quinta-feira, 5 de março de 2015

A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR PARA JULGAR CASOS DE VIOLÊNCIA ENTRE CÔNJUGES



O ARTIGO PÕE EM DISCUSSÃO RECENTE DECISÃO DO STF EM MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.

 
A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR PARA JULGAR CASOS DE VIOLÊNCIA ENTRE CÔNJUGES

ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da Republica aposentado

Em mais um capitulo na discussão com relação a competência da Justiça Militar, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu, no dia 3 de março de 2015, pedido de habeas corpus formulado pela defesa de um sargento do Exército condenado por crime de ameaça a sua mulher, também sargento, numa unidade residencial militar no bairro de Cambuci, em São Paulo.
No caso em discussão, o casal era formado por dois sargentos do Exército.
Fala-se que, em razão de incidentes de violência do marido contra a esposa, esta passou a dormir na unidade militar, onde foi proibida a entrada do marido, dando-se início ao processo de separação judicial. Pois bem: nesse período em que a mulher estava alojada na unidade militar houve notícia de ameaças contra ela e o irmão.
O marido foi denunciado pelos crimes de lesões corporais leves e ameaça. Segundo a denúncia, as ameaças ocorreram por celular, quando a mulher estava em serviço na Base de Administração e Apoio do Ibirapuera, e foi ouvida por outros militares que estavam em sua companhia, e repercutiram no ambiente da base, havendo necessidade de o marido ser proibido pelo comando de entrar no local ou de conversar com a esposa sem a presença de outros dois militares. O comando também autorizou que a sargento passasse a pernoitar no quartel.
O militar foi absolvido da primeira imputação, mas condenado a um mês de prisão pelo Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar pelo crime de ameaça (artigo 223, caput, do Código Penal Militar), com regime prisional inicialmente aberto. No HC impetrado no STF, a defesa insistiu na tese da incompetência, argumentando que não houve violação a bens jurídicos tipicamente associados à função militar.
Dir-se-ia que, em se tratando de caso de violência doméstica, a competência é claramente definida a favor da Justiça Comum.
Porém, o Ministro Dias Toffoli votou no sentido de denegar a ordem, concluindo que os fatos não se deram dentro da intimidade do casal.
Disse ele: “o delito transcende a violência doméstica contra a mulher, pois a conduta negou obediência a princípios inerentes às Forças Armadas, como a disciplina que deve ser observada no ambiente da caserna”.
No caso em tela, concluiu-se pela incidência do artigo 9º, inciso II, alínea “a”, do Código Penal Militar, que define como crime militar aqueles praticados por militar em situação de atividade ou assemelhado,  contra militar, na mesma situação ou assemelhado.
A Justiça especializada Militar julga, tão somente, os crimes militares. Essa definição de crimes militares em tempo de paz é dada pelo artigo 9º do Código Penal Militar, onde se diz:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
- os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal;
f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica . (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011)

Vem a pergunta: Então o que é crime militar? Crime militar será toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares.

Terá de se comprovar a qualidade militar no ato e no agente dentro de um critério ratione materiae. Por outro lado, num critério ratione personae, são delitos militares aqueles cujo sujeito ativo é militar, atendendo a qualidade de militar do agente.

Por sua vez, o artigo 21 do Código Penal Militar determina: “considera-se assemelhado o servidor, efetivo ou não, dos ministérios da marinha, do exército ou da aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento”.

Lembre-se que a Justiça Castrense Federal tem competência para julgar os membros das Forças Armadas , e além deles, os civis que venham a incorrer em crime militar.
É certo que a doutrina, pela voz abalizada de Eugênio Pacelli(Curso de Processo Penal, 17ª edição, pág. 256) conclui que a Justiça Militar Federal julga tanto civis como militares. Mas a competência da Justiça Militar somente aprecia delitos militares, impondo-se a separação obrigatória dos processos em caso de concurso de crimes(comuns e militares), diante da absoluta especialização e especialidade dessa jurisdição.
Para Eugênio Pacelli é exatamente a motivação do agente que afastaria a aplicação do tipo penal previsto no CPM. Disse ele: “Para que se possa admitir um crime como de natureza militar, parece-nos indispensável, ou uma ação dirigida contra a instituição, ou uma ação praticada pelo militar, do mesmo modo que se exige, para os chamados crimes políticos a motivação política da conduta(Lei nº 7.170/83, artigo 2º). Ora, tampouco é suficiente a condição de militar, como, aliás, se ressaltou na decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Há crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares. Os propriamente militares dizem respeito à vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do sujeito do delito, na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do objeto da ofensa penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia militar. Os crimes impropriamente militares, que podem ser cometidos por militares e ainda, excepcionalmente, por civis, abrangem os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na legislação penal comum. Sendo assim, crimes impropriamente militares são os que, comuns em sua natureza, podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que, quando praticados por militar em certas condições a lei considera militares, como se tem dos crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio, os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, dentre outros. São ainda impropriamente militares, os crimes praticados por civis, que a lei define como militares, como o violência contra sentinela, previsto no artigo 158 do CPM.
Com o devido respeito, a violência entre cônjuges registrada não teve motivação militar, que é algo que exige para que se tenha o crime como militar. A violência era doméstica, envolvendo cônjuges, que deve ser dirimida nos limites da legislação civil e da legislação penal não extravagante,  não se dirigindo contra a instituição militar, mas contra os deveres do casamento que envolvia dois militares. Essa a linha, ainda que tênue, que deve ser observada. 


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