significar deriva do que se tem chamado "interdiscurso". Isto é, o domínio do "saber" discursivo, o da sua memória, aquele que sustenta o dizer numa estratificação de formulações já feitas mas "esquecidas" e que vão construindo uma história dos sentidos. Toda fala resulta assim de um efeito de sustentação no já-dito que, por sua vez, só funciona quando as vozes que se poderiam identificar em cada formulação particular se apagam e trazem o sentido para o regime do "anonimato" e da "universalidade". Ilusão de que o sentido nasce ali, não tem história. (2007, p. 135-136)
Nessa perspectiva, vemos que o campo jornalístico foi entrelaçando os fatos do presente e do passado para configurar novos significados, ao comparar as duas gripes e os seus riscos. Pelo interdiscurso, esses pré-construídos foram incorporados ao discurso atual, influenciando os efeitos de sentidos com base em significados já construídos.

Do Caos à Moderação
No campo do Jornalismo, entre os elementos que norteiam a noticiabilidade de um fato, estão os valores-notícia. São eles que definem se determinado fato é suficientemente interessante, significativo e relevante para ser transformado em notícia (Pereira Jr., 2000). A atualidade, ou proximidade temporal, é um dos principais valores-notícia, uma vez que os veículos de comunicação costumam divulgar notícias novas ou que, mesmo velhas, tenham algum dado novo, resgatando, assim, a sua atualidade, trazendo-as para o presente. 
[...] é função dos meios oferecer um presente social contínuo, bastante novo para que nos impressione e bastante velho para que possamos conhecê-lo e comentá-lo, que é uma maneira de assimilá-lo e dominá-lo. A partir dessa perspectiva, podemos pensar que a construção de uma notícia e sua interpretação na sociedade é condição essencial para que essa sociedade sobreviva e tenha o "presente" como referência de mundo, de atualidade. (Gomes e col., 1999, p. 20).
O jornalismo apresenta ações não terminadas que ocorreram antes, outras que podem estar sucedendo no momento e outras ainda que se espera que ocorram em um futuro próximo. Seguindo a perspectiva temporal, também se pode afirmar que noticiabilidade é condicionada, fundamentalmente, pelo fator tempo e que as notícias têm um ciclo de vida determinado (Morais, 1996, p. 164). Esse ciclo começa a partir do momento em que a notícia passa a circular nos veículos em que é publicada, tornando-se um fato presente.
Para un diario, el presente tiene 24 horas, lo que corresponde a la edición del día. Hablando de esta forma quiero referirme al presente del enunciado, pues la enunciación se cierra en el momento de la lectura. Es decir, los hechos contribuyen a la preparación de una determinada acción o actitud por parte de los individuos, que se concreta cuando los mismos realizan el acto de lectura del texto periodístico. Será a partir de los datos informativos allí relacionados, que los lectores serán capaces de comentar los hechos sucedidos desde la perspectiva de que o bien acabaran de pasar o todavía sigan pasando. Lo que es comentado en los medios será siempre el presente de la noticia y esto presupone la idea de que los diarios viven bajo la expectativa de hacer que el presente pueda ser prolongado en su "vida útil", hasta que otro presente lo sustituya y ocupe su destaque en las 24 horas siguientes3.
O ciclo vital da notícia engloba, portanto, desde o momento em que determinado fato é divulgado pela primeira vez até aquele em que o interesse já se dissipou. Ou seja, é o período em que a notícia tem vida entre o leitor, o ouvinte, o telespectador. A partir do momento em que ela atinge um ponto de saturação, chega ao fim seu ciclo e a própria imprensa tratará de substituí-la por outra que, segundo os critérios de noticiabilidade, atrairá a atenção do público.
Neste trabalho, o fato de estarmos analisando matérias factuais traz à tona a questão da proximidade temporal e do ciclo vital da notícia. Por isso, consideramos necessário observar, além da questão da memória discursiva, como se dá o discurso ao longo do eixo espaço-temporal em que opera. O ciclo de vida das notícias que foram destaque de capa sobre a gripe A(H1N1) – objeto do nosso estudo – começou no dia 4 de maio indo até 16 de setembro de 2009, tomando como referência as três revistas analisadas (Época, IstoÉ, Veja), como pode ser observado no quadro 1.


Em nossa análise, verificamos que a cobertura jornalística dos três semanários se divide em duas fases bem distintas: o alarme e o controle. É interessante observar que o discurso do caos da primeira fase cede lugar ao discurso mais moderado do final do ciclo. Na primeira, com a instalação da nova pandemia, a tônica é o pânico, o medo. Enfatiza-se o temor diante do novo, em grande parte por causa da calamidade causada pelas pandemias de gripe do passado. As manchetes ilustram essas duas fases. As reportagens de maio se enquadrariam no clima do alerta, enquanto que os textos publicados posteriormente, na etapa do controle.
No quadro 2, destacamos as chamadas de capa da primeira fase, a fim de avaliar verbo-visualmente o momento jornalístico a respeito da gripe:


A chegada do vírus no Brasil e a instalação da pandemia assusta as pessoas por representar um risco em potencial à vida delas, de acordo com os enunciados das capas das revistas. Essa sensação de perigo é reforçada pelas fotografias usadas para ilustrar as chamadas. Duas delas mostram pessoas com máscara, muita utilizada pela população na crença de proteção contra o "ar contaminado". Em outra imagem, o porco é escolhido para personificar a ameaça da Influenza, uma vez que os suínos são hospedeiros do vírus H1N1, motivo pelo qual a gripe é apelidada de suína4.
Destacamos trechos das reportagens que ressaltaram o alarme. Isso pode ser observado nos três exemplos a seguir: o primeiro extraído de Época, o segundo de IstoÉ e o terceiro de Veja. Embora nessa primeira fase todas as revistas tenham imprimido o tom de alerta, percebe-se que esse tom é mais intenso em Época. O excerto 1, por exemplo, insinua que a gripe A é mais perigosa que as balas perdidas, sequestros relâmpagos, acidentes de carro, desastres aéreos, ameaças terroristas e armas nucleares. Essa gripe, personificada como poderoso inimigo, também é comparada à gripe espanhola, que fez mais vítimas do que a Primeira Grande Guerra.
(05)
Esqueça as balas perdidas, sequestros relâmpagos, acidentes de carro, desastres aéreos, ameaças terroristas, o perigo da proliferação nuclear – ou qualquer outro dos grandes temores do mundo moderno. O maior inimigo da espécie humana, desde tempos imemoriais, são seres mil vezes menores que a espessura de um fio de cabelo: os vírus. Em especial, o vírus influenza, da gripe, em seus variados tipos.
[...]
A face alarmante da gripe suína é que ela é muito, muito contagiosa. O vírus ignorou todas as barreiras de contenção montadas pelo governo mexicano: o fechamento de escolas, igrejas, clubes, estádios esportivos, bares e restaurantes. (Época. A ameaça da gripe suína. 07/05/2009)
Na revista IstoÉ, o tom de alerta é dado por meio do discurso indireto da Organização Mundial de Saúde (OMS), que assume a voz da autoridade. Há também a descrição da situação no México e uma crítica às autoridades brasileiras, que começaram a atuar muito tarde nos aeroportos.
(06)
Com 11 países pintados de vermelho no mapa-múndi que cobre uma das paredes de sua diretoria e contabilizando 150 casos de hospitalização com oito óbitos em todo o planeta, a Organização Mundial de Saúde convocou na noite da terça-feira 28 todas as nações para uma empreitada de vida ou morte no campo da saúde pública: "Preparem-se para uma pandemia global." Poucas horas depois os EUA anunciavam a primeira morte de uma de suas vítimas contaminadas pelo novo vírus de gripe que ameaça o planeta: um garoto mexicano de um ano e 11 meses que estava internado no Texas.
[...]
A disseminação da doença alterou a vida em diversos países. No México, aulas e eventos públicos foram cancelados, as ruas ficaram desertas e a população passou a usar máscaras de proteção. Uma das mais tradicionais e concorridas festas do país, a do Primeiro de Maio, este ano não se realizará. Argentina e Cuba suspenderam a chegada de voos provenientes do México e a França conclamava a União Europeia a tomar a mesma precaução. As autoridades brasileiras, que demoraram 48 horas para atuar nos aeroportos, na segunda-feira 27 passaram a recomendar que só pisasse no território mexicano quem não pudesse adiar a viagem e, assim mesmo, usasse máscaras para prevenir o contágio. Como ocorreu em diversos países, também aqui o estoque de máscaras esgotou-se rapidamente. (IstoÉ. O mundo em alerta. 06/05/2009)
Em Veja, o alerta tem um tom menos intenso. Embora o início da matéria seja incisivo quanto ao risco do vírus A(H1N1), a reportagem tranquiliza o leitor, com o aval de autoridades da União Européia e de infectologistas brasileiros.
(07)
Uma onda de medo se espalhou pelo mundo na semana passada à medida que uma epidemia de gripe registrada no México começou a se alastrar por outros países. A gripe suína, assim batizada por ter o porco como principal hospedeiro do vírus que a dissemina, é do tipo mais perigoso. Caso o paciente não receba tratamento adequado em 48 horas, é quase certa a incidência de uma pneumonia. Os pulmões ficam severamente comprometidos e a insuficiência respiratória torna quase impossível caminhar. O vírus é transmitido de pessoa a pessoa e pode-se contraí-lo simplesmente ao apertar de mão de alguém infectado. Até a quinta-feira passada, no México, a gripe suína havia feito, oficialmente, oito vítimas fatais e levado aos hospitais outras 3.000. Foram relatados mais de 170 casos de contaminação em outros onze países. Nos Estados Unidos, registrou-se o primeiro caso de morte pela gripe fora do México. Na quarta-feira, a Organização Mundial de Saúde elevou para 5 – numa escala de 1 a 6 – seu grau de alerta de que a onda de gripe suína pode se converter em pandemia, ou seja, uma epidemia que se dissemina por todo o planeta. Aos poucos, o medo se transformou em pânico.
[...]
Na quinta-feira, autoridades da área de saúde dos países da União Europeia concluíram que não há motivo para pânico por causa da gripe suína. Isso porque, mesmo que ela se torne pandêmica e se espalhe pelo mundo, dificilmente provocará uma quantidade elevada de vítimas fatais.
[...]
No Brasil, a preocupação dos médicos infectologistas é que, caso a febre suína chegue ao país, seja devidamente diagnosticada, e não confundida com uma gripe comum. (Veja. Pânico. 06/05/2009)
Nesse momento de alarme, é interessante notar na leitura dos textos que já existia a ideia de um controle maior da suína em relação à espanhola pelos recursos disponíveis na atualidade e pelo fato de o vírus não ser tão letal quanto se imaginava. Mas, mesmo assim, esse controle ainda é ameaçado pelas poucas informações consolidadas sobre o vírus e a própria doença na época. O alerta se deve pela pandemia em curso, gerando insegurança ao enfatizar o risco sanitário.    
Já na segunda fase, os textos destacam um super dimensionamento do risco, as iniciativas de combate à moléstia, com foco nos medicamentos, e as críticas ao governo pelas medidas adotadas. Embora incitem o clima de combate ao vírus, utilizando as metáforas de guerra, os textos tentam acalmar o leitor, procurando, de certa forma, desfazer o medo provocado na primeira fase. Destacamos abaixo as chamadas de capa:
Ainda nessa fase, as duas imagens utilizadas nas capas fazem apologia ao medo com a foto de pessoas usando máscaras num contraponto à chamada de Veja, que revela em formato de pergunta por que a gripe mata menos que se pensava. Em outra fotografia, a Época destaca um vidro do oseltamivir (medicamento conhecido comercialmente como Tamiflu) como forma de combater a virose. O temor aparece indiretamente "mascarado" pela luta para vencer a epidemia, a ênfase na urgência de produzir a vacina e necessidade do leitor adotarmedidas para se proteger.   


Os textos dessa fase revelam as facetas do controle, diferindo o tom da cobertura conforme a linha editorial da revista. Época, por exemplo, enfatiza certa dramaticidade ao adotar o discurso de guerra: Na semana passada, o Ministério da Saúde e as autoridades estaduais brasileiras admitiram, por atos e palavras, que vinham combatendo a pandemia de gripe suína como se fosse a batalha anterior. Em Época, o alarme, apesar de ter abrandado, ainda é incisivo [Desde que surgiu no México, em abril, bastaram ao vírus A(H1N1) dois meses para dar a volta ao mundo, infectando 135 mil pessoas, e matar mais de 800 pessoas em 160 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)]. Também está presente um alerta às autoridades sanitárias (A questão estratégica que se coloca diante das autoridades sanitárias é desenvolver uma vacina para imunizar a população contra a nova gripe, antes que ela se torne mais letal).
(08)
Já se disse que os generais, pela força da história, estão condenados a repetir as batalhas da guerra anterior, sem perceber que as circunstâncias mudaram. Na semana passada, o Ministério da Saúde e as autoridades estaduais brasileiras admitiram, por atos e palavras, que vinham combatendo a pandemia de gripe suína como se fosse a batalha anterior: a onda de gripe normal que varre o país nos meses de inverno e já foi incorporada sem sobressaltos à rotina das grandes cidades. Não era o caso.
A mudança de procedimento foi anunciada pelo Ministério na quinta-feira, depois de vários sinais de que a população não estava tendo acesso ao remédio com a rapidez necessária – além de se sujeitar a aglomerações que poderiam impulsionar a disseminação da doença.
[...]
Desde que surgiu no México, em abril, bastaram ao vírus A(H1N1) dois meses para dar a volta ao mundo, infectando 135 mil pessoas, e matar mais de 800 pessoas em 160 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse é o lado visível da pandemia. O total de casos é várias vezes maior. As pandemias de gripe ocorrem em ondas sucessivas, geralmente no inverno, quando a doença pode piorar ou abrandar. A questão estratégica que se coloca diante das autoridades sanitárias é desenvolver uma vacina para imunizar a população contra a nova gripe, antes que ela se torne mais letal. Só uma vacina será capaz de conter o vírus – e é importante produzi-la a tempo de enfrentar as próximas ondas de contágio. (Época. Como deter a pandemia. 31/07/2009)
Veja, por seu turno, tenta desmistificar o perigo do novo vírus, tentando acalmar os ânimos dos leitores ao mostrar que a gripe suína não deve ser comparada a uma peste da Idade Média, além do que a gripe comum é bem mais letal. Embora o tom seja tranquilizador, o semanário não descuida de atitudes relativas à prevenção (A nova gripe não um monstro indomável, mas também não é o caso de promover "festas da gripe suína", a exemplo do que ingleses e americanos vêm fazendo. [...] No Brasil, a vacina seria utilizada a partir do próximo inverno. Até lá, é prudente ter cuidado com a gripe suína, mas não há necessidade de alterar hábitos, muito menos de entrar em pânico por causa dela)As medidas preventivas são sugeridas ao leitor como forma de evitar uma possível contaminação.
(09)
É lamentável, obviamente, que a nova gripe tenha feito vítimas fatais, e tomar medidas preventivas contra ela é uma atitude de bom senso, principalmente por parte do poder público. Há evidências, no entanto, de que não é preciso ficar alarmado com a doença, como se ela fosse uma peste da Idade Média. A gripe comum é bem mais letal do que ela. Para se ter uma ideia, no mesmo período de trinta dias, entre junho e julho, em que a gripe suína matou 33 pessoas no país, 4.500 pessoas morreram no ano passado em consequência da gripe sazonal. "A gripe suína tem se mostrado de baixa letalidade", diz o infectologista Mauro Salles, da Fundação Oswaldo Cruz. Como a transmissão do H1N1 é mais fácil do que a do vírus da gripe comum, os especialistas acreditam ser provável que muitas pessoas que ficaram gripadas recentemente tenham contraído a cepa suína sem nem sequer se dar conta da contaminação.
[...]
A principal preocupação dos médicos com relação ao H1N1 é que, ao contrário das gripes sazonais, que praticamente só matam idosos, crianças ou pessoas debilitadas por outras enfermidades, a nova gripe é mais letal em jovens e adultos, alguns sem problemas de saúde anteriores. Por enquanto, nada indica que o H1N1 assumirá as características de um vírus capaz de matar em larga escala. A probabilidade maior é que se enfraqueça. Foi o que ocorreu com o vírus da gripe espanhola, que, entre 1918 e 1929, ceifou 50 milhões de vidas no mundo. A variante da cepa é, hoje, um dos vírus mais fracos em circulação.  
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A nova gripe não um monstro indomável, mas também não é o caso de promover "festas da gripe suína", a exemplo do que ingleses e americanos vêm fazendo. Nesses eventos, convidam-se pessoas infectadas pelo H1N1 para que os demais convidados se exponham a ele. Seus organizadores acreditam que é melhor se contaminar com o vírus agora, enquanto ainda é pouco letal, para proteger-se de eventuais mutações que o tornem mais perigoso. É uma bobagem, visto que é ínfima a probabilidade de o H1N1 adquirir maior virulência.
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No Brasil, a vacina seria utilizada a partir do próximo inverno. Até lá, é prudente ter cuidado com a gripe suína, mas não há necessidade de alterar hábitos, muito menos de entrar em pânico por causa dela. (Veja. Não há motivo para tanto alarme. 29/07/2009)
Já IstoÉ busca, num primeiro momento, questionar a validade de fechar as escolas públicas e privadas para evitar o contágio no início do segundo semestre do ano letivo e chama a atenção para a importância da prevenção.    
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A recomendação se estende à rede particular. Em São Paulo, a maioria das dez mil escolas aderiu, de acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, metade das 2,2 mil instituições de ensino privadas adiou em uma semana a volta. A medida afeta também os universitários. A justificativa para a recomendação é que o tempo frio e chuvoso que tem feito em algumas regiões favorece a manutenção de ambientes fechados, como salas de aula repletas de crianças, um prato cheio para a propagação do vírus. Que o cotidiano de milhares de brasileiros foi alterado com a medida, não há dúvida. Que ela também contribui para aumentar ainda mais o pânico na população, também não. A questão que se coloca é: ela é eficiente para conter a pandemia de gripe que assusta o País?
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O segredo para manter a calma é manter-se bem informado sobre as formas de prevenção e contágio. Em local arejado, de preferência. (IstoÉ. A gripe suína e as crianças. 05/08/2009)
Adotando um tom mais crítico que as demais concorrentes, IstoÉ aproveita o mote da gripe A para fazer uma reportagem de cunho mais político, apontando problemas da administração do Ministério da Saúde que ameaçam a popularidade do Presidente Lula. O próprio título do texto – Um ministério doente – reforça esses problemas, ao metaforizar o setor de Saúde do Governo como um paciente acometido por uma moléstia. Segundo IstoÉ, o controle da gripe A é considerado ineficiente:
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Segundo o levantamento do Instituto Sensus, 42,1% avaliam que o País não tem combatido a gripe suína de forma adequada e 49,4% acham que a Saúde piorou nos últimos seis meses.
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Alheio às nuvens negras ao seu redor, Temporão insiste em culpar a falta de dinheiro disponível para as ações de Saúde e parece ter colocado como prioridade convencer os partidos da base aliada a criar a Contribuição Social da Saúde (CSS), que recriaria o imposto sobre o cheque. "O orçamento está menor", reclamou o ministro. "Temos que nos preparar para uma segunda onda da gripe no ano que vem." Sua proposta, porém, abriu uma nova fonte de desgaste para o governo. Com os recordes de carga tributária, é pólvora pura falar de novos impostos no País. Tanto assim que o próprio presidente Lula disse a Temporão que não vai arcar com o ônus de recriar a CPMF e ainda devolveu a criatura ao subordinado. "Para aprovar novo imposto, só se a sociedade, os prefeitos e o pessoal do Conselho Nacional de Saúde se mobilizarem", desvencilhou-se Lula. (IstoÉ. Um ministério doente. 16/09/2009)
Mesmo o discurso jornalístico tratando do controle, observa-se que o temor diante de uma nova onda de gripe mantém, de forma sutil, a virose gripal como motivo de preocupação do amanhã, denotando que o domínio é momentâneo e que é preciso se preparar contra a doença. O sentido de inquietude é visto no texto através da fala do ministro José Gomes Temporão, que representa a autoridade máxima da Saúde Pública do Brasil, demonstrando que as doenças se inserem no rol das probabilidades de descontrole e gerando, com isso, certa expectativa da imprensa com o desenrolar dos acontecimentos futuros que possam vir a ser notícia.

Considerações Finais
Discutir a respeito da gripe A(H1N1) nos faz refletir sobre a importância que as doenças infecciosas têm para o contexto social e midiático. Ao relacionarmos o passado e o presente das epidemias, acreditamos que os efeitos de sentido dos diferentes discursos contribuíram por tornar a doença uma experiência traumática na atualidade. Experiência de luta, segundo Bauman (2008, p. 73), que tem início com o nascimento do indivíduo e se estende pelo resto da vida. Com a morte, os "perigos são concebidos como 'ameaças' e derivam seu poder de amendrontar do metaperigo da morte". Vivenciar a epidemia torna-se alvo de sofrimento e também de fetiche por parte das mídias, que se utilizam da morte como um dos valores principais na publicação de notícias.
A análise do discurso das revistas Época, Veja e IstoÉ à luz dos conceitos de memória discursiva, interdiscurso e noticiabilidade nos leva a avaliar o peso da palavra epidemia no contexto discursivo, verificando como os sentidos da gripe A(H1N1) foram sendo produzidos com base na memória de outras doenças infecciosas, em especial a da gripe espanhola. Embora as moléstias tenham características distintas, os sentimentos que envolvem cada uma delas (adoecimento, medo, mal, risco e morte) mobilizam as chamadas redes partilhadas de memória a respeito das patologias em geral (Ferraz, 2010). Por associação, novos sentidos vão sendo produzidos com base nos já existentes, através de um processo interdiscursivo, que estabelece pontos de contato com outros campos, em especial o militar.
O sentimento de insegurança que emana dos textos sobre doenças tem uma relação estreita com o discurso e o risco de agressão mantido pelas mídias, bem como no meio ambiente no qual a sociedade vive. Esse sentimento é alimentado pelo próprio progresso da segurança e pela vontade do homem de poder controlar o mundo. "Conseqüentemente, a explicitação da narrativa que acompanha o risco é capital para aqueles que procuram dominá-lo" (Vieillard-Baron, 2007, p. 315).
Por esse motivo, as metáforas de guerra são tão pertinentes ao campo jornalístico, possuindo na maioria das vezes uma função ornamental, na avaliação de Gomes (2000, p. 191-2). "Ou seja, muito mais do que procurar explicar algo, o jornalista emprega metáforas em busca de uma caracterização pitoresca do elemento ao que se está referindo". Assimilando a ideia da autora, o uso de metáforas demonstra "uma grande preocupação dos jornalistas com o envolvimento do leitor" ao tomar para si expressões de guerra utilizadas há décadas nos discursos da saúde pública.
Por fim, cabe destacar que se deve à tendência do jornalismo de tratar com mais intensidade e assiduidade os assuntos que interessam à própria imprensa (Morais, 1996) o fato de as notícias sobre a gripe A(H1N1) terem sido mais alarmantes no início de seu ciclo vital. A constatação de que o vírus não era tão letal quanto se imaginava e a relativa volta à normalidade das populações implicou a queda do interesse da imprensa, indicando o apelo que o descontrole tem não apenas para os media, mas também para a sociedade como um todo.

Referências
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Recebido em: 10/03/2011
Aprovado em: 20/09/2011


1 A relação foi feita para dengue com base nos escritos de Habermas. Ampliamos a idéia acreditando que pode ser possível estender para epidemias de outras doenças (Donalísio, 1999, p. 38-40).
2 O conceito de pressuposto foi introduzido por Ducrot (1972), evidenciando certos conteúdos presentes no enunciado e já conhecidos supostamente pelo destinatário, sendo assumidos por uma espécie de voz coletiva. De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 403-5), os pressupostos têm como consenso "um marcador no enunciado, o que lhes confere uma relativa independência em relação ao contexto", diferentemente dos subentendidos, um tipo específico de implícito que remete a um conteúdo mais intencional-subjetivo que uma expressão explícita.
3 Para um diário, o presente tem 24 horas, o que corresponde à edição do dia. Falando dessa forma, quero referir-me ao presente do enunciado, pois a enunciação se encerra no momento da leitura. Quer dizer, os feitos contribuem para preparação de determinação ação ou atitude por parte dos indivíduos, que se concretiza quando eles realizam o ato de leitura do texto jornalístico. Será a partir dos dados informativos ali relacionados que os leitores serão capazes de comentar os feitos sucedidos desde a perspectiva de que ou bem acabaram ocorrer ou todavia estão ocorrendo. O que é comentado nas mídias será sempre o presente da notícia e isso pressupõe que o presente possa ser prolongado em sua "vida útil", até que outro presente o substitua e ocupa seu destaque nas 24 horas seguintes. Tradução Nossa (TN).
4 Posteriormente, constatou-se que, embora os porcos fossem identificados como hospedeiros do H1N1, não havia perigo de contágio pela ingestão desse tipo de carne. A associação acabou acarretando problemas financeiros aos criadores de suínos do mundo todo, levando a Organização Mundial de Saúde (OMS) a mudar o nome da gripe suína para gripe A(H1N1) pelo vírus ter menos a ver com o animal.

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