quinta-feira, 10 de abril de 2014

A CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

DA CULPABILIDADE

       (Ou seja, a pena)

Conceito de culpabilidade

“É a reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei" (Celso Delmanto, Código Penal Comentado, ed. Renovar, 3ª ed., p. 19). Quando se fala, por exemplo, que “Ambrósio foi culpado pelo fracasso do Guarani", está associando-se à expressão “culpado” uma idéia de reprovação, de desagrado, de censura.

Toda vez que se comete um fato típico e ilícito, o sujeito fica passível de ser submetido a uma censura por parte do poder punitivo estatal, como se dissesse: você errou e, por essa razão, poderá ser punido.

Para existência do crime basta o fato típico e antijurídico. A imposição da pena, como conseqüência do crime, depende da avaliação da culpabilidade do agente, do dever do agente responder ou não pelo fato.

Assim, quando se fala em culpabilidade, fala-se em CENSURABILIDADE, mediante aplicação de pena.

CONTÉUDO DA CULPABILIDADE
TEORIA CLÁSSICA
TEORIA FINALISTA
TEORIA SOCIAL DA AÇÃO
DOLO E CULPA (como espécies da culpabilidade)

IMPUTABILIDADE (como pressuposto do dolo e da culpa)

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA (para alguns autores)
CENSURABILIDADE (ou seja – a sanção penal)

Requisitos:
-    imputabilidade
-    consciência potencial da ilicitude
-    exigibilidade de conduta diversa
CENSURABILIDADE (ou seja – a sanção penal)

Requisitos:
- dolo ou culpa
-  imputabilidade
-  consciência potencial da ilicitude
-  exigibilidade de conduta diversa


Teoria Finalista da Ação

a) Imputabilidade - refere-se à capacidade do agente de se lhe atribuir o fato e de ser penalmente responsabilizado. Portanto, é a capacidade de a pessoa, no momento da ação, entender o caráter ilícito do fato e de agir de acordo com esse entendimento. Disto resulta que os menores de 18 anos e os doentes mentais são inimputáveis, ou seja, isentos de pena, bem como as pessoas que praticam o fato em estado de embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Deve ter ainda total controle sobre sua vontade. Exemplo: um dependente de drogas tem plena capacidade para entender o caráter ilícito do furto que pratica, mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica, razão pela qual é impelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente, tornando-se um escravo de sua vontade, sem liberdade de autodeterminação e comando sobre a própria vontade, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo da censurabilidade (CAPEZ, 2004. p. 289).

b) Consciência potencial da ilicitude - refere-se às circunstâncias do momento do fato, que indicam que o autor tem condições de saber que o fato praticado é contrário ao direito. É necessário que o agente tenha a possibilidade de conhecer a antijuricidade do fato, ou seja, que potencialmente saiba que o fato é ilícito e que a conduta que está praticando é vedada por lei.[1] É fundamental distinguir-se falta de consciência da ilicitude de ignorância da lei. Enquanto a primeira isenta o autor de pena, a segunda não, podendo servir somente como atenuante da pena.

               c) Exigibilidade de conduta diversa - refere-se ao fato de saber se, nas circunstâncias, seria exigível que o acusado agisse de forma diversa. Não haverá pena se, nas circunstâncias, foi impossível para o acusado agir de outra forma. Exemplo disso encontramos na coação irresistível e obediência hierárquica, ambas previstas no art. 22 do CP. Ou seja, o seu fundamento encontra-se na possibilidade de serem punidas somente as condutas que poderiam ter sido evitadas pelo agente. Assim, não é culpável o agente quando não havia possibilidade de se lhe reclamar conduta diferente da que praticou. Fundamenta-se no princípio de que o sujeito podia atuar de forma diversa.

EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE

            As excludentes de culpabilidade, denominadas também de DIRIMENTES,[2] são causas que excluem a PENA, sem excluir o crime.

            Por isso, as dirimentes revelam-se no Código Penal, geralmente, pelas expressões: É ISENTO DE PENA, NÃO É PUNÍVEL etc.[3]          
            As dirimentes excluem a pena (culpabilidade) pela inimputabilidade, pela impossibilidade de conhecimento do ilícito, pela inexigibilidade de conduta diversa. E ainda, causas supralegais admitidas por alguns autores.

            Assim, temos o seguinte quadro:


EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE
(excluem a pena, ou seja, a infração penal existe, mas o seu autor é isento de pena)

EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE PELA INIMPUTABILIDADE
-          doença mental (art. 26) ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado
-          embriaguez fortuita completa (art. 28, § 1º) - idade inferior a 18 anos (art. 27)

EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE PELA IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO ILÍCITO
-          erro de proibição (art. 21)
-          descriminante putativa por erro de proibição (art. 21)

EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE PELA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
-          coação irresistível (art. 22)
-          obediência hierárquica (art. 22)

EXCLUDENTES SUPRALEGAIS
-          Admitida por alguns autores, por exemplo: não caracterização do porte ilegal de arma se o acusado tem idade avançada e residir em local infestado de marginais – RT 601/329


CAUSAS QUE EXCLUEM A IMPUTABILIDADE

            São causas que excluem a imputabilidade e, por conseqüência a culpabilidade:
a)    doença mental;
b)    desenvolvimento mental incompleto
c)    desenvolvimento mental retardado
d)    embriaguez acidental e patológica
e)    a paixão patológica
f)     transtornos mentais temporários e estados de inconsciência

            a) Doença mental – é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de comandar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende várias moléstias mentais, por exemplo, epilepsia, psicose, neurose, esquizofrenia, paranóias, psicopatias etc. No processo tal doença é constatada pelo Exame de Insanidade Mental, previsto nos artigos 149 a 154, do Código de Processo Penal. A dependência patológica de substância psicotrópica (álcool, entorpecentes, estimulantes e alucinógenos) pode configurar doença mental, segundo o artigo 19, parágrafo único, da Lei 6.368/76 (Lei de Tóxico), sempre que retirar a capacidade de entender ou de querer, avaliado em Exame de Insanidade Mental.

            b) Desenvolvimento mental incompleto – é o desenvolvimento que ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do agente ou à falta de convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental. Exemplo: os menores de 18 (dezoito) anos, os silvícolas inadaptados à sociedade. Para os menores de 18 (dezoito anos) aplica-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto para o silvícola o seu desenvolvimento é apurado em laudo pericial.

            c) Desenvolvimento mental retardado – é o incompatível com o estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para aquela idade cronológica. É o caso dos oligrofênicos, dos débeis mentais etc.

            Observação – o Código Penal adotou o sistema biopsicológico na aferição da inimputabilidade, que possui os seguintes requisitos:
a)    Causal – existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que são as causas previstas em lei.
b)    Cronológico – atuação ao tempo da ação ou omissão delituosa;
c)    Conseqüencial – perda total da capacidade de entender ou capacidade de querer

            Somente haverá inimputabilidade se os três requisitos estiverem presentes, à exceção dos menores de 18 anos, regidos pelo sistema biológico.

            d) Embriaguez – causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento a vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos.




Quadro ilustrativo da embriaguez
1. Não acidental – jamais exclui a imputabilidade do agente[4]
a) voluntária, dolosa ou intencional[5]
Completa:[6] não exclui a imputabilidade
Incompleta:[7] não exclui a imputabilidade
b) culposa[8]
Completa: não exclui a imputabilidade
Incompleta: não exclui a imputabilidade
2.Acidental[9]
Caso fortuito[10] e força maior[11]
 Incompleta: diminui a pena de 1/3 a 2/3
Completa: exclui a imputabilidade força maior
3. Patológica[12]
Equipara-se à doença mental e exclui a imputabilidade quando retirar totalmente a capacidade de entender e querer
4. Preordenada[13]
Além de não exclui a imputabilidade, agrava a pena
        
            e) Emoção e paixão – emoção é o sentimento abrupto e repentino, como o vulcão. Paixão é um sentimento duradouro e profundo que vai arraigando-se paulatinamente na alma humana. É a emoção em estado crônico.
            Para Fernando Capez (CAPEZ, 2004, p. 299) “a ira momentânea configura emoção. O ódio recalcado, o ciúme deformado em possessão doentia e a inveja em estado crônico retratam a paixão.”
            A emoção e a paixão – NÃO EXCLUEM A IMPUTABILIDADE. Contudo, José Frederico Marques lembra que, se a emoção ou paixão tiverem caráter patológico, a hipótese enquadrar-se-á no artigo 26, caput, doença mental (CAPEZ, 2004, p. 300)
           
            f) Transtorno mental transitório e estado de inconsciência como causas excludentes de imputabilidade: o delírio febril, o sonambulismo, as perturbações de atividade mental etc.

EXCLUDENTES DE POTENCIAL CONSCIÊNCIA DE ILICITUDE

            É excludente de potencial consciência de ilicitude.
           
            Erro de Proibição – é a errada compreensão da lei, o que leva o agente a supor que certa conduta injusta seja justa. Exemplo: camelô que vende produto contrabandeado.

            Desconhecimento da lei é inescusável (art. 21), pois ninguém pode deixar de cumpri-la alegando que não a conhece (artigo 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil); contudo é minorante nos termos do artigo 65, II, do Código Penal.

            Descriminante putativa por erro de proibição e a Descriminante putativa por erro de tipo:[14]

Na descriminante putativa por erro de proibição há uma perfeita noção da realidade, mas o agente avalia equivocadamente os limites da norma autorizadora (art. 21, do Código Penal).
É o caso do homem esbofeteado que se supõe em legítima defesa e parte para revanche. — Se for invencível exclui a potencial consciência de ilicitude e, por conseqüência a culpabilidade.
Na descriminante putativa por erro de tipo - Exemplo – legitima defesa putativa — Há uma equivocada apreciação da realidade (art. 20, § 1º, do Código Penal).
O sujeito pensa que vai sacar um revólver quando, na verdade, tira um lenço. Exclui a pena se o erro era inevitável, mas mantém a pena na forma culposa, se o erro era evitável.
           
EXCLUDENTES DE EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

            São causas que excluem a exigibilidade de conduta diversa:
a)    a coação moral irresistível – é o emprego da força física ou da grave ameaça para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa. Coação física (vis absoluta) e coação moral (vis relativa). A coação física consiste no emprego de força física e coação moral no emprego da grave ameaça. Irresistível – o coato não tem condições de resistir.

b)    Obediência hierárquica – é a obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, tornando viciada a vontade do subordinado e afastando a exigência de conduta diversa. Requisitos :
-          superior;
-          subordinado
-          uma relação de direito público entre ambos;
-          uma ordem do primeiro para o segundo;
-          ilegalidade da ordem, visto que a ordem legal exclui a ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal;
-          aparente legalidade de ordem.

ERRO SOBRE ELEMENTOS DO TIPO
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Erro determinado por terceiro
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
Erro sobre a pessoa
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

ERRO DE TIPO – ART. 20, CAPUT

            Erro de tipo é o que incide sobre algum elemento do tipo penal. Pode recair sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou sobre dados secundários da norma penal incriminadora.

            Exemplos:
-          O caçador que atira em direção ao que supõe ser um animal bravio, matando outro caçador.
-          Um jovem, pretendendo suicidar-se, deitou-se em um sofá da sala de sua casa, apoiando o queixo na boca de um cano de um rifle carregado, cujo gatilho ligara com um cordel à maçaneta da porta fechada. Em seguida chamou pela mãe, que, atendendo pressurosa ao seu apelo, abriu a porta, dessa forma acionando o dispositivo que a tornou causadora da morte involuntária do rapaz. Neste exemplo (baseado em trágico fato ocorrido há tempos em São Paulo), a infeliz senhora, ao abrir a porta, não imaginava, e nem podia imaginar, que estava realizando a ação de matar alguém. Trata-se de erro inevitável, que, excluindo dolo e culpa, torna a conduta atípica.
-          Um pai, supondo pingar no olho do filho pequeno o colírio prescrito pelo oftalmologista, aplica, por engano, substância irritante, guardada no mesmo armário, que provoca perda permanente da acuidade visual no olho atingido. O desastrado pai ignorava estar exercendo conduta tendente a ofender a integridade pessoal do filho. Tratando-se de erro inescusável (resultante de negligência), deveria responder por lesão corporal culposa (art. 129, § 6º).[15]
-           Ao retirar-se de uma boutique, Peruína, distraída, leva consigo as compras de outra freguesa, embaladas, como as suas, em sacola promocional da loja. Só ao chegar a casa, horas mais tarde, deu pelo engano.[16]
-          Moradores de um bairro de classe média costumam deixar, sobre os muros de suas casas ou nas calçadas fronteiras, objetos ainda em condições de uso, mas de que se querem desfazer, como uma espécie de “código” , para que pessoas carentes de uma favela vizinha os apanhem. Supondo ser esse o caso de um par de sapatos em regular estado de conservação, que viu sobre o muro numa tarde de sábado, uma daquelas pessoas carentes o leva para si. O sapato, todavia, ali fora deixado por seu dono, que, aproveitando seu dia de folga, disputava animada pelada com os amigos em um terreno baldio próximo. Supondo as mercadorias que levou consigo, Peruína equivocou-se quanto ao elemento alheia da coisa objeto de furto; sobre o mesmo elemento se equivocou o pobre, supondo res derelicta o sapato que viu sobre o muro; como os tipos dos arts. 155 (furto), não prevêem modalidade culposa, nenhum deles está sujeito a qualquer sanção penal sejam ou não justificáveis (desde que reais, evidentemente) os erros.[17]
-          Alertado por ruído estranho, no meio da noite, Faustino percebeu um vulto de um homem forçando uma janela dos fundos da casa do vizinho Arnóbio, que sabia ausente. Supondo tratar-se de um ladrão, lança mão de um porrete e aproxima-se furtivamente, vibrando valente porretada nas cadeiras do homem, que tinha o corpo já parcialmente no interior da casa. Com um berro, o suposto ladrão saltou para fora, momento em que Faustino reconheceu o filho de Arnóbio, que, tendo perdido sua chave, tentava entrar na casa por aquela via. Da porretada resultou lesão corporal leve. Faustino pretendia defender o patrimônio de seu vizinho, que lhe pareceu na iminência de sofrer agressão. Como o erro poderia ter sido evitado através de diligência ordinária (um grito de pega ladrão!, por exemplo), deverá ele responder pela lesão corporal a título de culpa, neste caso, a denominada imprópria, ou de resultado querido.[18]

Desta forma, se o agente, em sua conduta, erra quanto a elemento essencial do tipo, o dolo deixa de configurar-se. Se o erro é vencível, o agente pratica crime culposo, caso previsto em lei. Se invencível, o agente pratica fato atípico, pois fica caracterizada a ausência de dolo e de culpa.

            Espécies de erro de tipo:
a)    erro de tipo essencial, que recai sobre elementos ou circunstâncias do tipo, sem as quais o crime não existiria. Incide sobre dados relevantes da figura típica;
b)    erro de tipo acidental, que recai sobre circunstâncias acessórias, secundárias da figura penal.

Diferença entre o erro de tipo essencial e acidental: “Distingue-se o erro essencial do erro acidental. O erro essencial é o que recai sobre o elemento do tipo, ou seja, sobre fato constitutivo do crime, e sem o qual o crime não existiria. Assim, o agente não atiraria, no exemplo do caçador, se soubesse que se tratava de um fazendeiro e não do animal que pretendia abater. O erro acidental recai sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou da coisa estranhas ao tipo, que não se constituem elementos do tipo”.[19]

            Só o erro essencial beneficia o agente, pois o acidental não beneficia o sujeito, os seus efeitos variam de acordo com a sua natureza:
a)    sendo o erro essencial invencível exclui o dolo e a culpa. Exemplo: caçador que mata alguém, pensando tratar-se de animal bravo.
b)    sendo o erro essencial vencível, ou seja, causado pela desatenção, leviandade, negligência do sujeito responde pelo crime culposo. Exemplo: caçador que mata alguém, pensando tratar-se de animal bravo, mas teve falsa percepção da realidade por desatenção, negligência (Esta é denominada CULPA IMPRÓPRIA).  

O ERRO ESSENCIAL pode ser:
a)    erro sobre elementar do tipo incriminador – incide sobre situação de fato ou relação jurídica descrita como elementares, isto é, pressupostos fundamentais de um tipo incriminador. Sempre exclui o dolo. Quando inevitável (invencível ou escusável), exclui também a culpa, tornando o fato atípico (sem dolo ou culpa o fato é atípico). Quando evitável (vencível ou inescusável), subsiste a forma culposa. Exemplo: sujeito furta a caneta pensando ser sua; mulher que casa com homem casado pensando ser solteiro; homem que compra cocaína pensando ser talco; caçador mata um bailarino saltitando na mata, pensando que é uma gazela;
b)    erro sobre circunstância – incide sobre as situações descritas como mera circunstância, dado, acessório, não essencial à existência do crime, que só serve para influir na pena. Jamais exclui o dolo. Só exclui a circunstância que não terá incidência. Exemplo: o sujeito mata um menor de 14 anos, pensando ser maior, dada a sua avantajada condição física. Neste caso, não incide a majorante do § 4º do artigo 121, do Código Penal;
c)    erro sobre elementar do tipo permissivo, erro sobre pressupostos fáticos de uma causa de justificação ou descriminante putativa por erro de tipo – o agente, em razão de distorcida visão da realidade (olha a situação de fato, mas enxerga outra), imagina uma situação na qual estão presentes os requisitos de uma causa de exclusão da ilicitude. Exemplo: sujeito mata primo brincalhão pensando ser um assaltante, perigoso assassino. Tal modalidade exclui o dolo. Se for inevitável, também estará excluída a culpa e o fato será atípico; se evitável, o agente responderá por crime culposo. Neste caso, crime culposo impróprio (culpa imprópria), pois é culpa no momento inicial da formação do erro (quando o sujeito confunde o primo brincalhão com assaltante; a ação subseqüente, no entanto, é claramente dolosa — pensando estar acobertado por causa de justificação o agente atua com intenção de matar). Se a vítima sobreviver, haverá tentativa de crime culposo, único caso que admite tentativa, pois a culpa é imprópria, figura anômala de culpa. Assim, no caso do primo, o sujeito assustado, confundindo-se CULPOSAMENTE com um bandido, atirou com a intenção de matar. Se, por erro de pontaria, não consegue seu intento, responderá por homicídio culposo tentado. O crime jamais será doloso, Ou será culposo, ou não existindo culpa o fato é atípico.[20]

               O ERRO ACIDENTAL pode ser:
a)    erro sobre a pessoa (error in persona), previsto no artigo 20, § 3º, do CP;
b)    erro na execução (aberratio ictus), previsto no artigo 73, do CP;
c)    resultado diverso do pretendido (aberratio criminis), previsto no artigo 74 do CP.

               O erro in persona ocorre quando o agente pretende matar certa pessoa, vindo atingir outra inocente pensando tratar-se da primeira.

               O aberratio ictus significa erro de golpe. Ocorre quando o agente quer matar uma pessoa que se encontra ao lado de outra e vem atingir esta, por erro de pontaria.


Aberratio ictus com resultado único     ou duplo.    (Aplica-se o art. 20, § 3º, CP)
1. o sujeito fere terceiro — tentativa de homicídio (art.73, 1ª parte).
2. mata o terceiro — um homicídio doloso consumado (art. 73, 1ª parte).
3.     mata a vítima e terceiro — um crime de homicídio doloso consumado com aumento de pena (art. 73, 2ª parte).
4. mata a vítima e fere terceiro — um homicídio doloso consumado com aumento de pena (art. 73, 2ª parte).
5. fere a vítima e o terceiro — uma tentativa de homicídio com aumento de pena. (art. 73, 2ª parte).
6. fere a vítima e mata o terceiro — um homicídio doloso consumado com aumento de pena. (art. 73, 2ª parte).

               Ressalte-se ainda, quanto à 2ª parte do artigo 70 do CP, quando se trata de desígnios autônomos,[21] aplica-se a regra do concurso material:

1.    mata a vítima e o terceiro – dois crimes de homicídio (dolo direto contra a vítima e eventual contra o terceiro);
2.    mata a vítima e fere terceiro – um homicídio consumado e uma tentativa de homicídio;
3.    fere a vítima e terceiro – duas tentativas de homicídio
4.    fere a vítima e mata terceiro – um homicídio consumado e uma tentativa.

               Nestes quatro casos as penas são somadas.

               No aberratio criminis o Código Penal manda que seja punido a título de culpa o resultado diverso do pretendido.

Aberratio criminis

1.    quer atingir a coisa e mata a pessoa — homicídio culposo;
2.    quer matar a pessoa e atinge a coisa — tentativa de homicídio e dano impunível;
3.    quer matar a pessoa e atinge pessoa e coisa — não há dano culposo, responde pelo crime contra a pessoa;
 4. quer atingir coisa: destrói objeto e mata pessoa — dois crimes: dano e homicídio culposo em concurso formal (concurso entre crime doloso e culposo — aplica-se a pena do mais grave, aumentada de um sexto até a metade).

               No concurso formal com desígnios autônomos. Exemplo: o agente atira numa pessoa, prevendo que poderá atingir a coisa. Produz dois resultados (dolo direto em relação à morte da pessoa e dolo eventual em relação ao dano) — aplica-se concurso material — art. 70, 2ª parte, do CP.           

ERRO SOBRE EXCLUDENTE PUTATIVA, ART. 20, § 1º

            O erro sobre a excludente putativa é aplicável ao estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal. Crime putativo, ou imaginário, é que só existe na mente do autor, que supõe criminosamente sua conduta, na realidade atípica.

            O artigo 20, § 1º, indaga a questão sobre as descriminantes putativas, emergindo discussões sobre as teorias estrita da culpabilidade e limitada da culpabilidade (ou negativa do tipo). A divergência básica sobre essas duas teorias reside no tratamento do erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação; para a primeira, ocorre erro de proibição, enquanto para a segunda (adotada pelo Código Penal Brasileiro), ocorre erro de tipo permissivo, que produz os mesmos efeitos do erro sobre o elemento do tipo, ensejando o aparecimento da modalidade culposa.

            O legislador brasileiro tomou partido da teoria limitada da culpabilidade, que permite a condenação por crime culposo se o erro for evitável. Ou seja, o legislador optou pela equiparação das descriminantes putativas ao erro sobre os elementos do tipo, com a conseqüente exclusão do dolo. Ou seja, há dolo, como vontade de realizar o tipo. Só que o dolo ocorre num comportamento que não é censurável, ou que tem a censurabilidade diminuída, conforme o erro seja inevitável ou evitável; quem fere ou mata por supor-se em legítima defesa, quer ferir ou matar; apenas acredita que o faz em virtude de uma agressão, agressão esta que, na realidade, não ocorre. Tal convencimento faz com que a conduta dolosa não se revista de culpabilidade ou que a tenha atenuada.
           



A DESCRIMINANTE PUTATIVA POR ERRO DE TIPO (art. 20, § 1º, do CP)
É matéria controvertida na doutrina, pois há três entendimentos.
Excludente de Culpabilidade
Excludente de Antijuricidade
Excludente de Tipicidade
(Adotada pelo CP)
Para essa corrente doutrinária, a legítima defesa putativa, o estado de necessidade putativo, entre outros, constituem erro de proibição.[22] Teoria da culpabili­dade extremada.
Para essa corrente doutrinária, a legítima defesa putativa, o estado de necessidade putativo, entre outros, constituem excludente de antijuricidade.[23]
Para essa corrente doutrinária, a legítima defesa putativa, o estado de necessidade putativo, entre outros, constituem excludente de tipicidade,[24] pois se o agente, em sua conduta, erra quanto a elemento essencial do tipo, o dolo deixa de configurar-se. Se o erro é vencível, o agente pratica crime culposo, caso previsto em lei. Se invencível, o agente pratica fato atípico, pois fica caracterizada a ausência de dolo e de culpa. Teoria limitada da culpabili­dade

            Em que pesem todas as considerações, ENTENDO que tanto o artigo 20, caput, quanto o seu § 1º, ambos do Código Penal, excluem a tipicidade. Isso porque o parágrafo único do artigo 18 é categórico ao expressar que todos os tipos penais são dolosos, salvo se houver previsão da forma culposa. Assim, se a conduta do agente foi realizada por erro inevitável não existe dolo e nem culpa e, por conseqüência, não há a tipicidade.

               Exemplo:
a)    "Vítima que faz gesto de sacar uma arma, antes de ser alvejada pelos disparos do acusado. Vítima, ademais, mal afamada e tida como possuidora de revólver. Legítima Defesa Putativa" (TJSC -AC- Rel. Álvaro Wandelli - RT 670/313).

ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO (art. 20, § 2º)

A regra do § 2º do art. 20, que determina a imputação do crime ao provocador de erro, deve, assim, ser entendida de acordo com cada hipótese.

No caso de provocação intencional, caracteriza-se a denominada autoria mediata. O executor, atuando em erro invencível, não passa de longa manus do provocador, que, nos termos da regra citada, responde pelo crime resultante.

Pode ocorrer, todavia, que o erro em que incide o executor resulte de inobservância, por ele, de cuidado exigível em face da situação. Descartado o concurso de agentes (não há concurso culposo em crime doloso, nem vice-versa), haveria dois crimes: um para o provocador, que por ele responderia a título de dolo; outro, culposo — dependendo de previsão legal — para o provocado.

Uma outra possibilidade é de que o provocado, percebendo o artifício do provocador, decida por motivos próprios, praticar o crime, lançando sobre aquele a responsabilidade pelo evento; não se trata, aqui, de erro, que não houve, respondendo ambos, provocador e provocado, em concurso (como partícipe e autor, respectivamente) por crime doloso.

Na hipótese de culpa tanto da parte do provocador como do provocado, responderão ambos àquele título, se o resultado estiver definido em lei como crime culposo.

            Exemplos:
a)      Quando o médico deseja matar o paciente e pede que enfermeira aplique ao paciente injeção letal, alegando à enfermeira que é remédio necessário à cura dele. A enfermeira supondo que está ministrando remédio, está na verdade aplicando veneno na veia.
b)      Desejando interromper indesejada gravidez, Mariquinha comunica à autoridade policial ter sido vítima de estupro. É instaurado inquérito policial e a empresa divulga o fato. Mariquinha procura um médico, que, a seu pedido, acreditando na história do estupro, realiza o aborto. As investigações policiais, entretanto, desmascaram a versão de Mariquinha. Induzindo o médico ao erro, para que ele, supondo-se legalmente autorizado (CP, art. 128, II), lhe interrompesse a gravidez, Mariquinha fez do profissional instrumento do próprio aborto. É como se ela tivesse realizado o ato com suas próprias mãos, pelo que deve responder pelo crime do art.124, primeira parte. Quanto ao médico, ainda que seu erro não fosse plenamente justificado pelas circunstâncias, não responderia por delito algum, posto que não existe delito de aborto culposo.
c)      Ciente de que seu sócio Venâncio, de sessenta e quatro anos, estava acometido de grave cardiopatia, que tornava extremamente perigosa qualquer emoção, e de que seus médicos lhe haviam recomendando caminhadas diárias — exercício que ele praticava à noite — Malvásio arquiteta um plano para eliminá-lo. Para tanto, induz um amigo comum, Bentinho, que ignorava a enfermidade de Venâncio, a fazer-lhe uma brincadeira, fingindo, com máscara e revolver de brinquedo, um assalto, durante uma das caminhadas. Bentinho, de boa-fé, faz a brincadeira sugerida por Malvásio. Em decorrência do susto, Venâncio sofre fulminante ataque cardíaco e morre. Malvásio responde por homicídio doloso. Quanto a Bentinho, uma vez considerado escusável o erro a que ele foi induzido, estaria a salvo de qualquer sanção penal. O exemplo sugere, entretanto, que ele faltou ao dever de elementar cautela recomendada pela Idade de Venâncio, caso em que deveria responder por homicídio culposo. Ora, se Bentinho tivesse percebido o artifício de Malvásio e, servindo a seus próprios propósitos, fingisse o assalto, haveria um só delito de homicídio doloso, imputável aos dois, em concurso; caso houvesse culpa de ambos, a imputação seria de homicídio culposo; finalmente, na hipótese de culpa de Malvásio e do dolo Bentinho, somente este responderia por homicídio doloso.

ERRO SOBRE A PESSOA (art. 20, § 3º)
           
            O erro in persona ocorre quando o agente pretende matar certa pessoa, vindo atingir outra inocente pensando tratar-se da primeira. Neste caso, no momento da aplicação da pena o juiz irá levar em consideração as qualidades da pretensa vítima.

            O erro sobre pessoa (error in persona) é espécie de erro de tipo acidental, que ocorre quando resulta atingida pessoa diversa daquela contra a qual o agente queria praticar o crime.

            Exemplos:
a)       Tobias se dirige, à noite, à casa de seu inimigo Quincas, a quem desejava matar. Percebendo uma pessoa sentada no jardim, e tomando-a por Quincas, sobre ela disparava várias vezes o seu revólver, matando-a. A vítima, entretanto, não era Quincas, mais seu irmão, deficiente físico.
b)      João Cabra, contratado para matar Merêncio, de setenta e seis anos, prepara-lhe uma emboscada. No crepúsculo, atira sobre um vulto que pensou ser Merêncio, e o abate com certeiro tiro. O morto, entretanto, não era Merêncio, mas Tião de trinta anos.
Como, de acordo com o disposto na ultima parte do § 3º do art. 20, as condições e as qualidades que devem ser levadas em conta não são as da pessoa que resulta vitimada, mas as da que o agente queria atingir; nos exemplos acima, Tobias e João Cabra responderiam por homicídio doloso. Ao primeiro, entretanto, não seria aplicável a agravante do art. 61, II, terceira figura, posto que a pessoa que pretendia atingir não era enferma; já o segundo teria sua pena agravada com base no mesmo dispositivo (segunda figura), uma vez que a vítima visada era velha. (OU SEJA, NA APLICAÇÃO DA PENA O JUIZ IRÁ LEVAR EM CONSIDERAÇÃO AS QUALIDADES DA VÍTIMA PRETENDIDA)

ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
           
            Nesse dispositivo, o legislador consagrou o princípio da inescusabilidade do desconhecimento da lei: “Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável...”. Ou seja, ninguém pode alegar que desconhece a lei.

            A lei, estando em vigor, a todos alcança, devendo ser do conhecimento da sociedade que as condutas nela tipificadas são proibidas e constituem infrações penais.

            Entretanto, desconhecimento da lei não pode ser confundido com o erro de proibição, pois este ocorre quando o agente ignora ser o fato contrário ao direito, isentando-o da pena.

                  O erro de proibição, recaindo sobre a ilicitude do fato, não afeta o dolo, que permanece íntegro, mais diminui a censurabilidade da conduta, daí porque, se inevitável, isenta da pena, e se evitável, pode diminuí-la.

                  O objeto do erro não é, pois, o fato nem a lei. É a ilicitude. O agente supõe permitida uma conduta ilícita. O seu erro consiste em um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade. Mas não se trata de um juízo técnico-jurídico, que não se poderia exigir de um leigo, e sim de um juízo profano, um juízo que é emitido de acordo com a opinião comum dominante no meio social e comunitário.

                  Exemplos:
a)        “Pai Genésio”, indivíduo ignorante, acreditando-se possuidor de poderes sobrenaturais, “trata”, com métodos que nada têm a ver com medicina convencional, pessoas enfermas que o procuram, e que freqüentemente referem alívio para seus males. Nada cobra por suas consultas, sendo visto pela comunidade como benfeitor. Não tem a menor idéia de que está exercendo conduta reprovável, muito menos cometendo crime.
b)        Durante o verão, um turista, médico, atende ocasionalmente, outro turista, acometido de doença de natureza benigna, mas ainda relacionada por arcaica legislação como de notificação compulsória. Conhece a obrigação legal de fazer a comunicação, mas, por estar de férias, pela eventualidade do atendimento — pelo qual nada cobrou — e pela nula gravidade da moléstia, não se julga obrigado à notificação.
c)        Simplício, rústico lavrador, acha na rua uma pulseira de relativo valor. Não encontrado informações sobre o dono entre os circunstantes, desconhecendo a obrigação legal de fazer entrega do objeto à autoridade pública (CP, art. 169, II) e segundo noção vigente em seu meio social e cultural de que “achado não é roubado”, leva a pulseira para casa, presenteando-a à filha.
d)         Um servente de obras vende a colega de trabalho um rádio de pilha. Como o comprador adiasse indefinidamente o pagamento, o vendedor, fisicamente mais forte, retoma ex próprio marte (“na marra”, diria ele) o aparelho negociado.
e)        Vendo em uma oficina da TV um videocassete que lhe havia sido furtado dias antes, Joça V. Neta intima o proprietário do estabelecimento a devolvê-lo. Diante da recusa, apanha simplesmente o aparelho e o leva consigo.
f)         Um turista, oriundo de um país onde se admite a poligamia, o qual se casa no Brasil novamente, embora ainda sendo casado, por ignorar a existência do crime de bigamia. O agente supõe que o fato de casar novamente é lícito, assim como em seu país.

            No desconhecimento da lei, o agente ignora completamente que existe a punição para o fato praticado, embora possa intuí-lo injusto, em face do ordenamento jurídico. Na falta de consciência da ilicitude, o agente ignora que o fato praticado seja injusto, supondo-o lícito e permitido.

                  O erro de proibição não exclui o dolo (pois tem a intenção de praticar o ato), contudo exclui a culpabilidade quando o erro foi escusável (inevitável); quando inescusável (evitável), a culpabilidade fica atenuada reduzindo-se a pena de 1/6 a 1/3.

                  Se o exame criterioso de cada uma das situações acima indicar que o erro sobre a ilicitude do fato foi inevitável, isto é, justificado, estarão os respectivos agentes isentos de pena. Se, ao contrário, em todas ou alguma delas se constatar que o agente poderia, nas circunstâncias, atingir consciência dessa ilicitude, poderá haver diminuição da pena, dentro dos limites determinados pelo § 1º do art. 21.


            Do parágrafo único do artigo 21, pode ser extraída a seguinte classificação:
a)    Erro de proibição escusável, também denominado inevitável, em que incidiria toda pessoa prudente e dotada de discernimento. Qualquer pessoa, nas circunstâncias do fato, não teria possibilidade de ter ou alcançar a consciência da ilicitude;
b)    Erro de proibição inescusável (evitável), em que incide a pessoa, tendo ou podendo ter, nas circunstâncias, consciência da ilicitude de sua conduta, agindo com leviandade, imprudência etc.
c)    Apenas o erro de proibição escusável afasta a culpabilidade da conduta do agente. Já o erro de proibição inescusável enseja diminuição da pena.
                                         



ERROS
ERRO DE TIPO


ERRO DE PROIBIÇÃO


ERRO ACIDENTAL OU SECUNDÁRIO


ERRO NA EXECUÇÃO
(Aberratio ictus)

RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO

ERRO SOBRE O NEXO CAUSAL


ERRO PROVOCADO POR TERCEIRO
-          Erro sobre circunstância fática ou normativa do tipo (art. 20 do CP)

-          Erro sobre a ilicitude do fato (art. 21 do CP)

-          Erro sobre circunstância não descrita no tipo (não exclui o crime nem a pena) (pode ser in objecto ou in persona)

-          (desvio de golpe) é atingida pessoa diversa da que foi visada (art. 73 do CP)

-          Á atingido um outro tipo de bem ou interesse (art. 74 do CP)

-           O resultado ocorre por causa diversa da imaginada, tendo, porém, relação com a conduta do agente (É O DOLO GERAL).[25]

-          Responde pelo crime o terceiro que determina o erro (art. 20, § 2º, do CP).


Observações:

a)    O erro de tipo exclui o dolo. E exclui também o crime, salvo se o fato for punível a título de culpa (Art. 20, caput);
b)     O erro de proibição não o exclui o dolo nem o crime, mas pode excluir a culpabilidade, e, conseqüência, a pena;

Do teor do artigo 20, caput, e seu § 1º, e do artigo 21, do Código Penal, três modalidades de erro poderão ser apontadas nas descriminantes putativas
ERRO DE PROIBIÇÃO
ERRO DE TIPO
1º) O agente supõe a existência de causa de exclusão da antijuridicidade que não existe. Essa hipótese é de erro de proibição. Exemplo: homem mata esposa pensando existir a excludente de legítima defesa da honra (Art. 21, do Código Penal).
3º) O agente incide em erro sobre situação de fato que, se existisse, tornaria legítima a ação (estado de necessidade putativo, legítima defesa putativa, estrito cumprimento do dever legal putativo e exercício regular do direito putativo). Esse caso é erro de tipo. Daí por que é denominado de tipo permissivo ou descriminante putativa (Art. 20, § 1º, do Código Penal).
2º) O agente incide em erro sobre os limites da causa de exclusão da antijuricidade. Essa hipótese também é erro de proibição. Exemplo, pensando ser o ato legítimo, após conter o agressor quebra-lhe o braço, sem necessidade, para evitar futura agressão (Art. 21, do Código Penal).

c) Para o artigo 20, § 1º, do Código Penal, o legislador brasileiro tomou partido, exprimindo a teoria limitada da culpabilidade, que permite a condenação por crime culposo se o erro for evitável.[26] Acerca da matéria hoje, oportuna é a doutrina de Alberto Silva Franco, que preleciona: “O legislador de 84 definiu-se a respeito optando pela equiparação das descriminantes putativas ao erro sobre os elementos do tipo, com a conseqüente exclusão do dolo. E, assim, com convicção, situou as descriminantes putativas como um parágrafo que versa sobre o ‘erro de tipo’.” in O Direito Penal e o Novo Código Penal Brasileiro, 1985, p. 98).

COAÇÃO IRRESISTÍVEL E OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Coação irresistível
           
            Se o fato é cometido sob coação irresistível, só é punível o autor da coação (art. 22 do CP). O dispositivo refere-se mais à coação moral (grave ameaça), pois na coação física (art. 22 do CP) não há ação por parte do que foi coagido.

            Na coação física (vis absoluta) o coato “não age, mas é agido”. Na coação moral (vis compulsiva) o coato exerce vontade e ação. Se a coação moral for resistível, poderá, nas circunstâncias ser aplicada a diminuição de pena – Art. 65,III, “c”, do Código Penal.

            Exemplos:
a)      O gerente de uma casa de câmbio abre o cofre do estabelecimento sob ameaça do revólver do assaltante, possibilitando o acesso a elevada importância em dólares, ali depositada.
b)      Gerôncio aponta um revólver carregado para Gervásio, e, sob ameaça de matá-lo, ordena-lhe que espanque Gercino. Gervásio obedece a provoca lesões corporais em Gercino.
c)       Investigando vultoso furto em depósito de importante loja de departamentos, a polícia averiguou que a ação dos ladrões havia sido facilitada pelo encarregado da segurança. É que a filha dele havia sido seqüestrada pelos ladrões, que ameaçaram matá-la se o pai não cooperasse com eles.
d)       Constatando as precárias condições do ônibus que lhe competia dirigir, Germano Marcha Lenta, de quarenta e seis anos, comunica o fato ao gerente da empresa. Em resposta, recebeu ordem para sair com o veículo “assim mesmo”, com cuidado. Depois de muito ponderar, Germano acabou cedendo diante ameaça de demissão sumária do emprego. A despeito do cuidado de Germano, as más condições do veículo foram causa de acidente de que resultaram feridos vários passageiros. A subsistência da família de Germano - esposa e quatro filhos menores- dependia do seu parco salário.
Nos quatro exemplos fica patente a impossibilidade de exigir-se dos agentes comportamento diverso: do gerente da casa de câmbio e de Gervásio, pela ameaça direta e iminente a sua vida; do encarregado da segurança da loja, porque a promessa do mal grave referia-se a sua filha; do motorista, pela perspectiva de perda do emprego, que lhe permitia sustentar, ainda que precariamente, sua família, sendo notórias das dificuldades de conseguir nova colocação.

Obediência hierárquica

            Se o fato é cometido em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da ordem (art. 22, do Código Penal)

            A subordinação é a de ordem pública, não abrangendo o setor privado, como familiar, empregatício ou religioso.

            O agente julga estar cumprindo ordem legítima. A ordem deve ser NÃO MANIFESTAMENTO ILEGAL.

            Segundo Damásio de Jesus, a obediência hierárquica pressupõe cinco requisitos básicos:
a)    que haja relação de direito público entre superior e subordinado;
b)    que a ordem não seja manifestamente ilegal;
c)    que a ordem preencha os requisitos formais;
d)    que a ordem seja dada dentro da competência funcional do superior;
e)    que o fato seja cumprido dentro da estrita obediência è ordem superior.

            Caso o subordinado cumpra ordem manifestamente ilegal, responderá pelo delito juntamente com o superior (milita a seu favor diminuição de pena).
            Não constituem obediência hierárquica:
a)      Em um processo por abuso de autoridade, o acusado, agente policial, confessa ter submetido um suspeito a tortura para lhe arrancar confissão, alegando que o fizera por determinação de deu superior, delegado.
b)     Sargento PM determina o soldado que dispare contra motoqueiro que, sem capacete regulamentar, desobedecera à ordem de parar em barreira armada durante blitz policial. O motoqueiro, atingido nas costas, morre.
c)      Diretor de empresa estatal determina a subordinado que, em seu nome, solicite de empresário determinada importância sob a promessa de favorecimento em concorrência pública.
d)     Zeca Pantoja, fazendeiro, manda seu empregado Venâncio dar uma surra em Petrúcio. Venâncio cumpre a ordem do patrão e espanca Petrúcio, causando-lhe lesão grave. A obediência hierárquica mencionada no artigo 22, do CP, não inclui subordinação decorrente de relações de trabalho. Venâncio responde, em concurso com Zeca, pelas lesões em Petrúcio
 

BIBLIOGRAFIA


BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em Exemplos Práticos. Florianópolis: Ed. Terceiro Milênio. 1998.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo:Atlas, 2000. p. 82.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro : Revista Forense, 1949, p. 393/394, v. 1.

PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 558

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 6

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2004, p. 1

ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. Rio Grande do Sul: Unisinos, 1998. p. 109.

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras. 2002. p. 123

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo : RT, 1992, p. 129-132

GÓMEZ, Eusebio. Tratado de derecho penal. Buenos Aires : Companhia, 1939, p. 542/543, tomo 1.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Tradução: Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 22.

ANDRADE, Vera Regina. Introdução Crítica ao Estudo do Sistema Penal: elementos para compreensão da atividade repressiva do Estado. Florianópolis: Diploma Legal, 1999. p. 23

_____. A ilusão de Segurança Jurídica. Do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004.

LEMGRUBER, Julita. 2053: Uma população atrás das grades. Inhttp://www.cesec.ucam.edu.br/artigos/Midia_body_JL10.htm.- Acessado em 04/01/03

PIMENTA, Vladia Lelia Pesce. Da Pena de Prisão às Penas Alternativas - Lei 9.714/98. In: http://www.suigeneris.pro.br/direito25.htm. Acessado em 04/01/03.



BIBLIOGRAFIA

-          CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Vol. I, 7ª edição, 2004, Ed. Saraiva.
-           DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, 6ª edição, 2002, Ed. Renovar.
-           JESUS, Damásio E., Direito Penal, 27ª edição, 2003, Ed. Saraiva.
-           MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Vol. I, 21ª edição, 2004, Ed. Atlas.


MATERIAL DE APOIO

ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO


Procurador Autárquico do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, professor do UNICEUB, da AEUDF e da APMB. Advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Criminologia. Autor de Prescrição Penal e Manual de Execução Penal, ambos publicados pela Ed. Atlas S.A.


1. INTRODUÇÃO

                  Trataremos de um assunto controvertido, com posicionamentos doutrinários antagônicos e pouco compreendido pelos acadêmicos e bacharéis em geral. Tal estudo teve com estímulo a questão contida em um concurso para Juiz de Direito, a qual ficou assim expressa:
“Ao se defender do gesto de um seu inimigo capital, suposto como de possível saque de arma de fogo, indutor de presumível agressão injusta, A desfere um tiro fatal em B que, entretanto, não se encontrava armado. A não responderá por homicídio, porque agiu em legítima defesa putativa configuradora, neste caso, de um:

(A) Delito putativo de erro de tipo.
(B) Erro de tipo acidental.
(C) Erro de proibição.
(D) Erro de tipo essencial”.

O gabarito apresentou como correta a alternativa da letra “d”. Mas, diante de tanta controvérsia, a questão possui duas alternativas que, com sólidos fundamentos, podem ser admitidas como corretas (letras “c” e “d”).

2. LOCALIZAÇÃO DA MATÉRIA

                  A questão indaga sobre as descriminantes putativas, emergindo discussões sobre as teorias estrita da culpabilidade e limitada da culpabilidade (ou negativa do tipo). A divergência básica sobre essas duas teorias reside no tratamento do erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, para a primeira ocorre erro de proibição, enquanto para a segunda, ocorre erro de tipo permissivo, que produz os mesmos efeitos do erro sobre o elemento do tipo, ensejando o aparecimento da modalidade culposa.
                  Doutrinariamente, o assunto envolve também a compreensão das teorias do dolo, as quais, embora superadas pelas teorias da culpabilidade, ainda gozam de grande prestígio acadêmico. Tais teorias exprimem: a) a teoria extremada do dolo adota a postura de que a consciência da ilicitude está no dolo (dolo natural). Já a teoria limitada do dolo, visando evitar casos de impunidade, em face de uma possível cegueira do direito (pela qual o agente não consegue perceber a ilicitude da conduta) atribui a censurabilidade ao homem segundo a sua história, fazendo nascer uma culpabilidade de autor.
                  Na lei, o assunto encontra-se disciplinado no art. 20 do CP, conforme transcrito abaixo:

“Art. 20. Omissis.
§ 1o É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
§ 2º Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
§ 3o Omissis”.

3. O ASSUNTO SOB A ÉGIDE DA LEI ANTERIOR

                  A redação original do CP, antes da reforma de 1984, estabelecia:

“Art. 17. É isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que constitui, ou quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.
§ 1o Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
§ 2o Responde pelo crime o terceiro que determina o erro”.

Nelson Hungria, comentando a Parte Geral de 1940 sob a égide da legislação anterior dizia que o então “erro de fato” exclui o dolo, classificando o tema dentro da teoria da culpabilidade. Como corolário, preleciona:

“Viciando o processo psicológico, o error facti cria representações ou motivos que determinam uma conduta diversa da que o agente teria seguido, se tivesse conhecido a realidade. A sua relevância jurídico-penal assenta, num princípio central da teoria da culpabilidade: non rei veritas, sed reorum opinio inspicitur. A ignorantia facti, quando insuperável, acarreta uma atitude psíquica oposta à da culpabilidade, isto é, falta de consciência da injuridicidade (ausência de dolo) e da própria possibilidade de tal consciência (ausência de culpa). Quando inexiste a consciência da injuridicidade (que, como já vimos, nada tem a ver com a obrigatória scientia legis), não é reconhecível o dolo, e desde que inexiste até mesmo a possibilidade de reconhecer a ilicitude da ação (ou omissão), encontra-se no domínio do caso fortuito. Não pode ser reconhecido culpado o agente, quando lhe era impossível cuidar que estava incorrendo no juízo de reprovação que informa o preceito incriminador”.1

                  Eusebio Gómez preleciona que o erro de fato exclui a ilicitude, o qual, discorrendo sobre a legislação penal argentina, preleciona:

El erro de hecho excluye la ilicitud, porque los actos que de él pueden derivar no son dolosos, ni culposos. Tanto la noción del dolo, como de la culpa son incompatibles com um estado que implica falta de conocimiento de la realidad. Sin embaro, no todo error es determinante del afecto señalado., Es necesario que sea substancial y, además, invencible”.2

                  Em nosso meio, sempre predominou o entendimento de que as descriminantes putativas excluíam a culpabilidade. Nesse sentido, prelecionava José Frederico Marques:

“Surgem assim as justificativas ou eximentes putativas (legítima defesa putativa, estado de necessidade putativo, etc.), que não excluem a antijuridicidade de fato típico, mas não tão só a culpabilidade do agente. Por essa razão todas as eximentes putativas constituem objeto e parte do estudo da culpabilidade, ao contrário do que acontece com as justificativas reais, que se situam no campo da exclusão da antijuridicidade”.3

                  Da mesma forma, também tratando da culpabilidade, Magalhães de Noronha, no capítulo que trata da culpabilidade, ensinava:

“Não existe dolo no pseudefendente e trata-se, portanto, dirimente. Distingue-se, então, a legítima defesa putativa da real. Esta é objetiva e repousa numa situação de fato: quem se defende está realmente sendo atacado ou ameaçado; ao passo que na outra não: quem se julga defender é que, de fato agride. Por agir de acordo com o direito e, portanto, sem consciência da antijuridicidade ou sem o dolo que o sujeito ativo fica isento de pena. Há erro essencial de fato, há falsa representação da realidade que elide a culpa (em sentido amplo) pois a pessoa julga agir no sentido do lícito, atua de boa-fé e esta é incompatível com o dolo”.4

                  Conforme verificamos, o Direito Comparado coloca o tema no campo da culpabilidade, ou no campo da ilicitude, havendo, também, quem o coloque no campo do fato típico. Os doutrinadores pátrios, enquanto vigia a lei anterior colocavam o assunto dentro do estudo do dolo, mas porque este integrava a culpabilidade. A consciência da ilicitude estava no dolo (teoria estrita e teoria limitada do dolo). Com o advento da teoria finalista, o dolo migrou para a conduta (elemento do fato típico), sendo mantida a consciência da ilicitude na culpabilidade.

4. O ASSUNTO NA VIGÊNCIA DA LEI ATUAL

                  O legislador brasileiro tomou partido, exprimindo que adotamos a teoria limitada da culpabilidade, que permite a condenação por crime culposo se o erro for evitável.5 Acerca da matéria hoje, oportuna é a doutrina de Alberto Silva Franco, que preleciona:

                 “O legislador de 84 definiu-se a respeito optando pela equiparação das descriminantes putativas ao erro sobre os elementos do tipo, com a conseqüente exclusão do dolo. E, assim, com convicção, situou as descriminantes putativas como um parágrafo que versa sobre o ‘erro de tipo’. Nisso, entrou em rota de colisão com a maior parte da doutrina brasileira. Alcides Munhoz Neto (ob. Cit., p. 69) observa que as descriminantes putativas devem ser incluídas na categoria de erro sobre a ilicitude do fato: ‘é análoga a situação de quem não sabe que existe proibição legal para a sua conduta e de quem acredita-se legitimado a agir, ao amparo de uma justificativa. Em ambas as hipóteses há o dolo, como vontade de realizar o tipo. Só que o dolo ocorre num comportamento que não é censurável, ou que tem a censurabilidade diminuída, conforme o erro seja inevitável ou evitável; quem fere ou mata por supor-se em legítima defesa, quer ferir ou matar; apenas acredita que o faz em virtude de uma agressão, agressão esta que, na realidade, não ocorre. Tal convencimento faz com que a conduta dolosa não se revista de culpabilidade ou que a tenha atenuada’. Na mesma linha de pensamento, manifesta-se Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal. A nova Parte Geral, 1987, p. 216): ‘O agente erra sobre a ilicitude de seu comportamento, sabendo perfeitamente que realiza a conduta típica, tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo. Para usar uma fórmula da jurisprudência alemã, o agente aqui sabe o que faz, mas supõe erroneamente que estaria permitido. Exclui-se não a tipicidade, mas sim, a reprovabilidade da ação’. De igual teor são as opiniões de Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, 1989, p. 204, e de Walter Marciligil Coelho ‘Erro de tipo e erro de proibição no Novo Código Penal’, in O Direito Penal e o Novo Código Penal Brasileiro, 1985, p. 98)”.6

            Na interpretação da lei, o operador do direito deve buscar a vontade da norma (interpretação objetiva) e não a do legislador (interpretação subjetiva). Com efeito, a vontade do legislador, manifestada na exposição de motivos da nova Parte Geral do CP não tem o condão de vincular o posicionamento do intérprete. Dessa forma, outro entendimento pode ser adotado, mesmo que em franca colidência com o posicionamento expresso pelo legislador. Como corolário, é na esteira dessa interpretação segundo a vontade da norma que desenvolveremos o nosso estudo.

5. ERRO ESSENCIAL E ERRO ACIDENTAL

            Em um diálogo com um amigo, professor de Direito Penal universitário e de uma renomada instituição preparatória para concursos para a magistratura e para o parquet, quando mostramos a ele o conteúdo da questão, ele expressou: “Não... A questão está correta. Não existe problema, visto que adotamos a teoria limitada a culpabilidade e a teoria limitada dolo. Leia o Damásio que ele explica direitinho”.
            Sobre essa afirmação, alguns aspectos devem ser considerados, visto que, nem mesmo gramaticalmente a expressão está correta. É conveniente esclarecer que o Damásio (certamente referia-se a Damásio Evangelista de Jesus), não é detentor da verdade absoluta. Aliás, o recorrente não adota como livro texto as obras do referido autor porque eivadas de contradições e impropriedades, v.g., acerca da conjugação de normas, adota em uma obra a teoria da ponderação diferenciada e em outra, publicada no mesmo ano adota a teoria da ponderação unitária. Nesse caso, mesmo entendendo que o autor mencionado é dono da verdade, cumpre-nos indagar qual das duas teorias é a melhor, visto que tais posicionamentos se antepõem.7
            Não podemos distinguir tipo essencial de tipo acidental, visto que tal distinção não existe. O tipo penal que contém vício em sua formação, será nulo ou ineficaz. O erro essencial sobre os elementos do tipo retira o dolo, enquanto que o erro acidental sobre tais não. Tais erros estão na conduta do agente e não no tipo. O tipo, ratifica-se, será sempre essencial, pois se não for concretizado um dos elementos do tipo, não haverá tipicidade na conduta. Dessa forma, não há como falar em tipo acidental. Para falarmos em tipo errado, devemos admitir que a própria lei contém erro (ou acidental, ou essencial), pois o tipo está na lei. O erro essencial, por sua vez, recai sobre os elementos do tipo, o que não se confunde com a expressão tipo essencial, pois este, conforme sobejamente exposto, será sempre essencial – não existe tipo acidental8 –, sendo que o tipo é inalterável, incorrendo o agente em erro sobre circunstâncias ou elementos do tipo, mas o erro não estará na lei.
            O erro está no agente, sendo que o erro acidental ocorre: a) sobre o objeto; b) sobre a pessoa; c) na execução.9 Nesse sentido, preleciona Mirabete:

              “Distingue-se o erro essencial do erro acidental. O erro essencial é o que recai sobre o elemento do tipo, ou seja, sobre fato constitutivo do crime, e sem o qual o crime não existiria. Assim, o agente não atiraria, no exemplo do caçador, se soubesse que se tratava de um fazendeiro e não do animal que pretendia abater. O erro acidental recai sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou da coisa estranhas ao tipo, que não se constituem elementos do tipo”.10

6. DISCUSSÃO SOBRE AS TEORIAS DA CULPABILIDADE

            As teorias do dolo não mais encontram lugar na doutrina, servindo apenas como referência para estudos acadêmicos. Consequentemente, não adotamos a teoria limitada do dolo, eis que as teorias do dolo (limitada e extremada do dolo11) encontram-se superadas pelas teorias da culpabilidade.12
            Existem duas teorias da culpabilidade: a estrita da culpabilidade, para a qual o erro nas descriminantes putativas constitui erro de proibição, pois a consciência da ilicitude não integra o dolo, mas a culpabilidade (se o erro for invencível, exclui a culpabilidade, mas se vencível, diminui a reprovação, punindo-se o delito doloso como culposo em atenção às melhores posturas de política criminal). A teoria limitada da culpabilidade, por sua vez, adota a postura de que o erro invencível sobre elementos fáticos da descriminante putativa é erro de tipo permissivo (o agente erra sobre um elemento do tipo permissivo), mas admite a condenação por crime culposo, caso o erro seja vencível. Para essa teoria, o erro sobre o erro sobre elemento normativo da excludente da ilicitude, bem como o erro quanto a qualquer outro elemento que não seja fático, constitui erro de proibição.
            Damásio prefere a teoria estrita da culpabilidade, mas informa que adotamos a teoria limitada da culpabilidade.13 De outro modo, Assis Toledo faz uma eloqüente defesa da teoria limitada da culpabilidade, expondo:

“A reforma penal brasileira, como se vê, ao manter nesse aspecto regulamentação já existente no direito brasileiro, não se divorcia da boa doutrina, razão pela qual não teria que mudar de orientação, só por amor à novidade ou por fidelidade ao pensamento deste ou daquele autor”.14

                  Sobre a matéria, Zaffaroni, com muita propriedade, preleciona:

“A punição a título de crime culposo decorrente do erro vencível, nos casos das descriminantes putativas, e como crime doloso, nos demais casos de erro de proibição, leva uma parte da doutrina a concluir que a lei brasileira adotou a teoria denominada ‘limitada da culpabilidade, e que levaria, como conseqüência necessária, à aceitação da chamada teoria dos ‘elementos negativos do tipo’, a nível do injusto.
. . .
A doutrina alemã, que defende a sanção do erro vencível de proibição como culposo, no caso das chamadas justificativas putativas, tem reconhecido a natureza dolosa de tais condutas, e opta por sustentar a punição a título de culpa (ou melhor, com pena do delito culposo), mas somente por razões de atenuação da punição, isto é, por razões de política criminal. Esta também parece ser a explicação que melhor se ajusta à lei brasileira, porque, pelo menos, não se altera o caráter do dolo e nem se introduz contradições inaceitáveis na doutrina”.15

CONCLUSÃO

                  Luiz Flávio Gomes em sua monografia publicada sob o título Erro de tipo e erro de proibição preleciona que o erro nas descriminantes putativas é erro de proibição. Tal obra é mencionada por vários autores como referência esclarecedora do assunto, v.g., Mirabete, Alberto Silva Franco, Assis Toledo. Assim, oportuna é a transcrição de parte da conclusão do festejado monografista:

“A começar pelo conteúdo literal do § 1o do art. 20 do CP, verifica-se que diferentemente do caput do mencionado artigo, que explicitamente fala em exclusão do dolo (diante da ocorrência de um erro de tipo incriminador), no parágrafo está dito que a conseqüência do erro do agente, plenamente justificado pelas circunstâncias, que supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, é a ‘isenção de pena”.
Nosso Código Penal, como se vê, ao cuidar do erro de tipo permissivo, não diz que a conseqüência dele é a exclusão do dolo; ele fala, isto sim, em ‘isenção de pena’ e a propósito já destacamos que essa locução tradicionalmente na doutrina penal brasileira é vista como pertinente à culpabilidade, não ao injusto (tipicidade ou ilicitude).
. . .
Essa teoria acredito, é inconciliável com o Código Penal brasileiro que, com efeito (e como já foi destacado), trata de modo diverso as modalidades de erro acima enfocadas: erro de tipo incriminador realmente exclui o dolo (v. CP, art. 20, caput), todavia, solução diferente deu nosso legislador ao erro de tipo permissivo (= erro nas descriminantes putativas fáticas): se invencível o erro (‘erro plenamente justificado pelas circunstâncias’), o agente está ‘isento de pena’(art. 20, § 1o, 1a parte), isto é, não é culpável, não é censurável, donde a conclusão de que o dolo subsiste; de outro lado, se vencível o erro (= ‘quando o erro deriva de culpa’), o agente ‘não está isento de pena, se o fato é punível como crime culposo’ (art. 20, § 1o, 2a parte).
Ressalte-se, ainda. Que é isento de pena quem, por erro plenamente justificado, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, não atípica (como sustenta a teoria dos elementos negativos do tipo).
A localização sistemática do preceito (art. 20, § 1o, do nosso CP, semelhantemente ao art. 16, ns. 2 e 3 do CP português) e o fato de separar o tratamento deste erro de tipo, conclui Teresa Serra, parecem afastar a teoria dos elementos negativos do tipo”.16

                  A matéria é controvertida, sendo que a questão enunciada no início do presente estudo, por rigor técnico só comporta uma resposta, a da letra “c”: No entanto, não sendo extremamente rigoroso no que tange ao sentido gramatical das palavras, podemos até admitir a alternativa da letra “D” como correta, mas isso somente em homenagem aos grandes juristas que defendem tal posicionamento. Pois conforme se vê, a descriminante putativa será sempre erro de proibição.

Notas
1. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro : Revista Forense, 1949, p. 393/394, v. 1.
2. GÓMEZ, Eusebio. Tratado de derecho penal. Buenos Aires : Companhia, 1939, p. 542/543, tomo 1.
3. MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo : Saraiva, 1956, p. 154/155, v. 2.
4. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 1967, p. 181, v. 1.
5. Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP, item 17.
6. FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação judicial. 5. ed. São Paulo : RT, p. , v. 1, tomo 1.
7. JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal. 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 92, v. 1: “Se o Juiz pode aplicar o ‘todo” de uma ou de outra lei para favorecer o sujeito, não vemos por que não possa escolher parte de uma e de outra para o mesmo fim, aplicando o preceito constitucional”. em outra obra – Prescrição penal. 11. ed. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 74 –, também publicada em 1997, o autor sustenta: “Temos, então, uma disposição mista, impondo princípios de direito substantivo e processual. Quando isso ocorre, prevalece a natureza penal. E assim convém, uma vez que a suspensão do processo gera, fatalmente, o decurso do prazo prescricional. O juiz nos termos da nova legislação, sobrestando o processo, provoca automaticamente a suspensão do lapso prescricional, proibindo que o efeito se dirija à extinção da punibilidade. Não se pode, pois, dissociar as duas formas de suspensão, a do processo e a da prescrição, para se conferir à lei a incidência imediata no que tange ao sobrestamento da ação penal (CPP, art. 2o) e efeito retroativo na parte que impõe suspensão da prescrição (CP, art. 2o, parágrafo único). Sobre essa matéria, o nosso posicionamento está expresso em Prescrição penal. São Paulo : Atlas, 1997, p. 26-28.
8. Damásio Evangelista de Jesus denomina o erro de essencial de tipo de erro de tipo essencial, induzindo o estudante ao equívoco de pensar que o tipo está errado, mas não é isso que ocorre.
9. COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 839, v. 1, tomo 2.
10 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 11. ed. São Paulo : Atlas, 1996, p. 166, v. 1.
11 A teoria extremada do dolo adota a postura de que a consciência da ilicitude está no dolo (dolo natural). Já a teoria limitada do dolo, visando evitar casos de impunidade, em face de uma possível cegueira do direito (pela qual o agente não consegue perceber a ilicitude da conduta) atribui a censurabilidade ao homem segundo a sua história, fazendo nascer uma culpabilidade de autor.
12 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo : Saraiva, 1994, p. 283.
13 JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal. 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 457-462, v. 1.
14 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 287.
15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo : RT, 1997, p. 643/644.
16 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo : RT, 1992, p. 129-132.






[1] Neste sentido, a lição de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, transcrito por ALBERTO DA SILVA FRANCO, in Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1993, p. 108, que diz: "A consciência da ilicitude é a consciência que o agente deve ter de que atua contrariamente ao direito. Essa consciência, pelo menos potencial, é elementar ao juízo de reprovação, ou seja, à culpabilidade". "A reprovação não depende apenas de ter o agente capacidade genérica de entendimento do caráter ilícito do fato e de determinar-se conforme esse entendimento. É indispensável que, no caso concreto de que se trata, tenha ele reconhecido, ou,pelo menos, tenha podido reconhecer, a ilicitude de seu comportamento". "Para que se afirme a existência da culpabilidade, no entanto, basta o conhecimento potencial da ilicitude, ou seja, basta que seja possível ao agente, nas circunstâncias em que atuou, conhecer que obrou ilicitamente" (HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, p. 211).
[2] Causas dirimentes – são aquelas que excluem a culpabilidade. Diferem das excludentes, que excluem a ilicitude e podem ser legais e supralegais.
[3] Exceto no caso do § 1º do art. 20, do Código Penal, que é um erro de tipo permissivo, segundo a teoria da culpabilidade limitada, adotada pelo CP, a partir de 1984, e ainda com fundamento na doutrina de Damásio de Jesus
[4] Isso decorre, porque ele, no momento em que ingeria a substância, era livre para decidir se devia ou não o fazer. A conduta, mesmo quando praticada em embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a substância quando tinha a possibilidade de não fazer. A ação foi livre na sua causa, devendo o agente, por essa razão, ser responsabilizado.
[5] Embriaguez voluntária, dolosa ou intencional - O agente ingere a substância alcoólica ou de efeito análogo com a intenção de embriagar-se. No jargão popular: vou tomar um porre.
[6] Embriaguez Completa – a embriaguez voluntária e a culposa podem ter como conseqüência a retirada total da capacidade de entendimento e vontade do agente, que perde integralmente a noção sobre o que está acontecendo.
[7] Embriaguez Incompleta – ocorre quando a embriaguez voluntária ou culposa retira apenas parcialmente a capacidade de entendimento autodeterminação do agente, que ainda consegue manter um resíduo de compreensão e vontade.
[8] Embriaguez culposa - O agente quer ingerir a substância, mas sem a intenção de embriagar-se, contudo, isso vem a acontecer em virtude da imprudência de consumir doses excessivas. A alteração psíquica não decorre de um comportamento doloso (intencional) de quem quer “tomar um porre”, mas de um descuido, de uma conduta culposa, imprudente, excessiva.
[9] Embriaguez acidental – é aquela que pode ocorrer por caso fortuito ou força maior
[10] Embriaguez acidental por caso fortuito – é toda ocorrência ocasional, rara, de difícil verificação, por exemplo, alguém que cai no tonel de vinho e venha a se embriagar. Ou ingere na ignorância da bebida alcoólica.
[11] Embriaguez acidental por força maior – deriva de uma força externa do agente, que o obriga a beber.
[12] Embriaguez patológica – é o caso dos alcoólatras e dos dependentes, que se colocam em estado de embriaguez em virtude de uma vontade invencível de continuar a consumir drogas.
[13] Embriaguez preordenada – o agente embriaga-se já com a finalidade de vir a delinqüir nesse estado.
[14] Para alguns autores, é erro de proibição indireto.
[15] BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em Exemplos Práticos. Florianópolis: Ed. Terceiro Milênio. 1998.
[16] Idem
[17] BASTOS JÚNIOR, op. cit.
[18] Ibid
[19] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 11. ed. São Paulo : Atlas, 1996, p. 166, v. 1.
[20] A competência nunca será do júri popular, pois o erro sempre excluirá o dolo. Além disso, sendo o erro inevitável, o agente será absolvido com fundamento no art. 386, III, do CPP (por fato atípico, em face da ausência de dolo ou culpa). Contudo, tal posição não é pacífica, pois há quem entenda que a descriminante putativa do erro de tipo não exclui o dolo, tampouco afeta a tipicidade, mas a culpabilidade
[21] Se o agente, ao pretender atingir a vítima virtual, ofender a vítima efetiva, agindo com intenções autônomas, as penas devem ser somadas, ou seja, aplicadas cumulativamente.
[22] Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes, Mirabete, Alberto Silva Franco, Assis Toledo:
A começar pelo conteúdo literal do § 1o do art. 20 do CP, verifica-se que diferentemente do caput do mencionado artigo, que explicitamente fala em exclusão do dolo (diante da ocorrência de um erro de tipo incriminador), no parágrafo está dito que a conseqüência do erro do agente, plenamente justificado pelas circunstâncias, que supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, é a ‘isenção de pena”. Nosso Código Penal, como se vê, ao cuidar do erro de tipo permissivo, não diz que a conseqüência dele é a exclusão do dolo; ele fala, isto sim, em ‘isenção de pena’ e a propósito essa locução tradicionalmente na doutrina penal brasileira é vista como pertinente à culpabilidade, não ao injusto (tipicidade ou ilicitude). Essa teoria acredito, é inconciliável com o Código Penal brasileiro que, com efeito, trata de modo diverso as modalidades de erro acima enfocadas: erro de tipo incriminador realmente exclui o dolo (v. CP, art. 20, caput), todavia, solução diferente deu nosso legislador ao erro de tipo permissivo (= erro nas descriminantes putativas fáticas): se invencível o erro (‘erro plenamente justificado pelas circunstâncias’), o agente está ‘isento de pena’ (art. 20, § 1o, 1a parte), isto é, não é culpável, não é censurável, donde a conclusão de que o dolo subsiste; de outro lado, se vencível o erro  (= ‘quando o erro deriva de culpa’), o agente ‘não está isento de pena, se o fato é punível como crime culposo’ (art. 20, § 1o, 2a parte). Ressalte-se, ainda, que é isento de pena quem, por erro plenamente justificado, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, não atípica (como sustenta teoria dos elementos negativos do tipo).A localização sistemática do preceito (art. 20, § 1o, do nosso CP, semelhantemente ao art. 16, ns. 2 e 3 do CP português) e o fato de separar o tratamento deste erro de tipo, conclui Teresa Serra, parecem afastar a teoria dos elementos negativos do tipo. In: GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo : RT, 1992, p. 129-132.
[23] Nesse sentido Euzébio Gomes:
    El erro de hecho excluye la ilicitud, porque los actos que de él pueden derivar no son dolosos, ni culposos. Tanto la noción del dolo, como de la culpa son incompatibles com um estado que implica falta de conocimiento de la realidad. Sin embaro, no todo error es determinante del afecto señalado. Es necesario que sea substancial y, además, invencible”. In: GÓMEZ, Eusebio. Tratado de derecho penal. Buenos Aires : Companhia, 1939, p. 542/543, tomo 1.
[24] Nesse sentido, Damásio de Jesus e a Exposição de Motivos da Reforma do Código Penal de 1984:
   “As descriminantes putativas, quando derivadas de erro sobre a situação de fato, são tratadas como erro de tipo. Supondo o sujeito estar agindo acobertado por causa excludente da ilicitude, o dolo é eliminado, podendo responder por crime culposo.Então, diante da ignorância da ilicitude por erro, há que distinguir: a) no erro que recai sobre a norma de proibição subsiste o dolo, podendo ser excluída ou atenuada a culpabilidade, se inevitável ou evitável; b) quando, entretanto, há ignorância da ilicitude por erro que recai sobre a situação de fato, não subsiste o dolo, podendo responder o sujeito por crime culposo. O primeiro é tratado como erro de proibição; o segundo, como erro de tipo.” (JESUS, 2003. vol.1)
[25] Ocorre quando o agente, tendo realizado a conduta e supondo ter conseguido o resultado pretendido, pratica nova ação, a qual, aí sim, alcança a consumação do crime. Exemplo – o agente que esfaqueia desafeto e supondo estar morto joga-o no rio, vindo este falecer de afogamento.
[26] Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP, item 17.

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