Por Alex Maciel
I. CULPABILIDADE:
1. Conceito:
Trata-se
de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o
agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como
ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, segundo as regras
impostas pelo Direito (Teoria normativa pura). Dessa forma, culpabilidade é um
juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso.
Esse juízo só pode estar na cabeça de quem julga, mas tem por objeto o agente
do crime e sua ação criminosa.
O conceito de culpabilidade
apresentou significativa evolução, sendo as principais teorias as seguintes:
Teoria Psicológica: Culpabilidade
é importante elemento do crime, na medida em que representa seu enfoque
subjetivo, isto é, o dolo e a culpa. Para esta corrente, ao praticar o fato
típico e antijurídico (aspectos objetivos do crime), somente se completaria a
noção de infração penal se estivesse presente o dolo e a culpa, que
vinculariam, subjetivamente, o agente ao fato por ele praticado (aspecto
subjetivo do crime). Em suma, culpabilidade é o dolo ou culpa. Embora essa
teoria apresente falhas variadas, a principal delas é a inviabilidade de se
demonstrar a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não se faz nenhum
juízo de valor sobre a conduta típica e antijurídica. Assim, aquele que é
imputável e atua com dolo, por exemplo, ainda que esteja bob coação moral
irresistível poderia ser considerado culpado.
Teoria Normativa ou Psicológica-Normativa: Dando
ênfase ao conteúdo normativo da culpabilidade, e não simplesmente ao aspecto
psicológico (dolo ou culpa), acrescentou-se o juízo de reprovação social (ou de
censura), que se deve fazer em relação ao autor do fato típico e antijurídico,
quando considerado imputável (a imputabilidade passa a ser elemento da
culpabilidade e não mero pressuposto), bem como se tiver agido com dolo (que
contém a consciência da ilicitude) ou culpa, além de dever haver prova da
exigibilidade e da possibilidade de atuação conforme as regras do direito.
Teoria Normativa Pura: A conduta,
sob a ótica finalista, é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente,
com finalidade. Logo, ao agir, o ser humano possui uma finalidade, que é
analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo. Portanto, para tipificar
uma conduta (conhecendo-se de antemão a finalidade da ação ou omissão) já se
ingressa na análise do dolo ou da culpa, que se situam na tipicidade (e não
mais na culpabilidade). Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação
social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse
que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude (a
qual não está mais inserida no dolo) e com exigibilidade e possibilidade de um
comportamento conforme o direito.
Teoria Funcionalista: Essa teoria
passou a sustentar um conceito de culpabilidade que se vinculasse às
finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à política criminal do Estado.
Por isso, não poderia fundamentar-se exclusivamente numa concepção
naturalística e improvável do livre-arbítrio (poder atuar, ou não, conforme as
regras impostas pelo Direito). Nas palavras de Gunter Jakobs, a culpabilidade
representa uma falta de fidelidade do agente com relação ao Direito. Essa falta
de motivação para seguir as normas jurídicas é um conceito determinado
normativamente e por tal fundamento realiza-se o juízo de 0culpabilidade.
Portanto, analisar se há ou não déficit motivacional por parte do agente, para
seguir as normas jurídicas, é tarefa que independe de prova da exigibilidade ou
inexigibilidade de poder agir conforme o direito. Deduz-se a infidelidade ao
Direito sem análise individualizada do agente, mas sob o prisma social,
considerando-se os fins da pena. A culpabilidade não mais seria analisada sob o
prisma individual, deixaria de servir de fundamento real para a pena e nem mais
poderia ser útil ao limite da pena, pois tudo não passaria de critérios ligados
à política criminal.
2. Excludentes de Culpabilidade:
As Excludentes de
culpabilidade podem ser divididas, para seu estudo, em dois grupos:
I. Quanto ao agente do fato:
a. Existência de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput)
b. Existência de Embriaguez decorrente de
vício (art. 26, caput)
c. Menoridade (art. 27, CP)
II. Quanto ao fato:
Legais:
b. Obediência hierárquica (art. 22, CP)
c. Embriaguez decorrente de caso fortuito
ou força maior (art. 28, § 1º)
d. Erro de proibição escusável (art. 21,
CP)
e. Descriminantes putativas
2.1. Excludentes concernentes ao agente do fato:
,
2.1.1. Imputabilidade Penal:
É
o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que
permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se
de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das
condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.
Se
o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado,
não poderá se pautar por tal compreensão e terminará praticando um fato típico
e antijurídico sem que possa por isso ser censurado, isto é, sem que possa
sofrer juízo de culpabilidade.
O inimputável (doente mental ou
imaturo- menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente,
aplicando-lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade,
diverso, portanto da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico,
sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso- adjetivação
reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo
censura-, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é
terapêutica.
As
condições pessoais do agente para a compreensão do que faz demanda dois
elementos:
1º: Rigidez
biopsíquica (saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato) e
2º maturidade (desenvolvimento físico-mental que permite ao ser humano
estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se
distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias ideais e possuir
segurança emotiva).
No Brasil, para se verificar a
maturidade do agente optou-se pelo critério cronológico, isto é, ter mais de 18
anos.
Por outro lado, os critérios para
averiguar a inimputabilidade, quanto à higidez mental, são os seguintes:
Biológico: Leva-se em conta
exclusivamente a saúde mental do agente, isto é, se o agente é, ou não, doente
mental ou possui, ou não, um desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Psicológico: Leva-se em
consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o
caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento.
Biopsicológico: Levam-se em conta
os dois critérios anteriores unidos, ou seja, verifica-se se ao agente é
mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. É o princípio adotado pelo CP no
seu art. 26. Logo, não é suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental,
mas que exista prova de que esse transtorno afetou, realmente, a capacidade de
compreensão do ilícito, ou de determinação segundo esse conhecimento, à época
do fato.
2.1.2. Doença Mental e Desenvolvimento mental incompleto
ou retardado:
Doença
mental é um quadro de alterações psíquicas
qualitativas, como a esquizofrenia e outras psicoses. O conceito de doença
mental deve ser analisado em sentido amplo, abrangendo as doenças de ordem
patológica e de origem toxicológica. São exemplos de doenças mentais, que podem
gerar a inimputabilidade penal: esquizofrenia; paranoia; psicose
maníaco-depressiva, demência, alcoolismo.
Desenvolvimento
mental incompleto ou retardado consiste numa limitada capacidade de
compreensão do ilícito ou de falta de condições de se autodeterminar, conforme
o precário entendimento, tendo em vista ainda não ter o agente atingido a sua
maturidade intelectual e física, seja por conta da idade, seja porque apresenta
alguma característica particular, como o silvícola não civilizado ou o surdo
sem capacidade de comunicação.
Tendo
em vista que a lei penal adotou o critério misto (biopsicológico), é
indispensável haver laudo médico para comprovar a doença mental ou mesmo o
desenvolvimento incompleto ou retardado (é a parte biológica), situação não
passível de verificação direta pelo juiz. Entretanto, existe, ainda, o lado
psicológico, que é a capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento,
compreendendo o caráter ilícito do fato. Essa parte pode ser de análise do
juiz, conforma provas colhidas ao longo da instrução.
2.1.2.1. Conceito de perturbação da saúde mental:
Não deixa de ser também uma forma de
doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua
inteligência ou vontade. Perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de
compreensão, motivo pelo qual o parágrafo único do art. 26 do CP tornou a
repetir o “desenvolvimento mental incompleto”, bem como faz referência a não
ser o agente inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou mesmo de determinar-se de acordo com tal
entendimento.
Nesse caso, não há eliminação completa da imputabilidade. Logo, pode o agente
sofrer o juízo de reprovação social inerente à culpabilidade, embora o juiz
seja levado a atenuar a censura
feita, reduzindo a pena de 1/3 a 2/3.
Além disso, caso a perturbação da saúde mental (forma de
doença mental) seja intensa o suficiente, de modo a justificar um especial
tratamento curativo, o juiz ainda pode substituir a pena restritiva de
liberdade por medida de segurança (internamento ou tratamento laboratorial)
conforme o art. 98 do CP.
2.1.3. Embriaguez decorrente de vício:
Deve-se
estabelecer a diferença entre Embriaguez
(mera intoxicação do organismo pelo álcool) e Alcoolismo (embriaguez crônica caracterizada pelo abaixamento da
personalidade psico-ético, tornando o enfermo lento nas suas percepções ou
levando-o a percepções ruins, a ponto de ter ilusões, fixando mal as recordações
e cansando-se ao evoca-las e sua associação de ideias segue por caminhos
ilógicos), levando em conta ser o alcoolismo considerado doença mental, logo,
aplica-se o disposto no art. 26 do CP, ou seja, o agente deve ser absolvido, se
aplicando-lhe medida de segurança.
2.1.4. Menoridade:
Trata-se
da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal
criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do
desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter
ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Apesar de se observar que, na
prática, menores com 16 ou 17 anos tem plenas condições de compreender o
caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental
acompanha a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada
para a compreensão integral dos fatos da vida. Porém, o Brasil ainda mantém a
fronteira fixada nos 18 anos, conforme nota-se no art. 28 da Constituição: “São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial”.
2.2. Excludentes concernentes ao fato:
2.2.1. Coação moral irresistível:
Tanto
esta quanto a obediência hierárquica são causas de exclusão da culpabilidade
que se situam no contexto da inexigibilidade de conduta diversa. Afinal, o
direito não pode exigir das pessoas comportamentos anormais ou heroicos,
pretendendo que a lei penal seja aplicada cegamente, sem uma análise minuciosa
da situação concreta na qual se vê envolvido o agente um fato típico e
antijurídico.
Assim,
havendo coação moral insuportável, não é exigível que o coato resista
bravamente, como se fosse um autônomo cumpridor da lei. O mesmo se diga da
obediência hierárquica, pois havendo uma ordem do superior para o subordinado,
dificilmente se pode exigir deste últimos que questione o autor de determinação.
A
lei não definiu, nem apresentou os elementos componentes das duas excludentes,
restando à doutrina a tarefa de fazê-lo. A coação irresistível, referida no
art. 22 do CP, é a coação moral, uma vez que a coação física afeta diretamente
a voluntariedade do ato, eliminado, quando irresistível, a própria conduta.
Trata-se de uma grave ameaça feita pelo coator ao coato, exigindo deste último
que cometa uma agressão contra terceira pessoa, sob pena de sofrer um mal
injusto e irreparável. São seus elementos:
a. Existência de uma ameaça
de um dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de ser suportado
pelo coato;
b. Inevitabilidade do perigo na
situação concreta do coato;
c. Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou
contra pessoas queridas a ele ligadas. Se não se tratar de
pessoas intimamente ligadas ao coato, mas estranhos que sofram a grave ameaça,
caso a pessoa atue, para proteger quem não conhece, pode-se falar em
inexigibilidade de conduta diversa, conforme os valores que estiverem em
disputa.
d. Existência de, pelo menos, três partes envolvidas,
como regra: coator, coato e vítima.
e. Irresistibilidade da ameaça avaliada
segundo o critério do homem médio e do próprio coato, concretamente. Portanto,
é fundamental buscar, para a configuração dessa excludente, uma intimidação
forte o suficiente para vencer a resistência do homem normal, fazendo-o temer a
ocorrência de um mal tão grave que lhe seria extraordinariamente difícil
suportar, obrigando-o a praticar o crime idealizado pelo coator.
Exemplo,
que lamentavelmente tem-se tornado comum atualmente: um gerente de banco tem
sua família sequestrada, sob ameaça de morte, para obriga-lo, acompanhando um
dos integrantes de uma quadrilha, à abrir o cofre do estabelecimento bancário e
entregar dinheiro aos ladrões. Apesar de o gerente ter praticado um fato típico
(art. 155 do CP) e ilícito (não há excludente de antijuridicidade em seu
favor), não pode ser punido, pois é inexigível, de sua parte, conduta diversa.
Elimina-se, pois, a culpabilidade.
2.2.2. Obediência Hierárquica:
É
a ordem de duvidosa legalidade cada pelo superior hierárquico ao seu
subordinado, para que cometa uma agressão a terceiro, sob pena de responder
pela inobservância da determinação. Seus elementos são:
a. Existência de uma ordem NÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL, ou
seja, de duvidosa ilegalidade.
b. Ordem emanada de autoridade competente (salvo
quando o agente cumpre ordem de autoridade incompetente equivocado, o qual pode
ser uma forma de erro de proibição escusável)
c. Existência, em regra, de três parte: superior,
subordinado e vítima.
d. Relação de subordinação hierárquica
entre o mandante e o executor, em direito público.
Não possibilidade de se sustentar a
excludente na esfera do direito privado, tendo em vista que somente a
hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o subordinado
que desrespeita seu superior (no campo militar, até prisão disciplinar pode ser
utilizada pelo superior, quando não configurar crime, conforme o art. 163 do
CPM).
e. Estrito cumprimento da ordem. Neste
caso, tratando-se de ordem de duvidosa legalidade, é preciso, valer-se da
excludente, que o subordinado fixe os limites exatos da determinação que lhe
foi passada. O exagero descaracteriza a excludente, pois vislumbra-se ter sido
exigível do agente outra conduta, tanto que extrapolou o contexto daquilo que
lhe foi determinado por sua conta e risco.
Tanto coator quanto o superior podem
responder pelo resultado lesivo produzido pelo coato ou pelo subordinado e
também, em concurso formal, pela coação exercida contra o coato ou pelo abuso
cometido contra o subordinado.
2.2.3. Embriaguez decorrente de caso fortuito
ou força maior:
Embriaguez
é uma intoxicação aguda provocada no organismo pelo álcool ou por substância de
efeitos análogos. Na embriaguez, a consciência está fortemente obnubilada,
produzem-se estados crepusculares com fenômenos de desorientação, perturbações
humorais profundas, desordens psico-sensorias sob forma de fenômeno ilusórios e
alucinatórios. Alterações da forma e especialmente do conteúdo ideativo até o
delírio.
2.2.3.1. Embriaguez voluntária ou culposa:
Voluntária
é a embriaguez desejada livremente pelo agente e culposa é aquela que ocorre
por conta de imprudência do bebedor. Preceitua o CP que, nesses casos, não se
pode excluir a imputabilidade do agente (não se pode afastar a sua
culpabilidade).
É
preciso destacar que o sujeito embriagado completamente, no momento da ação ou
omissão, está com a sua consciência fortemente obnubilada, retirando-se a
possibilidade de ter agido com dolo ou culpa. Portanto, buscando sustentar
teorias opostas à realidade, trata-se de uma presunção de dolo e culpa
estabelecida pelo legislador, isto é, a adoção da responsabilidade penal
objetiva. Não se pode estender o princípio da actio libera in causa à
embriaguez voluntária, em que o agente ingere a bebida alcoólica somente para
ficar bêbado, ou à embriaguez culposa, em que se embriaga por imprudência ou
negligência. Em nenhuma dessas hipóteses, porém, pretendia o agente praticar
ulteriormente o crime. O legislador penal, ao considerar imputável aquele que
em realidade não o era, fez uso de uma ficção jurídica. Ou melhor, adotou nesse
ponto a responsabilidade objetiva, que se antagoniza com o nullum crimen sine
culpa. É forçoso convir que no capítulo da embriaguez, excetuada aquela
preordenada, o CP fez reviver a velha fórmula do versari in re illicita.
Destacando
a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez
voluntária, desprezando as lições mais adequadas cientificamente, o Código não
empresta nenhum relevo à embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se
se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação á está o Código
prevê uma agravação, também é certo que considera todas num mesmo plano para
negar isenção da pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava,
resolviam melhor o assunto. O art. 31 estabelecia: “A embriaguez pelo álcool ou
susbtancia de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a
responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. Se a embriaguez foi
intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível à título
de dolo. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o
agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer tal
crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o
fato”. Também o CP de 69 revelou-se indiferente ao problema de embriaguez
voluntária e culposa, não lhes dando qualquer tratamento diferenciado e
ignorando-as como causas de isenção ou substituição da pena.
2.2.3.2. Teoria da actio libera in
causa:
Com
base no princípio de que a “causa da causa também é causa do que foi causado”,
leva-se em consideração, que no momento de se embriagar, o agente pode ter
agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o
instante da conduta criminosa.
Portanto,
quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer,
ingere substancia entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação
de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente- afinal, o
elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por
outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo,
bebe antes de fazê-lo, precipita a sua imprudência para o momento em que irá
atropelar e matar um pedestre. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento
subjetivo do crime projeta-se do momento da ingestão da bebida para o instante
do delito.
Desenvolve
a Exposição de Motivos da Parte Geral do CP de 1940: Ao resolver o problema da
embriaguez (por álcool ou substancia de efeitos análogos), do ponto de vista da
responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertarem relata,
que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenada, mas se
estende a todos os casos em que ao agente de deixou arrastar ao estado de
inconsciência. Com a devida vênia, nem todos os casos que o agente “deixou-se
arrastar” ao estado de inconsciência podem figurar uma hipótese de “dolo ou
culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem
por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de
embriaguez completa, de forma que não é cabível a aplicação da teoria da actio
libera in causa.
De
outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados
totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando,
indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma de que a teoria da actio libe in
causa (ação livre na sua origem), somente é cabível nos delitos preordenados
(cuidando-se) do dolo, ou com flagrante imprudência no momento de beber.
Complementando, convém desatacar a posição de Narcelio de Queiroz, cuidando da actio libera in causa: são os casos em
que alguém, no estado de imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de
algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente,
com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sme essa intenção, mas tendo
previsto a possibilidade do, ou ainda, quando a podia ou devia prever.
A
partir de 1890, em face do disposto no art. 27 do CP da República (“Os que se
acharem e, estado de completa privação dos sentidos e de inteligência no ato de
cometer o crime” não são considerados criminosos), começou-se a equiparar a
embriaguez completa à privação dos sentidos, provocando, então, decisões
absolutórias. Assim, ainda que válida a teoria no campo dos crimes
preordenados, implicando até no reconhecimento de uma agravante (não se pode)
amplia-la para abranger outras situações de embriaguez.
2.2.3.3. Caso fortuito ou Força maior:
É
fortuita a embriaguez decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o
agente não tinha a menor ideia de que estava ingerindo substância entorpecente
(porque foi ludibriado por terceiro, p. ex.) ou quando mistura álcool com
remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito da droga,
sem estar devidamente alertado para isso. Exemplo típico é do operário de
destilaria que se embriaga inalando os vapores do álcool, presentes na área de
trabalho.
Embriaguez decorrente de força maior
é a que se origina de eventos não controláveis pelo agente, tal como a pessoa
que, submetida a um trote acadêmico, é obrigada a ingerir, à força, substância
entorpecente.
Ambas são hipóteses fortuitas ou
acidentais. Essa causa dá margem a uma excludente de culpabilidade se, por
conta dessa ingestão forçada ou fortuita, o agente acaba praticando o injusto.
É preciso, no entanto, que esteja totalmente incapacitado de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento por conta
da embriaguez completa.
2.2.3.4. Embriaguez incompleta fortuita:
Nesse
dispositivo não consta a exigência de ser a embriaguez completa, podendo-se, portanto, admitir a embriaguez incompleta
que, no entanto, há de ser fortuita ou resultante de força maior, bem como
suficiente para gerar, ao tempo da conduta, entendimento dificultado do caráter
ilícito do fato ou determinação do comportamento de acordo com esse
entendimento.
Tendo em vista que, nessa situação,
o agente é imputável, pois tem conhecimento parcial do ato ilícito praticado,
portanto culpável, há possibilidade de ser condenado, em bora com redução de
pena, tendo em vista que a reprovação social é menor.
2.2.4. Erro de Proibição escusável e discriminantes
putativas:
Quanto
às discriminantes putativas, todas as suas hipóteses devem ser inseridas no
contexto do erro de proibição, embora parte da doutrina destaque o erro quanto
aos pressupostos fáticos da excludente de ilicitude como erro de tipo (art. 20,
§ 1º, CP).
2.2.5. Inexigibilidade de conduta diversa:
Há
intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como
tese autônoma, desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da
obediência hierárquica. É perfeitamente admissível o seu reconhecimento no
sistema penal. O legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à
doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimidade, que a exigibilidade e
possibilidade de conduta conforme o direito é um dos seus elementos. Nada
impede que de dentro da culpabilidade se retire essa tese para, em caráter
excepcional, servir para excluir a culpabilidade de agentes que tenham
praticados determinados injustos.
A inexigibilidade de conduta diversa
faz parte da coação moral irresistível, embora se possa destaca-la para atuar
isoladamente. Pode-se admitir, portanto, que em certas situações extremadas,
quando não for possível aplicar outras excludentes de culpabilidade, a
inexigibilidade de conduta diversa seja utilizada para evitar a punição
injustificada do agente. Como ensina Assis Toledo: A inexigibilidade de outra
conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da
culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora
em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser
reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está
intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal que, portanto,
dispensa a existência de normas expressas a respeito. E também a lição de
Bauman: Se se admite que as causas de exclusão de culpabilidade reguladas na
lei se baseiem no critério da inexigibilidade, nada impede que por via da
analogia jurídica se postule a inexigibilidade como causa geral de exclusão da
culpabilidade. No Brasil, reconhecida taxativamente a lacuna do sistema
jurídico quanto às hipóteses de inexigibilidade, há que se admiti-la como causa
supralegal e excludente de culpabilidade, sob pena de não se poder reconhecer
um pleno direito penal da culpa.
3. Emoção e Paixão:
Preceitua
o art. 28, I, do CP, que não excluem a imputabilidade penal a emoção e a
paixão, o que é posição acertada, uma vez que em
ambas as situações não se está diante de doença mental, nem mesmo de perturbação
apta à retirar a capacidade de entendimento do agente ou de autodeterminação.
3.1. Emoção:
É
um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação de
sentimento. É uma forte e transitória perturbação da afetividade, a que estão
ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares da vida
orgânica (pulsar precipite do coração, alterações térmicas, aceleração do ritmo
respiratório, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor,
lágrimas).
E as emoções vivenciadas pelo ser
humano podem ser causas de alteração do ânimo, das relações de afetividade e
até mesmo das condições psíquicas, proporcionando, por vezes, reações
violentas, determinadoras de infrações penais.
3.2. Paixão:
Originária
da emoção, a paixão é uma excitação sentimental levada ao extremo, causando
maiores alterações nervosas ou psíquicas. Ainda que possa interferir no
raciocínio e na vontade, é passível de controle, razão pela qual não elide a
culpabilidade. São exemplos: ódio, amor, vingança, ambição, inveja, ciúme,
entre outros.
Existem
paixões consideradas sociais, pois ostentam valores harmônicos aos acolhidos em
sociedade como positivos, assim como há paixões antissociais, visto que
apresentam valores negativos aos olhos da sociedade. O cometimento do crime,
impulsionado pela paixão, não livra o agente da punição, pois não lhe afasta a
imputabilidade. Entretanto, é preciso considerar, no momento da aplicação da
pena, qual espécie de paixão moveu o autor, se social ou antissocial, para graduar
a pena. Como manifestação da personalidade do agente, pode-se avaliar o caráter
da paixão: quando positiva, serve de elemento para abrandar a pena. Quando
negativa, serve de fator para elevação da sanção.
II. Erro de Tipo e Erro de Proibição:
1. Conceito de Erro e Ignorância:
Erro
é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento de um objetivo
(estado positivo); a ignorância é a falta de representação da realidade ou
desconhecimento total do objeto (estado negativo). No campo jurídico, prevalece
a unidade dos dois conceitos (teoria
unitária). Portanto, tanto faz errar quanto ignorar, pois a consequência poderá
ser a configuração do erro de tipo ou de proibição.
2. Conceito de Erro de Tipo:
É
o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo
qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos
elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo,
podendo levar à punição por crime culposo (art. 20, caput, CP). Exemplo da
doutrina: o caçador imagina que atrás de uma moita existe um animal feroz
contra o qual atira, atingindo, no entanto, outro caçador que estava à espreita
da caça, matando-o. o atirador pretendia matar um animal e não um ser humano.
Ocorreu erro sobre o elemento “alguém” do tipo penal do homicídio (“matar
alguém” - art. 121 do CP).
O dolo deve ser abrangente (envolver
todos os elementos objetivos do tipo) o que não ocorreu no caso mencionado,
pois a vontade de praticar a conduta típica inexistiu: querer matar um animal é
diferente de querer matar um ser humano. Assim, está excluído o dolo. Porém,
pode subsistir a forma culposa.
3. Possibilidade de punição por crime culposo:
Tendo
sido excluído o dolo, é preciso verificar se o erro havido não derivou da
desatenção ou descuido indevido do agente. Se todos têm o dever de cuidado
objetivo, até mesmo para cometer erros é imprescindível analisar se houve ou
não infração de tal dever. Caso o agente tenha agido com descuido patente,
merece ser punido pelo resultado dano involuntário a título de culpa.
4. Erro Escusável e Erro Inescusável:
Se denomina erro escusável ou inevitável aquele que, afastando o dolo, possibilita
ainda a exclusão da culpa, tendo em vista que qualquer pessoa, ainda que
prudente nos seus atos, teria provocado o resultado.
Erro
inescusável ou evitável é aquele que
viabiliza o afastamento do dolo, mas permite a punição por crime culposo, se
houver a figura típica, uma vez que o agente não se comportou com a prudência
que lhe é exigida.
5. Conceito de Erro de Proibição:
É
o erro incidente sobre a ilicitude do fato. O agente atua sem consciência da
ilicitude, servindo pois, de excludente
de culpabilidade. O legislador incluiu no rol das excludentes da
culpabilidade o erro quanto à ilicitude do fato, uma vez que é possível o
agente desejar praticar uma conduta típica, sem ter a noção de que é proibida.
Exemplo: Um soldado, perdido de seu pelotão, sem saber que a paz foi celebrada,
mata um inimigo, acreditando ainda estar em guerra. Trata-se de um erro quanto
á ilicitude do fato, uma vez que, durante o período de guerra, é lícito
eliminar o inimigo.
6. Diferenças entre desconhecimento da lei e Erro quanto
à Ilicitude:
O
desconhecimento da lei, isto é, da norma escrita, não pode servir de desculpa
para a prática de crimes, pois seria impossível, dentro das regras
estabelecidas pelo direito codificado, impor limites à sociedade, que não
possui, nem deve possuir, necessariamente, formação jurídica. Aliás, esse é o
conteúdo da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a
conhece” (art. 3º). Portanto, conhecer a norma escrita é uma presunção legal
absoluta, embora o conteúdo da lei, que é o ilícito, possa ser objeto de
questionamento.
A pessoa que, por falta de
informação devidamente justificada, não teve acesso ao conteúdo da norma poderá
alegar “erro de proibição”. Frise-se que o conteúdo da lei é adquirido através
da vivência em sociedade, e não pela leitura dos Códigos. Atualmente, no
entanto, tendo em vista a imensa complexidade dos sistema jurídico brasileiro,
o “desconhecimento da lei” pode ser invocado pelo réu como atenuante (art. 65,
II, CP).
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, a ignorantia legis é matéria de aplicação
da lei, que, por ficção jurídica, se presume conhecida por todos, enquanto o
erro de proibição é matéria de culpabilidade, num aspecto diverso. Não se trata
de derrogar ou não os efeitos da lei, em função de alguém conhece-la ou
desconhece-la. A incidência é esta: a relação que existe entre a lei, em abstrato,
e o conhecimento que alguém, possa ter de que seu comportamento esteja
contrariando a norma legal. E é nesse relação (de um lado a norma, em abstrato,
eficaz e válida para todos, e, de outro, o comportamento em concreto e
individualizado) que estabelecerá ou não a consciência
da ilicitude, que é matéria da culpabilidade, e nada tem a ver com os
princípios que informam a estabilidade do ordenamento jurídico.
7. Erro de proibição Escusável e Inescusável:
Quando
o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, valendo-se do ser
humano da diligência ordinária, trata-se de uma hipótese da exclusão da culpabilidade. Ex.: um
jornal de grande circulação, na esteira de grande debate anterior acerca do
assunto, por engano, divulga que o novo CP foi aprovado e entrou em vigor,
trazendo, como causa excludente de ilicitude, a eutanásia. Um leitor, possuindo
parente desenganado em leito hospitalar, apressa sua morte, crendo agir sob o
mato protetor de uma causa de justificação inexistente. Trata-se um erro
escusável (inevitável), pois não lhe foi possível constatar a inverdade da
informação recebida.
Por outro lado, o erro sobre a
ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um mínimo de
empenho em se informar, o agente poderia ter tido conhecimento da realidade,
denomina-se erro de proibição inescusável (evitável). Ex.: abstendo-se do seu
dever se manter informado. O agente deixa de tomar conhecimento de uma lei,
divulgada na imprensa, que transforma em crime determinada conduta. Praticando
o ilícito, não poderá ser reconhecida a excludente de culpabilidade, embora lhe
sirva ela como causa de redução da pena,
variando de um sexto a um terço.
A
fundamental diferença entre ambos é que o erro de proibição é considerado
escusável se o agente, à época da realização da conduta, não tinha consciência atual, nem potencial da ilicitude; o
erro de proibição é considerado inescusável se o agente, quando realiza a
conduta, não tinha consciência atual, mas
lhe era possível saber que se tratava de algo ilícito (art. 21, § único do CP).
8. Diferença entre Crime putativo e Erro de proibição:
São hipóteses
inversas, pois, no crime putativo, o agente crê estar cometendo um delito (age
com consciência do ilícito), mas não é crime; no erro de proibição, o agente
acredita que nada faz de ilícito, quando, na realidade, trata-se de um delito.
9. Conceito de Discriminantes putativas:
Discriminantes
são excludentes de ilicitude; putativo significa
imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as
discriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar
presentes numa determinada situação, quando, na realidade, ano estão. Exemplo:
o agente pensa estar agindo em legitima defesa, defendendo-se de um assalto,
quando, em verdade, empreendeu esforço contra um mendigo que, aproximando-se da
janela de seu veículo, pretendia apenas lhe pedir esmola.
10. Divisão das Discriminantes Putativas: Podem
ser de três espécies:
a. Erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de
exclusão de ilicitude: Neste caso, o agente, como visto no
exemplo supra, pensa estar em situação de se defender, porque o assédio do
mendigo lhe apresenta um ataque, na verdade, inexistente. Ora, sabendo-se que a
excludente de ilicitude (legítima defesa) é composta de requisitos, dentre eles
a agressão a injusta, o erro do agente recai justamente sobre esse elemento.
Pensou estar diante de um ataque injusto (situação de fato), em realidade
existente. Se fosse consistente a agressão, estaria configurada a legitima
defesa; como não é, há o erro quanto á ilicitude. Não é de confundir-se a
legítima defesa putativa com o pretexto da legítima defesa, em que o indivíduo
age na plena consciência de que, com a sua conduta violência, não se acha em
estado de legítima defesa. E ainda mesmo que o agente proceda na dúvida sobre a
identidade entre a sua ação autorizada in abstrato pela lei, já não falar-se em
legítima defesa putativa: apresenta-se, também em tal caso, um crime doloso. A
ressalva exposta por Nelson Hungria vela, igualmente, para as demais hipóteses
excludentes de ilicitude (estado de necessidade, exercício regular de direito,
estrito cumprimento do dever legal e consentimento do ofendido). Em nenhum caso
se pode admitir o pretexto de
excludente.
b. Erro quanto à
existência de uma causa excludente de ilicitude:
Pode o agente
equivocar-se quanto à existência de uma excludente de ilicitude. Renovemos o exemplo: alguém, crendo estar
aprovado um novo Código Penal no Brasil, prevendo e autorizando a eutanásia,
apressa a morte de um parente desenganado. Agiu em “falsa realidade", pois
a excludente não existe no ordenamento jurídico, por enquanto;
c) Erro
quanto aos limites de uma excludente de antijuridicidade:
É possível que o
agente, conhecedor de uma excludente (legítima defesa, por exemplo), creia
poder defender a sua honra, matando aquele que a conspurca. Trata-se de um
flagrante excesso, portanto um erro nos limites Impostos pela excludente.
14. Natureza
jurídica das descriminantes putativas:
Quanto
às duas últimas situações (erro quanto à existência ou quanto aos limites da
excludente), é pacífica a doutrina, admitindo tratar-se de uma hipótese de erro
de proibição. Entretanto, em relação à primeira situação (erro quanto aos
pressupostos fáticos da excludente), não chega a doutrina a um consenso,
havendo nítida divisão entre os defensores da teoria limitada da culpabilidade,
que considera o caso um típico erro de tipo permissivo, permitindo a exclusão
do dolo, tal como se faz com o autêntico erro de tipo, e os que adotam a teoria
extremada da culpabilidade, que considera o caso um erro de proibição, logo, sem
exclusão do dolo.
Cremos
que, na visão atual do Código Penal, deu-se ao erro quanto aos pressupostos
fáticos que compõem a excludente de ilicitude um tratamento de erro de tipo,
embora seja, a essência, um erro de proibição. Inserida a hipótese no § 1º do
art. 20 (erro de tipo), bem como se
delineando, claramente, que, havendo erro derivado de culpa, pune-se o agente
por delito culposo, é fatal concluir que se
cuidou dessa Situação tal como se
faz no ca put do artigo com
o erro
de tipo. Assim, naquele exemplo
da legítima defesa, o motorista que,
crendo defender-se
de um assaltante, usa de
força contra o mendigo, está agindo
em erro de
tipo. Fica excluído
o dolo, mas pode
ser punido pelo que causar,
de maneira
mescusável, a título de culpa. Explica Juarez Cirino dos Santos: "a
eqmparação do erro
de tzpo pemzisszvo ao erro de llpo, como
característica da
teoria limitada da
culpabilidade, se baseia no
argumento de que o autor quer
agrr conforme
a norma jurídica- e,
nessa medida, a representação
do autor coin
cide com a
representação do legislador, ou com o
direito objetivo existente -,
mas erra sobre
a verdade do fato:
a representação errônea
da existência de
situação
JUStificante exclui o
dolo. como decisão
fundada no conhecmzento
das crrcunstâncias do tipo
legal. mas no
descon/zecunento da mexistência da
Situação justificante.
cuja errônea admissão significa
que o autor não sabe o
que faz ao
contrário das outras espécies de erro de
proibição, em que o autor
sabe o
que faz, mas erra sobre a
JUridicidade do fato" (Direito penal -parte
geral, p.
309).
A despeito de
reconhecermos a postção legal, contmuamos adotando a
teona
extremada da culpabilidade, ou se
ja, vemos, nessa hipótese, um au
têntico erro de
proibição, que foi "tratado" como erro
de tipo. O motonsta
-------368
MANUAL DE DIREITO PENAL- P arte Geral •
Gu!LHEMtE DE SouZA Nuco
que se
engana e agnde
o mendigo certamente
o faz com
dolo, exatamente
o mesmo
dolo que há quando
alguém se defende de um
margmal, preten
dendo lesíoná-lo
ou até mesmo
matá-lo. Assim também
o magistério de
Bustos Ramírez, Obras completas, v. l, p.
900. O seu engano recai
sobre a
proibição: ele
não estava autonzado a agir
contra o mendigo, porque este
não pretendia
assaltá-lo, mas, ao contrário, pedir-lhe uma aJu
d
a. Logo, dolo
houve, embora
possa ter sido
af etada a sua
consciência de ilicitude. E, se
erro houve, o correto sena puni-lo por delito doloso com a
pena reduzida.
Há ordenamentos
JUrídicos que optam, expressamente,
pela teoria extremada
da culpabilidade,
como ocorre no México (Jiménez
Martínez, Elementos de
derec/w penal
mexzcano, p. 690).
A desigualdade
evidente de tratamento
entre as três
modalidades de
descrirrunantes putativas, em nosso entender, não devena exzsl:!r e todas
elas
mereceriam o mesmo
acolhimento no contexto do erro de proibzção. Adotar
a teona lirrutada
da culpabilidade, onde se sustenta
a exclusão do dolo, pode
trazer consequênczas indese jáveis, enumeradas
por Cezar Roberto Bitencourt:
"a) um fato praticado, com erro invencível, afasta o injusto típico, não podendo
ser considerado
como um fato antijurídico. Nessas crrcunstâncias, a
vítima do
erro terá que suportá-lo
como se se tratasse
de um fato
lícito, sendo inadmissível
a legítima def esa;
b) não seria punível a participação de alguém que, mesmo
sabendo que
o autor principal incorre em
erro sobre os
pressupostos fáticos
de uma
causa de justificação,
contribui de alguma forma na sua
execução. A
punibilidade do
partícipe é af astada pelo
pnncíp1o da acessoriedade lirrutada
da
participação,
que exige que
a ação pnnczpal sep típica (af
astada pela elimina
ção do dolo) e anti
jurí dica; c) a tentativa não seria punível, nesses
casos, pois
sua configuração
exige a presença do dolo. Mesmo que o
erro fosse vencível,
o fato ficana impune, pois
os cnmes culposos
não admitem tentativa" (Erro
de tipo e
de proibzção, p. 93).
CONCURSO DE PESSOAS:
1. Conceito de Concurso de Pessoas:
Trata-se
cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma
infração penal. Chama-se, ainda, em sentido amplo, coautoria, participação,
concurso de agentes.
2. Teorias do Concurso de Pessoas: Há
três teorias que cuidam do assunto:
a. Teoria Unitária ou Monista:
Havendo pluralidade
de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado,
há somente um delito. Nesse caso, portanto, todos os que tomam parte na
infração penal cometem crime idêntico. Essa é a teoria adotada, como regra,
pelo Código Penal.
b. Teoria Pluralista (cumplicidade
do delito distinto ou autonomia da cumplicidade): Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas,
ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito.
Trata-se do chamado “delito de concursos” (vários delitos ligados por uma
relação de causalidade). Como exceção, o Código Penal adota essa teoria ao
disciplinar o aborto (art.124), fazendo com que a gestante que permita a
prática do aborto em si mesmo responda como incursa no art. 124 do CP, enquanto
o agente provocador do aborto, em lugar de ser coautor dessa infração, responda
como incurso no art. 126 do CP. O mesmo se aplica no contexto da corrupção
ativa e passiva (arts. 333 3 317 do CP) e da bigamia (art. 235, caput, e § 1º).
c. Teoria dualista: Havendo
pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, causando um só resultado,
deve-se separar os coautores, que praticam um delito, e os participes, que
cometem outro.
3. Distinção entre Coautoria e Participação:
Prevaleceu,
pois, o conceito restrito de autor, embora, dentro dessa teoria, que é Objetiva, existam dois posicionamentos:
a) Teoria formal: autor é quem realiza a figura típica e
partícipe é aquele que comete ações fora do tipo, ficando praticamente impune,
não fosse a regra de extensão que o torna responsável. Atualmente, é a
concepção majoritariamente adotada. Exemplo: quem aponta o revólver, exercendo a
grave ameaça, e quem subtrai os bens da vítima são coautores de roubo, enquanto
o motorista do carro que aguarda para dar fuga aos agentes é o partícipe (os
dois primeiros praticaram o tipo do art.157: o último apenas auxiliou);
b) teoria
normativa (teoria do domínio do fato): Autor é quem realiza a figura típica, mas
também quem tem o controle da ação típica dos demais, dividindo-se entre
"autor executor", "autor intelectual" e "autor
mediato". O partícipe é aquele que contribui para o delito alheio, sem
realizar a figura típica, nem tampouco comandar a ação. Assim, exemplificando,
por essa teoria, o chefe de um grupo de justiceiros, que ordenou uma execução,
bem como o agente que diretamente matou a vítima são coautores.
Em
nossa visão, melhor é a teoria objetivo-formal, ou seja, coautor é aquele que
pratica, de algum modo, a figura típica, enquanto ao partícipe fica reservada a
posição de auxílio material ou suporte moral (onde se inclui o induzimento, a
instigação ou o comando) para a concretização do crime. Consegue-se, com isso, uma
clara visão entre dois agentes distintos na realização do tipo penal- o que
ingressa no modelo legal de conduta proibida e o que apoia, de fora, a sua
materialização -, proporcionando uma melhor análise da culpabilidade.
Seguindo-se
essa orientação, o denominado executor de reserva é apenas um partícipe - e não
coautor. Ex.: duas pessoas resolvem
matar uma terceira. Aproximando-se desta, "A" dá um tiro fatal na cabeça;
"B", aproximando-se, desfere outros tiros, já atingindo um
cadáver. Ora, "B", executor de
reserva, apenas participou do delito, pois ambos estavam conluiados em busca do
mesmo resultado, mas não realizou a conduta de matar. Em contrário, confira-se
a lição de Nilo Batista, sustentando que "B" seria coautor, pois
teria como influir no modo de realização do delito.
É
certo que o juiz pode aplicar penas iguais ao coautor e ao partícipe, bem como pode
infligir pena mais severa ao partícipe, desde que seja recomendável. Exemplo
disso é o partícipe que atua como mentor do delito, organizando a atividade dos
executores: merece maior sanção penal,
"na medida da sua culpabilidade", como estipula o art. 29 do Código
Penal. A teoria do domínio do fato somente tem sentido para as legislações que
adotam nítida distinção entre autor e partícipe, obrigando o juiz a fixar
sanção menor para quem for considerado partícipe.
4. Critérios quanto à punição do partícipe
Para
que seja o partícipe punido, impera, no Brasil, a teoria da acessoriedade limitada,
ou seja, é preciso apurar que o autor praticou um fato típico e antijurídico,
pelo menos. Se faltar tipicidade ou ilicitude, não há cabimento em punir o
partícipe.
Outras
teorias existem: acessoriedade extrema,
que exige, para a punição do partícipe, tenha o autor praticado um fato típico,
antijurídico e culpável, bem como a acessoriedade mínima, exigindo que o autor
tenha praticado apenas um fato típico.
5. Concurso de
agentes e crime plurissubjetivo
O
crime plurissubjetivo é aquele que, para configurar-se, exige a presença de
duas ou mais pessoas (ex.: quadrilha ou
bando, rixa, bigamia, associação para o tráfico etc., enquanto o unissubjetivo
é aquele que pode ser praticado por uma só pessoa (ex.: homicídio, roubo,
estupro etc.). O plurissubjetivo, justamente porque exige mais de uma pessoa
para sua configuração, não demanda a aplicação da norma de extensão do art. 29
(quem concorre para o crime incide nas suas penas), pois a presença de dois ou mais
autores é garantida pelo tipo penal. Exemplificando: as quatro pessoas que compõem uma quadrilha
são autores do delito previsto no art.
288 do Código Penal.
Por
outro lado, quando o crime é unissubjetivo, mas, na prática, é cometido por
dois ou mais agentes, utiliza-se a regra do art. 29 para tipificar todas as condutas, pois
certamente cada um agiu de um modo, compondo a figura típica total. Em um roubo
é possível que um autor aponte o revólver, exercendo a grave ameaça, enquanto
outro proceda à subtração. Ambos praticaram o tipo penal do art. 157 em
concurso de pessoas, necessitando-se empregar a regra do art. 29.
Não
se confunde o crime plurissubjetivo (concurso necessário) com o delito de
participação necessária. Neste caso, há
crimes que são cometidos por um só autor, embora o tipo penal exija a participação
necessária de outra pessoa, que é o sujeito passivo e não é punido. Como
exemplos, pode-se mencionar a corrupção de menores, crime de usura,
favorecimento à prostituição entre outros.
6. Punição do coautor ou partícipe "na medida da sua
culpabilidade":
Trata-se de expressão
cuja meta é diferenciar o coautor do partícipe, propiciando ao juiz que aplique
a pena conforme o juízo de reprovação social que cada um merece, em respeito ao
princípio constitucional da individualização da pena. É bem possível que um
coautor mereça uma pena mais severa do que um partícipe, pois agiu de modo
direto contra a vítima, embora se possa ter o
contráno, como já referido
ac1ma, aplicando-se ao partíc1pe pena
supenor,
JUStamente por conta da
sua mruor culpabilidade. Nesse sentido, há precedente
do Supremo Tribunal Federal: "A norma
inscrita no art. 29 do Código
Penal não
const1tu1
obstáculo JUrídico à
rmposição de sanções penais de des1gual intensi
dade aos su jettos
ai:! vos da prál:!ca
delituosa. A possibilidade desse tratamento
diferencmdo
encontra suporte no princípio constitucional da mdividua1ização
das penas e, ainda,
na cláusula final do própno art. 29, capztt, do Código
Penal"
(HC 70.662-RN. l.'T.,
rei. Celso
de Mello, 21.06.1 994, v. u., RTJ 176/1.129).
Tem-se verificado,
na prál:!ca, no entanto, um
relal:!vo desprezo por essa
modificação
legislal:!va, terrmnando o JUIZ por equiparar. quase sempre, a con
duta do coautor
à do partíc1pe, alegando que,
sem este, aquele poderia não ter
realizado o delito.
Portanto, ambos merecenam receber idêntica pena. A genera-
378
MANUAL DE DIREITO
PENAL - Parte Geral GUILHERME DE SOUZA Nucc!
lização contém
um erro lamentável , pois o
partícipe, ainda que mereça purnção,
Jamms, em algumas situações. mereceria ser igualado ao autor
direto. Exemplo:
um assaltante
que, ao invadir uma residência, atormenta a
vítima. através de atos
violentos e
mmtas ameaças, quebrando utensílios
e agmdo com
selvagena ímpar,
precisa ser mrus gravemente apenado do que o
partíc1pe que ficou fora da casa,
dentro do carro, aguardando para
dar fuga. Com a devida vêni'l, o
equívoco está
em nivelar as penas
pelo mínimo legal. Se ao partícípe for atribuída a pena de
5 anos e
4 meses (mínimo para o roubo com emprego de arma e concurso
de
duas pessoas), é de se esperar que ao
agente direto, mais perigoso �' seja atribuída
pena mais
severa, e não a mesma sanção. A
equiparação é in justiça, pois não se
está levando
em conta a "medida da
culpabilidade",
determinada pelo legislador,
conforme os atos
que cada um tomou durante a prática
da infração penal.
6.2 Participação de menor Importância
Reiterando a
adoção da distrnção entre coautor
e partícipe, pela Reforma
Penal de
1984, que introduzm os §§ ].0 e
2.0 no art. 29, destaca-se, agora, o pre
ceituado
especificamente no § 1.0 do art.
29. É possível, como já afirmado,
que o
partícipe mereça, "na medida
da sua culpabilidade", idêntica pena
que o coautor
ou até sanção mais
rigorosa, embora seja, também. viável admitir e reconhecer
que há parucipações
de somenos Importância. Essas receberam um
tratamento
especial do legislador, pms fm criada uma causa de
diminuição da pena.
Assim, o partícipe
que pouco tomou parte na prática
cnrrnnosa, colabo
rando ntimmamente,
deve receber a pena diminuída de
um sexto a um terço.
o que significa a
possibilidade de romper o mínimo legal da pena prevista em
abstrato. Ex
.. 1magme-se o
partícipe que, embora
tenha instigado outrem
à
práuca do crime,
arrependa-se e procure agir para Impedir o resultado, ainda
que não consiga.
Merece ser beneficiado pela dirrnnuição
da pena.
Trata-se de outra
modificação legislativa mmto
pouco utilizada na prátrca,
sob o pretexto de que toda
participação é Importante para a
configuração do
cnme. Mms
uma vez, está-se
generalizando a aplicação
da lei, o que
fere o
disposto neste
parágrafo. Destaque-se, por fim, que
essa causa de dintinmção
ref ere-se à
"partiCipação" (ação
praticada), e não à pessoa doJ
1gente, que pode
ser pengoso ou
reincidente, merecendo.
ainda assim, a dirninmção, caso tenha
auxiliado em bmxo
grau o comel!mento do delito.
6.3 Particlpqção
em cnme menos grave
(cooperação dol osamente dis
tinta)
Trata-se de um
benefício cnado ao
acusado, pois, como dizta Florian, é
possível haver desvws sub jetivos entre os coautores ou
partí cipes. O art. 29, §
L
CAPITuLO XX -
CONCURSO DE PESSOAS
2. ",
do Código Penai utiliza o termo
concor rente ("se algum dos concorrentes
qms participar de
cnme menos grave, ser-lhe-á aplicada a
pena deste ... "),
o que
permite supor
ser possível aplicar o
disposto neste parágrafo tanto a
coautores,
como aos
partícipes.
O agente que
desejava praticar um determinado
delito, sem condição de
prever a
concretização de crime mrus grave, deve responder pelo que
pretendeu
fazer, não se podendo a ele imputar outra
conduta, não dese jada, sob pena
de
se estar tratando
de responsabilidade obJetiva,
que a Reforma Penal de
1984
pretendeu combater.
Exemplo: quando um sujeito coloca-se
no qumtal dé uma
casa,. vigiando
o local, para que outros mvadam o lugar
e subtraiam bens, quer
auxiliar o cometimento de crime de furto. Se, dentro do domícílio, inadvertida
mente, surge o dono da casa, que é
morto pelos invasores, não
deve o vigilante,
que ficou fora
da casa, responder Igualmente por latrocínio. Trata-se de
uma
cooperação dolosamente distinta: um qms cometer o delito de furto, crendo
que o dono
da casa estava
via jando, e, portanto, Jamais havena emprego de
vwlêncm; os outros,
que mgressaram no domícílio e mataram o
propnetáno,
evoluíram na ideia
crimínosa sozinhos, passando do furto para o latrocínio. A
cada um deve ser
aplicada a pena justa.
Outro aspecto
que merece destaque é a previsibilidade do resultado mais
grave (art.
29, § 2.",
segunda parte). Justamente
porque, em certos
casos, é
possível Imaginar que algo mais sério ocorra,
o legislador inseriu a regra de
que, se este resultado
mais grave acontecer, a pena será aumentada da
metade.
No exemplo dado
anteriormente, se o partícipe que ficou
fora da casa
tivesse a
possibilidade
de prever que algo mais grave poderia
acontecer, precisamente
porque todos os que
mvadiram o lugar estavam arma dos,
ainda assim receberia
a pena do
furto, que pretendia praticar, aumentada
da metade. Tal disposítivo
também vem sendo
mmto pouco aplicado na Junsprudência pátria.
'' 7.
Requisitos do concurso de agentes
São os seguintes:
a) existência de dOis ou mais agentes;
b) relação
de causalidade material
entre as
condutas desenvolvidas e o
resultado;
c) vínculo
de natureza psicológica ligando as
condutas entre si. Não há
necessidade de
a;uste prévio entre
os coautores. Ex.: uma
empregada, decidindo
vingar-se da patroa,
deixa propositadamente a porta aberta, para
que entre o
ladrão. Este.
percebendo que alguém permitiU a
entrada, vale-se da oporturu
dade e provoca o
furto. São colaboradores a empregada e o agente direto
da
380
MANUAL DE DIREITO
PENAL - Parte Geral •
Gu!l.HERME DE SouZA NucCI
subtração, porque
suas vontades se
ligam, pretendendo o
mesmo resultado,
embora nem mesmo se
conheçam. Nessa hipótese, pode
ocorrer a denominada
coautona
sucessiva. Se o ladrão estiver retirando as coisas da casa. CUJ a
porta
fm deixada aberta
pela empregada, pode contar com a
colaboração de outro
mdivíduo que,
passando pelo local, resolva adenr ao fato e também retirar as
cmsas da casa (cf.
Nüo,Batista. Concurso de agentes. p.
11 6);
d) reconhecimento
da prática da mesma mfração para todos;
e) existência de
fato punível. Se o crime não maís é
punível, por atipici
dade reconhecida,
por exe�plo, para um dos
coautores, é lógico que abrange
todos eles.
[jj 8.
Autoria mediata
Trata-se de uma
modalidade de autoria, ocorrendo quando o agente
se vale
de pessoa não
culpável, ou que atua sem dolo ou culpa, para executar o delito.
São situações que
admitem a autônoma mediata: a) valer-se de inimputável
(doente mental, criança ou embriagado).
Exemplo interessante de
autoria
mediata é de Aníbal Bruno, fazendo referência ao agente que, em situação de
Imputabilidade,
delibera cometer um crime, fazendo de si
mesmo um instrumento para tal fim,
praticando-o no estado de embriaguez, segundo o
comando
anterior (Das
penas, p. 11 0); b) coação moral irresistível; c) obediência
híerárquica; d) erro de
tipo escusável, provocado
por terceiro; e)
erro de proibição
escusável,
provocado por terceiro . Exemplo: o agente utiliza
um doente mental,
ludibriando-o, para matar um desafeto.
Vale ressaltar
que nem todas as vezes que um menor de 18
anos toma parte
- no cometimento do Injusto penal é ele instrumento do maior (configurando a
auto na mediata).
Podem ser coautores. vale dizer, ambos desejam e trabalham
para atingir o mesmo
resultado, de modo que não é o menor
mero Joguete do
mruor. Chama-se a
essa modalidade de colaboração - tendo
em vista que um
agente é penalmente
responsável e o outro
não-, de "concurso propriamente
dito", "pseudo concurso" ou "concurso aparente"
9. Autoria colateral · -Ocorre tal modalidade de colaboração, que
não chega a se constituir em
concurso de
pessoas, quando dms agentes, desconhecendo
a conduta um do
outro, agem
convergindo para o mesmo resultado, que, no entanto, ocorre por
conta de um só dos
comportamentos ou por conta dos
dois comportamentos,
embora sem
que ha Ja a adesão
de um ao outro.
Exemplo: A e B,
matadores
profissionais.
colocam-se em um desfileiro, cada qual de um lado, sem que
CAPITULO XX - CONCURSO DE PESSOAS
381
se vejam, esperando a vítima C passar para eliminá-la. Quando C aproxima
-se, os
dois disparam, matando,o.
Responderão por homicídio
em autoria
colateral. Não
podem ser considerados coautores, já que
um não tinha a menor
ideia da ação do
outro (falta vínculo psicológico entre
eles). Se porventura um
deles atinge C e o outro erra, sendo possível detectar que o tiro fatal proveio
da arma de A, este
responde pür.b.ormcídio consumado, enquanto B, somente
por tentativa. Caso
não se saiba de qual arma teve origem o tiro
fatal, ambos
respondem por tentativa
(aplica-se o princípio geral
do in dubio pro reo).
Se
A acertar C,
matando-o instantaneamente para depois B alvejá-lo igualmente,
haverá homicídio
consumado para A e crime Impossível para B. Finalmente,
caso um
deles atinja C.
matando-o instantaneamente e o
outro, em seguida, acerta o
cadáver, não se sabendo quem
deu o
tiro fatal, ambos serão
absolvidos por crime Impossível (aplica-se novamente o pnncíp10 do m
dubw pro reo). Chama-se de autônoma certa a hipótese ocorrida no contexto da autoria
colateral, quando não se sabe qual dos autores consegue
chegar ao resultado.
I. CULPABILIDADE:
1. Conceito:
Trata-se
de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o
agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como
ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, segundo as regras
impostas pelo Direito (Teoria normativa pura). Dessa forma, culpabilidade é um
juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso.
Esse juízo só pode estar na cabeça de quem julga, mas tem por objeto o agente
do crime e sua ação criminosa.
O conceito de culpabilidade
apresentou significativa evolução, sendo as principais teorias as seguintes:
Teoria Psicológica: Culpabilidade
é importante elemento do crime, na medida em que representa seu enfoque
subjetivo, isto é, o dolo e a culpa. Para esta corrente, ao praticar o fato
típico e antijurídico (aspectos objetivos do crime), somente se completaria a
noção de infração penal se estivesse presente o dolo e a culpa, que
vinculariam, subjetivamente, o agente ao fato por ele praticado (aspecto
subjetivo do crime). Em suma, culpabilidade é o dolo ou culpa. Embora essa
teoria apresente falhas variadas, a principal delas é a inviabilidade de se
demonstrar a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não se faz nenhum
juízo de valor sobre a conduta típica e antijurídica. Assim, aquele que é
imputável e atua com dolo, por exemplo, ainda que esteja bob coação moral
irresistível poderia ser considerado culpado.
Teoria Normativa ou Psicológica-Normativa: Dando
ênfase ao conteúdo normativo da culpabilidade, e não simplesmente ao aspecto
psicológico (dolo ou culpa), acrescentou-se o juízo de reprovação social (ou de
censura), que se deve fazer em relação ao autor do fato típico e antijurídico,
quando considerado imputável (a imputabilidade passa a ser elemento da
culpabilidade e não mero pressuposto), bem como se tiver agido com dolo (que
contém a consciência da ilicitude) ou culpa, além de dever haver prova da
exigibilidade e da possibilidade de atuação conforme as regras do direito.
Teoria Normativa Pura: A conduta,
sob a ótica finalista, é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente,
com finalidade. Logo, ao agir, o ser humano possui uma finalidade, que é
analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo. Portanto, para tipificar
uma conduta (conhecendo-se de antemão a finalidade da ação ou omissão) já se
ingressa na análise do dolo ou da culpa, que se situam na tipicidade (e não
mais na culpabilidade). Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação
social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse
que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude (a
qual não está mais inserida no dolo) e com exigibilidade e possibilidade de um
comportamento conforme o direito.
Teoria Funcionalista: Essa teoria
passou a sustentar um conceito de culpabilidade que se vinculasse às
finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à política criminal do Estado.
Por isso, não poderia fundamentar-se exclusivamente numa concepção
naturalística e improvável do livre-arbítrio (poder atuar, ou não, conforme as
regras impostas pelo Direito). Nas palavras de Gunter Jakobs, a culpabilidade
representa uma falta de fidelidade do agente com relação ao Direito. Essa falta
de motivação para seguir as normas jurídicas é um conceito determinado
normativamente e por tal fundamento realiza-se o juízo de 0culpabilidade.
Portanto, analisar se há ou não déficit motivacional por parte do agente, para
seguir as normas jurídicas, é tarefa que independe de prova da exigibilidade ou
inexigibilidade de poder agir conforme o direito. Deduz-se a infidelidade ao
Direito sem análise individualizada do agente, mas sob o prisma social,
considerando-se os fins da pena. A culpabilidade não mais seria analisada sob o
prisma individual, deixaria de servir de fundamento real para a pena e nem mais
poderia ser útil ao limite da pena, pois tudo não passaria de critérios ligados
à política criminal.
2. Excludentes de Culpabilidade:
As Excludentes de
culpabilidade podem ser divididas, para seu estudo, em dois grupos:
I. Quanto ao agente do fato:
a. Existência de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput)
b. Existência de Embriaguez decorrente de
vício (art. 26, caput)
c. Menoridade (art. 27, CP)
II. Quanto ao fato:
Legais:
b. Obediência hierárquica (art. 22, CP)
c. Embriaguez decorrente de caso fortuito
ou força maior (art. 28, § 1º)
d. Erro de proibição escusável (art. 21,
CP)
e. Descriminantes putativas
2.1. Excludentes concernentes ao agente do fato:
,
2.1.1. Imputabilidade Penal:
É
o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que
permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se
de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das
condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.
Se
o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado,
não poderá se pautar por tal compreensão e terminará praticando um fato típico
e antijurídico sem que possa por isso ser censurado, isto é, sem que possa
sofrer juízo de culpabilidade.
O inimputável (doente mental ou
imaturo- menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente,
aplicando-lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade,
diverso, portanto da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico,
sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso- adjetivação
reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo
censura-, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é
terapêutica.
As
condições pessoais do agente para a compreensão do que faz demanda dois
elementos:
1º: Rigidez
biopsíquica (saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato) e
2º maturidade (desenvolvimento físico-mental que permite ao ser humano
estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se
distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias ideais e possuir
segurança emotiva).
No Brasil, para se verificar a
maturidade do agente optou-se pelo critério cronológico, isto é, ter mais de 18
anos.
Por outro lado, os critérios para
averiguar a inimputabilidade, quanto à higidez mental, são os seguintes:
Biológico: Leva-se em conta
exclusivamente a saúde mental do agente, isto é, se o agente é, ou não, doente
mental ou possui, ou não, um desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Psicológico: Leva-se em
consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o
caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento.
Biopsicológico: Levam-se em conta
os dois critérios anteriores unidos, ou seja, verifica-se se ao agente é
mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. É o princípio adotado pelo CP no
seu art. 26. Logo, não é suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental,
mas que exista prova de que esse transtorno afetou, realmente, a capacidade de
compreensão do ilícito, ou de determinação segundo esse conhecimento, à época
do fato.
2.1.2. Doença Mental e Desenvolvimento mental incompleto
ou retardado:
Doença
mental é um quadro de alterações psíquicas
qualitativas, como a esquizofrenia e outras psicoses. O conceito de doença
mental deve ser analisado em sentido amplo, abrangendo as doenças de ordem
patológica e de origem toxicológica. São exemplos de doenças mentais, que podem
gerar a inimputabilidade penal: esquizofrenia; paranoia; psicose
maníaco-depressiva, demência, alcoolismo.
Desenvolvimento
mental incompleto ou retardado consiste numa limitada capacidade de
compreensão do ilícito ou de falta de condições de se autodeterminar, conforme
o precário entendimento, tendo em vista ainda não ter o agente atingido a sua
maturidade intelectual e física, seja por conta da idade, seja porque apresenta
alguma característica particular, como o silvícola não civilizado ou o surdo
sem capacidade de comunicação.
Tendo
em vista que a lei penal adotou o critério misto (biopsicológico), é
indispensável haver laudo médico para comprovar a doença mental ou mesmo o
desenvolvimento incompleto ou retardado (é a parte biológica), situação não
passível de verificação direta pelo juiz. Entretanto, existe, ainda, o lado
psicológico, que é a capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento,
compreendendo o caráter ilícito do fato. Essa parte pode ser de análise do
juiz, conforma provas colhidas ao longo da instrução.
2.1.2.1. Conceito de perturbação da saúde mental:
Não deixa de ser também uma forma de
doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua
inteligência ou vontade. Perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de
compreensão, motivo pelo qual o parágrafo único do art. 26 do CP tornou a
repetir o “desenvolvimento mental incompleto”, bem como faz referência a não
ser o agente inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou mesmo de determinar-se de acordo com tal
entendimento.
Nesse caso, não há eliminação completa da imputabilidade. Logo, pode o agente
sofrer o juízo de reprovação social inerente à culpabilidade, embora o juiz
seja levado a atenuar a censura
feita, reduzindo a pena de 1/3 a 2/3.
Além disso, caso a perturbação da saúde mental (forma de
doença mental) seja intensa o suficiente, de modo a justificar um especial
tratamento curativo, o juiz ainda pode substituir a pena restritiva de
liberdade por medida de segurança (internamento ou tratamento laboratorial)
conforme o art. 98 do CP.
2.1.3. Embriaguez decorrente de vício:
Deve-se
estabelecer a diferença entre Embriaguez
(mera intoxicação do organismo pelo álcool) e Alcoolismo (embriaguez crônica caracterizada pelo abaixamento da
personalidade psico-ético, tornando o enfermo lento nas suas percepções ou
levando-o a percepções ruins, a ponto de ter ilusões, fixando mal as recordações
e cansando-se ao evoca-las e sua associação de ideias segue por caminhos
ilógicos), levando em conta ser o alcoolismo considerado doença mental, logo,
aplica-se o disposto no art. 26 do CP, ou seja, o agente deve ser absolvido, se
aplicando-lhe medida de segurança.
2.1.4. Menoridade:
Trata-se
da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal
criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do
desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter
ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Apesar de se observar que, na
prática, menores com 16 ou 17 anos tem plenas condições de compreender o
caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental
acompanha a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada
para a compreensão integral dos fatos da vida. Porém, o Brasil ainda mantém a
fronteira fixada nos 18 anos, conforme nota-se no art. 28 da Constituição: “São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial”.
2.2. Excludentes concernentes ao fato:
2.2.1. Coação moral irresistível:
Tanto
esta quanto a obediência hierárquica são causas de exclusão da culpabilidade
que se situam no contexto da inexigibilidade de conduta diversa. Afinal, o
direito não pode exigir das pessoas comportamentos anormais ou heroicos,
pretendendo que a lei penal seja aplicada cegamente, sem uma análise minuciosa
da situação concreta na qual se vê envolvido o agente um fato típico e
antijurídico.
Assim,
havendo coação moral insuportável, não é exigível que o coato resista
bravamente, como se fosse um autônomo cumpridor da lei. O mesmo se diga da
obediência hierárquica, pois havendo uma ordem do superior para o subordinado,
dificilmente se pode exigir deste últimos que questione o autor de determinação.
A
lei não definiu, nem apresentou os elementos componentes das duas excludentes,
restando à doutrina a tarefa de fazê-lo. A coação irresistível, referida no
art. 22 do CP, é a coação moral, uma vez que a coação física afeta diretamente
a voluntariedade do ato, eliminado, quando irresistível, a própria conduta.
Trata-se de uma grave ameaça feita pelo coator ao coato, exigindo deste último
que cometa uma agressão contra terceira pessoa, sob pena de sofrer um mal
injusto e irreparável. São seus elementos:
a. Existência de uma ameaça
de um dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de ser suportado
pelo coato;
b. Inevitabilidade do perigo na
situação concreta do coato;
c. Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou
contra pessoas queridas a ele ligadas. Se não se tratar de
pessoas intimamente ligadas ao coato, mas estranhos que sofram a grave ameaça,
caso a pessoa atue, para proteger quem não conhece, pode-se falar em
inexigibilidade de conduta diversa, conforme os valores que estiverem em
disputa.
d. Existência de, pelo menos, três partes envolvidas,
como regra: coator, coato e vítima.
e. Irresistibilidade da ameaça avaliada
segundo o critério do homem médio e do próprio coato, concretamente. Portanto,
é fundamental buscar, para a configuração dessa excludente, uma intimidação
forte o suficiente para vencer a resistência do homem normal, fazendo-o temer a
ocorrência de um mal tão grave que lhe seria extraordinariamente difícil
suportar, obrigando-o a praticar o crime idealizado pelo coator.
Exemplo,
que lamentavelmente tem-se tornado comum atualmente: um gerente de banco tem
sua família sequestrada, sob ameaça de morte, para obriga-lo, acompanhando um
dos integrantes de uma quadrilha, à abrir o cofre do estabelecimento bancário e
entregar dinheiro aos ladrões. Apesar de o gerente ter praticado um fato típico
(art. 155 do CP) e ilícito (não há excludente de antijuridicidade em seu
favor), não pode ser punido, pois é inexigível, de sua parte, conduta diversa.
Elimina-se, pois, a culpabilidade.
2.2.2. Obediência Hierárquica:
É
a ordem de duvidosa legalidade cada pelo superior hierárquico ao seu
subordinado, para que cometa uma agressão a terceiro, sob pena de responder
pela inobservância da determinação. Seus elementos são:
a. Existência de uma ordem NÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL, ou
seja, de duvidosa ilegalidade.
b. Ordem emanada de autoridade competente (salvo
quando o agente cumpre ordem de autoridade incompetente equivocado, o qual pode
ser uma forma de erro de proibição escusável)
c. Existência, em regra, de três parte: superior,
subordinado e vítima.
d. Relação de subordinação hierárquica
entre o mandante e o executor, em direito público.
Não possibilidade de se sustentar a
excludente na esfera do direito privado, tendo em vista que somente a
hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o subordinado
que desrespeita seu superior (no campo militar, até prisão disciplinar pode ser
utilizada pelo superior, quando não configurar crime, conforme o art. 163 do
CPM).
e. Estrito cumprimento da ordem. Neste
caso, tratando-se de ordem de duvidosa legalidade, é preciso, valer-se da
excludente, que o subordinado fixe os limites exatos da determinação que lhe
foi passada. O exagero descaracteriza a excludente, pois vislumbra-se ter sido
exigível do agente outra conduta, tanto que extrapolou o contexto daquilo que
lhe foi determinado por sua conta e risco.
Tanto coator quanto o superior podem
responder pelo resultado lesivo produzido pelo coato ou pelo subordinado e
também, em concurso formal, pela coação exercida contra o coato ou pelo abuso
cometido contra o subordinado.
2.2.3. Embriaguez decorrente de caso fortuito
ou força maior:
Embriaguez
é uma intoxicação aguda provocada no organismo pelo álcool ou por substância de
efeitos análogos. Na embriaguez, a consciência está fortemente obnubilada,
produzem-se estados crepusculares com fenômenos de desorientação, perturbações
humorais profundas, desordens psico-sensorias sob forma de fenômeno ilusórios e
alucinatórios. Alterações da forma e especialmente do conteúdo ideativo até o
delírio.
2.2.3.1. Embriaguez voluntária ou culposa:
Voluntária
é a embriaguez desejada livremente pelo agente e culposa é aquela que ocorre
por conta de imprudência do bebedor. Preceitua o CP que, nesses casos, não se
pode excluir a imputabilidade do agente (não se pode afastar a sua
culpabilidade).
É
preciso destacar que o sujeito embriagado completamente, no momento da ação ou
omissão, está com a sua consciência fortemente obnubilada, retirando-se a
possibilidade de ter agido com dolo ou culpa. Portanto, buscando sustentar
teorias opostas à realidade, trata-se de uma presunção de dolo e culpa
estabelecida pelo legislador, isto é, a adoção da responsabilidade penal
objetiva. Não se pode estender o princípio da actio libera in causa à
embriaguez voluntária, em que o agente ingere a bebida alcoólica somente para
ficar bêbado, ou à embriaguez culposa, em que se embriaga por imprudência ou
negligência. Em nenhuma dessas hipóteses, porém, pretendia o agente praticar
ulteriormente o crime. O legislador penal, ao considerar imputável aquele que
em realidade não o era, fez uso de uma ficção jurídica. Ou melhor, adotou nesse
ponto a responsabilidade objetiva, que se antagoniza com o nullum crimen sine
culpa. É forçoso convir que no capítulo da embriaguez, excetuada aquela
preordenada, o CP fez reviver a velha fórmula do versari in re illicita.
Destacando
a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez
voluntária, desprezando as lições mais adequadas cientificamente, o Código não
empresta nenhum relevo à embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se
se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação á está o Código
prevê uma agravação, também é certo que considera todas num mesmo plano para
negar isenção da pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava,
resolviam melhor o assunto. O art. 31 estabelecia: “A embriaguez pelo álcool ou
susbtancia de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a
responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. Se a embriaguez foi
intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível à título
de dolo. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o
agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer tal
crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o
fato”. Também o CP de 69 revelou-se indiferente ao problema de embriaguez
voluntária e culposa, não lhes dando qualquer tratamento diferenciado e
ignorando-as como causas de isenção ou substituição da pena.
2.2.3.2. Teoria da actio libera in
causa:
Com
base no princípio de que a “causa da causa também é causa do que foi causado”,
leva-se em consideração, que no momento de se embriagar, o agente pode ter
agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o
instante da conduta criminosa.
Portanto,
quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer,
ingere substancia entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação
de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente- afinal, o
elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por
outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo,
bebe antes de fazê-lo, precipita a sua imprudência para o momento em que irá
atropelar e matar um pedestre. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento
subjetivo do crime projeta-se do momento da ingestão da bebida para o instante
do delito.
Desenvolve
a Exposição de Motivos da Parte Geral do CP de 1940: Ao resolver o problema da
embriaguez (por álcool ou substancia de efeitos análogos), do ponto de vista da
responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertarem relata,
que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenada, mas se
estende a todos os casos em que ao agente de deixou arrastar ao estado de
inconsciência. Com a devida vênia, nem todos os casos que o agente “deixou-se
arrastar” ao estado de inconsciência podem figurar uma hipótese de “dolo ou
culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem
por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de
embriaguez completa, de forma que não é cabível a aplicação da teoria da actio
libera in causa.
De
outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados
totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando,
indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma de que a teoria da actio libe in
causa (ação livre na sua origem), somente é cabível nos delitos preordenados
(cuidando-se) do dolo, ou com flagrante imprudência no momento de beber.
Complementando, convém desatacar a posição de Narcelio de Queiroz, cuidando da actio libera in causa: são os casos em
que alguém, no estado de imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de
algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente,
com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sme essa intenção, mas tendo
previsto a possibilidade do, ou ainda, quando a podia ou devia prever.
A
partir de 1890, em face do disposto no art. 27 do CP da República (“Os que se
acharem e, estado de completa privação dos sentidos e de inteligência no ato de
cometer o crime” não são considerados criminosos), começou-se a equiparar a
embriaguez completa à privação dos sentidos, provocando, então, decisões
absolutórias. Assim, ainda que válida a teoria no campo dos crimes
preordenados, implicando até no reconhecimento de uma agravante (não se pode)
amplia-la para abranger outras situações de embriaguez.
2.2.3.3. Caso fortuito ou Força maior:
É
fortuita a embriaguez decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o
agente não tinha a menor ideia de que estava ingerindo substância entorpecente
(porque foi ludibriado por terceiro, p. ex.) ou quando mistura álcool com
remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito da droga,
sem estar devidamente alertado para isso. Exemplo típico é do operário de
destilaria que se embriaga inalando os vapores do álcool, presentes na área de
trabalho.
Embriaguez decorrente de força maior
é a que se origina de eventos não controláveis pelo agente, tal como a pessoa
que, submetida a um trote acadêmico, é obrigada a ingerir, à força, substância
entorpecente.
Ambas são hipóteses fortuitas ou
acidentais. Essa causa dá margem a uma excludente de culpabilidade se, por
conta dessa ingestão forçada ou fortuita, o agente acaba praticando o injusto.
É preciso, no entanto, que esteja totalmente incapacitado de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento por conta
da embriaguez completa.
2.2.3.4. Embriaguez incompleta fortuita:
Nesse
dispositivo não consta a exigência de ser a embriaguez completa, podendo-se, portanto, admitir a embriaguez incompleta
que, no entanto, há de ser fortuita ou resultante de força maior, bem como
suficiente para gerar, ao tempo da conduta, entendimento dificultado do caráter
ilícito do fato ou determinação do comportamento de acordo com esse
entendimento.
Tendo em vista que, nessa situação,
o agente é imputável, pois tem conhecimento parcial do ato ilícito praticado,
portanto culpável, há possibilidade de ser condenado, em bora com redução de
pena, tendo em vista que a reprovação social é menor.
2.2.4. Erro de Proibição escusável e discriminantes
putativas:
Quanto
às discriminantes putativas, todas as suas hipóteses devem ser inseridas no
contexto do erro de proibição, embora parte da doutrina destaque o erro quanto
aos pressupostos fáticos da excludente de ilicitude como erro de tipo (art. 20,
§ 1º, CP).
2.2.5. Inexigibilidade de conduta diversa:
Há
intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como
tese autônoma, desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da
obediência hierárquica. É perfeitamente admissível o seu reconhecimento no
sistema penal. O legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à
doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimidade, que a exigibilidade e
possibilidade de conduta conforme o direito é um dos seus elementos. Nada
impede que de dentro da culpabilidade se retire essa tese para, em caráter
excepcional, servir para excluir a culpabilidade de agentes que tenham
praticados determinados injustos.
A inexigibilidade de conduta diversa
faz parte da coação moral irresistível, embora se possa destaca-la para atuar
isoladamente. Pode-se admitir, portanto, que em certas situações extremadas,
quando não for possível aplicar outras excludentes de culpabilidade, a
inexigibilidade de conduta diversa seja utilizada para evitar a punição
injustificada do agente. Como ensina Assis Toledo: A inexigibilidade de outra
conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da
culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora
em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser
reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está
intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal que, portanto,
dispensa a existência de normas expressas a respeito. E também a lição de
Bauman: Se se admite que as causas de exclusão de culpabilidade reguladas na
lei se baseiem no critério da inexigibilidade, nada impede que por via da
analogia jurídica se postule a inexigibilidade como causa geral de exclusão da
culpabilidade. No Brasil, reconhecida taxativamente a lacuna do sistema
jurídico quanto às hipóteses de inexigibilidade, há que se admiti-la como causa
supralegal e excludente de culpabilidade, sob pena de não se poder reconhecer
um pleno direito penal da culpa.
3. Emoção e Paixão:
Preceitua
o art. 28, I, do CP, que não excluem a imputabilidade penal a emoção e a
paixão, o que é posição acertada, uma vez que em
ambas as situações não se está diante de doença mental, nem mesmo de perturbação
apta à retirar a capacidade de entendimento do agente ou de autodeterminação.
3.1. Emoção:
É
um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação de
sentimento. É uma forte e transitória perturbação da afetividade, a que estão
ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares da vida
orgânica (pulsar precipite do coração, alterações térmicas, aceleração do ritmo
respiratório, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor,
lágrimas).
E as emoções vivenciadas pelo ser
humano podem ser causas de alteração do ânimo, das relações de afetividade e
até mesmo das condições psíquicas, proporcionando, por vezes, reações
violentas, determinadoras de infrações penais.
3.2. Paixão:
Originária
da emoção, a paixão é uma excitação sentimental levada ao extremo, causando
maiores alterações nervosas ou psíquicas. Ainda que possa interferir no
raciocínio e na vontade, é passível de controle, razão pela qual não elide a
culpabilidade. São exemplos: ódio, amor, vingança, ambição, inveja, ciúme,
entre outros.
Existem
paixões consideradas sociais, pois ostentam valores harmônicos aos acolhidos em
sociedade como positivos, assim como há paixões antissociais, visto que
apresentam valores negativos aos olhos da sociedade. O cometimento do crime,
impulsionado pela paixão, não livra o agente da punição, pois não lhe afasta a
imputabilidade. Entretanto, é preciso considerar, no momento da aplicação da
pena, qual espécie de paixão moveu o autor, se social ou antissocial, para graduar
a pena. Como manifestação da personalidade do agente, pode-se avaliar o caráter
da paixão: quando positiva, serve de elemento para abrandar a pena. Quando
negativa, serve de fator para elevação da sanção.
II. Erro de Tipo e Erro de Proibição:
1. Conceito de Erro e Ignorância:
Erro
é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento de um objetivo
(estado positivo); a ignorância é a falta de representação da realidade ou
desconhecimento total do objeto (estado negativo). No campo jurídico, prevalece
a unidade dos dois conceitos (teoria
unitária). Portanto, tanto faz errar quanto ignorar, pois a consequência poderá
ser a configuração do erro de tipo ou de proibição.
2. Conceito de Erro de Tipo:
É
o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo
qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos
elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo,
podendo levar à punição por crime culposo (art. 20, caput, CP). Exemplo da
doutrina: o caçador imagina que atrás de uma moita existe um animal feroz
contra o qual atira, atingindo, no entanto, outro caçador que estava à espreita
da caça, matando-o. o atirador pretendia matar um animal e não um ser humano.
Ocorreu erro sobre o elemento “alguém” do tipo penal do homicídio (“matar
alguém” - art. 121 do CP).
O dolo deve ser abrangente (envolver
todos os elementos objetivos do tipo) o que não ocorreu no caso mencionado,
pois a vontade de praticar a conduta típica inexistiu: querer matar um animal é
diferente de querer matar um ser humano. Assim, está excluído o dolo. Porém,
pode subsistir a forma culposa.
3. Possibilidade de punição por crime culposo:
Tendo
sido excluído o dolo, é preciso verificar se o erro havido não derivou da
desatenção ou descuido indevido do agente. Se todos têm o dever de cuidado
objetivo, até mesmo para cometer erros é imprescindível analisar se houve ou
não infração de tal dever. Caso o agente tenha agido com descuido patente,
merece ser punido pelo resultado dano involuntário a título de culpa.
4. Erro Escusável e Erro Inescusável:
Se denomina erro escusável ou inevitável aquele que, afastando o dolo, possibilita
ainda a exclusão da culpa, tendo em vista que qualquer pessoa, ainda que
prudente nos seus atos, teria provocado o resultado.
Erro
inescusável ou evitável é aquele que
viabiliza o afastamento do dolo, mas permite a punição por crime culposo, se
houver a figura típica, uma vez que o agente não se comportou com a prudência
que lhe é exigida.
5. Conceito de Erro de Proibição:
É
o erro incidente sobre a ilicitude do fato. O agente atua sem consciência da
ilicitude, servindo pois, de excludente
de culpabilidade. O legislador incluiu no rol das excludentes da
culpabilidade o erro quanto à ilicitude do fato, uma vez que é possível o
agente desejar praticar uma conduta típica, sem ter a noção de que é proibida.
Exemplo: Um soldado, perdido de seu pelotão, sem saber que a paz foi celebrada,
mata um inimigo, acreditando ainda estar em guerra. Trata-se de um erro quanto
á ilicitude do fato, uma vez que, durante o período de guerra, é lícito
eliminar o inimigo.
6. Diferenças entre desconhecimento da lei e Erro quanto
à Ilicitude:
O
desconhecimento da lei, isto é, da norma escrita, não pode servir de desculpa
para a prática de crimes, pois seria impossível, dentro das regras
estabelecidas pelo direito codificado, impor limites à sociedade, que não
possui, nem deve possuir, necessariamente, formação jurídica. Aliás, esse é o
conteúdo da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a
conhece” (art. 3º). Portanto, conhecer a norma escrita é uma presunção legal
absoluta, embora o conteúdo da lei, que é o ilícito, possa ser objeto de
questionamento.
A pessoa que, por falta de
informação devidamente justificada, não teve acesso ao conteúdo da norma poderá
alegar “erro de proibição”. Frise-se que o conteúdo da lei é adquirido através
da vivência em sociedade, e não pela leitura dos Códigos. Atualmente, no
entanto, tendo em vista a imensa complexidade dos sistema jurídico brasileiro,
o “desconhecimento da lei” pode ser invocado pelo réu como atenuante (art. 65,
II, CP).
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, a ignorantia legis é matéria de aplicação
da lei, que, por ficção jurídica, se presume conhecida por todos, enquanto o
erro de proibição é matéria de culpabilidade, num aspecto diverso. Não se trata
de derrogar ou não os efeitos da lei, em função de alguém conhece-la ou
desconhece-la. A incidência é esta: a relação que existe entre a lei, em abstrato,
e o conhecimento que alguém, possa ter de que seu comportamento esteja
contrariando a norma legal. E é nesse relação (de um lado a norma, em abstrato,
eficaz e válida para todos, e, de outro, o comportamento em concreto e
individualizado) que estabelecerá ou não a consciência
da ilicitude, que é matéria da culpabilidade, e nada tem a ver com os
princípios que informam a estabilidade do ordenamento jurídico.
7. Erro de proibição Escusável e Inescusável:
Quando
o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, valendo-se do ser
humano da diligência ordinária, trata-se de uma hipótese da exclusão da culpabilidade. Ex.: um
jornal de grande circulação, na esteira de grande debate anterior acerca do
assunto, por engano, divulga que o novo CP foi aprovado e entrou em vigor,
trazendo, como causa excludente de ilicitude, a eutanásia. Um leitor, possuindo
parente desenganado em leito hospitalar, apressa sua morte, crendo agir sob o
mato protetor de uma causa de justificação inexistente. Trata-se um erro
escusável (inevitável), pois não lhe foi possível constatar a inverdade da
informação recebida.
Por outro lado, o erro sobre a
ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um mínimo de
empenho em se informar, o agente poderia ter tido conhecimento da realidade,
denomina-se erro de proibição inescusável (evitável). Ex.: abstendo-se do seu
dever se manter informado. O agente deixa de tomar conhecimento de uma lei,
divulgada na imprensa, que transforma em crime determinada conduta. Praticando
o ilícito, não poderá ser reconhecida a excludente de culpabilidade, embora lhe
sirva ela como causa de redução da pena,
variando de um sexto a um terço.
A
fundamental diferença entre ambos é que o erro de proibição é considerado
escusável se o agente, à época da realização da conduta, não tinha consciência atual, nem potencial da ilicitude; o
erro de proibição é considerado inescusável se o agente, quando realiza a
conduta, não tinha consciência atual, mas
lhe era possível saber que se tratava de algo ilícito (art. 21, § único do CP).
8. Diferença entre Crime putativo e Erro de proibição:
São hipóteses
inversas, pois, no crime putativo, o agente crê estar cometendo um delito (age
com consciência do ilícito), mas não é crime; no erro de proibição, o agente
acredita que nada faz de ilícito, quando, na realidade, trata-se de um delito.
9. Conceito de Discriminantes putativas:
Discriminantes
são excludentes de ilicitude; putativo significa
imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as
discriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar
presentes numa determinada situação, quando, na realidade, ano estão. Exemplo:
o agente pensa estar agindo em legitima defesa, defendendo-se de um assalto,
quando, em verdade, empreendeu esforço contra um mendigo que, aproximando-se da
janela de seu veículo, pretendia apenas lhe pedir esmola.
10. Divisão das Discriminantes Putativas: Podem
ser de três espécies:
a. Erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de
exclusão de ilicitude: Neste caso, o agente, como visto no
exemplo supra, pensa estar em situação de se defender, porque o assédio do
mendigo lhe apresenta um ataque, na verdade, inexistente. Ora, sabendo-se que a
excludente de ilicitude (legítima defesa) é composta de requisitos, dentre eles
a agressão a injusta, o erro do agente recai justamente sobre esse elemento.
Pensou estar diante de um ataque injusto (situação de fato), em realidade
existente. Se fosse consistente a agressão, estaria configurada a legitima
defesa; como não é, há o erro quanto á ilicitude. Não é de confundir-se a
legítima defesa putativa com o pretexto da legítima defesa, em que o indivíduo
age na plena consciência de que, com a sua conduta violência, não se acha em
estado de legítima defesa. E ainda mesmo que o agente proceda na dúvida sobre a
identidade entre a sua ação autorizada in abstrato pela lei, já não falar-se em
legítima defesa putativa: apresenta-se, também em tal caso, um crime doloso. A
ressalva exposta por Nelson Hungria vela, igualmente, para as demais hipóteses
excludentes de ilicitude (estado de necessidade, exercício regular de direito,
estrito cumprimento do dever legal e consentimento do ofendido). Em nenhum caso
se pode admitir o pretexto de
excludente.
b. Erro quanto à
existência de uma causa excludente de ilicitude:
Pode o agente
equivocar-se quanto à existência de uma excludente de ilicitude. Renovemos o exemplo: alguém, crendo estar
aprovado um novo Código Penal no Brasil, prevendo e autorizando a eutanásia,
apressa a morte de um parente desenganado. Agiu em “falsa realidade", pois
a excludente não existe no ordenamento jurídico, por enquanto;
c) Erro
quanto aos limites de uma excludente de antijuridicidade:
É possível que o
agente, conhecedor de uma excludente (legítima defesa, por exemplo), creia
poder defender a sua honra, matando aquele que a conspurca. Trata-se de um
flagrante excesso, portanto um erro nos limites Impostos pela excludente.
14. Natureza
jurídica das descriminantes putativas:
Quanto
às duas últimas situações (erro quanto à existência ou quanto aos limites da
excludente), é pacífica a doutrina, admitindo tratar-se de uma hipótese de erro
de proibição. Entretanto, em relação à primeira situação (erro quanto aos
pressupostos fáticos da excludente), não chega a doutrina a um consenso,
havendo nítida divisão entre os defensores da teoria limitada da culpabilidade,
que considera o caso um típico erro de tipo permissivo, permitindo a exclusão
do dolo, tal como se faz com o autêntico erro de tipo, e os que adotam a teoria
extremada da culpabilidade, que considera o caso um erro de proibição, logo, sem
exclusão do dolo.
Cremos
que, na visão atual do Código Penal, deu-se ao erro quanto aos pressupostos
fáticos que compõem a excludente de ilicitude um tratamento de erro de tipo,
embora seja, a essência, um erro de proibição. Inserida a hipótese no § 1º do
art. 20 (erro de tipo), bem como se
delineando, claramente, que, havendo erro derivado de culpa, pune-se o agente
por delito culposo, é fatal concluir que se
cuidou dessa Situação tal como se
faz no ca put do artigo com
o erro
de tipo. Assim, naquele exemplo
da legítima defesa, o motorista que,
crendo defender-se
de um assaltante, usa de
força contra o mendigo, está agindo
em erro de
tipo. Fica excluído
o dolo, mas pode
ser punido pelo que causar,
de maneira
mescusável, a título de culpa. Explica Juarez Cirino dos Santos: "a
eqmparação do erro
de tzpo pemzisszvo ao erro de llpo, como
característica da
teoria limitada da
culpabilidade, se baseia no
argumento de que o autor quer
agrr conforme
a norma jurídica- e,
nessa medida, a representação
do autor coin
cide com a
representação do legislador, ou com o
direito objetivo existente -,
mas erra sobre
a verdade do fato:
a representação errônea
da existência de
situação
JUStificante exclui o
dolo. como decisão
fundada no conhecmzento
das crrcunstâncias do tipo
legal. mas no
descon/zecunento da mexistência da
Situação justificante.
cuja errônea admissão significa
que o autor não sabe o
que faz ao
contrário das outras espécies de erro de
proibição, em que o autor
sabe o
que faz, mas erra sobre a
JUridicidade do fato" (Direito penal -parte
geral, p.
309).
A despeito de
reconhecermos a postção legal, contmuamos adotando a
teona
extremada da culpabilidade, ou se
ja, vemos, nessa hipótese, um au
têntico erro de
proibição, que foi "tratado" como erro
de tipo. O motonsta
-------368
MANUAL DE DIREITO PENAL- P arte Geral •
Gu!LHEMtE DE SouZA Nuco
que se
engana e agnde
o mendigo certamente
o faz com
dolo, exatamente
o mesmo
dolo que há quando
alguém se defende de um
margmal, preten
dendo lesíoná-lo
ou até mesmo
matá-lo. Assim também
o magistério de
Bustos Ramírez, Obras completas, v. l, p.
900. O seu engano recai
sobre a
proibição: ele
não estava autonzado a agir
contra o mendigo, porque este
não pretendia
assaltá-lo, mas, ao contrário, pedir-lhe uma aJu
d
a. Logo, dolo
houve, embora
possa ter sido
af etada a sua
consciência de ilicitude. E, se
erro houve, o correto sena puni-lo por delito doloso com a
pena reduzida.
Há ordenamentos
JUrídicos que optam, expressamente,
pela teoria extremada
da culpabilidade,
como ocorre no México (Jiménez
Martínez, Elementos de
derec/w penal
mexzcano, p. 690).
A desigualdade
evidente de tratamento
entre as três
modalidades de
descrirrunantes putativas, em nosso entender, não devena exzsl:!r e todas
elas
mereceriam o mesmo
acolhimento no contexto do erro de proibzção. Adotar
a teona lirrutada
da culpabilidade, onde se sustenta
a exclusão do dolo, pode
trazer consequênczas indese jáveis, enumeradas
por Cezar Roberto Bitencourt:
"a) um fato praticado, com erro invencível, afasta o injusto típico, não podendo
ser considerado
como um fato antijurídico. Nessas crrcunstâncias, a
vítima do
erro terá que suportá-lo
como se se tratasse
de um fato
lícito, sendo inadmissível
a legítima def esa;
b) não seria punível a participação de alguém que, mesmo
sabendo que
o autor principal incorre em
erro sobre os
pressupostos fáticos
de uma
causa de justificação,
contribui de alguma forma na sua
execução. A
punibilidade do
partícipe é af astada pelo
pnncíp1o da acessoriedade lirrutada
da
participação,
que exige que
a ação pnnczpal sep típica (af
astada pela elimina
ção do dolo) e anti
jurí dica; c) a tentativa não seria punível, nesses
casos, pois
sua configuração
exige a presença do dolo. Mesmo que o
erro fosse vencível,
o fato ficana impune, pois
os cnmes culposos
não admitem tentativa" (Erro
de tipo e
de proibzção, p. 93).
CONCURSO DE PESSOAS:
1. Conceito de Concurso de Pessoas:
Trata-se
cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma
infração penal. Chama-se, ainda, em sentido amplo, coautoria, participação,
concurso de agentes.
2. Teorias do Concurso de Pessoas: Há
três teorias que cuidam do assunto:
a. Teoria Unitária ou Monista:
Havendo pluralidade
de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado,
há somente um delito. Nesse caso, portanto, todos os que tomam parte na
infração penal cometem crime idêntico. Essa é a teoria adotada, como regra,
pelo Código Penal.
b. Teoria Pluralista (cumplicidade
do delito distinto ou autonomia da cumplicidade): Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas,
ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito.
Trata-se do chamado “delito de concursos” (vários delitos ligados por uma
relação de causalidade). Como exceção, o Código Penal adota essa teoria ao
disciplinar o aborto (art.124), fazendo com que a gestante que permita a
prática do aborto em si mesmo responda como incursa no art. 124 do CP, enquanto
o agente provocador do aborto, em lugar de ser coautor dessa infração, responda
como incurso no art. 126 do CP. O mesmo se aplica no contexto da corrupção
ativa e passiva (arts. 333 3 317 do CP) e da bigamia (art. 235, caput, e § 1º).
c. Teoria dualista: Havendo
pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, causando um só resultado,
deve-se separar os coautores, que praticam um delito, e os participes, que
cometem outro.
3. Distinção entre Coautoria e Participação:
Prevaleceu,
pois, o conceito restrito de autor, embora, dentro dessa teoria, que é Objetiva, existam dois posicionamentos:
a) Teoria formal: autor é quem realiza a figura típica e
partícipe é aquele que comete ações fora do tipo, ficando praticamente impune,
não fosse a regra de extensão que o torna responsável. Atualmente, é a
concepção majoritariamente adotada. Exemplo: quem aponta o revólver, exercendo a
grave ameaça, e quem subtrai os bens da vítima são coautores de roubo, enquanto
o motorista do carro que aguarda para dar fuga aos agentes é o partícipe (os
dois primeiros praticaram o tipo do art.157: o último apenas auxiliou);
b) teoria
normativa (teoria do domínio do fato): Autor é quem realiza a figura típica, mas
também quem tem o controle da ação típica dos demais, dividindo-se entre
"autor executor", "autor intelectual" e "autor
mediato". O partícipe é aquele que contribui para o delito alheio, sem
realizar a figura típica, nem tampouco comandar a ação. Assim, exemplificando,
por essa teoria, o chefe de um grupo de justiceiros, que ordenou uma execução,
bem como o agente que diretamente matou a vítima são coautores.
Em
nossa visão, melhor é a teoria objetivo-formal, ou seja, coautor é aquele que
pratica, de algum modo, a figura típica, enquanto ao partícipe fica reservada a
posição de auxílio material ou suporte moral (onde se inclui o induzimento, a
instigação ou o comando) para a concretização do crime. Consegue-se, com isso, uma
clara visão entre dois agentes distintos na realização do tipo penal- o que
ingressa no modelo legal de conduta proibida e o que apoia, de fora, a sua
materialização -, proporcionando uma melhor análise da culpabilidade.
Seguindo-se
essa orientação, o denominado executor de reserva é apenas um partícipe - e não
coautor. Ex.: duas pessoas resolvem
matar uma terceira. Aproximando-se desta, "A" dá um tiro fatal na cabeça;
"B", aproximando-se, desfere outros tiros, já atingindo um
cadáver. Ora, "B", executor de
reserva, apenas participou do delito, pois ambos estavam conluiados em busca do
mesmo resultado, mas não realizou a conduta de matar. Em contrário, confira-se
a lição de Nilo Batista, sustentando que "B" seria coautor, pois
teria como influir no modo de realização do delito.
É
certo que o juiz pode aplicar penas iguais ao coautor e ao partícipe, bem como pode
infligir pena mais severa ao partícipe, desde que seja recomendável. Exemplo
disso é o partícipe que atua como mentor do delito, organizando a atividade dos
executores: merece maior sanção penal,
"na medida da sua culpabilidade", como estipula o art. 29 do Código
Penal. A teoria do domínio do fato somente tem sentido para as legislações que
adotam nítida distinção entre autor e partícipe, obrigando o juiz a fixar
sanção menor para quem for considerado partícipe.
4. Critérios quanto à punição do partícipe
Para
que seja o partícipe punido, impera, no Brasil, a teoria da acessoriedade limitada,
ou seja, é preciso apurar que o autor praticou um fato típico e antijurídico,
pelo menos. Se faltar tipicidade ou ilicitude, não há cabimento em punir o
partícipe.
Outras
teorias existem: acessoriedade extrema,
que exige, para a punição do partícipe, tenha o autor praticado um fato típico,
antijurídico e culpável, bem como a acessoriedade mínima, exigindo que o autor
tenha praticado apenas um fato típico.
5. Concurso de
agentes e crime plurissubjetivo
O
crime plurissubjetivo é aquele que, para configurar-se, exige a presença de
duas ou mais pessoas (ex.: quadrilha ou
bando, rixa, bigamia, associação para o tráfico etc., enquanto o unissubjetivo
é aquele que pode ser praticado por uma só pessoa (ex.: homicídio, roubo,
estupro etc.). O plurissubjetivo, justamente porque exige mais de uma pessoa
para sua configuração, não demanda a aplicação da norma de extensão do art. 29
(quem concorre para o crime incide nas suas penas), pois a presença de dois ou mais
autores é garantida pelo tipo penal. Exemplificando: as quatro pessoas que compõem uma quadrilha
são autores do delito previsto no art.
288 do Código Penal.
Por
outro lado, quando o crime é unissubjetivo, mas, na prática, é cometido por
dois ou mais agentes, utiliza-se a regra do art. 29 para tipificar todas as condutas, pois
certamente cada um agiu de um modo, compondo a figura típica total. Em um roubo
é possível que um autor aponte o revólver, exercendo a grave ameaça, enquanto
outro proceda à subtração. Ambos praticaram o tipo penal do art. 157 em
concurso de pessoas, necessitando-se empregar a regra do art. 29.
Não
se confunde o crime plurissubjetivo (concurso necessário) com o delito de
participação necessária. Neste caso, há
crimes que são cometidos por um só autor, embora o tipo penal exija a participação
necessária de outra pessoa, que é o sujeito passivo e não é punido. Como
exemplos, pode-se mencionar a corrupção de menores, crime de usura,
favorecimento à prostituição entre outros.
6. Punição do coautor ou partícipe "na medida da sua
culpabilidade":
Trata-se de expressão
cuja meta é diferenciar o coautor do partícipe, propiciando ao juiz que aplique
a pena conforme o juízo de reprovação social que cada um merece, em respeito ao
princípio constitucional da individualização da pena. É bem possível que um
coautor mereça uma pena mais severa do que um partícipe, pois agiu de modo
direto contra a vítima, embora se possa ter o
contráno, como já referido
ac1ma, aplicando-se ao partíc1pe pena
supenor,
JUStamente por conta da
sua mruor culpabilidade. Nesse sentido, há precedente
do Supremo Tribunal Federal: "A norma
inscrita no art. 29 do Código
Penal não
const1tu1
obstáculo JUrídico à
rmposição de sanções penais de des1gual intensi
dade aos su jettos
ai:! vos da prál:!ca
delituosa. A possibilidade desse tratamento
diferencmdo
encontra suporte no princípio constitucional da mdividua1ização
das penas e, ainda,
na cláusula final do própno art. 29, capztt, do Código
Penal"
(HC 70.662-RN. l.'T.,
rei. Celso
de Mello, 21.06.1 994, v. u., RTJ 176/1.129).
Tem-se verificado,
na prál:!ca, no entanto, um
relal:!vo desprezo por essa
modificação
legislal:!va, terrmnando o JUIZ por equiparar. quase sempre, a con
duta do coautor
à do partíc1pe, alegando que,
sem este, aquele poderia não ter
realizado o delito.
Portanto, ambos merecenam receber idêntica pena. A genera-
378
MANUAL DE DIREITO
PENAL - Parte Geral GUILHERME DE SOUZA Nucc!
lização contém
um erro lamentável , pois o
partícipe, ainda que mereça purnção,
Jamms, em algumas situações. mereceria ser igualado ao autor
direto. Exemplo:
um assaltante
que, ao invadir uma residência, atormenta a
vítima. através de atos
violentos e
mmtas ameaças, quebrando utensílios
e agmdo com
selvagena ímpar,
precisa ser mrus gravemente apenado do que o
partíc1pe que ficou fora da casa,
dentro do carro, aguardando para
dar fuga. Com a devida vêni'l, o
equívoco está
em nivelar as penas
pelo mínimo legal. Se ao partícípe for atribuída a pena de
5 anos e
4 meses (mínimo para o roubo com emprego de arma e concurso
de
duas pessoas), é de se esperar que ao
agente direto, mais perigoso �' seja atribuída
pena mais
severa, e não a mesma sanção. A
equiparação é in justiça, pois não se
está levando
em conta a "medida da
culpabilidade",
determinada pelo legislador,
conforme os atos
que cada um tomou durante a prática
da infração penal.
6.2 Participação de menor Importância
Reiterando a
adoção da distrnção entre coautor
e partícipe, pela Reforma
Penal de
1984, que introduzm os §§ ].0 e
2.0 no art. 29, destaca-se, agora, o pre
ceituado
especificamente no § 1.0 do art.
29. É possível, como já afirmado,
que o
partícipe mereça, "na medida
da sua culpabilidade", idêntica pena
que o coautor
ou até sanção mais
rigorosa, embora seja, também. viável admitir e reconhecer
que há parucipações
de somenos Importância. Essas receberam um
tratamento
especial do legislador, pms fm criada uma causa de
diminuição da pena.
Assim, o partícipe
que pouco tomou parte na prática
cnrrnnosa, colabo
rando ntimmamente,
deve receber a pena diminuída de
um sexto a um terço.
o que significa a
possibilidade de romper o mínimo legal da pena prevista em
abstrato. Ex
.. 1magme-se o
partícipe que, embora
tenha instigado outrem
à
práuca do crime,
arrependa-se e procure agir para Impedir o resultado, ainda
que não consiga.
Merece ser beneficiado pela dirrnnuição
da pena.
Trata-se de outra
modificação legislativa mmto
pouco utilizada na prátrca,
sob o pretexto de que toda
participação é Importante para a
configuração do
cnme. Mms
uma vez, está-se
generalizando a aplicação
da lei, o que
fere o
disposto neste
parágrafo. Destaque-se, por fim, que
essa causa de dintinmção
ref ere-se à
"partiCipação" (ação
praticada), e não à pessoa doJ
1gente, que pode
ser pengoso ou
reincidente, merecendo.
ainda assim, a dirninmção, caso tenha
auxiliado em bmxo
grau o comel!mento do delito.
6.3 Particlpqção
em cnme menos grave
(cooperação dol osamente dis
tinta)
Trata-se de um
benefício cnado ao
acusado, pois, como dizta Florian, é
possível haver desvws sub jetivos entre os coautores ou
partí cipes. O art. 29, §
L
CAPITuLO XX -
CONCURSO DE PESSOAS
2. ",
do Código Penai utiliza o termo
concor rente ("se algum dos concorrentes
qms participar de
cnme menos grave, ser-lhe-á aplicada a
pena deste ... "),
o que
permite supor
ser possível aplicar o
disposto neste parágrafo tanto a
coautores,
como aos
partícipes.
O agente que
desejava praticar um determinado
delito, sem condição de
prever a
concretização de crime mrus grave, deve responder pelo que
pretendeu
fazer, não se podendo a ele imputar outra
conduta, não dese jada, sob pena
de
se estar tratando
de responsabilidade obJetiva,
que a Reforma Penal de
1984
pretendeu combater.
Exemplo: quando um sujeito coloca-se
no qumtal dé uma
casa,. vigiando
o local, para que outros mvadam o lugar
e subtraiam bens, quer
auxiliar o cometimento de crime de furto. Se, dentro do domícílio, inadvertida
mente, surge o dono da casa, que é
morto pelos invasores, não
deve o vigilante,
que ficou fora
da casa, responder Igualmente por latrocínio. Trata-se de
uma
cooperação dolosamente distinta: um qms cometer o delito de furto, crendo
que o dono
da casa estava
via jando, e, portanto, Jamais havena emprego de
vwlêncm; os outros,
que mgressaram no domícílio e mataram o
propnetáno,
evoluíram na ideia
crimínosa sozinhos, passando do furto para o latrocínio. A
cada um deve ser
aplicada a pena justa.
Outro aspecto
que merece destaque é a previsibilidade do resultado mais
grave (art.
29, § 2.",
segunda parte). Justamente
porque, em certos
casos, é
possível Imaginar que algo mais sério ocorra,
o legislador inseriu a regra de
que, se este resultado
mais grave acontecer, a pena será aumentada da
metade.
No exemplo dado
anteriormente, se o partícipe que ficou
fora da casa
tivesse a
possibilidade
de prever que algo mais grave poderia
acontecer, precisamente
porque todos os que
mvadiram o lugar estavam arma dos,
ainda assim receberia
a pena do
furto, que pretendia praticar, aumentada
da metade. Tal disposítivo
também vem sendo
mmto pouco aplicado na Junsprudência pátria.
'' 7.
Requisitos do concurso de agentes
São os seguintes:
a) existência de dOis ou mais agentes;
b) relação
de causalidade material
entre as
condutas desenvolvidas e o
resultado;
c) vínculo
de natureza psicológica ligando as
condutas entre si. Não há
necessidade de
a;uste prévio entre
os coautores. Ex.: uma
empregada, decidindo
vingar-se da patroa,
deixa propositadamente a porta aberta, para
que entre o
ladrão. Este.
percebendo que alguém permitiU a
entrada, vale-se da oporturu
dade e provoca o
furto. São colaboradores a empregada e o agente direto
da
380
MANUAL DE DIREITO
PENAL - Parte Geral •
Gu!l.HERME DE SouZA NucCI
subtração, porque
suas vontades se
ligam, pretendendo o
mesmo resultado,
embora nem mesmo se
conheçam. Nessa hipótese, pode
ocorrer a denominada
coautona
sucessiva. Se o ladrão estiver retirando as coisas da casa. CUJ a
porta
fm deixada aberta
pela empregada, pode contar com a
colaboração de outro
mdivíduo que,
passando pelo local, resolva adenr ao fato e também retirar as
cmsas da casa (cf.
Nüo,Batista. Concurso de agentes. p.
11 6);
d) reconhecimento
da prática da mesma mfração para todos;
e) existência de
fato punível. Se o crime não maís é
punível, por atipici
dade reconhecida,
por exe�plo, para um dos
coautores, é lógico que abrange
todos eles.
[jj 8.
Autoria mediata
Trata-se de uma
modalidade de autoria, ocorrendo quando o agente
se vale
de pessoa não
culpável, ou que atua sem dolo ou culpa, para executar o delito.
São situações que
admitem a autona mediata: a) valer-se de 1rumputável
(doente mental,
cnança ou embriagado).
Exemplo interessante de
autoria
mediata é de Aníbal Bruno, fazendo referência ao agente que, em situação de
Imputabilidade,
delibera cometer um crime, fazendo de si
mesmo um instru
mento para tal fim,
praticando-o no estado de embriaguez, segundo o
comando
antenor (Das
penas, p. 11 0); b) coação moral irr esistível; c) obediência
híerár
qmca; d) erro de
tipo escusável, provocado
por terceiro; e)
erro de proibição
escusável,
provocado por terceiro . Exemplo: o agente utiliza
um doente mental,
ludibnando-o, para matar um desafeto.
Vale ressaltar
que nem todas as vezes que um menor de 18
anos toma parte
no cometimento do InJUSto penal é ele mstrumento do mawr
(configurando a
auto na mediata).
Podem ser coautores. vale dizer, ambos dese jam e trabalham
para atmg1r o mesmo
resultado, de modo que não é o menor
mero Joguete do
mruor. Chama-se a
essa modalidade de colaboração - tendo
em vista que um
agente é penalmente
responsável e o outro
não-, de "concurso 1mpropnamente
díto", "pseudoconcurso" ou "concurso aparente"
9. Autoria colateral · -Ocorre tal modalidade de colaboração, que
não chega a se constítuir em
concurso de
pessoas, quando dms agentes, desconhecendo
a conduta um do
outro, agem
convergmdo para o mesmo resultado, que, no entanto, ocorre por
conta de um só dos
comportamentos ou por conta dos
do1s comportamentos,
embora sem
que ha Ja a adesão
de um ao outro.
Exemplo: A e B,
matadores
profissionais.
colocam-se em um desfiladerro, cada qual de um lado, sem que
·j
i
L ..
CAPITULO XX - CONCURSO DE PESSOAS
381
se ve jam, esperando a vítima C passar para
elirmná-la. Quando C aproxima
-se, os
dois disparam, matando,o.
Responderão por homicídio
em autoria
colateral. Não
podem ser considerados coautores, já que
um não tinha a menor
ideia da ação do
outro (falta vínculo psicológico entre
eles). Se porventura um
deles atinge C e o outro erra, sendo possível detectar que o tiro fatal proveio
da arma de A, este
responde pür.b.ormcídio consumado, enquanto B, somente
por tentativa. Caso
não se saiba de qual arma teve origem o tiro
fatal, ambos
respondem por tentativa
(aplica-se o princípio geral
do 1n dubio pro reo).
Se
A acertar C,
matando-o instantaneamente para depois B alvejá-lo igualmente,
haverá homicídio
consumado para A e crime Impossível para B. Finalmente,
caso um
deles atinja C.
matando-o instantaneamente e o
outro, em seguida, acerta o
cadáver, não se sabendo quem
deu o
tiro fatal, ambos serão
absolvidos por crime Impossível (aplica-se novamente o pnncíp10 do m
dubw pro reo). Chama-se de autônoma certa a hipótese ocorrida no contexto da autoria
colateral, quando não se sabe qual dos autores consegue
chegar ao resultado.
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