quinta-feira, 5 de março de 2015

Consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil



Consumo de alimentos fuera del domicilio en Brasil


Ilana Nogueira BezerraI; Amanda de Moura SouzaI; Rosangela Alves PereiraII; Rosely SichieriI
IDepartamento de Epidemiologia. Instituto de Medicina Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIDepartamento de Nutrição Social Aplicada. Instituto de Nutrição Josué de Castro. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil



RESUMO

OBJETIVO: Analisar características do consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil.
MÉTODOS: Foram analisados dados do Inquérito Nacional de Alimentação, conduzido com 34.003 indivíduos acima de dez anos de idade em 24% dos domicílios participantes da Pesquisa de Orçamentos Familiares em 2008-2009. O consumo de alimentos e bebidas foi coletado por meio de registros dos alimentos consumidos, tipo de preparação, quantidade, horário e fonte do alimento (dentro ou fora de casa). A frequência de indivíduos que consumiu alimentos fora do domicílio foi calculada segundo faixas de idade, sexo, faixas de renda, área de localização do domicílio, tamanho da família, presença de criança no domicílio e idade do chefe do domicílio no Brasil e em cada região brasileira. Para as análises, considerou-se o peso amostral específico do inquérito e incorporou-se o efeito do desenho amostral.
RESULTADOS: O consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil foi reportado por 40% dos entrevistados, variando de 13% entre os idosos da região Sul a 51% entre os adolescentes da região Sudeste. Esse percentual diminuiu com a idade e aumentou com a renda em todas as regiões brasileiras; foi maior entre os homens e na área urbana. Os grupos de alimentos com maior percentual de consumo fora de casa foram bebidas alcoólicas, salgadinhos fritos e assados, pizza, refrigerantes e sanduíches.
CONCLUSÕES: A alimentação fora de casa apresenta predominância de alimentos de alto conteúdo energético e pobre conteúdo nutricional, indicando que o consumo de alimentos fora do domicílio deve ser considerado nas ações de saúde pública voltadas para a melhoria da alimentação dos brasileiros.
Descritores: Hábitos Alimentares. Restaurantes. Serviços de Alimentação, utilização. Alimentação Coletiva. Inquéritos sobre Dietas, utilização.

RESUMEN
OBJETIVO: Analizar características del consumo de alimentos fuera del domicilio.
MÉTODOS: se analizaron datos de la Pesquisa Nacional de Alimentación, conducido con 34.003 individuos con edades mayores a diez años en 24% de los domicilios participantes de la Investigación de Presupuestos Familiares en 2008-2009. El consumo de alimentos y bebidas fue colectado por medio de registros de los alimentos consumidos, tipo de preparación, cantidad, horario y fuente de alimento (dentro o fuera de la casa). La frecuencia de individuos que consumió alimentos fuera del domicilio fue calculada según grupo etario, sexo, rango de la renta, área de localización del domicilio, tamaño de la familia, presencia de niño en el domicilio y edad del jefe del domicilio en Brasil y en cada región brasileña. Para los análisis, se consideró el peso específico de la muestra en la pesquisa y se incorporó el efecto del diseño de muestreo.
RESULTADOS: El consumo de alimentos fuera del domicilio en Brasil fue reportado por 40% de los entrevistados, variando de 13% entre los ancianos de la Región Sur a 51% entre los adolescentes de la Región Sureste. Este porcentaje disminuyó con la edad y aumentó con la renta en todas las regiones brasileñas; fue mayor entre los hombres y en el área urbana. Los grupos de alimentos con mayor porcentaje de consumo fuera de casa fueron bebidas alcohólicas, pasapalos salados fritos y asados, pizza, gaseosas y sándwiches.
CONCLUSIONES: la alimentación fuera de casa presenta predominancia de alimentos con alto contenido energético y pobre contenido nutricional, indicando que el consumo de alimentos fuera del domicilio debe ser considerado en las acciones de salud pública dirigidas a mejorar la alimentación de los brasileños.
Descriptores: Hábitos Alimenticios. Restaurantes. Servicios de Alimentación, utilización. Alimentación Colectiva. Pesquisas sobre Dietas, utilización.



INTRODUÇÃO
A proporção de alimentos consumidos fora do domicílio tem aumentado no Brasil. Dados sobre gastos com alimentação indicam que 31% foram destinados à alimentação fora do domicílio em 2008-2009 contra 24% em 2002-2003.a
Apesar de o aumento nos gastos com alimentação fora do domicílio ser evidente, dados sobre o consumo de alimentos fora de casa no Brasil são limitados na literatura, principalmente com relação ao tipo e à quantidade dos alimentos consumidos. A única publicação no Brasil sobre o tema que analisou dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada em 2002-2003 não possui análises detalhadas do tipo de alimento e da quantidade consumida.3
Em países desenvolvidos, o estudo da alimentação fora de casa tem recebido bastante atenção nos últimos anos devido ao alto conteúdo de energia, gordura total, gordura saturada, açúcar e sódio dos alimentos vendidos em restaurantes e em lanchonetes.10,12,13,15
Fatores sociais, demográficos e econômicos, como maior participação da mulher no mercado de trabalho,baumento da renda familiar,17,23 urbanização,21 escassez de tempo da sociedade moderna11 e diminuição do preço de alimentos prontos para consumo6 que influenciaram o aumento nos gastos com alimentação fora do domicílio, continuarão a impulsionar a fração das despesas com esse tipo de alimentação. Logo, o aumento da popularidade da alimentação fora de casa pode influenciar de maneira importante a qualidade da dieta dos brasileiros.
A maioria dos estudos sobre o impacto da alimentação fora do domicílio na dieta da população é realizada em países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e Europa.
O presente estudo tem por objetivo analisar características do consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil.

MÉTODOS
O trabalho baseou-se no Inquérito Nacional de Alimentação (INA) que foi conduzido como parte da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada em 2008-2009. A POF é um inquérito conduzido a cada cinco anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)c em uma amostra representativa de domicílios brasileiros, com o objetivo de traçar o perfil das condições de vida da população brasileira com base nas estruturas de consumo, gastos e rendimentos das famílias.
Para a POF 2008-2009, a seleção dos domicílios se deu por conglomerado em dois estágios. Os setores censitários são as unidades primárias de amostragem e são inicialmente estratificados por situação geográfica e pela renda média do setor. A seleção dos setores deu-se por amostragem com probabilidade proporcional ao número de domicílios no setor. No segundo estágio, os domicílios foram selecionados por amostragem aleatória simples e uma subamostra de 24,5% desses domicílios foi selecionada para participar do INA.
Os indivíduos acima de dez anos de idade desses domicílios foram incluídos na amostra final do INA (n = 34.003). Detalhes sobre o plano de amostragem e o desenho de estudo podem ser encontrados em publicação prévia.d
O consumo de alimentos e bebidas foi coletado por meio de registros alimentares em dois dias não consecutivos. Os informantes foram orientados a registrar todos os alimentos e bebidas, com exceção de água, consumidos ao longo de 24 horas. Além do tipo de alimento consumido, também foram registrados o tipo de preparação, quantidade, horário e fonte do alimento (dentro ou fora de casa).
Alimentação fora do domicílio foi definida com base na fonte e local de consumo do alimento e incluiu todos os alimentos preparados e consumidos fora de casa.
Com o intuito de facilitar o registro de alimentos, cada informante recebeu um material instrucional com orientações sobre o preenchimento dos registros alimentares e fotografias de utensílios frequentemente usados para servir alimentos e bebidas.
Todos os registros foram revisados pelos agentes de pesquisa por meio de sondagem de alimentos usualmente omitidos (pequenos lanches, balas, doces, bebidas), refinamento das informações sobre tipo de preparação utilizada para alimentos específicos, como carnes e legumes, e sobre a estimativa da quantidade consumida, verificação do número de itens consumidos no dia e do intervalo de consumo entre as refeições. Todas as informações foram incluídas em um computador portátil no próprio domicílio, utilizando programa específico para entrada de dados de consumo alimentar.
Para o presente artigo, considerou-se a análise do primeiro dia de registro alimentar.
Características demográficas e socioeconômicas foram coletadas por meio de questionários específicos da POF. A idade dos informantes foi estratificada em três faixas: adolescentes (dez a 19 anos de idade), adultos (20 a 59 anos de idade) e idosos (60 anos de idade ou mais). Para o cálculo da renda per capita, a soma de todos os rendimentos familiares foi dividida pelo número de moradores no domicílio. A renda foi estratificada em quartos: até R$ 295,83; entre R$ 295,83 e R$ 571,03; entre R$ 571,03 e R$ 1.089,04 e acima de R$ 1.089,04 (até U$ 124,30; entre US$ 124,30 e US$ 239,93; entre U$ 239,93 e U$ 457,58; e acima de U$ 457,58, respectivamente).
Tamanho da família e idade do chefe do domicílio foram estratificadas com base no valor da mediana de cada variável: famílias com até três e com mais de três moradores e domicílios com chefes de família abaixo de 45 anos e com 45 anos ou mais. Presença de criança no domicílio foi definida quanto à existência de pelo menos um indivíduo abaixo de dez anos de idade no domicílio.
Na análise dos dados, a frequência de indivíduos que consumiu alimentos fora do domicílio foi calculada segundo faixas de idade, sexo, faixas de renda, área de localização do domicílio, tamanho da família, presença de criança no domicílio e idade do chefe do domicílio no Brasil e em cada região brasileira. Associações entre a frequência de consumo fora do domicílio com a idade e com a renda foram examinadas por meio de tendência linear. Para avaliar as diferenças entre as frequências de consumo fora de casa e as demais variáveis utilizou-se o teste do Qui-quadrado. Para análise do horário de consumo dos alimentos fora do domicílio, estratificou-se a variável em seis períodos diferentes: 6-8 horas, 9-11 horas, 12-14 horas, 15-17 horas, 18-20 horas e entre 21 horas e 5 horas da manhã.
Todos os alimentos e bebidas citados no primeiro dia de registro do inquérito de consumo alimentar individual foram organizados em 33 grupos de alimentos: arroz, milho, feijão e outras leguminosas, verduras, legumes, batata, mandioca e inhame, frutas, oleaginosas, outros cereais, massas, sopas, panificados, bolos e biscoitos doces, salgadinhos industrializados e biscoitos salgados, carnes, porco, frango, peixe e frutos do mar, carnes e peixes salgados, embutidos, ovos, leite e outros laticínios, queijos, açúcares e doces, óleos, molhos e condimentos, bebidas alcoólicas, sucos, café e chá, refrigerantes, pizza, salgadinhos fritos e assados e sanduíches. Uma descrição dos alimentos presentes em cada grupo de alimentos pode ser encontrada na Tabela 1. A média de consumo dos grupos de alimentos e o percentual de cada grupo que foi consumido fora do domicílio foram estimados segundo área de localização do domicílio, regiões brasileiras, sexo e idade. A diferença entre as médias de consumo dos grupos de alimentos e o percentual de cada grupo consumido fora do domicílio foi testada por contrastes lineares das médias.
Para o cálculo das estimativas, foi considerado o peso amostral específico do INA e incorporado o efeito decluster do setor censitário, utilizando o software SAS, versão 9.1.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, protocolo nº CAAE 0011.0259.000-11, em 19 de julho de 2011.

RESULTADOS
Os percentuais expandidos foram de 52% mulheres, 65% adultos, 22% adolescentes e 13% idosos. O consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil foi reportado por 40% dos entrevistados, variando de 13% entre os idosos da região Sul a 51% entre os adolescentes da região Sudeste.
O percentual de indivíduos com consumo de alimentos fora do domicílio diminuiu com a idade e aumentou com a renda em todas as regiões brasileiras. Mais homens reportaram consumo fora do domicílio em comparação com as mulheres, assim como os residentes da área urbana quando comparados à área rural. A presença de crianças no domicílio não influenciou a frequência de consumo fora de casa, assim como o tamanho da família, com exceção das regiões Norte e Nordeste, onde as famílias com maior número de membros apresentaram menores frequências de consumo fora de casa (Tabela 2).
A maior parte do consumo de alimentos fora do domicílio aconteceu entre 12 e 14 horas (40%); 8% foram consumidos entre 6 e 8 horas da manhã; 19% entre 9 e 11 horas da manhã; 17% entre 15 e 17 horas; 11% entre 18 e 20 horas; e os 5% restantes foram consumidos entre 21 horas e 5 horas da manhã.
Os grupos de alimentos que apresentaram, em média, maior consumo no Brasil foram feijão e outras leguminosas e arroz e aqueles grupos consumidos em maior percentual fora do domicílio no País foram bebidas alcoólicas e salgadinhos fritos e assados.
A contribuição da alimentação fora do domicílio segundo o percentual consumido fora de casa na área urbana é maior do que na área rural para a maioria dos grupos, com exceção de oleaginosas, outros cereais, sopas, panificados, carnes e peixes salgados, embutidos, leite e outros laticínios, queijos, óleos, molhos e condimentos, bebidas alcoólicas, refrigerantes, pizza, salgadinhos fritos e assados e sanduíches. Os grupos de alimentos com maior percentual de consumo fora de casa foram bebidas alcoólicas, salgadinhos fritos e assados, pizza, refrigerantes e sanduíches tanto na área urbana como na rural (Tabela 3).
Em todas as regiões o grupo mais consumido fora do domicílio foi o de bebidas alcoólicas, com exceção da região Centro-Oeste, onde o grupo de pizzas apresentou maior percentual de consumo fora do domicílio. Salgadinhos fritos e assados foram o segundo grupo mais consumido, com exceção da região Centro-Oeste, onde as bebidas alcoólicas apresentaram a segunda maior frequência de consumo fora do domicílio. A região Norte apresentou maiores frequências de consumo fora de casa para os grupos bolos e biscoitos doces, leite e outros laticínios e bebidas alcoólicas em comparação com as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. No entanto, o consumo total desses grupos de alimentos foi, em média, maior nessas regiões do que na região Norte, com exceção de bebidas alcoólicas, que apresentou consumo total semelhante em todas as regiões. O percentual de sopa consumida fora do domicílio na região Norte foi maior do que na região Sul, apesar de o consumo total desse grupo de alimentos ter sido semelhante nas duas regiões. O mesmo aconteceu com o grupo das massas ao comparar a região Norte com a Centro-Oeste. A região Norte também apresentou percentual de consumo fora de casa maior que as regiões Nordeste e Sudeste para o grupo dos queijos, apesar de a média de consumo ter sido a metade do Nordeste e um quarto da encontrada no Sudeste. A contribuição da alimentação fora de casa para o consumo de sucos foi maior na região Norte do que nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, enquanto a quantidade total de suco consumida foi similar em todas as regiões, com exceção da Nordeste, que apresentou consumo menor que a região Norte. O percentual de salgadinhos fritos e assados consumidos fora de casa no Sudeste foi menor do que nas regiões Norte e Nordeste, mas a média total de consumo foi maior na Sudeste. O percentual de consumo fora de casa de sanduíches foi similar em todas as regiões, apesar de a média total de consumo ter sido maior nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste em comparação com a Norte e Nordeste (Tabela 4).


Tabela 5 apresenta a média de consumo diário dos grupos de alimentos e o percentual consumido fora do domicílio segundo sexo. Os homens apresentaram médias totais de consumo superiores às mulheres para a maioria dos grupos, com exceção de verduras, frutas e sopas. A média de consumo de batata, oleaginosas, outros cereais, bolos e biscoitos doces, salgadinhos industrializados e biscoitos salgados, leite e outros laticínios, queijos e açúcares e doces foi similar entre os sexos. A contribuição da alimentação fora do domicílio para o consumo dos grupos de alimentos foi maior entre os homens do que entre as mulheres para todos os grupos, exceto açúcares e doces. O percentual de milho, oleaginosas, outros cereais, bolos e biscoitos doces, salgadinhos industrializados e biscoitos salgados, porco, peixe e frutos do mar, carnes e peixes salgados, leite e outros laticínios, queijos, óleos, molhos e condimentos, bebidas alcoólicas, sucos e pizza consumido fora do domicílio foi similar entre os sexos. Os grupos mais consumidos fora do domicílio foram bebidas alcoólicas e salgadinhos fritos e assados, seguidos de pizza, refrigerantes e sanduíches para ambos os sexos.
Diferentes perfis de consumo podem ser observados entre as faixas etárias. Adolescentes apresentaram maior média de consumo para os grupos bolos e biscoitos doces, salgadinhos industrializados e biscoitos salgados, leite e outros laticínios, queijos, açúcares e doces, sucos, refrigerantes, salgadinhos fritos e assados e sanduíches. Já os indivíduos com 60 anos ou mais consumiram, em média, maiores quantidades de legumes, frutas, sopas, queijos e café e chá. A contribuição da alimentação fora do domicílio para o consumo de grupos de alimentos foi mais frequente nos adultos do que nas demais faixas etárias para a maior parte dos grupos. Os adolescentes apresentaram maior percentual de consumo fora de casa para os grupos das sopas, bolos e biscoitos doces, salgadinhos industrializados e biscoitos salgados, açúcares e doces e bebidas alcoólicas. O percentual de refrigerantes, pizzas, salgadinhos fritos e assados e sanduíches foi o mesmo entre adultos e adolescentes, apesar de os adolescentes terem apresentado maior média de consumo desses grupos, com exceção das pizzas.
Os grupos de alimentos que mais foram consumidos fora do domicílio coincidem para adultos e adolescentes: bebidas alcoólicas, salgadinhos fritos e assados, pizzas, refrigerantes e sanduíches. Entre os idosos, o consumo de pizza não se mostrou tão importante; somente 10% de toda a pizza ingerida pelos idosos foi consumido fora do domicílio (Tabela 5).

DISCUSSÃO
Podemos observar em todas as regiões que a alimentação fora do domicílio está inversamente relacionada à idade, é maior entre os homens do que entre as mulheres, mais frequente na área urbana do que na rural e aumenta conforme a renda. Outros estudos também identificaram maior frequência de consumo de alimentos fora de casa entre os mais jovens e entre os homens,8,12,13,23 assim como associação entre a demanda por comer fora do domicílio e renda ou variáveis marcadoras da renda, como escolaridade e situação de emprego.2,14,23 No Brasil, um aumento de 10% na renda do domicílio contribui para um aumento de 3% na parcela de alimentos adquiridos para consumo fora de casa.7
Diferentemente do observado nos Estados Unidos,2,23 a presença de criança e o tamanho da família não foram associados à frequência de alimentação fora do domicilio no Brasil, exceto para as regiões Norte e Nordeste. O tamanho da família é uma variável utilizada como marcadora do nível socioeconômico de um domicílio; estima-se que famílias menores possuem melhor nível de renda e, portanto, realizam refeições fora do domicílio com maior frequência. Neste estudo, somente nas regiões Norte e Nordeste a frequência de consumo de alimentos fora de casa foi associada inversamente com o número de pessoas no domicilio, possivelmente por serem as regiões de menor nível socioeconômico do País, onde as famílias maiores são também as de menor poder aquisitivo.e
No geral, os grupos de alimentos consumidos em maior quantidade, independentemente do local de consumo, foram feijão e outras leguminosas e arroz, mostrando predominância dos hábitos alimentares tradicionais no Brasil. Entretanto, dados de tendência sugerem mudanças negativas na disponibilidade domiciliar desses alimentos, com uma diminuição de 20% na média da aquisição de cereais e leguminosas nos últimos 40 anos. Apesar de a parcela de contribuição da alimentação fora do domicílio na dieta brasileira ter aumentado, a diminuição na disponibilidade domiciliar de arroz e feijão não parece ser explicada por esse fato, uma vez que somente em torno de 12% desses alimentos são consumidos fora de casa. Além disso, comparações com inquéritos anteriores revelam aumento importante da participação de alimentos industrializados prontos para consumo na alimentação realizada no domicílio, que provavelmente são consumidos em substituição a itens tradicionais, como arroz e feijão.e,f
Quarenta por cento dos entrevistados reportaram algum consumo de alimento fora do domicílio no primeiro dia de registro alimentar. A frequência de consumo de alimentos fora do domicílio em estudos realizados em outros países é menor do que a reportada para o Brasil. Entre adultos britânicos, 29% reportaram consumo de alimentos fora do domicílio.13 Na Austrália, 36% dos indivíduos acima de 18 anos consumiram alimentos preparados fora do domicílio no dia anterior à entrevista.5 No Canadá, considerando somente o consumo de alimentos preparados em restaurantes do tipo fast-food no dia anterior à entrevista, 25% dos indivíduos acima de 19 anos reportaram comer fora de casa.b Convém lembrar que a definição de alimentação fora do domicílio é uma variável de estudo sem definição padronizada na literatura científica, o que pode explicar as grandes variações observadas.4
No Brasil, os grupos de alimentos com maior prevalência de consumo fora de casa foram bebidas alcoólicas, salgadinhos fritos e assados, pizza, refrigerantes e sanduíches em todas as regiões brasileiras, nas áreas urbana e rural, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias, condizente com os dados baseados nas despesas com alimentação fora de casa em 2002-2003.3 O consumo de alimentos de alto conteúdo energético e pobre conteúdo nutricional fora de casa é consistente com estudos que descreveram significativa contribuição da alimentação fora de casa para o consumo total de calorias, gorduras e açúcares, e pouca contribuição para o consumo de micronutrientes.5,10,13,20 Refrigerantes, bebidas alcoólicas e lanches salgados também apresentaram maior frequência de consumo fora do domicílio em outros estudos.14,18,19,24 Salgadinhos fritos e assados, como coxinha, empada, pastel, são característicos do Brasil e de fácil aquisição em termos de custo, comparados a refeições e fast-foods.3
O percentual desses alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes consumido fora do domicílio foi maior entre os adolescentes. Esses resultados são comparáveis aos observados em estudo realizado no Reino Unido, que mostrou que os alimentos consumidos fora do domicílio por adolescentes possuíam baixa densidade de nutrientes (proteína, cálcio, ferro e vitamina A), mas alto conteúdo de gordura e açúcar quando comparado com alimentos consumidos em casa.1
Comparações diretas com estudos internacionais são limitadas devido às diferentes definições de alimentação fora de casa, foco de investigação em locais específicos, como restaurantes, fast-foods, escola e trabalho, e outras limitações metodológicas relacionadas à amostra e aos métodos de avaliação do consumo alimentar, por exemplo. No presente estudo, a definição utilizada incluiu todos os alimentos preparados e consumidos fora do domicílio no intuito de excluir qualquer alimento disponível para o consumo domiciliar, ou seja, aqueles alimentos que tenham entrado no estoque de alimentos do domicílio.
Quanto às diferenças regionais, os maiores percentuais de alimentação fora do domicílio encontrados estão nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. As médias totais de consumo dos grupos de alimentos foram, no geral, maiores nas regiões mais desenvolvidas do País (Sudeste e Sul). Poucos grupos de alimentos apresentaram médias de consumo maiores no Norte e Nordeste, exceção para mandioca e inhame e peixes e frutos do mar. Assim, apesar de as regiões Sul e Sudeste apresentarem percentuais de consumo fora de casa menores para alguns grupos de alimentos, esse percentual pode ser mais importante devido à maior média de consumo desses grupos. Um exemplo disso é o menor percentual de salgadinhos fritos e assados consumidos fora de casa no Sudeste em comparação com as regiões Norte e Nordeste, enquanto a média de consumo desse grupo é maior no Sudeste. Observa-se também um percentual de consumo de sanduíches fora de casa similar em todas as regiões; no entanto, a média de consumo é duas vezes maior no Sul e Sudeste comparando com o Norte e Nordeste.
Quanto à área de localização dos domicílios, a área rural tem maior aderência à alimentação tradicional brasileira, apresentando maior consumo médio total para grupos como feijão e outras leguminosas, arroz, milho e mandioca e inhame. A área rural apresentou também os menores percentuais de consumo fora de casa para a maioria dos grupos de alimentos. Contudo, para os grupos mais consumidos fora de casa: refrigerantes, pizzas, salgadinhos fritos e assados, sanduíches e bebidas alcoólicas, os percentuais de consumo fora de casa entre as duas regiões foram similares, sendo as médias de consumo na área urbana bem superiores às observadas na área rural.
As vantagens da presente análise são uso de uma amostra representativa da população brasileira acima de dez anos de idade, segundo diferentes estratos demográficos e socioeconômicos, e análise do consumo efetivo de alimentos, sendo o primeiro estudo a descrever a alimentação fora do domicílio no Brasil e seus correlatos, com base no consumo individual de alimentos.
A análise baseada em um único dia de consumo alimentar é uma limitação por não ser capaz de refletir o consumo usual de alimentos fora do domicílio. No entanto, as análises desenvolvidas no presente estudo são baseadas em médias populacionais suficientes para fornecerem estimativas adequadas do consumo de alimentos pela população, principalmente quando se utiliza um número suficientemente grande de indivíduos.25Quanto às análises comparativas entre as variáveis apresentadas neste estudo, o uso de um dia de consumo gera estimativas conservadoras. Com a correção da variabilidade intraindividual, outras diferenças poderiam ser ainda consideradas estatisticamente significantes para um valor de p < 0,05.
Outros estudos também se basearam em um dia de consumo; logo, também não tiveram correção da variabilidade intraindividual.5,15,19,20
Outra limitação do estudo é a impossibilidade de se avaliarem diferentes locais de consumo alimentar fora de casa, como escola e locais de trabalho, uma vez que refeições realizadas nessas premissas podem influenciar de maneira importante a qualidade da dieta dos indivíduos.9,14,16 No Brasil, essas refeições são geralmente planejadas com base em programas governamentais específicos e devem, portanto, seguir determinadas recomendações nutricionais, servindo ainda como instrumentos para a promoção de alimentação saudável. Em estudo realizado na cidade de São Paulo, SP, o almoço foi a refeição que apresentou maior frequência de consumo fora do domicílio.22 A presente análise não permite identificar o consumo de alimentos por tipo de refeição; no entanto, a maioria dos registros de alimentos consumidos fora do domicílio aconteceu entre 12 e 14 horas.
Em conclusão, indivíduos jovens residentes em domicílios situados na área urbana e em regiões mais economicamente desenvolvidas, como Sul e Sudeste, apresentaram maior frequência de consumo fora do domicílio. No geral, a alimentação fora de casa apresenta predominância de alimentos de alto conteúdo energético e pobre conteúdo nutricional, como refrigerantes, pizza e salgadinhos. Esses achados indicam que o consumo de alimentos fora do domicílio deve ser considerado nas ações de saúde pública voltadas para a melhoria da alimentação dos brasileiros. Estudos com foco nos fatores que influenciam a escolha do local para se alimentar, os tipos de alimentos consumidos por local e por refeição são importantes para melhor descrever a alimentação fora do domicílio no Brasil.

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 Correspondência | Correspondence: Ilana Nogueira Bezerra
Departamento de Epidemiologia
Instituto de Medicina Social - UERJ
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