segunda-feira, 28 de abril de 2014

O § 6º DO ART. 273 DO CPC: TUTELA ANTECIPADA PARCIAL OU JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DA LIDE?

NAS AÇÕES DECLARATÓRIAS, O PEDIDO SE CONFUNDE COM O IMEDIATO: " AQUI A DECLARAÇÃO DA EXISTÊNCIA OU DA INEXISTÊNCIA DO DIRETO ESGOTA A FINALIDADE DA DEMANDA".


Leonardo José Carneiro da Cunha
Mestre em Direito
Professor do curso de pós-graduação da UFPE
Professor da Faculdade de Direito de Olinda/PE
Procurador do Estado de Pernambuco
Advogado



SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Elementos da demanda. 2.1. Partes. 2.2. Causa de pedir. 2.3. Pedido. 3. Cumulação de demandas. 4. Incontrovérsia. 5. A incontrovérsia e a antecipação de tutela (CPC, art. 273, § 6º). 6. Antecipação parcial e objeto do processo. 6.1. Objeto composto e objeto decomponível. 6.2. Cessação parcial da resistência. 7. Os julgamentos parciais e o encerramento do processo somente por sentença. 8. Aplicação do § 6º do art. 273 do CPC. 8.1. A incontrovérsia prevista no dispositivo. 8.2. Grau de cognição e coisa julgada. 8.3. Recursos. 8.4. Execução definitiva. 9. Conclusões. 10. Bibliografia.

  1. Introdução
A Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, inseriu um § 6º ao art. 273 do Código de Processo Civil, com o seguinte teor: "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".
Permite-se, com essa nova disposição legal, antecipar a tutela jurisdicional, quando houver incontrovérsia quanto a uma parte da demanda. Ocorre, como será visto adiante, que a incontrovérsia gera um juízo de certeza, baseado numa cognição exauriente, acarretando a formação de coisa julgada material.
Diante dessa particularidade, parcela da doutrina entende que a nova regra retrata um caso típico de julgamento antecipado parcial ou fracionado da lide ou, ainda, de resolução parcial do mérito. Há, contudo, quem entenda que o dispositivo encerra novo caso de antecipação de tutela, exatamente por não ser possível, pela sistemática do Código de Processo Civil brasileiro, haver o fracionamento ou a cisão em momentos distintos do julgamento, conquanto fosse recomendável permitir tal cisão ou fracionamento.
O que se pretende, com o presente ensaio, é tentar responder à seguinte indagação: a antecipação prevista no § 6º do art. 273 do CPC constitui mais um caso de tutela antecipada ou encerra uma possibilidade de julgamento antecipado da lide parcial?
A resposta a esse questionamento não prescinde da recordação de alguns conceitos básicos acerca da demanda, dos seus elementos e de suas hipóteses de cumulação para, a partir de uma breve noção sobre incontrovérsia, poder-se chegar a alguma conclusão.
  1. Elementos da demanda
Detendo o Estado o monopólio da jurisdição, cabe somente a ele, de regra, dirimir os conflitos de interesses resistidos. Ocorre que, por ser inerte, a jurisdição depende, para ser exercida, de provocação da pessoa interessada, o que é feito mediante a ação. Ao intentar a ação, o sujeito do interesse estará exercendo um direito – ou, segundo entendem alguns doutrinadores de nomeada, um poder – cuja satisfação resulta da prestação jurisdicional conferida pelo Estado.
Enquanto a ação consiste nesse direito ou poder de provocar o provimento jurisdicional, a demanda exsurge como o ato por meio do qual o provimento é pleiteado. Em outras palavras, pode-se dizer que a ação identifica-se como um instituto abstrato, ao tempo em que a demanda sobressai como a materialização ou concretização prática da ação; enfim, a demanda consiste no exercício da ação. Embora a demanda seja freqüentemente identificada como um dos significados do termo ação, com esta não deve confundir-se.
Daí ser equivocado dizer-se, por exemplo, que há reprodução da mesma ação (CPC, art. 301, § 1º) ou que haja ações idênticas (CPC, art. 301, § 2º). A ação é uma só, a qual poderá ser exercida várias vezes. Logo, o que existe é a reprodução da mesma demanda (e não da mesma ação), podendo verificar-se a coexistência de demandas idênticas (e não de ações idênticas).
A demanda contém elementos que a identificam. Na verdade, são três os elementos identificadores da demanda, a saber: as partes, a causa de pedir e o pedido. Uma demanda será idêntica à outra quando forem igualmente idênticos os seus três elementos, caracterizando a chamada tríplice identidade (CPC, art. 301, § 2º). Havendo, entre duas demandas, diferença em relação a qualquer um dos elementos, já não serão idênticas, tratando-se de demandas distintas.
Embora seja corrente tanto na lei (CPC, art. 301, § 2º) como na doutrina e na jurisprudência identificar o pedido, as partes e a causa de pedir como elementos da ação, impende adotar a terminologia correta, utilizando-se o termo demanda, no lugar de ação. Nesse sentido, cumpre perfilhar o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco, para quem o conceito de demanda deve ser empregado, tal como usado pelos alemães e italianos, como sendo ato de provocação aos órgãos jurisdicionais. Isso porque, "não é a ação que se propõe, porque ação é o poder de exigir em juízo e não tem muito sentido pôr diante do juiz (pro-por) o poder de agir: o que se apresenta a ele, para obter solução imperativa, é a provocação para que atue mediante as formas do processo. Como ato inicial de exercício da ação, provocador do exercício da jurisdição e determinador do âmbito da atuação jurisdicional (v. CPC, art. 128), a demanda identifica-se pelos mesmos elementos identificadores da ação, ou seja, partes, causa de pedir e petitum".
À evidência, é a conjugação dos três elementos (partes, causa de pedir e pedido) que identifica e individualiza uma demanda, sendo recomendável referir-se, ainda que en passant, a cada um deles.
    1. Partes
O processo, como relação jurídica, é composto de vários sujeitos, mas apenas recebem a qualificação de partes o autor e o réu. Sendo parte aquele que demanda ou em face de quem se demanda, podendo-se utilizar da titularidade de situações processuais, a aquisição de tal qualidade opera-se no momento em que a pessoa passa a ter aquela titularidade.
Assim, a aquisição da qualidade de parte, "... acontece mediante quatro modos distintos: a) pela demanda (quem pratica o ato de iniciativa ganha, desde logo, a condição de demandante – autor, exeqüente); b) pela citação (com ela, o citado passa a ser réu, ou executado); c) pela intervenção espontânea (ingressando em processo pendente, o terceiro passa a ser parte da relação processual inicialmente constituída entre outras pessoas); d) pela sucessão (o sucessor, ou sucessores, passam a ocupar o lugar deixado pelo sucedido)".
Enfim, parte é quem propõe a demanda e em face de quem a demanda é proposta; coincide, em uma palavra, com as figuras do autor e do réu. Todos os demais que não sejam partes serão considerados como terceiros, os quais poderão intervir no processo, dele participando como meros intervenientes ou passando a adquirir a condição de partes ou litisconsortes de uma das partes.
Assim, uma demanda terá um autor e um réu, compondo-se as partes, que constituem o primeiro de seus elementos.
  1. Causa de pedir
Ao exigir que a petição inicial contenha a indicação dos fundamentos de fato e de direito, o art. 282, III, do CPC adota a teoria da substanciação, de forma que a causa de pedir compõe-se de dois elementos: a causa de pedir remota e a causa de pedir próxima. Desse modo, integram a causa petendi tanto a relação jurídica deduzida em juízo como o fato que rendeu ensejo à propositura da demanda.
Em uma demanda há, portanto, uma causa de pedir remota e uma causa de pedir próxima.
    1. Pedido.
O pedido, que constitui o mérito, a lide ou a pretensão, é formulado pela parte autora, em razão do princípio da demanda (CPC, arts. 2º e 262). Ao apresentar seu petitum, o autor pede ao juiz uma providência jurisdicional consistente numa declaração, numa (des)constituição, numa condenação, num mandamento ou numa execução lato sensu. Tal providência jurisdicional postulada pela parte autora constitui o chamado pedido imediato.
Já o pedido mediato consiste no bem da vida perseguido; no que o autor pretende, efetivamente, auferir com o resultado final da demanda.
Então, uma demanda contém um pedido imediato e um pedido mediato.
3. Cumulação de demandas
Já se viu que uma demanda caracteriza-se por conter um autor, um réu, uma causa de pedir remota, uma causa de pedir próxima, um pedido imediato e um pedido mediato.
Quando, num mesmo processo, houver mais de um autor ou mais de um réu (ou mais de um autor e mais de um réu ao mesmo tempo) haverá uma cumulação subjetiva de demandas; haverá tantas lides quantos forem os autores ou os réus. Por outro lado, se houver mais de uma causa de pedir remota e/ou mais de uma causa de pedir próxima, existirá cumulação objetiva de demandas, ou seja, sobressairá mais de uma demanda no mesmo processo. Do mesmo modo, havendo mais de um pedido imediato e/ou mais de um pedido mediato, exsurgirá igualmente uma cumulação objetiva de demandas.
É possível que a cumulação seja superveniente, a exemplo do que sucede com o litisconsórcio ulterior: aquele que é formado após o ajuizamento da demanda. Quanto à cumulação objetiva, poderá ser superveniente na hipótese de ser intentada ação declaratória incidental, oposição, reconvenção ou no caso de ser formulado um pedido contraposto na contestação, tal como ocorre nas chamadas ações dúplices. Em tais hipóteses, haverá mais de uma demanda num único processo.
Ainda no que respeita à cumulação objetiva, poderá ser simples, quando o acolhimento de um pedido não depende do acolhimento ou da rejeição do outro, ou ser sucessiva, caso em que o acolhimento de um pedido depende do acolhimento do outro, a exemplo do que ocorre com a investigação de paternidade e a petição de herança. Não é ocioso lembrar haver casos de cumulação objetiva em que o autor formula dois ou mais pedidos, para obter apenas um deles. É o que sucede nas hipóteses de cumulação alternativa (CPC, art. 288) e de cumulação eventual (CPC, art. 289).
As hipóteses de cumulação simples e de cumulação sucessiva são denominadas de casos de cumulação própria, justamente porque, nelas, o que se pretende é o acolhimento conjunto de mais de um pedido, ao passo que as hipóteses de cumulação alternativa e de cumulação eventual são chamadas de casos de cumulação imprópria, exatamente porque, nelas, o que se postula é apenas o acolhimento de um dos pedidos formulados.
O § 6º do art. 273 do CPC aplica-se tão somente aos casos de cumulação própria, não alcançando as hipóteses de cumulação imprópria.
4. Incontrovérsia
A parte autora, em sua petição inicial, suscita pontos. A parte ré, ao contestar o pedido do autor, pode silenciar quanto a algum ponto, o qual passará a ser incontroverso. Caso o réu, contudo, rebata algum ponto, este passa a ostentar a feição de questão, ou seja, passa a ser um ponto controvertido, devendo ser destrinchado e decidido na sentença.
Com efeito, cabe ao réu concentrar em sua contestação toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor (CPC, art. 300), competindo-lhe, antes de discutir o mérito, alegar as matérias preliminares arroladas no art. 301 do Código de Processo Civil. Além do mais, diante do ônus da impugnação especificada dos fatos, cabe ao réu manifestar-se, precisamente, sobre todos os fatos alegados na petição inicial. Os fatos que eventualmente não sejam impugnados serão tidos como verdadeiros, eis que haverá, quanto a eles, incontrovérsia (CPC, art. 302).
À evidência, não havendo contestação do réu, estar-se-á caracterizada a revelia, da qual defluem os efeitos de se atribuir veracidade aos fatos alegados na petição inicial. Significa, então, que, não havendo contestação, haverá incontrovérsia acerca de todos os fatos narrados pela parte autora.
Seja em razão da revelia, seja em virtude da ausência de impugnação a algum fato ou ponto suscitado na petição inicial, haverá a incontrovérsia. Somente deixará de haver incontrovérsia nas hipóteses excepcionais capituladas nos incisos dos arts. 302 e 320 do diploma processual civil.
Diante de uma incontrovérsia, passa a ser desnecessária a produção de provas relativas ao(s) fato(s) tido(s) como incontroverso(s), a teor do que dispõe o art. 334, III, do Código de Processo Civil. A exemplo da incontrovérsia, a confissão quanto a um ou mais fatos também afasta a necessidade de produção de provas relativamente aos respectivos fatos confessados (CPC, art. 334, II).
É bem de ver que, havendo incontrovérsia ou confissão, prescinde-se da produção de provas. E isso porque exsurge, em relação aos fatos confessados ou incontroversos, uma certeza do juiz. Ante a existência de certeza, já estará o magistrado habilitado a proferir pronunciamento definitivo acerca da lide posta ao seu crivo. E a certeza somente é obtida após o exercício de cognição exauriente que produza coisa julgada material.
5. A incontrovérsia e a antecipação de tutela (CPC, art. 273, § 6º)
Não é ocioso relembrar que o § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil dispõe que "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".
Em virtude dessa nova previsão legal, será possível antecipar a tutela jurisdicional, quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. A incontrovérsia, como se viu, gera um juízo de certeza, a entremostrar a realização de uma cognição exauriente pelo magistrado, apta à formação de coisa julgada material.
Diante dessas peculiaridades, tal antecipação prevista no § 6º do art. 273 do CPC constitui mais um caso de tutela antecipada ou encerra uma possibilidade de julgamento antecipado da lide parcial?
Na verdade, antes de se perquirir qual a resposta a essa indagação, cumpre, na esteira dos ensinamentos de Marcelo Lima Guerra, advertir que o conceito de tutela jurisdicional deve corresponder ao de proteção concreta dispensada a determinado direito subjetivo. Nesse sentido, a tutela jurisdicional somente poderá ser declaratória, constitutiva e executiva. Enquanto as tutelas declaratórias e constitutivas decorrem de uma sentença auto-suficiente, por encerrarem um tipo de proteção concreta, a tutela executiva poderá resultar ou de uma sentença auto-suficiente (proferida num processo sincrético que determine a imediata satisfação do crédito) ou de uma sentença instrumental que sirva, tão somente, para o acertamento do direito, dependendo, para sua satisfação ou para a proteção concreta do direito subjetivo, de um posterior processo de execução.
Realmente, tanto a sentença declaratória como a sentença constitutiva valem por si só, não necessitando de futuro processo de execução para que se satisfaça o direito da parte vencedora. Significa, então, que tais sentenças ostentam o matiz de tutelas jurisdicionais.
A ação declaratória visa à obtenção de uma certeza quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica, bem como no que diz respeito à autenticidade ou falsidade de um documento. E a certeza é obtida após o exercício de cognição exauriente que produza coisa julgada material. Desse modo, proferida a sentença declaratória, produzem-se imediatamente seus efeitos, estando certificada a (in)existência da relação jurídica ou a falsidade/autenticidade do documento, não havendo mais nada a ser realizado no processo. Trata-se, na terminologia adotada por Marcelo Lima Guerra, de sentença auto-suficiente.
A ação constitutiva serve, por sua vez, para criar, modificar ou extinguir relação jurídica. A exemplo do que sucede com a ação declaratória, uma vez proferida a sentença (des)constitutiva, já estará criada, modificada ou extinta a relação jurídica, prescindido-se de qualquer outra providência a ser encetada, o que caracteriza a aludida sentença como auto-suficiente.
Já os provimentos mandamentais e executivos lato sensu devem ser efetivados independentemente da instauração de uma demanda executória. Vale dizer que, em tais hipóteses, a sentença será igualmente auto-suficiente, não dependendo da instauração de nova demanda. A tutela executiva, ou seja, a proteção concreta ou a satisfação do crédito da parte é feita no mesmo processo, de forma sincrética.
Por seu turno, os provimentos condenatórios dependem, para a satisfação ou cumprimento do direito subjetivo neles reconhecido, de posterior processo de execução. Bem por isso, tais provimentos consistem em sentenças instrumentais, servindo, apenas, para reconhecer o crédito, a fim de aparelhar posterior demanda executiva.
Na verdade, a tutela executiva poderá ser realizada no mesmo processo (de forma sincrética) ou em processo posterior (de forma autônoma). Cumpre observar que a necessidade de um posterior processo autônomo de execução não constitui característica própria da sentença condenatória. A tutela executiva pode operar-se no mesmo processo, como fase seguinte da fase de acertamento ou, em posterior demanda, de forma autônoma. Tal escolha cabe ao legislador, de tal sorte que constitui opção legislativa a adoção de ações sincréticas ou de ações autônomas para que se exerça a tutela executiva.
Uma vez acolhido o pedido formulado pela parte autora, restará ser efetivada a providência jurisdicional para conferir a devida proteção ao direito material de que é titular a parte; cumpre, enfim, ultimar a tutela jurisdicional.
A inserção do instituto da tutela antecipada no direito processual revelou a clara distinção entre a tutela e os efeitos da tutela; estes últimos são os únicos capazes de serem objeto de uma antecipação judicial. Com efeito, a proteção ou tutela jurisdicional, na realidade, somente ocorre após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de conhecimento. Antes disso, permite-se a antecipação de um, alguns ou todos os efeitos dessa tutela.
Não é por outro motivo, aliás, que o próprio art. 273 do CPC dispõe ser possível ao juiz, a requerimento da parte, "... antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida...", não sendo possível antecipar-se a própria proteção jurídica almejada.
O que se percebe, em verdade, é que o provimento que permite a realização da tutela jurisdicional pode, enfim, ser antecipatório ou final. Surge, como se percebe, uma nova classificação para os atos judiciais, classificação essa, aliás, incorporada à terminologia legal, na exata medida em que se passou a prever, como dever das partes e de todos os demais agentes que participem do processo, que não criem embaraços à efetivação de provimentos finais ou antecipatórios (CPC, art. 14, V).
Significa que a resolução do mérito ou decisão acerca do pedido formulado pela parte autora poderá constar de um provimento final ou antecipatório. Na primeira hipótese, ao se resolver o mérito, encerra-se, ao mesmo tempo, a atividade de acertamento do procedimento instaurado perante o juiz de primeira instância. Na segunda hipótese, resolve-se parte do mérito, mas ainda não estará encerrado o procedimento adotado na primeira instância jurisdicional, prosseguindo-se para a realização de outros atos destinados à resolução de outro pedido que ainda não tenha sido examinado.
Em outras palavras, não é o momento em que proferida a decisão que vai definir se houve resolução ou não do mérito. É o tipo de cognição exercida pelo juiz que deixará evidente tratar-se de uma antecipação de tutela ou de uma decisão final, que poderá gerar ou não a produção de coisa julgada material.
No caso do § 6º do art. 273 do CPC, conquanto a decisão do juiz não ponha termo ao processo (rectius: à fase de acertamento), estará havendo julgamento sobre parte do mérito, com decisão acerca de um dos pedidos ou de parte deles. E, diante da incontrovérsia, haverá juízo de certeza, fundado em cognição exauriente, apta a gerar coisa julgada material.
6. Antecipação parcial e objeto do processo
Uma leitura inicial do § 6º do art. 273 do CPC poderia dar a impressão de que somente seria possível a antecipação parcial, na hipótese de haver pedidos cumulados. Parece, contudo, que tal antecipação será possível não somente em casos de um dos pedidos cumulados se revelar incontroverso, mas também quando houver convicção segura quanto a uma parcela do objeto do processo.
O objeto do processo é, na verdade, sinônimo de pedido, de mérito, de lide, de pretensão. A pretensão pode ser, não raramente, decomposta. Daí aludir-se a objeto simples, composto ou decomponível.
6.1. Objeto composto e objeto decomponível
Como se viu, uma demanda contém, apenas, um pedido, ou seja, um objeto. É possível, contudo, haver, num único processo, a cumulação de várias demandas, quando se verificar a existência de mais de um pedido: cada pedido corresponderá a uma demanda. Havendo, já se viu, pedido contraposto, ação declaratória incidental, reconvenção ou oposição, haverá cúmulo de demandas. Nesses casos, segundo terminologia adotada por Cândido Rangel Dinamarco, diz-se que o objeto é composto; o processo é um só, havendo uma única instrução e uma única sentença que terá vários capítulos, um para cada pedido.
É possível que não haja cumulação de pedidos, sendo única a pretensão ou o objeto do processo. Quando a pretensão, todavia, diz respeito a bens que possam ser quantificados, por unidade, peso ou volume, a exemplo do que sucede com dinheiro ou coisas fungíveis, diz-se que o objeto é decomponível. Em outras palavras, o pedido pode ser decomposto, porquanto o juiz, diante dos elementos carreados aos autos, rejeita a pretensão do autor ou concede-lhe toda a quantidade postulada ou, ainda, defere-lhe apenas parte dela. Assim, pleiteado o recebimento de dez unidades, poderão ser concedidas as dez ou parte delas, como, por exemplo, três, cinco ou sete.
6.2. Cessação parcial da resistência
É cediço que a necessidade de se postular uma providência jurisdicional decorre da existência de um conflito de interesses resistido. Enquanto houver a resistência, mantém-se a necessidade de se obter uma prestação jurisdicional. Quando duas pessoas despertam interesse sobre o mesmo bem, surge o conflito de interesses. A recalcitrância ou a resistência de ambas as partes impede que haja uma solução, a não ser por via judicial, justamente por ser vedado o exercício da autotutela.
Caso uma das partes abdique do interesse em favor da outra parte, deixará de haver a resistência, havendo solução unilateral. A resistência poderá deixar de existir também em virtude de solução bilateral, verificada na hipótese de haver uma transação ou um acordo entre as partes. A cessação da resistência afasta a necessidade da prestação jurisdicional. Caso, entretanto, já exista demanda em curso, a cessação da resistência poderá operar-se endoprocessualmente, mediante a formalização de reconhecimento da procedência do pedido, de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação ou de transação. Nesses casos, haverá extinção do processo com julgamento do mérito, a ser concretizada por meio de uma sentença homologatória (CPC, art. 269, II, IV e V), porquanto o juiz não decide nada; são as próprias partes que põem cobro ao litígio.
A estrutura do Código de Processo Civil entremostra que a cessação da resistência gera a extinção do processo somente por meio de sentença, não havendo previsão para que se permita que, em casos de reconhecimento parcial da procedência do pedido, de renúncia parcial do direito sobre o qual se funda a ação ou de transação parcial, o juiz, em decisão interlocutória, já homologue tal parcela desprovida de resistência, determinando-se o prosseguimento do feito em relação à parte restante. Na verdade, a praxe forense vem relevando a possibilidade de haver esse fracionamento no julgamento, sendo comum que, em casos assim, o juiz já homologue a cessação parcial da resistência, prosseguindo com a demanda na parte restante.
7. Os julgamentos parciais e o encerramento do processo somente por sentença
Por muito tempo se firmou o entendimento segundo o qual a sentença contém os atributos da unicidade e unidade. Constituiu-se verdadeiro dogma a proibição de ser cindido o julgamento, com a antecipação da decisão quanto àquele pedido que já se encontra apto para apreciação.
Tal entendimento incrustou-se na mente de doutrinadores e magistrados, fazendo erigir a unicidade e unidade da sentença a postulado intangível e impenetrável. Não poderia, desse modo, o juiz antecipar o julgamento de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados que prescindisse de provas adicionais, relegando o outro pedido para a instrução.
O julgamento antecipado da lide, considerado medida inovadora e revolucionária no sistema do Código de Processo Civil vigente (art. 330), sempre foi utilizado apenas para resolver toda a questão posta em juízo, de tal sorte que somente se poderia antecipar o julgamento na hipótese de toda a causa não depender mais de novas provas. Com a previsão da tutela antecipada no art. 273 do CPC, houve o rompimento dessa unidade da sentença, permitindo seja decidida uma parte do pedido, protraindo-se a análise da outra parte para o momento final do processo.
Seria possível, diante disso, defender que o § 6º do art. 273 do CPC encerra uma hipótese de julgamento antecipado da lide parcial, e não de um novo caso de tutela antecipada. Ocorre, porém, que "o nosso sistema não admite, em casos assim, que haja duas sentenças", de tal maneira que não se poderia admitir que o referido dispositivo estaria a disciplinar uma espécie de julgamento antecipado da lide parcial.
Sem embargo do peso da afirmação e não obstante a autoridade de quem a formula, parece que o sistema processual brasileiro admite, sim, um fracionamento de julgamentos. Tome-se como exemplo uma demanda intentada por duas pessoas diferentes, em litisconsórcio ativo facultativo. No exame da petição inicial, o juiz resolve indeferir a peça inaugural em relação a um dos litisconsortes, por entender que, no tocante a ele, não há interesse de agir ou legitimidade para a causa, determinando o prosseguimento do feito relativamente ao outro litisconsorte. A decisão relativa ao primeiro litisconsorte implicou a extinção do processo em relação a ele, estando a matéria arrolada no art. 267 do CPC.
Imagine-se outra situação: um sujeito A propõe uma demanda em face de um sujeito B. Em sua petição inicial, A formula dois pedidos (cumulação objetiva simples). No curso do procedimento, o juiz verifica que, em relação a um dos pedidos, há decadência. Então, acolhe a decadência, extinguindo o processo com julgamento do mérito em relação a tal pedido, prosseguindo no tocante à outra pretensão.
Essas situações, corriqueiras na praxe forense, denotam a existência, no sistema brasileiro, de fracionamento do julgamento, pungindo o dogma incrustado na doutrina, segundo o qual haveria a unidade e unicidade da sentença, de forma a não se possibilitar a cisão ou o desmembramento do julgamento.
Nesses exemplos, a decisão do juiz, embora ostente conteúdo de sentença, por tratar de matérias contidas nos arts. 267 e 269 do CPC, não se identifica com uma sentença, eis que não encerrou todo o procedimento. No particular, sobreleva, mais uma vez, a distinção – já incorporada ao Código de Processo Civil (art. 14, V) – entre provimento final e provimento antecipatório. Não é o conteúdo contido no ato judicial que o qualifica, mas o momento em que proferido.
À evidência, para que um ato judicial seja identificado como sentença, é preciso que todo o procedimento em primeiro grau desencadeado com o processo seja extinto. Não importa o conteúdo desse ato, mas sim a extinção de todo o procedimento que tramitou perante o juiz de primeira instância. O sistema processual brasileiro não impede que uma decisão interlocutória, por exemplo, trate de matéria de mérito, não pré-fixando conteúdo para cada tipo de ato judicial.
8. Aplicação do § 6º do art. 273 do CPC
Para que se aplique o § 6º do art. 273 do CPC, não se exige a verossimilhança, fundada em prova inequívoca. E isso porque, ao aludir à incontrovérsia, o juiz estará analisando mais do que uma simples verossimilhança: estará fundado num exame de certeza. Não se deve, igualmente, perquirir acerca da presença de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, nem vindo a pêlo cogitar-se da ausência de risco de irreversibilidade. Não se exige, da mesma forma, o manifesto propósito protelatório do réu.
Basta, apenas, a incontrovérsia e a desnecessidade de produção de outras provas para que se aplique o § 6º do art. 273 do CPC, podendo, inclusive, a decisão conter matiz irreversível. É que, sendo a decisão fundada em incontrovérsia, decorre de juízo de certeza, dando azo a uma cognição exauriente. A irreversibilidade está relacionada com a provisoriedade ínsita aos pronunciamentos resultantes de cognição sumária, baseados em probabilidade ou verossimilhança, o que, como se viu, não é o caso da decisão proferida com amparo no § 6º do art. 273 do CPC.
Além da incontrovérsia, é preciso, para que se antecipe parcialmente o julgamento com fulcro no art. 273, § 6º do CPC, haver o requerimento expresso da parte interessada. Conquanto haja respeitável opinião em sentido divergente, parece ser necessário exigir-se o requerimento para aplicação do § 6º do art. 273 do CPC, não podendo o magistrado aplicá-lo de ofício.
É bem verdade que, em se tratando de julgamento antecipado da lide, o juiz aplica, ex officio, o art. 330 do CPC, não carecendo de pedido de qualquer das partes. Poderia soar lógico, então, que, encerrando o § 6º do art. 273 do CPC um caso de julgamento antecipado da lide parcial, também poderia o julgador, nesse caso, aplicar a regra de ofício. Acontece, porém, que, estando a regra inserida no âmbito do art. 273 do CPC, não há como dispensar o requisito do requerimento da parte, eis que se encontra exigido no caput da norma. E, mesmo sendo, via de regra, o instituto aplicado de ofício (CPC, art. 330), poderá a lei excepcionar a regra (CPC, art. 273), tal como ocorreu, por exemplo, com a modificação feita ao art. 526 do CPC: a inserção de um parágrafo único restou por criar um requisito de admissibilidade recursal para o agravo de instrumento, requisito esse que não pode ser conhecido de ofício pelo tribunal. Ora, todos os requisitos de admissibilidade recursal devem ser conhecidos de ofício, mas, no caso do art. 526 do CPC, houve a criação de uma exceção.
8.1. A incontrovérsia prevista no dispositivo
A incontrovérsia a que alude o dispositivo sob enfoque é tanto aquela prevista no art. 334, III, do CPC, que dispensa a produção de provas sobre os fatos alegados, como aquela relativa ao objeto do processo, é dizer, aquela relativa às conseqüências jurídicas desejadas pelo autor.
Assim, não havendo mais necessidade de provas em razão da incontrovérsia, permite-se a aplicação do art. 273, § 6º do CPC. De igual modo, havendo reconhecimento jurídico de parte do pedido (ou de um deles, na hipótese de cumulação), havendo renúncia à parte do direito sobre o qual se funda a ação ou havendo transação parcial, em todos esses casos legitima-se também a aplicação do referido dispositivo.
Parece possível, ainda, aplicar o § 6º do art. 273 do CPC, "quando um dos pedidos já puder ser julgado, mesmo havendo controvérsia fática, pois não há necessidade de produção de provas em audiência".
É oportuno registrar que as negociações encetadas pelas partes, com a apresentação de propostas de acordo, ainda que registradas em audiência, não devem caracterizar incontrovérsia nem concordância quanto a fatos ou a conseqüências jurídicas a eles atribuídas. Do contrário, ou seja, caso se considerasse que negociações levadas a cabo revestiriam o timbre de confissão, incontrovérsia ou reconhecimento do pedido, estar-se-ia a inibir a prática de atos conducentes a pôr cobro ao litígio por iniciativa das próprias partes, quando se sabe que é dever o juiz estimulá-las a tanto (CPC, art. 125, IV).
No particular, merece registro a advertência cifrada por Joel Dias Figueira Júnior: "Situação que merece ser também analisada é aquela respeitante às conversações que se desenvolvem entre as partes, durante a fase antecedente das audiências preliminares de tentativa de autocomposição, onde, não raramente, o réu, buscando viabilizar um acordo, apresenta proposta concreta de, por exemplo, pagar parcialmente a quantia pretendida pelo autor. Se a proposição formulada pelo réu não for a título de reconhecimento parcial do pedido, mas de mera tentativa voltada à conciliação com o escopo de extinguir a lide, naquele mesmo ato, mediante transação (art. 269, III, CPC), e, se eventualmente, não acolhida pelo autor, tal circunstância não pode ser considerada pelo juiz como reconhecimento tácito capaz de agasalhar a concessão da tutela antecipada. Frise-se que, em hipótese alguma, na tentativa de autocomposição judicial mediante transação, haverá a proposta concreta, apresentada pelo réu, de ser considerada como reconhecimento parcial do pedido, o qual deve ser expresso. Ademais, se assim não for, toda e qualquer prática de negociação que não frutificar, terminará por acarretar ao réu (injusta e inexplicavelmente) o reconhecimento parcial do pedido relativo à parcela sobre a qual a proposta de acordo foi formulada. Por conseguinte, as tentativas conciliatórias perderiam todo o seu fim e, por certo, catastroficamente, em pouco tempo, deixariam de existir".
8.2. Grau de cognição e coisa julgada
A doutrina vem empreendendo estudos relativos ao procedimento com vistas a reforçar a feição instrumental do processo como meio de se aplicar ou de se fazer valer o direito material, surgindo a construção de tutelas jurisdicionais diferenciadas mediante o uso da técnica de cognição igualmente diferenciada, a depender dos detalhes, variações e necessidades de cada direito material específico.
A construção de procedimentos diferenciados decorre da combinação das diversas formas de cognição, as quais, uma vez manipuladas pelo legislador, permite a adoção de meios adaptados às especificações do direito material ou da correlata pretensão.
Assim, a cognição pode ser considerada nos planos vertical e horizontal. Neste último, a cognição diz respeito à matéria processual, às condições da ação e ao mérito, podendo ser limitada ou ampla. Será limitada, para alcançar-se maior celeridade no processo, quando a lei restringir a causa de pedir ou a amplitude da defesa, limitando a cognição a ser exercida pelo juiz. Assim, numa ação de desapropriação, por exemplo, a cognição, no plano horizontal, é limitada, pois a lei restringe as matérias que podem ser alegadas na defesa do réu, de sorte que este último somente pode alegar vícios no processo judicial ou discutir o preço oferecido pelo ente expropriante (Decreto-lei nº 3.365/41, art. 20). Já a cognição ampla, no plano horizontal, permite que as partes aleguem qualquer matéria, não restringindo igualmente a análise judicial, tal como sucede, por exemplo, no procedimento comum, seja ela sumário, seja ele ordinário.
A cognição vertical, que está relacionada à profundidade da análise judicial, divide-se em cognição sumária e cognição exauriente. Enquanto a sumária constitui aquela cognição superficial, menos aprofundada no âmbito vertical, decorrente de mera probabilidade ou verossimilhança, a cognição exauriente decorre de juízo de certeza, em razão de uma incontrovérsia ou da produção de todas as provas possíveis no processo.
A cognição sumária, por ser superficial, é sempre provisória, podendo ser revista posteriormente. Bem por isso, não produz coisa julgada material. Por sua vez, a cognição exauriente, seja ela limitada ou ilimitada, é a única apta a gerar coisa julgada material.
No caso do pronunciamento judicial fundado no § 6º do art. 273 do CPC, a cognição do juiz é exauriente, justamente por decorrer de uma certeza, obtida pela incontrovérsia referida no dispositivo. Daí por que tal pronunciamento tem força para gerar coisa julgada material. Conquanto exauriente, a cognição somente passa a ser definitiva quando se opera o trânsito em julgado da correlata decisão, ou seja, depois de não ser cabível mais qualquer recurso ou quando já escoados todos os possíveis.
Sendo a cognição exauriente, não há como se aplicar o disposto no § 4º do art. 273 do CPC, não sendo possível ao juiz, a qualquer momento, revogar ou modificar sua decisão. É que, diante da incontrovérsia e da decisão nela fundada, não sobeja mais cognição a ser feita em torno dos fatos ou de suas conseqüências jurídicas. Nesse caso, "é necessário reconhecer verdadeira preclusão pro judicato em favor do demandante, por força de decisão interlocutória não recorrida proferida no curso do processo de conhecimento. Fenômeno colateral e afim à coisa julgada, a preclusão pro judicato é aquela que, mesmo na ausência de qualquer sentença de mérito, produz resultado prático semelhante à autoridade e eficácia da coisa julgada".
Tudo isso está a demonstrar, portanto, que a decisão judicial fundada no art. 273, § 6º do CPC decorre de cognição exauriente, produzindo coisa julgada material, caso não haja recurso ou depois de esgotadas todas as vias recursais.
8.3. Recursos
A classificação dos atos judiciais, prevista no art. 162 do CPC, somente tem relevância para efeito de se verificar qual o recurso cabível. Como se sabe, da sentença cabe apelação (CPC, art. 513), da decisão interlocutória cabe agravo (CPC, art. 522), sendo o despacho irrecorrível (CPC, art. 504).
Daí a importância do conceito de cada um dos atos judiciais: deve o ato ser precisamente identificado para efeito de se interpor o recurso adequado à espécie.
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, a sentença, além de ser o ato judicial que põe termo ao processo, somente poderá assim ser considerada se contiver algum dos conteúdos previstos nos arts. 267 e 269 do CPC. Na realidade, no seu sentir, a sentença é um ato judicial com uma nota marcante, qual seja, o único que ostenta conteúdo pré-estabelecido em lei, contrariamente aos outros atos judiciais.
De tal entendimento manifestado por Teresa Arruda Alvim Wambier discorda Nelson Nery Júnior, alegando que não vige mais no ordenamento positivo brasileiro a qualificação da decisão por seu conteúdo, o que havia no antigo CPC/39, no qual se previa que, a depender do conteúdo, o recurso seria diferente. Caso não se adentrasse no mérito, cuidando-se apenas de extinguir o processo sem sua análise, o recurso cabível seria o agravo de petição. Do contrário, ou seja, caso houvesse exame do mérito, o recurso adequado seria a apelação.
Na realidade, e com todo o respeito ao entendimento sustentado pela Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, não é o conteúdo do ato judicial que o identifica; é a conseqüência produzida e o momento em que proferido o ato que o qualifica. Assim, quando encerra o processo, o ato judicial é identificado como sentença; quando resolve qualquer questão, sem encerrar o processo, o ato judicial será considerado como decisão interlocutória, mesmo que seu conteúdo guarde pertinência com algumas das matérias arroladas nos arts. 267 e 269 do CPC.
A esse respeito, é esclarecedora a orientação de Flávio Cheim Jorge: "Para que uma decisão se caracterize como sentença, todo o procedimento em primeiro grau desencadeado com o processo precisa ser extinto. Esse entendimento é reforçado inclusive pelo aspecto prático, pois, se nem todo o procedimento for extinto, a apelação não terá como subir nos próprios autos ao tribunal.".
Há uma situação bem corriqueira que ilustra essas afirmativas: quando o juiz, numa demanda em que haja litisconsórcio, verificar que um dos litisconsortes figura como parte ilegítima e resolver excluí-lo da relação processual, prosseguindo no feito em relação aos demais litisconsortes, estará proferindo ato judicial que apresenta um dos conteúdos do art. 267 do CPC. Só que, tal ato judicial não terá o condão de extinguir o processo, na exata medida em que não se encerrou toda a atividade jurisdicional de primeira instância. Nessa hipótese, embora o comando judicial possa enquadrar-se em um dos casos do art. 267 do CPC, não será sentença, eis que não houve encerramento de todo o procedimento. Tal ato judicial consistirá numa decisão interlocutória, desafiando a interposição de um agravo.
A jurisprudência está pejada de precedentes que contêm essa mesma conclusão, sendo pertinente reportar-se aos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
"Exclusão de litisconsorte da lide. Recurso cabível. Precedentes da Corte.
1. Não há discrepância na Corte sobre o cabimento do agravo de instrumento para enfrentar decisão que exclui um dos litisconsortes da lide.
2. Recurso especial não conhecido."
"RECURSO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Cabe agravo de instrumento da decisão que reconhece a ilegitimidade passiva de um dos litisconsortes e o exclui da lide, que prossegue em relação aos demais.
Recurso conhecido e provido."

A exemplo do que ocorre em casos como os acima referidos, a resolução parcial do mérito, feita com estribo no art. 273, § 6º do CPC, desafia a interposição de recurso de agravo, porquanto o ato judicial, sobre não encerrar o procedimento como um todo, reveste o timbre de decisão interlocutória.
Como se sabe, o agravo pode ser interposto na forma retida ou por instrumento. Na hipótese de resolução parcial do mérito, parece não ser possível a interposição do agravo retido. É que, não sendo a insatisfação da parte submetida de logo ao conhecimento do tribunal, será iniciada a execução do julgado parcial, prejudicando a parte contra quem fora julgado antecipada e parcialmente a lide, "não lhe conferindo qualquer utilidade a insurreição recursal interposta na forma retida. É que, em tais hipóteses, a decisão deve ser imediatamente controlada pelo tribunal, sob pena de esvaziar-se o objetivo do recurso, causando perda de interesse recursal".
Cabível, então, contra a decisão que julgar antecipadamente, de forma parcial, a lide, o agravo de instrumento, adotando-se suas regras próprias de interposição, devendo ser ajuizado diretamente no tribunal competente, daí se seguindo o procedimento capitulado no art. 527 do CPC. A propósito, e porque a decisão do juiz que tenha escoro no art. 273, § 6º do CPC esteja resolvendo parte do mérito da demanda, há quem defenda que ao agravo devem, nesse caso, ser aplicadas as regras próprias da apelação, de forma que o agravo, na espécie, deveria conter revisor, permitir a sustentação oral e, se provido por maioria, ensejar a interposição de embargos infringentes.
Rogando as venias de praxe, não parece ser possível aplicar ao agravo as regras próprias da apelação, somente porque o conteúdo ou o objeto da discussão diz respeito ao mérito da demanda. Não é o conteúdo da decisão impugnada que irá ditar qual o procedimento a ser adotado em relação ao recurso. Quando o juiz acolhe, por exemplo, a decadência quanto a um dos pedidos, o recurso cabível é o agravo, não se permitindo adotar regras próprias da apelação, de tal maneira que o agravo não deve contar com revisor, nem permitir a sustentação oral.
Na verdade, a diferença entre a apelação e o agravo será a de que, neste último, apenas não haverá revisor, pois a sustentação oral, tal como exposto na nota de rodapé nº 56, deve ser admitida em qualquer recurso.
Quanto ao cabimento de embargos infringentes, cumpre lembrar: "se, ao julgar o agravo retido, o tribunal resolver, por maioria de votos, matéria de mérito (CPC, art. 269) ou alguma questão que não preclui (CPC, art. 267, IV, V e VI), os embargos infringentes serão cabíveis". Aplica-se, no particular, a Súmula 255 do STJ: "Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito".
Diante disso, e levando-se em conta os termos da própria Súmula 255 do STJ, se a decisão do juiz, que deferir ou indeferir a antecipação do § 6º do art. 273 do CPC, vier a ser reformada, por maioria de votos, pelo tribunal, será possível, ao que parece, a interposição de embargos infringentes, com vistas a fazer prevalecer a conclusão do voto vencido.
Do acórdão que julgar o agravo de instrumento e vier a reformar ou manter a resolução parcial do mérito (CPC, art. 273, § 6º do CPC) caberá, ainda, um recurso especial e/ou extraordinário. Tais recursos não devem manter-se retidos, devendo-se afastar a regra contida no § 3º do art. 542 do CPC, pois não haveria decisão final a ser exarada, da qual coubessem outros recursos, em cujos prazos se pudesse reiterá-los.
Se o juiz antecipar parcialmente o julgamento, em razão de um reconhecimento parcial da procedência do pedido, não poderá o réu interpor recurso, valendo dizer que, nessa hipótese, a decisão será irrecorrível. É que o reconhecimento da procedência do pedido constitui um fato impeditivo do poder de recorrer, havendo, na verdade, preclusão lógica, pois, ao reconhecer a procedência do pedido, o réu praticou um ato incompatível com o desejo de ver julgado improcedente a pretensão do autor.
8.4. Execução definitiva
A decisão proferida pelo juiz, com fundamento no § 6º do art. 273 do CPC, decorre, como se viu, de uma cognição exauriente, fundada numa certeza, gerando, bem por isso, coisa julgada material. Enquanto impugnada por agravo, a decisão, embora fundada em cognição exauriente, não será, ainda, definitiva. Logo, a execução encetada pela parte beneficiada com a decisão será provisória.
Não havendo recurso, não sendo este cabível ou esgotados todos os recursos possíveis, sobrevirá o trânsito em julgado, com a produção dos efeitos da coisa julgada material. A partir daí, a execução proposta será definitiva, e não mais provisória, não se aplicando as restrições do art. 588, II, do CPC, de sorte que passa a ser possível o levantamento de dinheiro ou a transferência de domínio, independentemente do oferecimento de caução idônea.
Na verdade, instaura-se uma execução sem título permitida. É que o processo de execução depende de um título executivo, em razão do princípio da nulla executio sine titulo. Acontece que a decisão fundada no § 6º do art. 273 do CPC, embora resolva parcialmente o mérito, não pode ser identificada como uma sentença, mas sim como uma decisão interlocutória, não se inserindo, portanto, no elenco dos títulos executivos previstos nos arts. 584 e 585 do CPC. Então, em contraste ao princípio da nulla executio sine titulo surge um novo princípio chamado de princípio da execução sem título permitida, viabilizando o ajuizamento da ação de execução sem lastro num título taxativamente previsto, em números clausus, na lei processual. É o que sucede, por exemplo, com o mandado injuntivo da ação monitória ou com a tutela antecipada: não são títulos expressamente capitulados nos arts. 584 e 585 do CPC, mas servem de lastro a uma execução.
Enfim, não havendo mais recurso, a execução será definitiva, aplicando-se o princípio da execução sem título permitida.
9. Conclusões
De tudo o que se expôs pode-se concluir que a decisão que antecipa a tutela em razão da incontrovérsia está fundada em certeza, decorrente de juízo de cognição exauriente, gerando coisa julgada material, sendo desafiada por agravo de instrumento e viabilizando execução definitiva, caso não seja interposto o recurso ou após esgotadas as vias recursais.
Isso tudo denota que a decisão apresenta conteúdo de uma sentença de mérito. Trata-se, a bem da verdade, de julgamento antecipado parcial da lide, e não de tutela antecipada. Na lição de Joel Dias Figueira Júnior, "se a antecipação da tutela tomou como fundamento o reconhecimento parcial do pedido, ou, no caso de cumulação de ações, o reconhecimento integral de uma das demandas, a decisão judicial concessiva dos efeitos fáticos, nada obstante interlocutória (de mérito), não será provisional, mas satisfativa definitiva, sendo impossível, por conseguinte, o juiz modificar o conteúdo decisório, quando da prolação da sentença de mérito. Nesse caso, estamos diante, na realidade, não de tutela antecipada, mas de verdadeiro julgamento antecipado e fracionado da lide, com execução imediata da decisão em sua parte incontroversa, decorrente do reconhecimento do pedido (parcial) ou integral de uma das ações cumuladas".
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