sexta-feira, 11 de abril de 2014

CULPABILIDADE,IMPUTABILIDADE e CONCURSO DE PESSOAS

Por Alex Maciel


I. CULPABILIDADE:

1. Conceito:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, segundo as regras impostas pelo Direito (Teoria normativa pura). Dessa forma, culpabilidade é um juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo só pode estar na cabeça de quem julga, mas tem por objeto o agente do crime e sua ação criminosa.
            O conceito de culpabilidade apresentou significativa evolução, sendo as principais teorias as seguintes:
Teoria Psicológica: Culpabilidade é importante elemento do crime, na medida em que representa seu enfoque subjetivo, isto é, o dolo e a culpa. Para esta corrente, ao praticar o fato típico e antijurídico (aspectos objetivos do crime), somente se completaria a noção de infração penal se estivesse presente o dolo e a culpa, que vinculariam, subjetivamente, o agente ao fato por ele praticado (aspecto subjetivo do crime). Em suma, culpabilidade é o dolo ou culpa. Embora essa teoria apresente falhas variadas, a principal delas é a inviabilidade de se demonstrar a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não se faz nenhum juízo de valor sobre a conduta típica e antijurídica. Assim, aquele que é imputável e atua com dolo, por exemplo, ainda que esteja bob coação moral irresistível poderia ser considerado culpado.
Teoria Normativa ou Psicológica-Normativa: Dando ênfase ao conteúdo normativo da culpabilidade, e não simplesmente ao aspecto psicológico (dolo ou culpa), acrescentou-se o juízo de reprovação social (ou de censura), que se deve fazer em relação ao autor do fato típico e antijurídico, quando considerado imputável (a imputabilidade passa a ser elemento da culpabilidade e não mero pressuposto), bem como se tiver agido com dolo (que contém a consciência da ilicitude) ou culpa, além de dever haver prova da exigibilidade e da possibilidade de atuação conforme as regras do direito.
Teoria Normativa Pura: A conduta, sob a ótica finalista, é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente, com finalidade. Logo, ao agir, o ser humano possui uma finalidade, que é analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo. Portanto, para tipificar uma conduta (conhecendo-se de antemão a finalidade da ação ou omissão) já se ingressa na análise do dolo ou da culpa, que se situam na tipicidade (e não mais na culpabilidade). Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude (a qual não está mais inserida no dolo) e com exigibilidade e possibilidade de um comportamento conforme o direito.

Teoria Funcionalista: Essa teoria passou a sustentar um conceito de culpabilidade que se vinculasse às finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à política criminal do Estado. Por isso, não poderia fundamentar-se exclusivamente numa concepção naturalística e improvável do livre-arbítrio (poder atuar, ou não, conforme as regras impostas pelo Direito). Nas palavras de Gunter Jakobs, a culpabilidade representa uma falta de fidelidade do agente com relação ao Direito. Essa falta de motivação para seguir as normas jurídicas é um conceito determinado normativamente e por tal fundamento realiza-se o juízo de 0culpabilidade. Portanto, analisar se há ou não déficit motivacional por parte do agente, para seguir as normas jurídicas, é tarefa que independe de prova da exigibilidade ou inexigibilidade de poder agir conforme o direito. Deduz-se a infidelidade ao Direito sem análise individualizada do agente, mas sob o prisma social, considerando-se os fins da pena. A culpabilidade não mais seria analisada sob o prisma individual, deixaria de servir de fundamento real para a pena e nem mais poderia ser útil ao limite da pena, pois tudo não passaria de critérios ligados à política criminal.

2. Excludentes de Culpabilidade:
As Excludentes de culpabilidade podem ser divididas, para seu estudo, em dois grupos:
I. Quanto ao agente do fato:
a. Existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput)
b. Existência de Embriaguez decorrente de vício (art. 26, caput)
c. Menoridade (art. 27, CP)

II. Quanto ao fato:
Legais:
a. Coação moral irresistível (art. 22, CP);
b. Obediência hierárquica (art. 22, CP)
c. Embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º)
d. Erro de proibição escusável (art. 21, CP)
e. Descriminantes putativas

2.1. Excludentes concernentes ao agente do fato:
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2.1.1. Imputabilidade Penal:
            É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.
            Se o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado, não poderá se pautar por tal compreensão e terminará praticando um fato típico e antijurídico sem que possa por isso ser censurado, isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade.
            O inimputável (doente mental ou imaturo- menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico, sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso- adjetivação reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo censura-, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é terapêutica.
As condições pessoais do agente para a compreensão do que faz demanda dois elementos:
1º: Rigidez biopsíquica (saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato) e 2º maturidade (desenvolvimento físico-mental que permite ao ser humano estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias ideais e possuir segurança emotiva).
            No Brasil, para se verificar a maturidade do agente optou-se pelo critério cronológico, isto é, ter mais de 18 anos.
            Por outro lado, os critérios para averiguar a inimputabilidade, quanto à higidez mental, são os seguintes:
Biológico: Leva-se em conta exclusivamente a saúde mental do agente, isto é, se o agente é, ou não, doente mental ou possui, ou não, um desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Psicológico: Leva-se em consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento.
Biopsicológico: Levam-se em conta os dois critérios anteriores unidos, ou seja, verifica-se se ao agente é mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. É o princípio adotado pelo CP no seu art. 26. Logo, não é suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental, mas que exista prova de que esse transtorno afetou, realmente, a capacidade de compreensão do ilícito, ou de determinação segundo esse conhecimento, à época do fato.

2.1.2. Doença Mental e Desenvolvimento mental incompleto ou retardado:
            Doença mental é um quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia e outras psicoses. O conceito de doença mental deve ser analisado em sentido amplo, abrangendo as doenças de ordem patológica e de origem toxicológica. São exemplos de doenças mentais, que podem gerar a inimputabilidade penal: esquizofrenia; paranoia; psicose maníaco-depressiva, demência, alcoolismo.
            Desenvolvimento mental incompleto ou retardado consiste numa limitada capacidade de compreensão do ilícito ou de falta de condições de se autodeterminar, conforme o precário entendimento, tendo em vista ainda não ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e física, seja por conta da idade, seja porque apresenta alguma característica particular, como o silvícola não civilizado ou o surdo sem capacidade de comunicação.
Tendo em vista que a lei penal adotou o critério misto (biopsicológico), é indispensável haver laudo médico para comprovar a doença mental ou mesmo o desenvolvimento incompleto ou retardado (é a parte biológica), situação não passível de verificação direta pelo juiz. Entretanto, existe, ainda, o lado psicológico, que é a capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento, compreendendo o caráter ilícito do fato. Essa parte pode ser de análise do juiz, conforma provas colhidas ao longo da instrução.

2.1.2.1. Conceito de perturbação da saúde mental:
                        Não deixa de ser também uma forma de doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua inteligência ou vontade. Perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de compreensão, motivo pelo qual o parágrafo único do art. 26 do CP tornou a repetir o “desenvolvimento mental incompleto”, bem como faz referência a não ser o agente inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou mesmo de determinar-se de acordo com tal entendimento.
            Nesse caso, não há eliminação completa da imputabilidade. Logo, pode o agente sofrer o juízo de reprovação social inerente à culpabilidade, embora o juiz seja levado a atenuar a censura feita, reduzindo a pena de 1/3 a 2/3.
            Além disso, caso a perturbação da saúde mental (forma de doença mental) seja intensa o suficiente, de modo a justificar um especial tratamento curativo, o juiz ainda pode substituir a pena restritiva de liberdade por medida de segurança (internamento ou tratamento laboratorial) conforme o art. 98 do CP.


2.1.3. Embriaguez decorrente de vício:
Deve-se estabelecer a diferença entre Embriaguez (mera intoxicação do organismo pelo álcool) e Alcoolismo (embriaguez crônica caracterizada pelo abaixamento da personalidade psico-ético, tornando o enfermo lento nas suas percepções ou levando-o a percepções ruins, a ponto de ter ilusões, fixando mal as recordações e cansando-se ao evoca-las e sua associação de ideias segue por caminhos ilógicos), levando em conta ser o alcoolismo considerado doença mental, logo, aplica-se o disposto no art. 26 do CP, ou seja, o agente deve ser absolvido, se aplicando-lhe medida de segurança.

2.1.4. Menoridade:
            Trata-se da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.
            Apesar de se observar que, na prática, menores com 16 ou 17 anos tem plenas condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida. Porém, o Brasil ainda mantém a fronteira fixada nos 18 anos, conforme nota-se no art. 28 da Constituição: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

2.2. Excludentes concernentes ao fato:

2.2.1. Coação moral irresistível:
            Tanto esta quanto a obediência hierárquica são causas de exclusão da culpabilidade que se situam no contexto da inexigibilidade de conduta diversa. Afinal, o direito não pode exigir das pessoas comportamentos anormais ou heroicos, pretendendo que a lei penal seja aplicada cegamente, sem uma análise minuciosa da situação concreta na qual se vê envolvido o agente um fato típico e antijurídico.
Assim, havendo coação moral insuportável, não é exigível que o coato resista bravamente, como se fosse um autônomo cumpridor da lei. O mesmo se diga da obediência hierárquica, pois havendo uma ordem do superior para o subordinado, dificilmente se pode exigir deste últimos que questione o autor de determinação.
A lei não definiu, nem apresentou os elementos componentes das duas excludentes, restando à doutrina a tarefa de fazê-lo. A coação irresistível, referida no art. 22 do CP, é a coação moral, uma vez que a coação física afeta diretamente a voluntariedade do ato, eliminado, quando irresistível, a própria conduta. Trata-se de uma grave ameaça feita pelo coator ao coato, exigindo deste último que cometa uma agressão contra terceira pessoa, sob pena de sofrer um mal injusto e irreparável. São seus elementos:
a. Existência de uma ameaça de um dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de ser suportado pelo coato;
b. Inevitabilidade do perigo na situação concreta do coato;
c. Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou contra pessoas queridas a ele ligadas. Se não se tratar de pessoas intimamente ligadas ao coato, mas estranhos que sofram a grave ameaça, caso a pessoa atue, para proteger quem não conhece, pode-se falar em inexigibilidade de conduta diversa, conforme os valores que estiverem em disputa.
d. Existência de, pelo menos, três partes envolvidas, como regra: coator, coato e vítima.
e. Irresistibilidade da ameaça avaliada segundo o critério do homem médio e do próprio coato, concretamente. Portanto, é fundamental buscar, para a configuração dessa excludente, uma intimidação forte o suficiente para vencer a resistência do homem normal, fazendo-o temer a ocorrência de um mal tão grave que lhe seria extraordinariamente difícil suportar, obrigando-o a praticar o crime idealizado pelo coator.
Exemplo, que lamentavelmente tem-se tornado comum atualmente: um gerente de banco tem sua família sequestrada, sob ameaça de morte, para obriga-lo, acompanhando um dos integrantes de uma quadrilha, à abrir o cofre do estabelecimento bancário e entregar dinheiro aos ladrões. Apesar de o gerente ter praticado um fato típico (art. 155 do CP) e ilícito (não há excludente de antijuridicidade em seu favor), não pode ser punido, pois é inexigível, de sua parte, conduta diversa. Elimina-se, pois, a culpabilidade.

2.2.2. Obediência Hierárquica:
            É a ordem de duvidosa legalidade cada pelo superior hierárquico ao seu subordinado, para que cometa uma agressão a terceiro, sob pena de responder pela inobservância da determinação. Seus elementos são:
a. Existência de uma ordem NÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL, ou seja, de duvidosa ilegalidade.
b. Ordem emanada de autoridade competente (salvo quando o agente cumpre ordem de autoridade incompetente equivocado, o qual pode ser uma forma de erro de proibição escusável)
c. Existência, em regra, de três parte: superior, subordinado e vítima.
d. Relação de subordinação hierárquica entre o mandante e o executor, em direito público.
            Não possibilidade de se sustentar a excludente na esfera do direito privado, tendo em vista que somente a hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o subordinado que desrespeita seu superior (no campo militar, até prisão disciplinar pode ser utilizada pelo superior, quando não configurar crime, conforme o art. 163 do CPM).
e. Estrito cumprimento da ordem. Neste caso, tratando-se de ordem de duvidosa legalidade, é preciso, valer-se da excludente, que o subordinado fixe os limites exatos da determinação que lhe foi passada. O exagero descaracteriza a excludente, pois vislumbra-se ter sido exigível do agente outra conduta, tanto que extrapolou o contexto daquilo que lhe foi determinado por sua conta e risco.
            Tanto coator quanto o superior podem responder pelo resultado lesivo produzido pelo coato ou pelo subordinado e também, em concurso formal, pela coação exercida contra o coato ou pelo abuso cometido contra o subordinado.

2.2.3. Embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior:
            Embriaguez é uma intoxicação aguda provocada no organismo pelo álcool ou por substância de efeitos análogos. Na embriaguez, a consciência está fortemente obnubilada, produzem-se estados crepusculares com fenômenos de desorientação, perturbações humorais profundas, desordens psico-sensorias sob forma de fenômeno ilusórios e alucinatórios. Alterações da forma e especialmente do conteúdo ideativo até o delírio.

2.2.3.1. Embriaguez voluntária ou culposa:
            Voluntária é a embriaguez desejada livremente pelo agente e culposa é aquela que ocorre por conta de imprudência do bebedor. Preceitua o CP que, nesses casos, não se pode excluir a imputabilidade do agente (não se pode afastar a sua culpabilidade).
É preciso destacar que o sujeito embriagado completamente, no momento da ação ou omissão, está com a sua consciência fortemente obnubilada, retirando-se a possibilidade de ter agido com dolo ou culpa. Portanto, buscando sustentar teorias opostas à realidade, trata-se de uma presunção de dolo e culpa estabelecida pelo legislador, isto é, a adoção da responsabilidade penal objetiva. Não se pode estender o princípio da actio libera in causa à embriaguez voluntária, em que o agente ingere a bebida alcoólica somente para ficar bêbado, ou à embriaguez culposa, em que se embriaga por imprudência ou negligência. Em nenhuma dessas hipóteses, porém, pretendia o agente praticar ulteriormente o crime. O legislador penal, ao considerar imputável aquele que em realidade não o era, fez uso de uma ficção jurídica. Ou melhor, adotou nesse ponto a responsabilidade objetiva, que se antagoniza com o nullum crimen sine culpa. É forçoso convir que no capítulo da embriaguez, excetuada aquela preordenada, o CP fez reviver a velha fórmula do versari in re illicita.
Destacando a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez voluntária, desprezando as lições mais adequadas cientificamente, o Código não empresta nenhum relevo à embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação á está o Código prevê uma agravação, também é certo que considera todas num mesmo plano para negar isenção da pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava, resolviam melhor o assunto. O art. 31 estabelecia: “A embriaguez pelo álcool ou susbtancia de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível à título de dolo. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer tal crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. Também o CP de 69 revelou-se indiferente ao problema de embriaguez voluntária e culposa, não lhes dando qualquer tratamento diferenciado e ignorando-as como causas de isenção ou substituição da pena.
2.2.3.2. Teoria da actio libera in causa:
Com base no princípio de que a “causa da causa também é causa do que foi causado”, leva-se em consideração, que no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa.
Portanto, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substancia entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente- afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazê-lo, precipita a sua imprudência para o momento em que irá atropelar e matar um pedestre. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se do momento da ingestão da bebida para o instante do delito.
Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do CP de 1940: Ao resolver o problema da embriaguez (por álcool ou substancia de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertarem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenada, mas se estende a todos os casos em que ao agente de deixou arrastar ao estado de inconsciência. Com a devida vênia, nem todos os casos que o agente “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem figurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de forma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa.
De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo.  No prisma de que a teoria da actio libe in causa (ação livre na sua origem), somente é cabível nos delitos preordenados (cuidando-se) do dolo, ou com flagrante imprudência no momento de beber. Complementando, convém desatacar a posição de Narcelio de Queiroz, cuidando da actio libera in causa: são os casos em que alguém, no estado de imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sme essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do, ou ainda, quando a podia ou devia prever.
A partir de 1890, em face do disposto no art. 27 do CP da República (“Os que se acharem e, estado de completa privação dos sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime” não são considerados criminosos), começou-se a equiparar a embriaguez completa à privação dos sentidos, provocando, então, decisões absolutórias. Assim, ainda que válida a teoria no campo dos crimes preordenados, implicando até no reconhecimento de uma agravante (não se pode) amplia-la para abranger outras situações de embriaguez.


2.2.3.3. Caso fortuito ou Força maior:
            É fortuita a embriaguez decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o agente não tinha a menor ideia de que estava ingerindo substância entorpecente (porque foi ludibriado por terceiro, p. ex.) ou quando mistura álcool com remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito da droga, sem estar devidamente alertado para isso. Exemplo típico é do operário de destilaria que se embriaga inalando os vapores do álcool, presentes na área de trabalho.
            Embriaguez decorrente de força maior é a que se origina de eventos não controláveis pelo agente, tal como a pessoa que, submetida a um trote acadêmico, é obrigada a ingerir, à força, substância entorpecente.
            Ambas são hipóteses fortuitas ou acidentais. Essa causa dá margem a uma excludente de culpabilidade se, por conta dessa ingestão forçada ou fortuita, o agente acaba praticando o injusto. É preciso, no entanto, que esteja totalmente incapacitado de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento por conta da embriaguez completa.

2.2.3.4. Embriaguez incompleta fortuita:
            Nesse dispositivo não consta a exigência de ser a embriaguez completa, podendo-se, portanto, admitir a embriaguez incompleta que, no entanto, há de ser fortuita ou resultante de força maior, bem como suficiente para gerar, ao tempo da conduta, entendimento dificultado do caráter ilícito do fato ou determinação do comportamento de acordo com esse entendimento.
            Tendo em vista que, nessa situação, o agente é imputável, pois tem conhecimento parcial do ato ilícito praticado, portanto culpável, há possibilidade de ser condenado, em bora com redução de pena, tendo em vista que a reprovação social é menor.

2.2.4. Erro de Proibição escusável e discriminantes putativas:
            Quanto às discriminantes putativas, todas as suas hipóteses devem ser inseridas no contexto do erro de proibição, embora parte da doutrina destaque o erro quanto aos pressupostos fáticos da excludente de ilicitude como erro de tipo (art. 20, § 1º, CP).


2.2.5. Inexigibilidade de conduta diversa:
            Há intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como tese autônoma, desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da obediência hierárquica. É perfeitamente admissível o seu reconhecimento no sistema penal. O legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimidade, que a exigibilidade e possibilidade de conduta conforme o direito é um dos seus elementos. Nada impede que de dentro da culpabilidade se retire essa tese para, em caráter excepcional, servir para excluir a culpabilidade de agentes que tenham praticados determinados injustos.
            A inexigibilidade de conduta diversa faz parte da coação moral irresistível, embora se possa destaca-la para atuar isoladamente. Pode-se admitir, portanto, que em certas situações extremadas, quando não for possível aplicar outras excludentes de culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa seja utilizada para evitar a punição injustificada do agente. Como ensina Assis Toledo: A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito. E também a lição de Bauman: Se se admite que as causas de exclusão de culpabilidade reguladas na lei se baseiem no critério da inexigibilidade, nada impede que por via da analogia jurídica se postule a inexigibilidade como causa geral de exclusão da culpabilidade. No Brasil, reconhecida taxativamente a lacuna do sistema jurídico quanto às hipóteses de inexigibilidade, há que se admiti-la como causa supralegal e excludente de culpabilidade, sob pena de não se poder reconhecer um pleno direito penal da culpa.


3. Emoção e Paixão:
            Preceitua o art. 28, I, do CP, que não excluem a imputabilidade penal a emoção e a paixão, o que é posição acertada, uma vez que em ambas as situações não se está diante de doença mental, nem mesmo de perturbação apta à retirar a capacidade de entendimento do agente ou de autodeterminação.

3.1. Emoção:
            É um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação de sentimento. É uma forte e transitória perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares da vida orgânica (pulsar precipite do coração, alterações térmicas, aceleração do ritmo respiratório, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, lágrimas).
            E as emoções vivenciadas pelo ser humano podem ser causas de alteração do ânimo, das relações de afetividade e até mesmo das condições psíquicas, proporcionando, por vezes, reações violentas, determinadoras de infrações penais.

3.2. Paixão:
Originária da emoção, a paixão é uma excitação sentimental levada ao extremo, causando maiores alterações nervosas ou psíquicas. Ainda que possa interferir no raciocínio e na vontade, é passível de controle, razão pela qual não elide a culpabilidade. São exemplos: ódio, amor, vingança, ambição, inveja, ciúme, entre outros.
Existem paixões consideradas sociais, pois ostentam valores harmônicos aos acolhidos em sociedade como positivos, assim como há paixões antissociais, visto que apresentam valores negativos aos olhos da sociedade. O cometimento do crime, impulsionado pela paixão, não livra o agente da punição, pois não lhe afasta a imputabilidade. Entretanto, é preciso considerar, no momento da aplicação da pena, qual espécie de paixão moveu o autor, se social ou antissocial, para graduar a pena. Como manifestação da personalidade do agente, pode-se avaliar o caráter da paixão: quando positiva, serve de elemento para abrandar a pena. Quando negativa, serve de fator para elevação da sanção.

II. Erro de Tipo e Erro de Proibição:

1. Conceito de Erro e Ignorância:
            Erro é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento de um objetivo (estado positivo); a ignorância é a falta de representação da realidade ou desconhecimento total do objeto (estado negativo). No campo jurídico, prevalece a unidade dos dois conceitos (teoria unitária). Portanto, tanto faz errar quanto ignorar, pois a consequência poderá ser a configuração do erro de tipo ou de proibição.

2. Conceito de Erro de Tipo:
            É o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo (art. 20, caput, CP). Exemplo da doutrina: o caçador imagina que atrás de uma moita existe um animal feroz contra o qual atira, atingindo, no entanto, outro caçador que estava à espreita da caça, matando-o. o atirador pretendia matar um animal e não um ser humano. Ocorreu erro sobre o elemento “alguém” do tipo penal do homicídio (“matar alguém” - art. 121 do CP).
            O dolo deve ser abrangente (envolver todos os elementos objetivos do tipo) o que não ocorreu no caso mencionado, pois a vontade de praticar a conduta típica inexistiu: querer matar um animal é diferente de querer matar um ser humano. Assim, está excluído o dolo. Porém, pode subsistir a forma culposa.

3. Possibilidade de punição por crime culposo:
            Tendo sido excluído o dolo, é preciso verificar se o erro havido não derivou da desatenção ou descuido indevido do agente. Se todos têm o dever de cuidado objetivo, até mesmo para cometer erros é imprescindível analisar se houve ou não infração de tal dever. Caso o agente tenha agido com descuido patente, merece ser punido pelo resultado dano involuntário a título de culpa.

4. Erro Escusável e Erro Inescusável:
             Se denomina erro escusável ou inevitável aquele que, afastando o dolo, possibilita ainda a exclusão da culpa, tendo em vista que qualquer pessoa, ainda que prudente nos seus atos, teria provocado o resultado.
            Erro inescusável ou evitável é aquele que viabiliza o afastamento do dolo, mas permite a punição por crime culposo, se houver a figura típica, uma vez que o agente não se comportou com a prudência que lhe é exigida.

5. Conceito de Erro de Proibição:
            É o erro incidente sobre a ilicitude do fato. O agente atua sem consciência da ilicitude, servindo pois, de excludente de culpabilidade. O legislador incluiu no rol das excludentes da culpabilidade o erro quanto à ilicitude do fato, uma vez que é possível o agente desejar praticar uma conduta típica, sem ter a noção de que é proibida. Exemplo: Um soldado, perdido de seu pelotão, sem saber que a paz foi celebrada, mata um inimigo, acreditando ainda estar em guerra. Trata-se de um erro quanto á ilicitude do fato, uma vez que, durante o período de guerra, é lícito eliminar o inimigo.

6. Diferenças entre desconhecimento da lei e Erro quanto à Ilicitude:
            O desconhecimento da lei, isto é, da norma escrita, não pode servir de desculpa para a prática de crimes, pois seria impossível, dentro das regras estabelecidas pelo direito codificado, impor limites à sociedade, que não possui, nem deve possuir, necessariamente, formação jurídica. Aliás, esse é o conteúdo da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (art. 3º). Portanto, conhecer a norma escrita é uma presunção legal absoluta, embora o conteúdo da lei, que é o ilícito, possa ser objeto de questionamento.
            A pessoa que, por falta de informação devidamente justificada, não teve acesso ao conteúdo da norma poderá alegar “erro de proibição”. Frise-se que o conteúdo da lei é adquirido através da vivência em sociedade, e não pela leitura dos Códigos. Atualmente, no entanto, tendo em vista a imensa complexidade dos sistema jurídico brasileiro, o “desconhecimento da lei” pode ser invocado pelo réu como atenuante (art. 65, II, CP).
            Segundo Cezar Roberto Bitencourt, a ignorantia legis é matéria de aplicação da lei, que, por ficção jurídica, se presume conhecida por todos, enquanto o erro de proibição é matéria de culpabilidade, num aspecto diverso. Não se trata de derrogar ou não os efeitos da lei, em função de alguém conhece-la ou desconhece-la. A incidência é esta: a relação que existe entre a lei, em abstrato, e o conhecimento que alguém, possa ter de que seu comportamento esteja contrariando a norma legal. E é nesse relação (de um lado a norma, em abstrato, eficaz e válida para todos, e, de outro, o comportamento em concreto e individualizado) que estabelecerá ou não a consciência da ilicitude, que é matéria da culpabilidade, e nada tem a ver com os princípios que informam a estabilidade do ordenamento jurídico.


7. Erro de proibição Escusável e Inescusável:
            Quando o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, valendo-se do ser humano da diligência ordinária, trata-se de uma hipótese da exclusão da culpabilidade. Ex.: um jornal de grande circulação, na esteira de grande debate anterior acerca do assunto, por engano, divulga que o novo CP foi aprovado e entrou em vigor, trazendo, como causa excludente de ilicitude, a eutanásia. Um leitor, possuindo parente desenganado em leito hospitalar, apressa sua morte, crendo agir sob o mato protetor de uma causa de justificação inexistente. Trata-se um erro escusável (inevitável), pois não lhe foi possível constatar a inverdade da informação recebida.
            Por outro lado, o erro sobre a ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um mínimo de empenho em se informar, o agente poderia ter tido conhecimento da realidade, denomina-se erro de proibição inescusável (evitável). Ex.: abstendo-se do seu dever se manter informado. O agente deixa de tomar conhecimento de uma lei, divulgada na imprensa, que transforma em crime determinada conduta. Praticando o ilícito, não poderá ser reconhecida a excludente de culpabilidade, embora lhe sirva ela como causa de redução da pena, variando de um sexto a um terço.
            A fundamental diferença entre ambos é que o erro de proibição é considerado escusável se o agente, à época da realização da conduta, não tinha consciência atual, nem potencial da ilicitude; o erro de proibição é considerado inescusável se o agente, quando realiza a conduta, não tinha consciência atual, mas lhe era possível saber que se tratava de algo ilícito (art. 21, § único do CP).



8. Diferença entre Crime putativo e Erro de proibição:
São hipóteses inversas, pois, no crime putativo, o agente crê estar cometendo um delito (age com consciência do ilícito), mas não é crime; no erro de proibição, o agente acredita que nada faz de ilícito, quando, na realidade, trata-se de um delito.

9. Conceito de Discriminantes putativas:
            Discriminantes são excludentes de ilicitude; putativo significa imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as discriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes numa determinada situação, quando, na realidade, ano estão. Exemplo: o agente pensa estar agindo em legitima defesa, defendendo-se de um assalto, quando, em verdade, empreendeu esforço contra um mendigo que, aproximando-se da janela de seu veículo, pretendia apenas lhe pedir esmola.

10. Divisão das Discriminantes Putativas: Podem ser de três espécies:
a. Erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de exclusão de ilicitude: Neste caso, o agente, como visto no exemplo supra, pensa estar em situação de se defender, porque o assédio do mendigo lhe apresenta um ataque, na verdade, inexistente. Ora, sabendo-se que a excludente de ilicitude (legítima defesa) é composta de requisitos, dentre eles a agressão a injusta, o erro do agente recai justamente sobre esse elemento. Pensou estar diante de um ataque injusto (situação de fato), em realidade existente. Se fosse consistente a agressão, estaria configurada a legitima defesa; como não é, há o erro quanto á ilicitude. Não é de confundir-se a legítima defesa putativa com o pretexto da legítima defesa, em que o indivíduo age na plena consciência de que, com a sua conduta violência, não se acha em estado de legítima defesa. E ainda mesmo que o agente proceda na dúvida sobre a identidade entre a sua ação autorizada in abstrato pela lei, já não falar-se em legítima defesa putativa: apresenta-se, também em tal caso, um crime doloso. A ressalva exposta por Nelson Hungria vela, igualmente, para as demais hipóteses excludentes de ilicitude (estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito cumprimento do dever legal e consentimento do ofendido). Em nenhum caso se pode admitir o pretexto de excludente.

b.  Erro quanto à existência de uma causa excludente de ilicitude:
Pode o agente equivocar-se quanto à existência de uma excludente de ilicitude.  Renovemos o exemplo: alguém, crendo estar aprovado um novo Código Penal no Brasil, prevendo e autorizando a eutanásia, apressa a morte de um parente desenganado. Agiu em “falsa realidade", pois a excludente não existe no ordenamento jurídico, por enquanto;
c)  Erro quanto aos limites de uma excludente de antijuridicidade:
É possível que o agente, conhecedor de uma excludente (legítima defesa, por exemplo), creia poder defender a sua honra, matando aquele que a conspurca. Trata-se de um flagrante excesso, portanto um erro nos limites Impostos pela excludente.




14.  Natureza jurídica das descriminantes putativas:
Quanto às duas últimas situações (erro quanto à existência ou quanto aos limites da excludente), é pacífica a doutrina, admitindo tratar-se de uma hipótese de erro de proibição. Entretanto, em relação à primeira situação (erro quanto aos pressupostos fáticos da excludente), não chega a doutrina a um consenso, havendo nítida divisão entre os defensores da teoria limitada da culpabilidade, que considera o caso um típico erro de tipo permissivo, permitindo a exclusão do dolo, tal como se faz com o autêntico erro de tipo, e os que adotam a teoria extremada da culpabilidade, que considera o caso um erro de proibição, logo, sem exclusão do dolo.
Cremos que, na visão atual do Código Penal, deu-se ao erro quanto aos pressupostos fáticos que compõem a excludente de ilicitude um tratamento de erro de tipo, embora seja, a essência, um erro de proibição. Inserida a hipótese no § 1º do art.  20 (erro de tipo), bem como se delineando, claramente, que, havendo erro derivado de culpa, pune-se o agente por delito culposo, é fatal concluir que se  cuidou dessa Situação tal  como se faz no ca put  do artigo com
o  erro  de tipo. Assim, naquele exemplo  da legítima defesa,  o  motorista que,
crendo  defender-se  de um  assaltante, usa  de  força contra o mendigo,  está  agindo
em erro  de  tipo.  Fica  excluído  o dolo,  mas  pode  ser punido  pelo que causar,
de maneira mescusável, a título de culpa. Explica Juarez Cirino dos Santos: "a
eqmparação do erro de tzpo  pemzisszvo ao erro de llpo, como característica  da
teoria limitada da culpabilidade, se  baseia  no  argumento  de que  o autor quer
agrr  conforme  a  norma  jurídica- e,  nessa  medida, a  representação  do autor  coin­
cide  com  a representação do legislador,  ou com o direito objetivo existente -,
mas erra  sobre  a  verdade  do fato:  a  representação  errônea  da existência  de
situação JUStificante  exclui  o  dolo.  como  decisão  fundada  no  conhecmzento
das  crrcunstâncias do  tipo  legal.  mas no descon/zecunento  da  mexistência da
Situação  justificante.  cuja errônea admissão  significa que o  autor não sabe  o
que  faz  ao contrário das outras espécies  de erro de proibição, em que o autor
sabe  o  que  faz,  mas erra sobre  a  JUridicidade do  fato"  (Direito penal -parte
geral,  p.  309).
A despeito de reconhecermos  a postção legal,  contmuamos adotando  a
teona extremada  da culpabilidade,  ou  se ja,  vemos,  nessa hipótese, um au­
têntico  erro de  proibição,  que foi  "tratado" como  erro  de tipo.  O motonsta
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MANUAL  DE DIREITO PENAL- P arte Geral  •  Gu!LHEMtE DE  SouZA  Nuco
que  se  engana  e  agnde  o  mendigo  certamente  o  faz  com  dolo,  exatamente
o  mesmo  dolo  que  há quando  alguém  se defende de  um  margmal,  preten­
dendo  lesíoná-lo  ou  até  mesmo  matá-lo.  Assim  também  o  magistério  de
Bustos  Ramírez, Obras completas,  v. l, p.  900.  O seu  engano recai  sobre a
proibição:  ele  não  estava autonzado a agir contra o  mendigo,  porque este
não pretendia assaltá-lo, mas, ao contrário, pedir-lhe uma aJu
d
a. Logo, dolo
houve,  embora  possa  ter  sido  af etada  a  sua  consciência  de ilicitude.  E,  se
erro  houve, o correto sena puni-lo  por delito doloso  com  a pena reduzida.
Há  ordenamentos  JUrídicos que optam, expressamente,  pela  teoria  extremada
da culpabilidade, como  ocorre no México (Jiménez Martínez,  Elementos de
derec/w penal mexzcano, p.  690).
A  desigualdade  evidente  de  tratamento  entre  as  três  modalidades  de
descrirrunantes  putativas, em nosso entender,  não  devena exzsl:!r  e todas  elas
mereceriam o  mesmo  acolhimento  no contexto  do erro de proibzção. Adotar
a teona lirrutada da culpabilidade, onde  se  sustenta  a exclusão  do  dolo, pode
trazer  consequênczas indese jáveis, enumeradas por  Cezar  Roberto Bitencourt:
"a) um  fato praticado, com  erro invencível, afasta  o injusto típico, não podendo
ser  considerado  como um fato antijurídico. Nessas crrcunstâncias,  a  vítima do
erro terá que  suportá-lo  como se  se  tratasse  de  um  fato  lícito, sendo  inadmissível
a legítima  def esa;  b)  não seria punível  a participação de alguém que,  mesmo
sabendo  que  o  autor principal incorre em erro  sobre  os  pressupostos  fáticos
de  uma  causa  de  justificação,  contribui de alguma forma  na  sua  execução. A
punibilidade  do  partícipe é  af astada  pelo  pnncíp1o da  acessoriedade  lirrutada  da
participação, que  exige  que  a  ação pnnczpal sep típica (af astada  pela  elimina­
ção do dolo) e anti jurí dica; c)  a tentativa  não seria punível,  nesses  casos,  pois
sua configuração exige a presença  do dolo. Mesmo que o erro  fosse vencível,
o fato  ficana impune,  pois  os  cnmes  culposos  não  admitem  tentativa"  (Erro
de  tipo  e de proibzção,  p.  93).





















CONCURSO DE PESSOAS:

1. Conceito de Concurso de Pessoas:
            Trata-se cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma infração penal. Chama-se, ainda, em sentido amplo, coautoria, participação, concurso de agentes.

2. Teorias do Concurso de Pessoas: Há três teorias que cuidam do assunto:
a. Teoria Unitária ou Monista:
Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado, há somente um delito. Nesse caso, portanto, todos os que tomam parte na infração penal cometem crime idêntico. Essa é a teoria adotada, como regra, pelo Código Penal.
b. Teoria Pluralista (cumplicidade do delito distinto ou autonomia da cumplicidade): Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito. Trata-se do chamado “delito de concursos” (vários delitos ligados por uma relação de causalidade). Como exceção, o Código Penal adota essa teoria ao disciplinar o aborto (art.124), fazendo com que a gestante que permita a prática do aborto em si mesmo responda como incursa no art. 124 do CP, enquanto o agente provocador do aborto, em lugar de ser coautor dessa infração, responda como incurso no art. 126 do CP. O mesmo se aplica no contexto da corrupção ativa e passiva (arts. 333 3 317 do CP) e da bigamia (art. 235, caput, e § 1º).
c. Teoria dualista: Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, causando um só resultado, deve-se separar os coautores, que praticam um delito, e os participes, que cometem outro.

3. Distinção entre Coautoria e Participação:
Prevaleceu, pois, o conceito restrito de autor, embora, dentro dessa teoria, que é Objetiva, existam dois posicionamentos:
a)  Teoria formal:  autor é quem realiza a figura típica e partícipe é aquele que comete ações fora do tipo, ficando praticamente impune, não fosse a regra de extensão que o torna responsável. Atualmente, é a concepção majoritariamente adotada. Exemplo: quem aponta o revólver, exercendo a grave ameaça, e quem subtrai os bens da vítima são coautores de roubo, enquanto o motorista do carro que aguarda para dar fuga aos agentes é o partícipe (os dois primeiros praticaram o tipo do art.157: o último apenas auxiliou);
b)  teoria normativa (teoria do domínio do fato):  Autor é quem realiza a figura típica, mas também quem tem o controle da ação típica dos demais, dividindo-se entre "autor executor", "autor intelectual" e "autor mediato". O partícipe é aquele que contribui para o delito alheio, sem realizar a figura típica, nem tampouco comandar a ação. Assim, exemplificando, por essa teoria, o chefe de um grupo de justiceiros, que ordenou uma execução, bem como o agente que diretamente matou a vítima são coautores.
Em nossa visão, melhor é a teoria objetivo-formal, ou seja, coautor é aquele que pratica, de algum modo, a figura típica, enquanto ao partícipe fica reservada a posição de auxílio material ou suporte moral (onde se inclui o induzimento, a instigação ou o comando) para a concretização do crime. Consegue-se, com isso, uma clara visão entre dois agentes distintos na realização do tipo penal- o que ingressa no modelo legal de conduta proibida e o que apoia, de fora, a sua materialização -, proporcionando uma melhor análise da culpabilidade.
Seguindo-se essa orientação, o denominado executor de reserva é apenas um partícipe - e não coautor.  Ex.: duas pessoas resolvem matar uma terceira. Aproximando-se desta, "A" dá um tiro fatal na cabeça; "B", aproximando-se, desfere outros tiros, já atingindo um cadáver.  Ora, "B", executor de reserva, apenas participou do delito, pois ambos estavam conluiados em busca do mesmo resultado, mas não realizou a conduta de matar. Em contrário, confira-se a lição de Nilo Batista, sustentando que "B" seria coautor, pois teria como influir no modo de realização do delito.
É certo que o juiz pode aplicar penas iguais ao coautor e ao partícipe, bem como pode infligir pena mais severa ao partícipe, desde que seja recomendável. Exemplo disso é o partícipe que atua como mentor do delito, organizando a atividade dos executores:  merece maior sanção penal, "na medida da sua culpabilidade", como estipula o art. 29 do Código Penal. A teoria do domínio do fato somente tem sentido para as legislações que adotam nítida distinção entre autor e partícipe, obrigando o juiz a fixar sanção menor para quem for considerado partícipe.

4. Critérios quanto à punição do partícipe
Para que seja o partícipe punido, impera, no Brasil, a teoria da acessoriedade limitada, ou seja, é preciso apurar que o autor praticou um fato típico e antijurídico, pelo menos. Se faltar tipicidade ou ilicitude, não há cabimento em punir o partícipe.
Outras teorias existem:  acessoriedade extrema, que exige, para a punição do partícipe, tenha o autor praticado um fato típico, antijurídico e culpável, bem como a acessoriedade mínima, exigindo que o autor tenha praticado apenas um fato típico.

5.  Concurso de agentes e crime plurissubjetivo
O crime plurissubjetivo é aquele que, para configurar-se, exige a presença de duas ou mais pessoas (ex.:  quadrilha ou bando, rixa, bigamia, associação para o tráfico etc., enquanto o unissubjetivo é aquele que pode ser praticado por uma só pessoa (ex.: homicídio, roubo, estupro etc.). O plurissubjetivo, justamente porque exige mais de uma pessoa para sua configuração, não demanda a aplicação da norma de extensão do art. 29 (quem concorre para o crime incide nas suas penas), pois a presença de dois ou mais autores é garantida pelo tipo penal. Exemplificando:  as quatro pessoas que compõem uma quadrilha são autores do delito previsto no art.  288 do Código Penal.
Por outro lado, quando o crime é unissubjetivo, mas, na prática, é cometido por dois ou mais agentes, utiliza-se a regra do art.  29 para tipificar todas as condutas, pois certamente cada um agiu de um modo, compondo a figura típica total. Em um roubo é possível que um autor aponte o revólver, exercendo a grave ameaça, enquanto outro proceda à subtração. Ambos praticaram o tipo penal do art. 157 em concurso de pessoas, necessitando-se empregar a regra do art.  29.
Não se confunde o crime plurissubjetivo (concurso necessário) com o delito de participação necessária.  Neste caso, há crimes que são cometidos por um só autor, embora o tipo penal exija a participação necessária de outra pessoa, que é o sujeito passivo e não é punido. Como exemplos, pode-se mencionar a corrupção de menores, crime de usura, favorecimento à prostituição entre outros.

6. Punição do coautor ou partícipe "na medida da sua culpabilidade":
Trata-se de expressão cuja meta é diferenciar o coautor do partícipe, propiciando ao juiz que aplique a pena conforme o juízo de reprovação social que cada um merece, em respeito ao princípio constitucional da individualização da pena. É bem possível que um coautor mereça uma pena mais severa do que um partícipe, pois agiu de modo direto contra a vítima, embora se possa ter o  contráno,  como já referido ac1ma,  aplicando-se ao partíc1pe  pena  supenor,
JUStamente  por conta da  sua  mruor  culpabilidade. Nesse sentido, há  precedente
do  Supremo Tribunal Federal: "A  norma  inscrita  no art. 29 do Código Penal não
const1tu1 obstáculo  JUrídico  à  rmposição  de  sanções penais de  des1gual intensi­
dade aos su jettos ai:!  vos da  prál:!ca  delituosa. A possibilidade desse tratamento
diferencmdo encontra suporte no princípio constitucional da mdividua1ização
das penas e, ainda, na  cláusula  final do própno art. 29, capztt, do Código Penal"
(HC 70.662-RN. l.'T.,  rei.  Celso de Mello, 21.06.1 994, v.  u.,  RTJ 176/1.129).
Tem-se  verificado,  na prál:!ca,  no entanto,  um  relal:!vo  desprezo  por essa
modificação legislal:!va, terrmnando o JUIZ por equiparar. quase sempre,  a con­
duta do  coautor  à do  partíc1pe,  alegando que,  sem este,  aquele poderia não ter
realizado o delito. Portanto, ambos merecenam receber idêntica pena. A  genera-
378
MANUAL  DE DIREITO  PENAL - Parte  Geral  GUILHERME DE SOUZA Nucc!
lização  contém  um erro lamentável ,  pois o partícipe, ainda que mereça purnção,
Jamms, em  algumas situações.  mereceria ser igualado  ao autor  direto.  Exemplo:
um  assaltante  que, ao invadir  uma  residência, atormenta  a  vítima. através  de  atos
violentos  e  mmtas ameaças,  quebrando  utensílios  e  agmdo  com  selvagena  ímpar,
precisa  ser mrus gravemente apenado do que o partíc1pe que  ficou fora da casa,
dentro  do carro, aguardando  para  dar  fuga. Com a  devida vêni'l,  o  equívoco está
em nivelar as penas pelo  mínimo legal.  Se ao partícípe for atribuída a pena de
5  anos  e 4 meses  (mínimo  para o roubo com emprego de arma e concurso de
duas  pessoas), é de se esperar  que  ao agente direto, mais perigoso '  seja atribuída
pena mais severa,  e não a mesma sanção. A equiparação é in justiça, pois não se
está  levando  em  conta  a "medida  da  culpabilidade",  determinada  pelo legislador,
conforme os atos que cada um tomou  durante a prática da  infração penal.
6.2  Participação de menor Importância
Reiterando  a  adoção  da distrnção entre coautor e partícipe,  pela Reforma
Penal  de  1984, que introduzm os §§ ].0  e 2.0  no art.  29, destaca-se, agora,  o pre­
ceituado especificamente no §  1.0  do art.  29. É  possível, como já afirmado, que  o
partícipe  mereça, "na  medida  da  sua  culpabilidade", idêntica  pena  que  o  coautor
ou até sanção mais rigorosa, embora seja,  também.  viável admitir e reconhecer
que há parucipações de somenos Importância.  Essas  receberam um  tratamento
especial do  legislador, pms fm criada uma causa de diminuição da  pena.
Assim, o partícipe que pouco tomou parte  na prática cnrrnnosa,  colabo­
rando  ntimmamente,  deve receber a pena diminuída de  um sexto a um terço.
o que significa a possibilidade de romper o mínimo legal da pena prevista em
abstrato.  Ex  ..  1magme-se  o  partícipe  que,  embora  tenha  instigado  outrem  à
práuca do crime, arrependa-se e procure agir para Impedir o resultado,  ainda
que não consiga. Merece ser  beneficiado pela dirrnnuição da pena.
Trata-se  de outra  modificação legislativa  mmto pouco utilizada  na  prátrca,
sob  o pretexto de que  toda  participação  é Importante para a configuração  do
cnme.  Mms  uma  vez,  está-se  generalizando  a  aplicação  da  lei,  o  que fere o
disposto neste parágrafo.  Destaque-se, por fim, que essa causa  de dintinmção
ref ere-se à "partiCipação" (ação  praticada), e não à  pessoa doJ 1gente, que  pode
ser  pengoso ou  reincidente,  merecendo. ainda  assim, a dirninmção, caso tenha
auxiliado em bmxo grau o comel!mento do delito.
6.3  Particlpqção  em cnme menos grave  (cooperação  dol osamente  dis­
tinta)
Trata-se de  um  benefício  cnado  ao  acusado, pois, como dizta Florian, é
possível haver  desvws sub jetivos entre os coautores ou partí cipes. O art. 29, §
L
CAPITuLO XX - CONCURSO  DE  PESSOAS
2.  ",  do Código  Penai utiliza o termo concor rente ("se algum dos concorrentes
qms participar  de  cnme menos grave, ser-lhe-á aplicada a  pena  deste  ... "),  o  que
permite  supor  ser  possível aplicar  o  disposto neste parágrafo tanto a  coautores,
como aos partícipes.
O agente que desejava praticar um determinado  delito,  sem condição de
prever  a  concretização de crime mrus grave, deve responder  pelo que  pretendeu
fazer, não  se podendo a ele imputar  outra  conduta, não  dese jada, sob pena de
se estar  tratando  de responsabilidade obJetiva,  que  a Reforma Penal  de  1984
pretendeu combater. Exemplo: quando um  sujeito coloca-se no  qumtal  dé  uma
casa,.  vigiando  o  local, para que  outros mvadam o  lugar  e subtraiam bens, quer
auxiliar  o cometimento de crime de  furto. Se, dentro do domícílio, inadvertida­
mente, surge  o dono da casa, que  é  morto pelos invasores,  não deve  o vigilante,
que  ficou fora  da casa, responder Igualmente por latrocínio.  Trata-se de  uma
cooperação  dolosamente distinta:  um qms cometer o delito de  furto, crendo
que o  dono  da  casa  estava  via jando,  e,  portanto, Jamais  havena emprego  de
vwlêncm; os outros, que mgressaram no domícílio  e mataram o propnetáno,
evoluíram na ideia crimínosa  sozinhos,  passando do furto  para o latrocínio. A
cada um deve  ser  aplicada a pena  justa.
Outro aspecto que  merece destaque é a  previsibilidade  do resultado mais
grave  (art.  29,  §  2.",  segunda  parte).  Justamente  porque,  em  certos  casos,  é
possível  Imaginar que algo mais  sério ocorra,  o legislador inseriu a  regra  de
que, se este  resultado  mais grave acontecer, a  pena  será aumentada  da  metade.
No exemplo dado anteriormente, se o  partícipe  que ficou  fora  da  casa  tivesse a
possibilidade de  prever que algo mais grave poderia acontecer, precisamente
porque  todos os que  mvadiram o lugar  estavam  arma dos,  ainda assim receberia
a pena do furto,  que pretendia praticar, aumentada da metade. Tal disposítivo
também vem sendo mmto  pouco aplicado na  Junsprudência pátria.
''  7.  Requisitos do concurso de  agentes
São os seguintes:
a)  existência de dOis ou mais agentes;
b)  relação  de causalidade  material entre  as  condutas  desenvolvidas  e o
resultado;
c)  vínculo  de natureza  psicológica  ligando as  condutas  entre si.  Não há
necessidade  de  a;uste  prévio  entre  os  coautores. Ex.:  uma  empregada, decidindo
vingar-se  da patroa,  deixa  propositadamente  a porta aberta,  para  que  entre  o
ladrão. Este. percebendo que alguém permitiU  a entrada, vale-se  da oporturu­
dade e provoca o furto.  São colaboradores  a empregada e o  agente direto  da
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MANUAL DE DIREITO PENAL - Parte  Geral  •  Gu!l.HERME DE SouZA  NucCI
subtração,  porque  suas  vontades  se  ligam,  pretendendo  o  mesmo  resultado,
embora nem  mesmo se  conheçam. Nessa  hipótese, pode ocorrer a  denominada
coautona sucessiva.  Se o ladrão  estiver retirando as coisas da casa. CUJ a porta
fm deixada  aberta  pela empregada, pode contar com  a colaboração  de outro
mdivíduo que, passando pelo  local,  resolva adenr ao fato e também retirar as
cmsas  da casa (cf.  Nüo,Batista. Concurso de agentes. p.  11 6);
d) reconhecimento da  prática da  mesma mfração para todos;
e) existência de fato punível.  Se o crime não maís é punível,  por atipici­
dade reconhecida, por exeplo, para um dos coautores,  é lógico que abrange
todos eles.
[jj  8.  Autoria  mediata
Trata-se de uma modalidade  de  autoria, ocorrendo quando o  agente  se vale
de pessoa não culpável, ou que atua sem dolo ou culpa, para executar o delito.
São situações  que  admitem a autônoma mediata:  a)  valer-se de inimputável
(doente  mental,  criança ou  embriagado).  Exemplo  interessante  de  autoria
mediata é de  Aníbal Bruno, fazendo  referência ao agente que,  em situação de
Imputabilidade, delibera cometer um crime,  fazendo  de  si mesmo um instrumento para tal fim, praticando-o no  estado  de embriaguez, segundo  o  comando
anterior  (Das  penas, p.  11 0); b)  coação moral irresistível; c) obediência híerár­quica;  d) erro de  tipo  escusável,  provocado  por  terceiro;  e)  erro de proibição
escusável, provocado por  terceiro .  Exemplo: o agente  utiliza  um  doente  mental,
ludibriando-o,  para matar um desafeto.
Vale ressaltar que  nem todas as vezes que um  menor de 18  anos toma  parte
  1. no cometimento  do Injusto penal é ele instrumento do maior (configurando  a

auto  na mediata).  Podem ser  coautores. vale  dizer, ambos desejam  e trabalham
para atingir o mesmo resultado,  de modo que não é o menor mero Joguete do
mruor. Chama-se a essa modalidade de colaboração - tendo  em vista que um
agente é penalmente responsável  e o  outro  não-, de "concurso propriamente
dito",  "pseudo concurso"  ou "concurso aparente"
9.  Autoria colateral ·  -Ocorre tal modalidade de colaboração, que não chega a se constituir em
concurso  de  pessoas, quando dms  agentes,  desconhecendo  a conduta um do
outro, agem convergindo para o mesmo resultado, que, no entanto, ocorre por
conta de  um só dos  comportamentos  ou  por conta dos  dois comportamentos,
embora  sem  que  ha Ja a  adesão  de um  ao  outro.  Exemplo: A  e  B,  matadores
profissionais. colocam-se em um desfileiro, cada qual de um lado,  sem que

CAPITULO  XX - CONCURSO DE PESSOAS
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se  vejam, esperando a vítima C passar para eliminá-la. Quando C aproxima
-se,  os  dois  disparam,  matando,o.  Responderão  por  homicídio  em  autoria
colateral. Não podem ser  considerados coautores, já que um não tinha  a  menor
ideia da ação do outro (falta  vínculo psicológico entre eles). Se porventura um
deles atinge  C e o outro erra,  sendo possível detectar que o tiro  fatal proveio
da arma de A, este responde pür.b.ormcídio consumado, enquanto B, somente
por tentativa. Caso não se saiba de qual arma teve origem o tiro  fatal,  ambos
respondem  por tentativa  (aplica-se  o princípio geral do  in dubio pro  reo).  Se
A acertar C, matando-o instantaneamente para  depois  B alvejá-lo igualmente,
haverá homicídio consumado para  A e crime Impossível  para B. Finalmente,
caso  um  deles  atinja  C.  matando-o  instantaneamente  e o  outro,  em seguida, acerta  o  cadáver, não se  sabendo quem deu  o  tiro  fatal, ambos  serão  absolvidos por crime Impossível (aplica-se novamente o pnncíp10 do m dubw  pro reo). Chama-se de autônoma certa  a hipótese ocorrida no contexto  da autoria
colateral,  quando não se sabe qual dos autores consegue chegar ao resultado.
 I. CULPABILIDADE:

1. Conceito:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, segundo as regras impostas pelo Direito (Teoria normativa pura). Dessa forma, culpabilidade é um juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo só pode estar na cabeça de quem julga, mas tem por objeto o agente do crime e sua ação criminosa.
            O conceito de culpabilidade apresentou significativa evolução, sendo as principais teorias as seguintes:
Teoria Psicológica: Culpabilidade é importante elemento do crime, na medida em que representa seu enfoque subjetivo, isto é, o dolo e a culpa. Para esta corrente, ao praticar o fato típico e antijurídico (aspectos objetivos do crime), somente se completaria a noção de infração penal se estivesse presente o dolo e a culpa, que vinculariam, subjetivamente, o agente ao fato por ele praticado (aspecto subjetivo do crime). Em suma, culpabilidade é o dolo ou culpa. Embora essa teoria apresente falhas variadas, a principal delas é a inviabilidade de se demonstrar a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não se faz nenhum juízo de valor sobre a conduta típica e antijurídica. Assim, aquele que é imputável e atua com dolo, por exemplo, ainda que esteja bob coação moral irresistível poderia ser considerado culpado.
Teoria Normativa ou Psicológica-Normativa: Dando ênfase ao conteúdo normativo da culpabilidade, e não simplesmente ao aspecto psicológico (dolo ou culpa), acrescentou-se o juízo de reprovação social (ou de censura), que se deve fazer em relação ao autor do fato típico e antijurídico, quando considerado imputável (a imputabilidade passa a ser elemento da culpabilidade e não mero pressuposto), bem como se tiver agido com dolo (que contém a consciência da ilicitude) ou culpa, além de dever haver prova da exigibilidade e da possibilidade de atuação conforme as regras do direito.
Teoria Normativa Pura: A conduta, sob a ótica finalista, é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente, com finalidade. Logo, ao agir, o ser humano possui uma finalidade, que é analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo. Portanto, para tipificar uma conduta (conhecendo-se de antemão a finalidade da ação ou omissão) já se ingressa na análise do dolo ou da culpa, que se situam na tipicidade (e não mais na culpabilidade). Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude (a qual não está mais inserida no dolo) e com exigibilidade e possibilidade de um comportamento conforme o direito.

Teoria Funcionalista: Essa teoria passou a sustentar um conceito de culpabilidade que se vinculasse às finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à política criminal do Estado. Por isso, não poderia fundamentar-se exclusivamente numa concepção naturalística e improvável do livre-arbítrio (poder atuar, ou não, conforme as regras impostas pelo Direito). Nas palavras de Gunter Jakobs, a culpabilidade representa uma falta de fidelidade do agente com relação ao Direito. Essa falta de motivação para seguir as normas jurídicas é um conceito determinado normativamente e por tal fundamento realiza-se o juízo de 0culpabilidade. Portanto, analisar se há ou não déficit motivacional por parte do agente, para seguir as normas jurídicas, é tarefa que independe de prova da exigibilidade ou inexigibilidade de poder agir conforme o direito. Deduz-se a infidelidade ao Direito sem análise individualizada do agente, mas sob o prisma social, considerando-se os fins da pena. A culpabilidade não mais seria analisada sob o prisma individual, deixaria de servir de fundamento real para a pena e nem mais poderia ser útil ao limite da pena, pois tudo não passaria de critérios ligados à política criminal.

2. Excludentes de Culpabilidade:
As Excludentes de culpabilidade podem ser divididas, para seu estudo, em dois grupos:
I. Quanto ao agente do fato:
a. Existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput)
b. Existência de Embriaguez decorrente de vício (art. 26, caput)
c. Menoridade (art. 27, CP)

II. Quanto ao fato:
Legais:
a. Coação moral irresistível (art. 22, CP);
b. Obediência hierárquica (art. 22, CP)
c. Embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º)
d. Erro de proibição escusável (art. 21, CP)
e. Descriminantes putativas

2.1. Excludentes concernentes ao agente do fato:
,
2.1.1. Imputabilidade Penal:
            É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.
            Se o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado, não poderá se pautar por tal compreensão e terminará praticando um fato típico e antijurídico sem que possa por isso ser censurado, isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade.
            O inimputável (doente mental ou imaturo- menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico, sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso- adjetivação reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo censura-, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é terapêutica.
As condições pessoais do agente para a compreensão do que faz demanda dois elementos:
1º: Rigidez biopsíquica (saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato) e 2º maturidade (desenvolvimento físico-mental que permite ao ser humano estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias ideais e possuir segurança emotiva).
            No Brasil, para se verificar a maturidade do agente optou-se pelo critério cronológico, isto é, ter mais de 18 anos.
            Por outro lado, os critérios para averiguar a inimputabilidade, quanto à higidez mental, são os seguintes:
Biológico: Leva-se em conta exclusivamente a saúde mental do agente, isto é, se o agente é, ou não, doente mental ou possui, ou não, um desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Psicológico: Leva-se em consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento.
Biopsicológico: Levam-se em conta os dois critérios anteriores unidos, ou seja, verifica-se se ao agente é mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. É o princípio adotado pelo CP no seu art. 26. Logo, não é suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental, mas que exista prova de que esse transtorno afetou, realmente, a capacidade de compreensão do ilícito, ou de determinação segundo esse conhecimento, à época do fato.

2.1.2. Doença Mental e Desenvolvimento mental incompleto ou retardado:
            Doença mental é um quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia e outras psicoses. O conceito de doença mental deve ser analisado em sentido amplo, abrangendo as doenças de ordem patológica e de origem toxicológica. São exemplos de doenças mentais, que podem gerar a inimputabilidade penal: esquizofrenia; paranoia; psicose maníaco-depressiva, demência, alcoolismo.
            Desenvolvimento mental incompleto ou retardado consiste numa limitada capacidade de compreensão do ilícito ou de falta de condições de se autodeterminar, conforme o precário entendimento, tendo em vista ainda não ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e física, seja por conta da idade, seja porque apresenta alguma característica particular, como o silvícola não civilizado ou o surdo sem capacidade de comunicação.
Tendo em vista que a lei penal adotou o critério misto (biopsicológico), é indispensável haver laudo médico para comprovar a doença mental ou mesmo o desenvolvimento incompleto ou retardado (é a parte biológica), situação não passível de verificação direta pelo juiz. Entretanto, existe, ainda, o lado psicológico, que é a capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento, compreendendo o caráter ilícito do fato. Essa parte pode ser de análise do juiz, conforma provas colhidas ao longo da instrução.

2.1.2.1. Conceito de perturbação da saúde mental:
                        Não deixa de ser também uma forma de doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua inteligência ou vontade. Perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de compreensão, motivo pelo qual o parágrafo único do art. 26 do CP tornou a repetir o “desenvolvimento mental incompleto”, bem como faz referência a não ser o agente inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou mesmo de determinar-se de acordo com tal entendimento.
            Nesse caso, não há eliminação completa da imputabilidade. Logo, pode o agente sofrer o juízo de reprovação social inerente à culpabilidade, embora o juiz seja levado a atenuar a censura feita, reduzindo a pena de 1/3 a 2/3.
            Além disso, caso a perturbação da saúde mental (forma de doença mental) seja intensa o suficiente, de modo a justificar um especial tratamento curativo, o juiz ainda pode substituir a pena restritiva de liberdade por medida de segurança (internamento ou tratamento laboratorial) conforme o art. 98 do CP.


2.1.3. Embriaguez decorrente de vício:
Deve-se estabelecer a diferença entre Embriaguez (mera intoxicação do organismo pelo álcool) e Alcoolismo (embriaguez crônica caracterizada pelo abaixamento da personalidade psico-ético, tornando o enfermo lento nas suas percepções ou levando-o a percepções ruins, a ponto de ter ilusões, fixando mal as recordações e cansando-se ao evoca-las e sua associação de ideias segue por caminhos ilógicos), levando em conta ser o alcoolismo considerado doença mental, logo, aplica-se o disposto no art. 26 do CP, ou seja, o agente deve ser absolvido, se aplicando-lhe medida de segurança.

2.1.4. Menoridade:
            Trata-se da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.
            Apesar de se observar que, na prática, menores com 16 ou 17 anos tem plenas condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida. Porém, o Brasil ainda mantém a fronteira fixada nos 18 anos, conforme nota-se no art. 28 da Constituição: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

2.2. Excludentes concernentes ao fato:

2.2.1. Coação moral irresistível:
            Tanto esta quanto a obediência hierárquica são causas de exclusão da culpabilidade que se situam no contexto da inexigibilidade de conduta diversa. Afinal, o direito não pode exigir das pessoas comportamentos anormais ou heroicos, pretendendo que a lei penal seja aplicada cegamente, sem uma análise minuciosa da situação concreta na qual se vê envolvido o agente um fato típico e antijurídico.
Assim, havendo coação moral insuportável, não é exigível que o coato resista bravamente, como se fosse um autônomo cumpridor da lei. O mesmo se diga da obediência hierárquica, pois havendo uma ordem do superior para o subordinado, dificilmente se pode exigir deste últimos que questione o autor de determinação.
A lei não definiu, nem apresentou os elementos componentes das duas excludentes, restando à doutrina a tarefa de fazê-lo. A coação irresistível, referida no art. 22 do CP, é a coação moral, uma vez que a coação física afeta diretamente a voluntariedade do ato, eliminado, quando irresistível, a própria conduta. Trata-se de uma grave ameaça feita pelo coator ao coato, exigindo deste último que cometa uma agressão contra terceira pessoa, sob pena de sofrer um mal injusto e irreparável. São seus elementos:
a. Existência de uma ameaça de um dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de ser suportado pelo coato;
b. Inevitabilidade do perigo na situação concreta do coato;
c. Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou contra pessoas queridas a ele ligadas. Se não se tratar de pessoas intimamente ligadas ao coato, mas estranhos que sofram a grave ameaça, caso a pessoa atue, para proteger quem não conhece, pode-se falar em inexigibilidade de conduta diversa, conforme os valores que estiverem em disputa.
d. Existência de, pelo menos, três partes envolvidas, como regra: coator, coato e vítima.
e. Irresistibilidade da ameaça avaliada segundo o critério do homem médio e do próprio coato, concretamente. Portanto, é fundamental buscar, para a configuração dessa excludente, uma intimidação forte o suficiente para vencer a resistência do homem normal, fazendo-o temer a ocorrência de um mal tão grave que lhe seria extraordinariamente difícil suportar, obrigando-o a praticar o crime idealizado pelo coator.
Exemplo, que lamentavelmente tem-se tornado comum atualmente: um gerente de banco tem sua família sequestrada, sob ameaça de morte, para obriga-lo, acompanhando um dos integrantes de uma quadrilha, à abrir o cofre do estabelecimento bancário e entregar dinheiro aos ladrões. Apesar de o gerente ter praticado um fato típico (art. 155 do CP) e ilícito (não há excludente de antijuridicidade em seu favor), não pode ser punido, pois é inexigível, de sua parte, conduta diversa. Elimina-se, pois, a culpabilidade.

2.2.2. Obediência Hierárquica:
            É a ordem de duvidosa legalidade cada pelo superior hierárquico ao seu subordinado, para que cometa uma agressão a terceiro, sob pena de responder pela inobservância da determinação. Seus elementos são:
a. Existência de uma ordem NÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL, ou seja, de duvidosa ilegalidade.
b. Ordem emanada de autoridade competente (salvo quando o agente cumpre ordem de autoridade incompetente equivocado, o qual pode ser uma forma de erro de proibição escusável)
c. Existência, em regra, de três parte: superior, subordinado e vítima.
d. Relação de subordinação hierárquica entre o mandante e o executor, em direito público.
            Não possibilidade de se sustentar a excludente na esfera do direito privado, tendo em vista que somente a hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o subordinado que desrespeita seu superior (no campo militar, até prisão disciplinar pode ser utilizada pelo superior, quando não configurar crime, conforme o art. 163 do CPM).
e. Estrito cumprimento da ordem. Neste caso, tratando-se de ordem de duvidosa legalidade, é preciso, valer-se da excludente, que o subordinado fixe os limites exatos da determinação que lhe foi passada. O exagero descaracteriza a excludente, pois vislumbra-se ter sido exigível do agente outra conduta, tanto que extrapolou o contexto daquilo que lhe foi determinado por sua conta e risco.
            Tanto coator quanto o superior podem responder pelo resultado lesivo produzido pelo coato ou pelo subordinado e também, em concurso formal, pela coação exercida contra o coato ou pelo abuso cometido contra o subordinado.

2.2.3. Embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior:
            Embriaguez é uma intoxicação aguda provocada no organismo pelo álcool ou por substância de efeitos análogos. Na embriaguez, a consciência está fortemente obnubilada, produzem-se estados crepusculares com fenômenos de desorientação, perturbações humorais profundas, desordens psico-sensorias sob forma de fenômeno ilusórios e alucinatórios. Alterações da forma e especialmente do conteúdo ideativo até o delírio.

2.2.3.1. Embriaguez voluntária ou culposa:
            Voluntária é a embriaguez desejada livremente pelo agente e culposa é aquela que ocorre por conta de imprudência do bebedor. Preceitua o CP que, nesses casos, não se pode excluir a imputabilidade do agente (não se pode afastar a sua culpabilidade).
É preciso destacar que o sujeito embriagado completamente, no momento da ação ou omissão, está com a sua consciência fortemente obnubilada, retirando-se a possibilidade de ter agido com dolo ou culpa. Portanto, buscando sustentar teorias opostas à realidade, trata-se de uma presunção de dolo e culpa estabelecida pelo legislador, isto é, a adoção da responsabilidade penal objetiva. Não se pode estender o princípio da actio libera in causa à embriaguez voluntária, em que o agente ingere a bebida alcoólica somente para ficar bêbado, ou à embriaguez culposa, em que se embriaga por imprudência ou negligência. Em nenhuma dessas hipóteses, porém, pretendia o agente praticar ulteriormente o crime. O legislador penal, ao considerar imputável aquele que em realidade não o era, fez uso de uma ficção jurídica. Ou melhor, adotou nesse ponto a responsabilidade objetiva, que se antagoniza com o nullum crimen sine culpa. É forçoso convir que no capítulo da embriaguez, excetuada aquela preordenada, o CP fez reviver a velha fórmula do versari in re illicita.
Destacando a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez voluntária, desprezando as lições mais adequadas cientificamente, o Código não empresta nenhum relevo à embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação á está o Código prevê uma agravação, também é certo que considera todas num mesmo plano para negar isenção da pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava, resolviam melhor o assunto. O art. 31 estabelecia: “A embriaguez pelo álcool ou susbtancia de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível à título de dolo. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer tal crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. Também o CP de 69 revelou-se indiferente ao problema de embriaguez voluntária e culposa, não lhes dando qualquer tratamento diferenciado e ignorando-as como causas de isenção ou substituição da pena.
2.2.3.2. Teoria da actio libera in causa:
Com base no princípio de que a “causa da causa também é causa do que foi causado”, leva-se em consideração, que no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa.
Portanto, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substancia entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente- afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazê-lo, precipita a sua imprudência para o momento em que irá atropelar e matar um pedestre. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se do momento da ingestão da bebida para o instante do delito.
Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do CP de 1940: Ao resolver o problema da embriaguez (por álcool ou substancia de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertarem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenada, mas se estende a todos os casos em que ao agente de deixou arrastar ao estado de inconsciência. Com a devida vênia, nem todos os casos que o agente “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem figurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de forma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa.
De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo.  No prisma de que a teoria da actio libe in causa (ação livre na sua origem), somente é cabível nos delitos preordenados (cuidando-se) do dolo, ou com flagrante imprudência no momento de beber. Complementando, convém desatacar a posição de Narcelio de Queiroz, cuidando da actio libera in causa: são os casos em que alguém, no estado de imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sme essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do, ou ainda, quando a podia ou devia prever.
A partir de 1890, em face do disposto no art. 27 do CP da República (“Os que se acharem e, estado de completa privação dos sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime” não são considerados criminosos), começou-se a equiparar a embriaguez completa à privação dos sentidos, provocando, então, decisões absolutórias. Assim, ainda que válida a teoria no campo dos crimes preordenados, implicando até no reconhecimento de uma agravante (não se pode) amplia-la para abranger outras situações de embriaguez.


2.2.3.3. Caso fortuito ou Força maior:
            É fortuita a embriaguez decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o agente não tinha a menor ideia de que estava ingerindo substância entorpecente (porque foi ludibriado por terceiro, p. ex.) ou quando mistura álcool com remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito da droga, sem estar devidamente alertado para isso. Exemplo típico é do operário de destilaria que se embriaga inalando os vapores do álcool, presentes na área de trabalho.
            Embriaguez decorrente de força maior é a que se origina de eventos não controláveis pelo agente, tal como a pessoa que, submetida a um trote acadêmico, é obrigada a ingerir, à força, substância entorpecente.
            Ambas são hipóteses fortuitas ou acidentais. Essa causa dá margem a uma excludente de culpabilidade se, por conta dessa ingestão forçada ou fortuita, o agente acaba praticando o injusto. É preciso, no entanto, que esteja totalmente incapacitado de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento por conta da embriaguez completa.

2.2.3.4. Embriaguez incompleta fortuita:
            Nesse dispositivo não consta a exigência de ser a embriaguez completa, podendo-se, portanto, admitir a embriaguez incompleta que, no entanto, há de ser fortuita ou resultante de força maior, bem como suficiente para gerar, ao tempo da conduta, entendimento dificultado do caráter ilícito do fato ou determinação do comportamento de acordo com esse entendimento.
            Tendo em vista que, nessa situação, o agente é imputável, pois tem conhecimento parcial do ato ilícito praticado, portanto culpável, há possibilidade de ser condenado, em bora com redução de pena, tendo em vista que a reprovação social é menor.

2.2.4. Erro de Proibição escusável e discriminantes putativas:
            Quanto às discriminantes putativas, todas as suas hipóteses devem ser inseridas no contexto do erro de proibição, embora parte da doutrina destaque o erro quanto aos pressupostos fáticos da excludente de ilicitude como erro de tipo (art. 20, § 1º, CP).


2.2.5. Inexigibilidade de conduta diversa:
            Há intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como tese autônoma, desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da obediência hierárquica. É perfeitamente admissível o seu reconhecimento no sistema penal. O legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimidade, que a exigibilidade e possibilidade de conduta conforme o direito é um dos seus elementos. Nada impede que de dentro da culpabilidade se retire essa tese para, em caráter excepcional, servir para excluir a culpabilidade de agentes que tenham praticados determinados injustos.
            A inexigibilidade de conduta diversa faz parte da coação moral irresistível, embora se possa destaca-la para atuar isoladamente. Pode-se admitir, portanto, que em certas situações extremadas, quando não for possível aplicar outras excludentes de culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa seja utilizada para evitar a punição injustificada do agente. Como ensina Assis Toledo: A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito. E também a lição de Bauman: Se se admite que as causas de exclusão de culpabilidade reguladas na lei se baseiem no critério da inexigibilidade, nada impede que por via da analogia jurídica se postule a inexigibilidade como causa geral de exclusão da culpabilidade. No Brasil, reconhecida taxativamente a lacuna do sistema jurídico quanto às hipóteses de inexigibilidade, há que se admiti-la como causa supralegal e excludente de culpabilidade, sob pena de não se poder reconhecer um pleno direito penal da culpa.


3. Emoção e Paixão:
            Preceitua o art. 28, I, do CP, que não excluem a imputabilidade penal a emoção e a paixão, o que é posição acertada, uma vez que em ambas as situações não se está diante de doença mental, nem mesmo de perturbação apta à retirar a capacidade de entendimento do agente ou de autodeterminação.

3.1. Emoção:
            É um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação de sentimento. É uma forte e transitória perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares da vida orgânica (pulsar precipite do coração, alterações térmicas, aceleração do ritmo respiratório, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, lágrimas).
            E as emoções vivenciadas pelo ser humano podem ser causas de alteração do ânimo, das relações de afetividade e até mesmo das condições psíquicas, proporcionando, por vezes, reações violentas, determinadoras de infrações penais.

3.2. Paixão:
Originária da emoção, a paixão é uma excitação sentimental levada ao extremo, causando maiores alterações nervosas ou psíquicas. Ainda que possa interferir no raciocínio e na vontade, é passível de controle, razão pela qual não elide a culpabilidade. São exemplos: ódio, amor, vingança, ambição, inveja, ciúme, entre outros.
Existem paixões consideradas sociais, pois ostentam valores harmônicos aos acolhidos em sociedade como positivos, assim como há paixões antissociais, visto que apresentam valores negativos aos olhos da sociedade. O cometimento do crime, impulsionado pela paixão, não livra o agente da punição, pois não lhe afasta a imputabilidade. Entretanto, é preciso considerar, no momento da aplicação da pena, qual espécie de paixão moveu o autor, se social ou antissocial, para graduar a pena. Como manifestação da personalidade do agente, pode-se avaliar o caráter da paixão: quando positiva, serve de elemento para abrandar a pena. Quando negativa, serve de fator para elevação da sanção.

II. Erro de Tipo e Erro de Proibição:

1. Conceito de Erro e Ignorância:
            Erro é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento de um objetivo (estado positivo); a ignorância é a falta de representação da realidade ou desconhecimento total do objeto (estado negativo). No campo jurídico, prevalece a unidade dos dois conceitos (teoria unitária). Portanto, tanto faz errar quanto ignorar, pois a consequência poderá ser a configuração do erro de tipo ou de proibição.

2. Conceito de Erro de Tipo:
            É o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo (art. 20, caput, CP). Exemplo da doutrina: o caçador imagina que atrás de uma moita existe um animal feroz contra o qual atira, atingindo, no entanto, outro caçador que estava à espreita da caça, matando-o. o atirador pretendia matar um animal e não um ser humano. Ocorreu erro sobre o elemento “alguém” do tipo penal do homicídio (“matar alguém” - art. 121 do CP).
            O dolo deve ser abrangente (envolver todos os elementos objetivos do tipo) o que não ocorreu no caso mencionado, pois a vontade de praticar a conduta típica inexistiu: querer matar um animal é diferente de querer matar um ser humano. Assim, está excluído o dolo. Porém, pode subsistir a forma culposa.

3. Possibilidade de punição por crime culposo:
            Tendo sido excluído o dolo, é preciso verificar se o erro havido não derivou da desatenção ou descuido indevido do agente. Se todos têm o dever de cuidado objetivo, até mesmo para cometer erros é imprescindível analisar se houve ou não infração de tal dever. Caso o agente tenha agido com descuido patente, merece ser punido pelo resultado dano involuntário a título de culpa.

4. Erro Escusável e Erro Inescusável:
             Se denomina erro escusável ou inevitável aquele que, afastando o dolo, possibilita ainda a exclusão da culpa, tendo em vista que qualquer pessoa, ainda que prudente nos seus atos, teria provocado o resultado.
            Erro inescusável ou evitável é aquele que viabiliza o afastamento do dolo, mas permite a punição por crime culposo, se houver a figura típica, uma vez que o agente não se comportou com a prudência que lhe é exigida.

5. Conceito de Erro de Proibição:
            É o erro incidente sobre a ilicitude do fato. O agente atua sem consciência da ilicitude, servindo pois, de excludente de culpabilidade. O legislador incluiu no rol das excludentes da culpabilidade o erro quanto à ilicitude do fato, uma vez que é possível o agente desejar praticar uma conduta típica, sem ter a noção de que é proibida. Exemplo: Um soldado, perdido de seu pelotão, sem saber que a paz foi celebrada, mata um inimigo, acreditando ainda estar em guerra. Trata-se de um erro quanto á ilicitude do fato, uma vez que, durante o período de guerra, é lícito eliminar o inimigo.

6. Diferenças entre desconhecimento da lei e Erro quanto à Ilicitude:
            O desconhecimento da lei, isto é, da norma escrita, não pode servir de desculpa para a prática de crimes, pois seria impossível, dentro das regras estabelecidas pelo direito codificado, impor limites à sociedade, que não possui, nem deve possuir, necessariamente, formação jurídica. Aliás, esse é o conteúdo da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (art. 3º). Portanto, conhecer a norma escrita é uma presunção legal absoluta, embora o conteúdo da lei, que é o ilícito, possa ser objeto de questionamento.
            A pessoa que, por falta de informação devidamente justificada, não teve acesso ao conteúdo da norma poderá alegar “erro de proibição”. Frise-se que o conteúdo da lei é adquirido através da vivência em sociedade, e não pela leitura dos Códigos. Atualmente, no entanto, tendo em vista a imensa complexidade dos sistema jurídico brasileiro, o “desconhecimento da lei” pode ser invocado pelo réu como atenuante (art. 65, II, CP).
            Segundo Cezar Roberto Bitencourt, a ignorantia legis é matéria de aplicação da lei, que, por ficção jurídica, se presume conhecida por todos, enquanto o erro de proibição é matéria de culpabilidade, num aspecto diverso. Não se trata de derrogar ou não os efeitos da lei, em função de alguém conhece-la ou desconhece-la. A incidência é esta: a relação que existe entre a lei, em abstrato, e o conhecimento que alguém, possa ter de que seu comportamento esteja contrariando a norma legal. E é nesse relação (de um lado a norma, em abstrato, eficaz e válida para todos, e, de outro, o comportamento em concreto e individualizado) que estabelecerá ou não a consciência da ilicitude, que é matéria da culpabilidade, e nada tem a ver com os princípios que informam a estabilidade do ordenamento jurídico.


7. Erro de proibição Escusável e Inescusável:
            Quando o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, valendo-se do ser humano da diligência ordinária, trata-se de uma hipótese da exclusão da culpabilidade. Ex.: um jornal de grande circulação, na esteira de grande debate anterior acerca do assunto, por engano, divulga que o novo CP foi aprovado e entrou em vigor, trazendo, como causa excludente de ilicitude, a eutanásia. Um leitor, possuindo parente desenganado em leito hospitalar, apressa sua morte, crendo agir sob o mato protetor de uma causa de justificação inexistente. Trata-se um erro escusável (inevitável), pois não lhe foi possível constatar a inverdade da informação recebida.
            Por outro lado, o erro sobre a ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um mínimo de empenho em se informar, o agente poderia ter tido conhecimento da realidade, denomina-se erro de proibição inescusável (evitável). Ex.: abstendo-se do seu dever se manter informado. O agente deixa de tomar conhecimento de uma lei, divulgada na imprensa, que transforma em crime determinada conduta. Praticando o ilícito, não poderá ser reconhecida a excludente de culpabilidade, embora lhe sirva ela como causa de redução da pena, variando de um sexto a um terço.
            A fundamental diferença entre ambos é que o erro de proibição é considerado escusável se o agente, à época da realização da conduta, não tinha consciência atual, nem potencial da ilicitude; o erro de proibição é considerado inescusável se o agente, quando realiza a conduta, não tinha consciência atual, mas lhe era possível saber que se tratava de algo ilícito (art. 21, § único do CP).



8. Diferença entre Crime putativo e Erro de proibição:
São hipóteses inversas, pois, no crime putativo, o agente crê estar cometendo um delito (age com consciência do ilícito), mas não é crime; no erro de proibição, o agente acredita que nada faz de ilícito, quando, na realidade, trata-se de um delito.

9. Conceito de Discriminantes putativas:
            Discriminantes são excludentes de ilicitude; putativo significa imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as discriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes numa determinada situação, quando, na realidade, ano estão. Exemplo: o agente pensa estar agindo em legitima defesa, defendendo-se de um assalto, quando, em verdade, empreendeu esforço contra um mendigo que, aproximando-se da janela de seu veículo, pretendia apenas lhe pedir esmola.

10. Divisão das Discriminantes Putativas: Podem ser de três espécies:
a. Erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de exclusão de ilicitude: Neste caso, o agente, como visto no exemplo supra, pensa estar em situação de se defender, porque o assédio do mendigo lhe apresenta um ataque, na verdade, inexistente. Ora, sabendo-se que a excludente de ilicitude (legítima defesa) é composta de requisitos, dentre eles a agressão a injusta, o erro do agente recai justamente sobre esse elemento. Pensou estar diante de um ataque injusto (situação de fato), em realidade existente. Se fosse consistente a agressão, estaria configurada a legitima defesa; como não é, há o erro quanto á ilicitude. Não é de confundir-se a legítima defesa putativa com o pretexto da legítima defesa, em que o indivíduo age na plena consciência de que, com a sua conduta violência, não se acha em estado de legítima defesa. E ainda mesmo que o agente proceda na dúvida sobre a identidade entre a sua ação autorizada in abstrato pela lei, já não falar-se em legítima defesa putativa: apresenta-se, também em tal caso, um crime doloso. A ressalva exposta por Nelson Hungria vela, igualmente, para as demais hipóteses excludentes de ilicitude (estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito cumprimento do dever legal e consentimento do ofendido). Em nenhum caso se pode admitir o pretexto de excludente.

b.  Erro quanto à existência de uma causa excludente de ilicitude:
Pode o agente equivocar-se quanto à existência de uma excludente de ilicitude.  Renovemos o exemplo: alguém, crendo estar aprovado um novo Código Penal no Brasil, prevendo e autorizando a eutanásia, apressa a morte de um parente desenganado. Agiu em “falsa realidade", pois a excludente não existe no ordenamento jurídico, por enquanto;
c)  Erro quanto aos limites de uma excludente de antijuridicidade:
É possível que o agente, conhecedor de uma excludente (legítima defesa, por exemplo), creia poder defender a sua honra, matando aquele que a conspurca. Trata-se de um flagrante excesso, portanto um erro nos limites Impostos pela excludente.




14.  Natureza jurídica das descriminantes putativas:
Quanto às duas últimas situações (erro quanto à existência ou quanto aos limites da excludente), é pacífica a doutrina, admitindo tratar-se de uma hipótese de erro de proibição. Entretanto, em relação à primeira situação (erro quanto aos pressupostos fáticos da excludente), não chega a doutrina a um consenso, havendo nítida divisão entre os defensores da teoria limitada da culpabilidade, que considera o caso um típico erro de tipo permissivo, permitindo a exclusão do dolo, tal como se faz com o autêntico erro de tipo, e os que adotam a teoria extremada da culpabilidade, que considera o caso um erro de proibição, logo, sem exclusão do dolo.
Cremos que, na visão atual do Código Penal, deu-se ao erro quanto aos pressupostos fáticos que compõem a excludente de ilicitude um tratamento de erro de tipo, embora seja, a essência, um erro de proibição. Inserida a hipótese no § 1º do art.  20 (erro de tipo), bem como se delineando, claramente, que, havendo erro derivado de culpa, pune-se o agente por delito culposo, é fatal concluir que se  cuidou dessa Situação tal  como se faz no ca put  do artigo com
o  erro  de tipo. Assim, naquele exemplo  da legítima defesa,  o  motorista que,
crendo  defender-se  de um  assaltante, usa  de  força contra o mendigo,  está  agindo
em erro  de  tipo.  Fica  excluído  o dolo,  mas  pode  ser punido  pelo que causar,
de maneira mescusável, a título de culpa. Explica Juarez Cirino dos Santos: "a
eqmparação do erro de tzpo  pemzisszvo ao erro de llpo, como característica  da
teoria limitada da culpabilidade, se  baseia  no  argumento  de que  o autor quer
agrr  conforme  a  norma  jurídica- e,  nessa  medida, a  representação  do autor  coin­
cide  com  a representação do legislador,  ou com o direito objetivo existente -,
mas erra  sobre  a  verdade  do fato:  a  representação  errônea  da existência  de
situação JUStificante  exclui  o  dolo.  como  decisão  fundada  no  conhecmzento
das  crrcunstâncias do  tipo  legal.  mas no descon/zecunento  da  mexistência da
Situação  justificante.  cuja errônea admissão  significa que o  autor não sabe  o
que  faz  ao contrário das outras espécies  de erro de proibição, em que o autor
sabe  o  que  faz,  mas erra sobre  a  JUridicidade do  fato"  (Direito penal -parte
geral,  p.  309).
A despeito de reconhecermos  a postção legal,  contmuamos adotando  a
teona extremada  da culpabilidade,  ou  se ja,  vemos,  nessa hipótese, um au­
têntico  erro de  proibição,  que foi  "tratado" como  erro  de tipo.  O motonsta
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MANUAL  DE DIREITO PENAL- P arte Geral  •  Gu!LHEMtE DE  SouZA  Nuco
que  se  engana  e  agnde  o  mendigo  certamente  o  faz  com  dolo,  exatamente
o  mesmo  dolo  que  há quando  alguém  se defende de  um  margmal,  preten­
dendo  lesíoná-lo  ou  até  mesmo  matá-lo.  Assim  também  o  magistério  de
Bustos  Ramírez, Obras completas,  v. l, p.  900.  O seu  engano recai  sobre a
proibição:  ele  não  estava autonzado a agir contra o  mendigo,  porque este
não pretendia assaltá-lo, mas, ao contrário, pedir-lhe uma aJu
d
a. Logo, dolo
houve,  embora  possa  ter  sido  af etada  a  sua  consciência  de ilicitude.  E,  se
erro  houve, o correto sena puni-lo  por delito doloso  com  a pena reduzida.
Há  ordenamentos  JUrídicos que optam, expressamente,  pela  teoria  extremada
da culpabilidade, como  ocorre no México (Jiménez Martínez,  Elementos de
derec/w penal mexzcano, p.  690).
A  desigualdade  evidente  de  tratamento  entre  as  três  modalidades  de
descrirrunantes  putativas, em nosso entender,  não  devena exzsl:!r  e todas  elas
mereceriam o  mesmo  acolhimento  no contexto  do erro de proibzção. Adotar
a teona lirrutada da culpabilidade, onde  se  sustenta  a exclusão  do  dolo, pode
trazer  consequênczas indese jáveis, enumeradas por  Cezar  Roberto Bitencourt:
"a) um  fato praticado, com  erro invencível, afasta  o injusto típico, não podendo
ser  considerado  como um fato antijurídico. Nessas crrcunstâncias,  a  vítima do
erro terá que  suportá-lo  como se  se  tratasse  de  um  fato  lícito, sendo  inadmissível
a legítima  def esa;  b)  não seria punível  a participação de alguém que,  mesmo
sabendo  que  o  autor principal incorre em erro  sobre  os  pressupostos  fáticos
de  uma  causa  de  justificação,  contribui de alguma forma  na  sua  execução. A
punibilidade  do  partícipe é  af astada  pelo  pnncíp1o da  acessoriedade  lirrutada  da
participação, que  exige  que  a  ação pnnczpal sep típica (af astada  pela  elimina­
ção do dolo) e anti jurí dica; c)  a tentativa  não seria punível,  nesses  casos,  pois
sua configuração exige a presença  do dolo. Mesmo que o erro  fosse vencível,
o fato  ficana impune,  pois  os  cnmes  culposos  não  admitem  tentativa"  (Erro
de  tipo  e de proibzção,  p.  93).





















CONCURSO DE PESSOAS:

1. Conceito de Concurso de Pessoas:
            Trata-se cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma infração penal. Chama-se, ainda, em sentido amplo, coautoria, participação, concurso de agentes.

2. Teorias do Concurso de Pessoas: Há três teorias que cuidam do assunto:
a. Teoria Unitária ou Monista:
Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado, há somente um delito. Nesse caso, portanto, todos os que tomam parte na infração penal cometem crime idêntico. Essa é a teoria adotada, como regra, pelo Código Penal.
b. Teoria Pluralista (cumplicidade do delito distinto ou autonomia da cumplicidade): Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito. Trata-se do chamado “delito de concursos” (vários delitos ligados por uma relação de causalidade). Como exceção, o Código Penal adota essa teoria ao disciplinar o aborto (art.124), fazendo com que a gestante que permita a prática do aborto em si mesmo responda como incursa no art. 124 do CP, enquanto o agente provocador do aborto, em lugar de ser coautor dessa infração, responda como incurso no art. 126 do CP. O mesmo se aplica no contexto da corrupção ativa e passiva (arts. 333 3 317 do CP) e da bigamia (art. 235, caput, e § 1º).
c. Teoria dualista: Havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, causando um só resultado, deve-se separar os coautores, que praticam um delito, e os participes, que cometem outro.

3. Distinção entre Coautoria e Participação:
Prevaleceu, pois, o conceito restrito de autor, embora, dentro dessa teoria, que é Objetiva, existam dois posicionamentos:
a)  Teoria formal:  autor é quem realiza a figura típica e partícipe é aquele que comete ações fora do tipo, ficando praticamente impune, não fosse a regra de extensão que o torna responsável. Atualmente, é a concepção majoritariamente adotada. Exemplo: quem aponta o revólver, exercendo a grave ameaça, e quem subtrai os bens da vítima são coautores de roubo, enquanto o motorista do carro que aguarda para dar fuga aos agentes é o partícipe (os dois primeiros praticaram o tipo do art.157: o último apenas auxiliou);
b)  teoria normativa (teoria do domínio do fato):  Autor é quem realiza a figura típica, mas também quem tem o controle da ação típica dos demais, dividindo-se entre "autor executor", "autor intelectual" e "autor mediato". O partícipe é aquele que contribui para o delito alheio, sem realizar a figura típica, nem tampouco comandar a ação. Assim, exemplificando, por essa teoria, o chefe de um grupo de justiceiros, que ordenou uma execução, bem como o agente que diretamente matou a vítima são coautores.
Em nossa visão, melhor é a teoria objetivo-formal, ou seja, coautor é aquele que pratica, de algum modo, a figura típica, enquanto ao partícipe fica reservada a posição de auxílio material ou suporte moral (onde se inclui o induzimento, a instigação ou o comando) para a concretização do crime. Consegue-se, com isso, uma clara visão entre dois agentes distintos na realização do tipo penal- o que ingressa no modelo legal de conduta proibida e o que apoia, de fora, a sua materialização -, proporcionando uma melhor análise da culpabilidade.
Seguindo-se essa orientação, o denominado executor de reserva é apenas um partícipe - e não coautor.  Ex.: duas pessoas resolvem matar uma terceira. Aproximando-se desta, "A" dá um tiro fatal na cabeça; "B", aproximando-se, desfere outros tiros, já atingindo um cadáver.  Ora, "B", executor de reserva, apenas participou do delito, pois ambos estavam conluiados em busca do mesmo resultado, mas não realizou a conduta de matar. Em contrário, confira-se a lição de Nilo Batista, sustentando que "B" seria coautor, pois teria como influir no modo de realização do delito.
É certo que o juiz pode aplicar penas iguais ao coautor e ao partícipe, bem como pode infligir pena mais severa ao partícipe, desde que seja recomendável. Exemplo disso é o partícipe que atua como mentor do delito, organizando a atividade dos executores:  merece maior sanção penal, "na medida da sua culpabilidade", como estipula o art. 29 do Código Penal. A teoria do domínio do fato somente tem sentido para as legislações que adotam nítida distinção entre autor e partícipe, obrigando o juiz a fixar sanção menor para quem for considerado partícipe.

4. Critérios quanto à punição do partícipe
Para que seja o partícipe punido, impera, no Brasil, a teoria da acessoriedade limitada, ou seja, é preciso apurar que o autor praticou um fato típico e antijurídico, pelo menos. Se faltar tipicidade ou ilicitude, não há cabimento em punir o partícipe.
Outras teorias existem:  acessoriedade extrema, que exige, para a punição do partícipe, tenha o autor praticado um fato típico, antijurídico e culpável, bem como a acessoriedade mínima, exigindo que o autor tenha praticado apenas um fato típico.

5.  Concurso de agentes e crime plurissubjetivo
O crime plurissubjetivo é aquele que, para configurar-se, exige a presença de duas ou mais pessoas (ex.:  quadrilha ou bando, rixa, bigamia, associação para o tráfico etc., enquanto o unissubjetivo é aquele que pode ser praticado por uma só pessoa (ex.: homicídio, roubo, estupro etc.). O plurissubjetivo, justamente porque exige mais de uma pessoa para sua configuração, não demanda a aplicação da norma de extensão do art. 29 (quem concorre para o crime incide nas suas penas), pois a presença de dois ou mais autores é garantida pelo tipo penal. Exemplificando:  as quatro pessoas que compõem uma quadrilha são autores do delito previsto no art.  288 do Código Penal.
Por outro lado, quando o crime é unissubjetivo, mas, na prática, é cometido por dois ou mais agentes, utiliza-se a regra do art.  29 para tipificar todas as condutas, pois certamente cada um agiu de um modo, compondo a figura típica total. Em um roubo é possível que um autor aponte o revólver, exercendo a grave ameaça, enquanto outro proceda à subtração. Ambos praticaram o tipo penal do art. 157 em concurso de pessoas, necessitando-se empregar a regra do art.  29.
Não se confunde o crime plurissubjetivo (concurso necessário) com o delito de participação necessária.  Neste caso, há crimes que são cometidos por um só autor, embora o tipo penal exija a participação necessária de outra pessoa, que é o sujeito passivo e não é punido. Como exemplos, pode-se mencionar a corrupção de menores, crime de usura, favorecimento à prostituição entre outros.

6. Punição do coautor ou partícipe "na medida da sua culpabilidade":
Trata-se de expressão cuja meta é diferenciar o coautor do partícipe, propiciando ao juiz que aplique a pena conforme o juízo de reprovação social que cada um merece, em respeito ao princípio constitucional da individualização da pena. É bem possível que um coautor mereça uma pena mais severa do que um partícipe, pois agiu de modo direto contra a vítima, embora se possa ter o  contráno,  como já referido ac1ma,  aplicando-se ao partíc1pe  pena  supenor,
JUStamente  por conta da  sua  mruor  culpabilidade. Nesse sentido, há  precedente
do  Supremo Tribunal Federal: "A  norma  inscrita  no art. 29 do Código Penal não
const1tu1 obstáculo  JUrídico  à  rmposição  de  sanções penais de  des1gual intensi­
dade aos su jettos ai:!  vos da  prál:!ca  delituosa. A possibilidade desse tratamento
diferencmdo encontra suporte no princípio constitucional da mdividua1ização
das penas e, ainda, na  cláusula  final do própno art. 29, capztt, do Código Penal"
(HC 70.662-RN. l.'T.,  rei.  Celso de Mello, 21.06.1 994, v.  u.,  RTJ 176/1.129).
Tem-se  verificado,  na prál:!ca,  no entanto,  um  relal:!vo  desprezo  por essa
modificação legislal:!va, terrmnando o JUIZ por equiparar. quase sempre,  a con­
duta do  coautor  à do  partíc1pe,  alegando que,  sem este,  aquele poderia não ter
realizado o delito. Portanto, ambos merecenam receber idêntica pena. A  genera-
378
MANUAL  DE DIREITO  PENAL - Parte  Geral  GUILHERME DE SOUZA Nucc!
lização  contém  um erro lamentável ,  pois o partícipe, ainda que mereça purnção,
Jamms, em  algumas situações.  mereceria ser igualado  ao autor  direto.  Exemplo:
um  assaltante  que, ao invadir  uma  residência, atormenta  a  vítima. através  de  atos
violentos  e  mmtas ameaças,  quebrando  utensílios  e  agmdo  com  selvagena  ímpar,
precisa  ser mrus gravemente apenado do que o partíc1pe que  ficou fora da casa,
dentro  do carro, aguardando  para  dar  fuga. Com a  devida vêni'l,  o  equívoco está
em nivelar as penas pelo  mínimo legal.  Se ao partícípe for atribuída a pena de
5  anos  e 4 meses  (mínimo  para o roubo com emprego de arma e concurso de
duas  pessoas), é de se esperar  que  ao agente direto, mais perigoso '  seja atribuída
pena mais severa,  e não a mesma sanção. A equiparação é in justiça, pois não se
está  levando  em  conta  a "medida  da  culpabilidade",  determinada  pelo legislador,
conforme os atos que cada um tomou  durante a prática da  infração penal.
6.2  Participação de menor Importância
Reiterando  a  adoção  da distrnção entre coautor e partícipe,  pela Reforma
Penal  de  1984, que introduzm os §§ ].0  e 2.0  no art.  29, destaca-se, agora,  o pre­
ceituado especificamente no §  1.0  do art.  29. É  possível, como já afirmado, que  o
partícipe  mereça, "na  medida  da  sua  culpabilidade", idêntica  pena  que  o  coautor
ou até sanção mais rigorosa, embora seja,  também.  viável admitir e reconhecer
que há parucipações de somenos Importância.  Essas  receberam um  tratamento
especial do  legislador, pms fm criada uma causa de diminuição da  pena.
Assim, o partícipe que pouco tomou parte  na prática cnrrnnosa,  colabo­
rando  ntimmamente,  deve receber a pena diminuída de  um sexto a um terço.
o que significa a possibilidade de romper o mínimo legal da pena prevista em
abstrato.  Ex  ..  1magme-se  o  partícipe  que,  embora  tenha  instigado  outrem  à
práuca do crime, arrependa-se e procure agir para Impedir o resultado,  ainda
que não consiga. Merece ser  beneficiado pela dirrnnuição da pena.
Trata-se  de outra  modificação legislativa  mmto pouco utilizada  na  prátrca,
sob  o pretexto de que  toda  participação  é Importante para a configuração  do
cnme.  Mms  uma  vez,  está-se  generalizando  a  aplicação  da  lei,  o  que fere o
disposto neste parágrafo.  Destaque-se, por fim, que essa causa  de dintinmção
ref ere-se à "partiCipação" (ação  praticada), e não à  pessoa doJ 1gente, que  pode
ser  pengoso ou  reincidente,  merecendo. ainda  assim, a dirninmção, caso tenha
auxiliado em bmxo grau o comel!mento do delito.
6.3  Particlpqção  em cnme menos grave  (cooperação  dol osamente  dis­
tinta)
Trata-se de  um  benefício  cnado  ao  acusado, pois, como dizta Florian, é
possível haver  desvws sub jetivos entre os coautores ou partí cipes. O art. 29, §
L
CAPITuLO XX - CONCURSO  DE  PESSOAS
2.  ",  do Código  Penai utiliza o termo concor rente ("se algum dos concorrentes
qms participar  de  cnme menos grave, ser-lhe-á aplicada a  pena  deste  ... "),  o  que
permite  supor  ser  possível aplicar  o  disposto neste parágrafo tanto a  coautores,
como aos partícipes.
O agente que desejava praticar um determinado  delito,  sem condição de
prever  a  concretização de crime mrus grave, deve responder  pelo que  pretendeu
fazer, não  se podendo a ele imputar  outra  conduta, não  dese jada, sob pena de
se estar  tratando  de responsabilidade obJetiva,  que  a Reforma Penal  de  1984
pretendeu combater. Exemplo: quando um  sujeito coloca-se no  qumtal  dé  uma
casa,.  vigiando  o  local, para que  outros mvadam o  lugar  e subtraiam bens, quer
auxiliar  o cometimento de crime de  furto. Se, dentro do domícílio, inadvertida­
mente, surge  o dono da casa, que  é  morto pelos invasores,  não deve  o vigilante,
que  ficou fora  da casa, responder Igualmente por latrocínio.  Trata-se de  uma
cooperação  dolosamente distinta:  um qms cometer o delito de  furto, crendo
que o  dono  da  casa  estava  via jando,  e,  portanto, Jamais  havena emprego  de
vwlêncm; os outros, que mgressaram no domícílio  e mataram o propnetáno,
evoluíram na ideia crimínosa  sozinhos,  passando do furto  para o latrocínio. A
cada um deve  ser  aplicada a pena  justa.
Outro aspecto que  merece destaque é a  previsibilidade  do resultado mais
grave  (art.  29,  §  2.",  segunda  parte).  Justamente  porque,  em  certos  casos,  é
possível  Imaginar que algo mais  sério ocorra,  o legislador inseriu a  regra  de
que, se este  resultado  mais grave acontecer, a  pena  será aumentada  da  metade.
No exemplo dado anteriormente, se o  partícipe  que ficou  fora  da  casa  tivesse a
possibilidade de  prever que algo mais grave poderia acontecer, precisamente
porque  todos os que  mvadiram o lugar  estavam  arma dos,  ainda assim receberia
a pena do furto,  que pretendia praticar, aumentada da metade. Tal disposítivo
também vem sendo mmto  pouco aplicado na  Junsprudência pátria.
''  7.  Requisitos do concurso de  agentes
São os seguintes:
a)  existência de dOis ou mais agentes;
b)  relação  de causalidade  material entre  as  condutas  desenvolvidas  e o
resultado;
c)  vínculo  de natureza  psicológica  ligando as  condutas  entre si.  Não há
necessidade  de  a;uste  prévio  entre  os  coautores. Ex.:  uma  empregada, decidindo
vingar-se  da patroa,  deixa  propositadamente  a porta aberta,  para  que  entre  o
ladrão. Este. percebendo que alguém permitiU  a entrada, vale-se  da oporturu­
dade e provoca o furto.  São colaboradores  a empregada e o  agente direto  da
380
MANUAL DE DIREITO PENAL - Parte  Geral  •  Gu!l.HERME DE SouZA  NucCI
subtração,  porque  suas  vontades  se  ligam,  pretendendo  o  mesmo  resultado,
embora nem  mesmo se  conheçam. Nessa  hipótese, pode ocorrer a  denominada
coautona sucessiva.  Se o ladrão  estiver retirando as coisas da casa. CUJ a porta
fm deixada  aberta  pela empregada, pode contar com  a colaboração  de outro
mdivíduo que, passando pelo  local,  resolva adenr ao fato e também retirar as
cmsas  da casa (cf.  Nüo,Batista. Concurso de agentes. p.  11 6);
d) reconhecimento da  prática da  mesma mfração para todos;
e) existência de fato punível.  Se o crime não maís é punível,  por atipici­
dade reconhecida, por exeplo, para um dos coautores,  é lógico que abrange
todos eles.
[jj  8.  Autoria  mediata
Trata-se de uma modalidade  de  autoria, ocorrendo quando o  agente  se vale
de pessoa não culpável, ou que atua sem dolo ou culpa, para executar o delito.
São situações  que  admitem a autona mediata:  a)  valer-se de 1rumputável
(doente  mental,  cnança  ou  embriagado).  Exemplo  interessante  de  autoria
mediata é de  Aníbal Bruno, fazendo  referência ao agente que,  em situação de
Imputabilidade, delibera cometer um crime,  fazendo  de  si mesmo um instru­
mento para tal fim, praticando-o no  estado  de embriaguez, segundo  o  comando
antenor  (Das  penas, p.  11 0); b)  coação moral irr esistível; c) obediência híerár­
qmca;  d) erro de  tipo  escusável,  provocado  por  terceiro;  e)  erro de proibição
escusável, provocado por  terceiro .  Exemplo: o agente  utiliza  um  doente  mental,
ludibnando-o,  para matar um desafeto.
Vale ressaltar que  nem todas as vezes que um  menor de 18  anos toma  parte
no cometimento  do InJUSto penal é ele mstrumento do mawr (configurando  a
auto  na mediata).  Podem ser  coautores. vale  dizer, ambos dese jam  e trabalham
para atmg1r o mesmo resultado,  de modo que não é o menor mero Joguete do
mruor. Chama-se a essa modalidade de colaboração - tendo  em vista que um
agente é penalmente responsável  e o  outro  não-, de "concurso 1mpropnamente
díto",  "pseudoconcurso"  ou "concurso aparente"
9.  Autoria colateral ·  -Ocorre tal modalidade de colaboração, que não chega a se constítuir em
concurso  de  pessoas, quando dms  agentes,  desconhecendo  a conduta um do
outro, agem convergmdo para o mesmo resultado, que, no entanto, ocorre por
conta de  um só dos  comportamentos  ou  por conta dos  do1s comportamentos,
embora  sem  que  ha Ja a  adesão  de um  ao  outro.  Exemplo: A  e  B,  matadores
profissionais. colocam-se em um desfiladerro, cada qual de um lado,  sem que
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CAPITULO  XX - CONCURSO DE PESSOAS
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se  ve jam, esperando a vítima C passar para elirmná-la. Quando C aproxima­
-se,  os  dois  disparam,  matando,o.  Responderão  por  homicídio  em  autoria
colateral. Não podem ser  considerados coautores, já que um não tinha  a  menor
ideia da ação do outro (falta  vínculo psicológico entre eles). Se porventura um
deles atinge  C e o outro erra,  sendo possível detectar que o tiro  fatal proveio
da arma de A, este responde pür.b.ormcídio consumado, enquanto B, somente
por tentativa. Caso não se saiba de qual arma teve origem o tiro  fatal,  ambos
respondem  por tentativa  (aplica-se  o princípio geral do  1n dubio pro  reo).  Se
A acertar C, matando-o instantaneamente para  depois  B alvejá-lo igualmente,
haverá homicídio consumado para  A e crime Impossível  para B. Finalmente,
caso  um  deles  atinja  C.  matando-o  instantaneamente  e o  outro,  em seguida, acerta  o  cadáver, não se  sabendo quem deu  o  tiro  fatal, ambos  serão  absolvidos por crime Impossível (aplica-se novamente o pnncíp10 do m dubw  pro reo). Chama-se de autônoma certa  a hipótese ocorrida no contexto  da autoria
colateral,  quando não se sabe qual dos autores consegue chegar ao resultado.


 


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