segunda-feira, 2 de março de 2015

Acne fulminans e isotretinoína - relato de caso



Mayra Falcao PereiraI; Eduardo Mendes RoncadaI; Cláudia Macedo de OliveiraI; Rodrigo MonteiroI; Marilda Aparecida Milanez Morgado de AbreuII; Luciena Cegato OrtigosaIII
IPós-graduando (a) - médico (a) residente do Serviço de Dermatologia de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil
IIDoutoranda - Coordenadora do Serviço de Dermatologia de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil
IIIDoutoranda - Professora do Serviço de Dermatologia de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil



RESUMO
A acne fulminans é afecção rara e a forma mais grave de todo o espectro clínico da acne. Caracterizase pelo aparecimento súbito de nódulos inflamatórios dolorosos que ulceram, concomitantemente, a manifestações sistêmicas. Pode ser induzida pela isotretinoína e alguns autores acreditam que a ocorrência do quadro seja dose dependente. O tratamento é controverso, não havendo padronização até o momento. Apresenta-se caso desta rara doença, desenvolvida durante o uso de isotretinoína em baixas doses.
Palavras-chave: Acne vulgar; Retinóides; Terapêutica



INTRODUÇÃO
Descrita pela primeira vez, em 1959, por Burns & Colville, a acne fulminans (AF) é uma afecção rara e a forma mais grave de acne cística.1-4 Acomete, principalmente, adultos jovens, do sexo masculino, entre 13 a 22 anos, com história prévia de acne vulgar.3 Estimase que ocorre em menos de 1% da totalidade dos casos de acne.5Caracteriza-se por aparecimento de nódulos inflamatórios dolorosos, nas áreas habituais de acometimento da acne, nas quais ulceram e se recobrem por crostas hemorrágicas.3 Concomitantemente, as manifestações sistêmicas, tais como: febre, artralgia, mialgia, astenia, emagrecimento e, eventualmente, eritema nodoso, artrite, miosite e alterações ósseas podem ser vistas. Laboratorialmente, pode existir anemia, leucocitose com neutrofilia, aumento da velocidade de hemossedimentação e hematúria microscópica.3,4 O tratamento é controverso, não havendo padronização até o momento. Dependendo da gravidade do quadro, pode-se utilizar glicocorticoides tópicos, intralesionais ou orais e isotretinoína oral.3,6 Os antibióticos não alteram a evolução da doença e não previnem novas crises.3 Apresenta-se um caso desta doença rara, desenvolvida após oito semanas do início do uso de isotretinoína 0,3 mg/kg/dia e com 12 semanas de evolução dos sintomas.

RELATO DO CASO
Paciente, do sexo masculino, 15 anos, 73 kg (peso inicial), estudante, natural e procedente de Presidente Prudente - SP, apresentava acne vulgar desde os 11 anos de idade, tendo realizado vários tratamentos tópicos e sistêmicos que foram pouco efetivos, e iniciado o tratamento com isotretinoína oral (Roacutam®), 20 mg/dia, há cinco meses em outro serviço. Referia que, após o 2º mês de tratamento, surgiram as lesões inflamadas e dolorosas no tórax e no dorso. Não havia antecedentes familiares de acne grave e nem do uso de isotretinoína por outras pessoas da família. No exame dermatológico de entrada, apresentava numerosos nódulos eritematosos de 0,5 a 2 cm de diâmetro, dolorosos à palpação, drenando secreção pio-sanguinolenta e exulcerações recobertas por crostas, na porção superior do dorso e do tórax (Figura 1). Apresentava, ainda, emagrecimento, com perda de 10 kg, em cinco meses, artralgia e linfonodomegalia na cadeia cervical e na axilar. Os exames laboratoriais realizados durante a internação mostraram leucocitose, aumento da velocidade de hemossedimentação, hematúria microscópica importante, proteinúria e crescimento de S. aureus e S. pyogenes, na cultura da secreção, colhida do dorso. O tratamento foi feito com oxacilina 2g/dia, prednisona 30mg/dia, mantendo-se a isotretinoína oral na mesma dose de 20 mg/dia. O paciente evoluiu com diminuição das lesões cutâneas, sobre as quais se formou o tecido de granulação recoberto por crostas hemorrágicas, sem a formação de abscessos. Houve melhora, também, dos sinais e sintomas sistêmicos. No tecido de granulação, foi aplicado o ácido tricloroacético a 50%, com resultado satisfatório (Figura 2). O paciente, desde o primeiro atendimento até o presente, mostrou equilíbrio psíquicoemocional e colaborou no tratamento. Está programada a correção das cicatrizes, após completar um ano do término do tratamento com a isotretinoína.




DISCUSSÃO
A AF permanece com sua etiopatogênese obscura, com prováveis mecanismos inflamatórios e imunológicos, envolvidos no desencadeamento do quadro.5,6 Estes são revelados por hipergamaglobulinemia, depleção do sistema complemento e presença de complexos imunecirculantes. Reações de hipersensibilidade celular retardada ao Propionibacterium acnes estão aumentadas durante o curso da acne inflamatória grave e podem também estar envolvidas na sua patogênese. Os altos níveis de testosterona durante a puberdade podem ser uma importante causa da doença e explica porque esta acomete, quase exclusivamente, os adolescentes do sexo masculino, como no caso relatado.6,7
AF também pode ser induzida pela isotretinoína.5 As doses e os intervalos entre a medicação e as manifestações agudas variam, mas, geralmente, as lesões surgem entre a quarta e a oitava semana do início do tratamento, o que está de acordo com o presente caso, onde se iniciaram, na oitava semana.6,8
AF, associada ao uso de isotretinoína, deve ser diferenciada da acne tétrade e da pseudoacne fulminans.1,3,6 A acne tétrade ou tétrade de oclusão folicular é constituída pela acne conglobata, hidroadenite supurativa, cisto pilonidal e foliculite abscedante.9 Na pseudoacne fulminans, ocorrem as ulcerações tegumentares, com crostas hemorrágicas, em áreas seborreicas, sem acometimento sistêmico, e se deve à capacidade da droga em determinar alterações nos desmossomos, no colágeno e na proliferação vascular.3 No entanto, esta última, é um efeito adverso raro do tratamento com a isotretinoína, não havendo muitos relatos sobre o assunto, precisando ser mais bem elucidado.6
Alguns autores acreditam que a ocorrência das lesões seja dose-dependente, outros, não.10,11,12 Embora não haja um consenso, foi evidenciado que os relatos existentes, na literatura, de pacientes que desenvolveram AF no curso de isotretinoína via oral, estavam usando doses plenas e até altas (maiores que 1mg/kg/dia), enquanto que, no presente caso, apesar do uso pelo paciente de uma subdose, ainda assim, este desenvolveu o quadro.8
As hemoculturas dos doentes com AF, geralmente, não evidenciam crescimento bacteriano, afastando, assim, a possibilidade de se tratar de um quadro séptico.3 Nas culturas de pele, predomina o isolamento deStaphylococcus epidermidis e de Propionibacterium acnes, e, mais raramente, de Pseudomonas, Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes; tendo sido os dois últimos, os agentes isolados, neste paciente. No entanto, a relação direta com a erupção cutânea parece pouco provável.5
O tratamento da acne fulminans é, até hoje, um desafio, pois é desconhecida uma droga eficaz no controle e na prevenção das crises. Atualmente, os medicamentos utilizados só atuam sob o uso prolongado, desencadeando inúmeros efeitos colaterais.3 Os antibióticos orais produzem resposta discreta no quadro cutâneo e nos sintomas sistêmicos.13 As terapêuticas disponíveis são: os glicocorticoides, a isotretinoína e o levamisol.1,3
Os glicocorticoides sistêmicos melhoram, rapidamente, as lesões da pele e os sintomas sistêmicos, embora tendam a recidivar quando sua dosagem é diminuída. Devem, portanto, ser mantidos numa dose mais elevada por período variável, de dois a quatro meses e, em seguida, lentamente reduzidos.6 Já foi observada que a associação com Dapsona permite um melhor controle das recidivas do quadro.3 Outra medicação, que vem sendo muito estudada no manuseio da AF, é a isotretinoína, mas, provavelmente, não é o tratamento de escolha e deve ser iniciada após o uso do corticoide.5 Ela age como potente anti-inflamatório em adição a sua conhecida função sebostática e efeito no padrão de queratinização folicular.6 Entretanto, o tratamento com a isotretinoína oral pode induzir a múltiplas lesões hiperproliferativas, com tecido de granulação semelhante à granuloma piogênico.5,8 Na presença desse tipo de lesões, aconselham-se a redução da dose de isotretinoína, as infiltrações intralesionais de corticosteroides, cauterização com ácido tricloroacético (ATA) ou mesmo laser.5Neste caso, a combinação de glicocorticoide e Isotretinoína, por via oral, e a aplicação tópica de ATA 50% foi benéfica, com melhora rápida e acentuada do quadro clínico geral e cutâneo, sem recidivas, num período de oito meses, e sem formação de hipergranulações, o que corrobora a experiência de alguns autores os quais afirmam que a terapêutica mais eficaz é a associação de corticoides com isotretinoína oral.5
Embora o prognóstico após o tratamento seja satisfatório, as lesões cutâneas, geralmente, deixam cicatrizes e milia.6 Por ser doença de início e evolução rápidos, deve-se enfatizar a importância do diagnóstico e tratamento precoces, o que pode diminuir sua morbidade significativamente.

REFERÊNCIAS
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2. Jansen T, Grabbe S, Plewig G. Clinical variants of acne. Hautarzt. 2005;56:1018-26.         [ Links ]
3. Neves CRS, Lacet IG, Santos JB, Cunha MMS, Silva VB. Acne fulminans: relato de um caso. An Bras Dermatol. 1990;66:15-7.         [ Links ]
4. Sampaio SAP, Rivitti EA. Foliculoses. In: Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. São Paulo: Artes Médicas; 2008. p. 383-92.         [ Links ]
5. Romiti R, Jansen T, Plewig G. Acne fulminans. An Bras Dermatol. 2000;75:611-7.         [ Links ]
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8. Azulay DR, Abulafia LA, Costa JAN, Sodre CT. Tecido de granulação exuberante. Efeito colateral da terapêutica com isotretinoína. An Bras Dermatol. 1985;60:179-82.         [ Links ]
9. Obadia DL, Daxbacher ELR, Jeunon T, Gripp AC. Hidroadenite supurativa tratada com infliximabe. An Bras Dermatol. 2009;84:695-7.         [ Links ]
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12. Campbell JP, Grekin RC, Ellis CN, Matsuda-John SS, Swanson NA, Voorhees JJ. Retinoid therapy is associated with excess granulation tissue responses. J Am Acad Dermatol. 1983;9:708-13.         [ Links ]
13. Seukeran DC, Cunliffe WJ. The treatment of acne fulminans: a review of 25 cases. Br J Dermatol. 1999;141:307-9.         [ Links ]


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