terça-feira, 15 de abril de 2014

Responsabilidade contratual: a causalidade do dano (nexo de causalidade) é a mesma na responsabilidade contratual e na extracontratual?


Cada caso de responsabilidade civil exigirá do julgador um exercício de adequação dos fatos, estabelecendo a possível relação de causa e efeito entre eles existentes, sem necessariamente pensar, antes, em qual das teorias irá aplicar.

1.INTRODUÇÃO

A origem da palavra responsabilidade cinge-se à ideia de uma obrigação, um encargo ou contraprestação. Nos dizeres de José Aguiar Dias: “responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos, esprimem a idéia de equivalência, de contraprestação, de correspondência”[1](grifos no original).
No entanto, juridicamente, seu sentido é um pouco diverso, na medida em que representa um dever jurídico derivado, secundário ou sucessivo advindo da violação de um dever primário, originário ou simplesmente, de uma obrigação.
Por isso, como assevera Sergio Cavalieri Filho, “não há responsabilidade sem a correspondente obrigação” e, portanto, “ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado um dever jurídico preexistente[2]”.
Caio Mário, estudando o tema da responsabilidade civil, e fazendo um breve panorama histórico a respeito da delimitação da convenção (declaração de vontade das partes) como fonte de direito, deixa evidenciado que “todo indivíduo deve observar a norma preestabelecida, seja ela emanada de um órgão estatal, seja emitida por via de declaração individual de vontade”[3].
Aquela distinção entre obrigação – dever jurídico primário – e responsabilidade – dever jurídico sucessivo – encontra-se claramente explicitada no artigo 389 do Código Civil[4].
Especificamente no campo da responsabilidade civil subjetiva, o que importa levar-se em consideração para a análise do dever de indenizar é a conduta do agente, sendo certo que, neste aspecto, nosso direito pátrio não acolhe apenas a responsabilidade direta do agente (decorrente de ato antijurídico por ele praticado), mas, também, sua responsabilidade indireta, gerada por um ato ou fato de terceiro àquele ligado, como, por exemplo, dos tutores pelos tutelados, ou mesmo gerada pelo fato ou guarda de animais.
Dentro da Responsabilidade Civil encontramos, basicamente, duas grandes linhas que dividem o estudo dessa temática em Responsabilidade Civil Contratual e Responsabilidade Civil Extracontratual.
Ontologicamente, ambas se fundam no dever de indenizar (já dito como secundário) que decorre da transgressão de um dever de conduta. Enquanto na responsabilidade contratual há a violação de um dever positivo (o de adimplir com as obrigações pactuadas), na extracontratual viola-se um dever negativo (abstenção na prática de atos que gerem danos a terceiros)[5].
Pode-se, então, dizer que a culpa, em sentido amplo, analisada de maneira unitária, é o “fundamento genérico da responsabilidade”[6]. Esta se denominará contratual quando o agente tiver violado um dever ao qual se obrigou contratualmente, e, extracontratual, quando o dever violado representar um dever geral de conduta (culpa aquiliana)[7].
Nessa mesma linha de raciocínio vai o pensamento de Caio Mário quando afirma que “a culpa tanto pode configurar-se como infração ao comando legal, quanto ao arrepio da declaração de vontade individual”[8] e, por esse motivo, admite o princípio da unicidade da culpa, pois em ambas está presente o comportamento contravencional do indivíduo, quer ao afrontar o disposto na norma jurídica, quer o determinado ou pactuado mediante convenção firmada com outra parte.
O mesmo autor entende que a tese da unicidade da culpa também foi acolhida, pelo Código Civil de 1916 (artigo 159), e reproduzida no Código Civil de 2002 (artigo 186), na medida em que define expessamente o que se entende por culpa aquiliana, sem possuir, no entanto, um artigo expresso para a culpa contratual. Esse posicionamento reflete o simples fato de que nas violações contratuais o violador irá responder civilmente pelos prejuízos causados, de acordo com o convencionado[9], mas sempre com base no princípio maior de que não deve prejudicar terceiros.
Mister ressaltar-se, contudo,  que muitas vezes a culpa não é a fonte da responsabilidade no campo extracontratual, mas sim o risco (responsabilidade objetiva[10]), o que demonstra que não se pode elevar a culpa a elemento unificador da responsabilidade civil, como pondera Sergio Cavalieri.

Como bem doutrina aquele mesmo autor:
De qualquer maneira, resta certo que, sendo uma relação jurídica obrigacional preexistente a fonte do dever jurídico violado, fala-se em responsabilidade civil contratual, visto que se originou de um ilícito contratual ou relativo. A culpa contratual, portanto, ocupa terreno mais delimitado do que a culpa extracontratual.
Na responsabilidade contratual, portanto, a vítima e o autor do dano já se aproximaram e se vincularam juridicamente antes mesmo da sua ocorrência, sendo, ainda, certo que, sem essa vinculação, o prejuízo não se teria verificado[11].
Fazendo um retrospecto sobre o que acima foi dito em relação ao dever jurídico derivado e o dever jurídico originário, no campo da responsabilidade contratual essa distinção é bem nítida, vez que o contrato é fonte de obrigações (dos deveres primários) e, uma vez descumprido, será fonte do dever secundário de reparar os danos advindos da inexecução contratual. Há, portanto, a constituição de uma nova obrigação que se substitui à obrigação anterior assumida quando da formalização do contrato[12].
Contrariamente, caso o referido dever tenha como fonte ou causa geradora uma obrigação decorrente de uma imposição legal (lei ou ordem jurídica), posto que não há entre lesante e lesado uma relação jurídica obrigacional preexistente, estaremos diante de uma responsabilidade extracontratual (ilícito absoluto), onde o próprio fato danoso (ou ato ilícito) é que cria aquele liame entre as partes, obrigando o causador do dano a indenizar a vítima[13].
Uma outra diferença notada entre a responsabilidade contratual e a extracontratual refere-se ao ônus da prova[14]relativamente à culpa[15], nas situações em que esta é a fonte da responsabilidade em ambos os casos.
Nos contratos em que a obrigação assumida foi a de resultado, não sendo este alcançado, a regra para a responsabilização será a da presunção da culpa do devedor ao qual incumbe a prova de que não agiu culposamente para o inadimplemento da obrigação ou, então, a prova da ocorrência de alguma excludente do nexo causal, posto que ao credor cabe a mera demonstração de que a obrigação não foi cumprida. Opera-se o que se convencionou chamar de inversão do ônus da prova[16].
Relativamente aos contratos cuja obrigação foi de meio, para a responsabilização do devedor será necessário ao credor provar que aquele agiu com culpa, o que, em linhas gerais, também ocorre nas situações de responsabilidade extracontratual ou aquiliana, salvo os casos de responsabilidade objetiva[17].
Seguindo a mesma sistematização do tema, apresentada no Código de 1916, o Código atual trata das duas espécies de responsabilidade – contratual e extracontratual – em dispositivos distintos: artigos 389 e seguintes para a contratual e artigos 186 a 188 e artigos 927 e seguintes para a extracontratual. É a chamada tese dualista ou clássica.
Ressalte-se, no entanto, que o referido artigo 389, enquanto demonstra a diferença entre a obrigação – originária - e a responsabilidade, obrigação sucessiva, representa o elo que liga as duas modalidades de responsabilidades civis acima apresentadas – contratual e extracontratual -, uma vez que ambas, como dito, têm por fundamento a violação a um dever originário de conduta, gerando o dever secundário da reparação pela indenização.
Desse modo, apesar da divisão entre as duas modalidades de responsabilidades civis, ela não é estanque, como afirma Sergio Cavalieri, “havendo uma simbiose entre esses dois tipos de responsabilidade, uma vez que regras previstas no Código para a responsabilidade contratual (arts. 393, 402, 403[18]) são também aplicadas à responsabilidade extracontratual”[19].
Por isso, há autores que defendem a ideia de que ambas deveriam ter um tratamento legal único (teoria unitária ou monista), tendo a divisão uma finalidade meramente didática, como é o caso do jurista Silvio Venosa[20]:
A conclusão, porém, é ser o conceito de responsabilidade o único no direito privado, qualquer que seja a fonte que a origine. Sempre precisamos examinar o dever de indenizar e a forma de reparação dos danos.
A responsabilidade contratual ocupa um espaço mais restrito em comparação à extracontratual, uma vez que está limitada aos bordos do contrato, ao passo que esta última encontra um campo mais vasto e profundo de aplicação e desenvolvimento, em virtude da própria amplitude do artigo 186 do Código Civil.
É certo que a tentativa de se unificar o conceito de responsabilidade civil, criando-se uma teoria unitária, apresenta-se como uma tentadora saída fácil e segura para findar as disputas teóricas a respeito da estruturação de um conceito e de um conteúdo para as duas modalidades de responsabilidade civil acima apresentadas.
 No entanto, a dinamicidade do tema, haja vista a evolução constante da sociedade, torna árdua a tarefa da unicidade, o que permite afirmar que a divisão feita entre responsabilidade contratual e extracontratual é mais do que prática e didática: é essencial, pois capacita o intérprete a encontrar as respostas adequadas aos casos postos sob sua análise, de modo a restabelecer o equilíbrio abalado por ocasião do dano que também é variável de acordo com as condições sociais da época.
Independentemente dos caracteres peculiares que sejam imprimidos a cada uma dessas responsabilidades – contratual e extracontratual –, o que importa é que ambas estão racionalmente reguladas pelos mesmos princípios, já que, como acima asseverado, a ideia de responsabilidade é una, conforme nos ensina Rui Stoco[21].
Assim, o presente trabalho, em virtude da matéria em que está inserido – Nova Dogmática Contratual -, tratará da responsabilidade contratual em sua linha de desenvolvimento, fazendo breves remissões à responsabilidade extracontratual para, ao final, poder responder à questão formulada no tema: A causalidade do dano (nexo de causalidade) é a mesma na responsabilidade contratual e na extracontratual?

2. RESPONSABILIDADE PRÉ E PÓS-CONTRATUAL

Antes de analisar a responsabilidade contratual propriamente dita, mister um breve apanhado sobre as ditas responsabilidade pré e pós-contratual que acompanham essas modalidades de negociação, visto que “o contrato deve ser analisado de maneira dinâmica, como um todo único, formado por fases, que lhe atribuem o caráter de um processo, um conjunto interdependente de atividades visando um fim único”(sic), conforme resume Enéas Costa Garcia[22].
Assim, pode-se, objetivamente, encontrar três fases distintas pelas quais as partes passam para chegar à concretização do contrato: a fase preparatória, que engloba tanto a realização de projetos, avaliações, ponderações, quanto a troca de propostas e contra-propostas; a contratual propriamente dita, onde há a concretização de todas as obrigações e deveres pactuados, gerando os efeitos contratuais desejados; e a fase pós-contratual, caracterizada basicamente pela existência de deveres acessórios que subsistem após a conclusão do contrato, tais como os de cooperação, lealdade, sigilo de informações, respeito pela imagem etc.

2.1. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

Há uma fase que antecede a formalização do instrumento contratual usualmente denominada de pré-contratual, representada pela apresentação de propostas e contrapropostas que, em determinada medida, “podem gerar certa vinculação”, nas palavras de Sergio Cavalieri[23], posto que criam em um dos contraentes uma “expectativa legítima” na concretização do negócio entabulado levando-o a gastos iniciais com, por exemplo, projetos, orçamentos etc.
Não há que se falar na existência de nenhum contrato, mas, tão somente, de meros contatos que podem, dependendo do grau das negociações, gerar para um dos contratantes confiabilidade de que o negócio jurídico se formalizará ao final (desembocando na assinatura de um instrumento contratual), de modo a que tal contratante acaba por se embrenhar em despesas iniciais que, certamente, não realizaria caso soubesse ou desconfiasse que o contrato não viria a se materializar.
Assim, caso a expectativa acima delineada venha a se frustrar, a parte lesada tem direito a pleitear a indenização pelos prejuízos sofridos (gastos efetivados, por exemplo) em virtude do rompimento da confiança que criou nas negociações prévias entabuladas, bem como do “descumprimento dos deveres de lealdade, de transparência, de informação, de cooperação”[24] que são inerentes a quaisquer negociações realizadas no meio social.
Citados deveres podem ser caracterizados como “obrigações acessórias” decorrentes da implementação do princípio da boa-fé objetiva, atualmente positivado no Código Civil de 2002 (artigo 422[25]) e que se estabelecem independentemente de convenção dos contratantes. Referido princípio exige que as partes adotem “uma conduta correta, sob a ótica mediana do meio social”, do ponto de vista objetivo (padrões de conduta)[26], como assevera Humberto Theodoro Júnior[27].
Não obstante não estar expresso, no artigo 422 do Código Civil, que os princípios da boa-fé objetiva e da probidade se aplicam em todas as fases do contrato, essa aplicação é obrigatória para se evitar que as expectativas de uma das partes sejam massacradas pela não conclusão do contrato em razão de mero capricho da outra parte. Na fase pré-contratual, o agir de maneira sincera e honesta é um uso que se consagrou na prática negocial e que agora merece tratamento legal adequado[28].
Mas em que medida se opera a responsabilidade pré-contratual? Quais as possibilidades de danos e suas respectivas origens? Este tema é por demais vasto, tanto que já mereceu livros e teses a respeito. Desse modo, por não ser este o objeto principal do presente trabalho, relacionarei dele apenas alguns pontos básicos e que geram maiores debates, de maneira ilustrativa, para que não se deixe passar a oportunidade do tema.
Para tentar delimitar o assunto, Enéas Costa Garcia divide o período pré-contratual em quatro momentos: a) ideação, b) negociações preliminares, c) proposta e d) aceitação[29].
A ideação carecteriza-se por seu aspecto psicológico, onde há um desenvolvimento mental da ideia de formalização futura do contrato. Esse processo volitivo interno não integra, como elemento, o negócio jurídico, mas será absorvido pela declaração que vier a ser proferida pela parte contratante[30].
Enéas Costa entende que “é difícil a ocorrência de danos nessa fase, pois ainda não houve declaração do intuito negocial e, portanto, não surgiu aquela justificada confiança nas tratativas, fundamento do dever de indenizar”[31].
O que se pode asseverar é que nessa fase, entendida como um nível inicial de negociação entre as partes, qualquer ruptura não trará grandes consequências, predominando o princípio da liberdade de contratar. Logicamente, deve-se pautar pela análise do tênue limite entre pontuações em um nível psicológico dos contratantes e a sua externalização em termos de manifestações palpáveis de uma negociação preliminar (troca de e-mails, telefonemas e conversações testemunhadas) que ultrapassem a mera consciência de uma das partes.
Uma segunda etapa, denominada de negociações preliminares[32], pode ser apreendida como uma fase mais prolongada de tratativas, onde já se externalizam as vontades das partes, delimitada pela “prática de qualquer comportamento indicativo do interesse em celebrar o contrato”, como ressalva Enéas Costa[33]. Assim, havendo despesas efetivadas por uma das partes e em não se efetivando o contrato, pode-se haver o pleito ressarcitório com base no dito interesse negativo[34], ou seja, o que foi gasto e que o teria sido caso não houvesse o rompimento das tratativas. É a expectativa que gera a confiabilidade de uma parte para com a outra. Trata-se, na verdade, de responsabilidade extracontratual, mas lastreada em princípio que rege a vida dos contratos, na medida em que se trata de etapa anterior a este instituto.
Na terceira fase encontramos a proposta, tida como um negócio jurídico unilateral que, em princípio, obriga o policitante. No entanto, o Código Civil de 2002, em seus artigos 427 e 428, excepcionou esse princípio, retirando sua força obrigatória. Assim, descumprida a proposta, haverá a responsabilização da parte que assim agiu e que, de acordo com o momento e hipóteses em que aquela atitude ocorrer, configurará ou não a responsabilidade contratual.
Nesse sentido, interessante apresentar-se a divisão feita por Enéas Costa, que se mostra didática para elucidar qual a responsabilidade que advirá de acordo com o momento em que a proposta for rompida.
Em havendo a retratação após a aceitação, como esta determina a formação do contrato, o descumprimento da oferta implica em inadimplemento que gerará à parte lesante a obrigação secundária de indenizar, baseada na responsabilidade contratual[35].
No caso de contratos solenes, ocorrendo a revogação da proposta após a aceitação, mas antes do cumprimento do requisito formal, pode-se afirmar que o contrato ainda não existe, pois depende da forma especial, apesar da proposta já ter efeito vinculante. Não existe disposição no Código Civil a respeito[36], permitindo-se entender que o lesado poderá pleitear em juízo “os efeitos do contrato indevidamente recusado” (interesse positivo)[37], bem como possível indenização.
Nos contratos reais, onde o negócio se conclui apenas com a entrega do bem, a mera aceitação não forma o contrato, o que permite afirmar que é possível a retratação antes daquela entrega.
Por fim, no que se refere à aceitação, em princípio “o oblato é livre para recusar a oferta e, até mesmo, formular contraproposta”[38], sendo que com a aceitação o oblato se vincula. Neste aspecto a discussão no que concerne à formação do contrato diz respeito a qual teoria foi usada como solução pelo Código Civil.
Sem adentrar no estudo das distinções entre as teorias da declaração, da expedição e da recepção, importante esclarecer que o Código Civil de 2002 acolheu soluções calcadas na teoria da declaração, mescladas com as conferidas pela da recepção.
Assim, em princípio, o contrato se considera formado com a expedição da resposta, contudo, se houve comprometimento do proponente em por ela esperar, somente com o recebimento da resposta se aperfeiçoará o contrato (teoria da recepção). O mesmo ocorre se foi estabelecido um prazo para a aceitação, na medida em que o contrato será considerado formado somente quando a resposta chegar ao destinatário antes de findo aquele lapso temporal.
Nesse sentido, para se identificar o momento da formação do contrato e, portanto, se houve ou não a responsabilidade contratual, mister que se analise também a óptica da teoria adotada para o caso concreto.
Independentemente do momento em que se formou o contrato para se concluir pela responsabilidade contratual ou aquiliana, pode-se entender de maneira suscinta, ante o resumidamente apontado, que há na fase pré-contratual um dever das partes de se comportarem de maneira proba e leal uma para com a outra, independentemente de estar ou não devidamente formalizado o contrato. Há intenções e confiança trocadas que não permitem que se deixe ao mero terreno da demonstração da culpa aquiliana (reprovabilidade da conduta) a única saída para responsabilizar a parte lesante.
Por esse motivo, o princípio da boa-fé objetiva deve se estender sobre essa fase pré-contratual, de maneira a que se preserve a segurança e a razoabilidade que se esperam nas negociações, ainda que pré-contratuais, reduzindo-se o grau de discricionariedade na atuação privada mediante a observância e aplicação de um conjunto de deveres acessórios.
Em suma, entendo que a responsabilidade, nesta fase, dependendo da época em que a ruptura das negociações ocorrer, irá permitir a indenização dos interesses negativo e/ou positivo[39], sendo que, em qualquer das hipóteses anteriormente levantadas, tendo se formalizado ou não o contrato, o intérprete, no aspecto da responsabilidade, poderá se valer da ideia de reparabilidade calcada na boa-fé objetiva.
Dessa forma, para a caracterização da responsabilidade pré-contratual bastará a ocorrência de um comportamento reprovável, culposo, contrário à boa-fé objetiva, se tornando, nessa medida, modalidade de responsabilidade extracontratual (aquiliana), sem se partir para a análise da formalização do contrato por uma das teorias anteriormente apontadas, o que, no meu ponto de vista, dificulta o trabalho do intérprete.

2.2. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL

Há deveres acessórios que podem subsistir para além do cumprimento das prestações, para além de findo o contrato. Fala-se em pós-eficácia ou eficácia ulterior dos contratos, conforme Enéas Costa[40].
Tais deveres decorrem da aplicação do princípio da boa-fé objetiva que, como visto, cria deveres acessórios de conduta que ultrapassam o meramente convencionado pelas partes, de modo expresso, e se protaem no tempo, “subsistindo mesmo depois de finda a relação contratual pelo distrato ou adimplemento”[41].
Menezes Cordeiro diferencia quatro situações de pós-eficácia. A primeira seria a pós-eficácia aparente, que, na verdade, decorre de disposição legal (“consagração legal”). É o próprio ordenamento jurídico que comina efeitos posteriores à extinção da relação obrigacional que estão a esta estritamente relacionados. Cite-se o exemplo dos herdeiros do mandatário que, na pendência de negócios resultantes do contrato de mandato, deverão comunicar o óbito ao mandante, tomando as medidas urgentes, a bem do citado negócio (artigo 690 do Código Civil Brasileiro de 2002).
A segunda espécie seria a pós-eficácia virtual decorrente de uma relação negocial complexa que já traz em seu bojo a necessidade de observância, pelos contratantes, de deveres de conduta após a extinção das prestações principais. Menezes Cordeiro exemplifica com os deveres dos comodatário, depositário e locatário de restituírem o bem objeto de cada um desses contratos. São deveres cuja fonte não é a extinção da prestação, mas a própria fonte das obrigações complexas, no caso, o contrato, já inseridos neste como prestações secundárias. A eficácia de tais deveres fica interrompida durante a execução contratual e, com o findar desta, retomam sua vigência, produzindo os efeitos já determinados.
A terceira hipótese é a da pós-eficácia continuada que se verifica também em uma relação negocial complexa só que, diferentemente da pós-eficácia virtual, os deveres ou prestações acessórios já se manifestariam durante a execução contratual, subsistindo após a extinção do dever de prestar principal. Creio que um exemplo seja os dos contratos com obrigações continuadas (ou de longa duração) em que as relações das partes desenvolvem-se por um período mais ou menos longo, como nos contratos de seguro, de mútuo etc.
Por fim, a verdadeira pós-eficácia (em sentido estrito) apenas existe quando entram em cena os deveres de conduta não expressos no contrato e não decorrentes da letra da lei ou da natureza do contrato, mas que devem ser observados em decorrência do princípio da boa-fé objetiva (deveres de lealdade, proteção, informação, por exemplo). São deveres que não se encontram sob o signo da discricionariedade das partes[42] e não se esgotam “na literalidade das obrigações principais [diria, também, nas secundárias] contratualmente assumidas”[43], conforme conclui Enéas Costa Garcia.
A contextualização da responsabilidade pela violação desses deveres acessórios, entendidos no sentido estrito lançado por Menezes Cordeiro – que me parece ser adequado -, deve ser averiguada sob a óptica da culpabilidade, ou seja, da responsabilidade aquiliana, na medida em que se irão analisar condutas que, ainda que tenham como fonte indireta um contrato, não estão nele contextualizadas, mas guardam relação com um princípio maior que é o de não lesar ninguém.
Assim, estamos no campo da responsabilidade extracontratual onde o lesado deverá provar a existência do comportamento reprovável do lesante, na medida em que contrário à boa-fé objetiva (não-observância dos deveres acessórios).

3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

A responsabilidade contratual, com respaldo nos estudos acima apresentados, pode ser conceituada como o dever anexo de reparação dos danos decorrentes da violação ou inexecução de um contrato válido, firmado entre credor e devedor.
De uma maneira didática, decompondo-se esse conceito, chega-se aos três elementos que são denominados, por Sergio Cavalieri, como pressupostos da responsabilidade contratuala saber: (i) existência de contrato válido, (ii) inexecução do contrato e (iii) dano e nexo de causalidade.

3.1. CONTRATO VÁLIDO

O contrato pode ser conceituado como declaração de vontades ou uma convenção através da qual as partes fixam os comportamentos que devem por elas serem observados, impondo-se deveres e obrigações que, se descumpridos ou adimplidos parcialmente, ensejam a responsabilização da parte inadimplente.
Há, portanto, uma vinculação das partes aos termos pactuados no instrumento contratual, originário da vontade livre e consciente dos contraentes, que corresponde ao princípio tradicional da obrigatoriedade ou força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda)[44].
A validade do contrato nada mais representa do que uma qualificação que lhe é conferida na medida em que ele atenda aos requisitos ou elementos do negócio que as regras jurídicas lhe impõem, ou seja, enquanto está de acordo com as regras jurídicas, nos dizeres do professor Antônio Junqueira de Azevedo[45].
De acordo com o Código Civil de 2002, os requisitos para a validade de qualquer negócio jurídico – gênero ao qual pertencem os contratos – são agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei[46].
Por não serem objeto do presente estudo, não adentrarei na análise de cada um desses elementos, apenas saliento que os mesmos deverão estar presentes quando se for verificar, em um possível caso de responsabilidade civil contratual, a validade do contrato, já que a observância desses requisitos representa uma garantia tanto para os contratantes, quanto para terceiros.
Deste modo, se faltar ou falhar algum dos requisitos acima apontados o ato não será válido, o que implica dizer que o contrato não produzirá seus típicos efeitos, padecendo do vício da nulidade. E, em sendo um ato nulo, não há que se falar na violação de nenhum dever jurídico, haja vista que essa modalidade de ato não gera obrigação alguma, e, portanto, não pode ser utilizado por nenhuma das partes contratantes como causa ou base para um pedido de indenização, posto não gerar responsabilidade civil[47]. Este entendimento é esposado por Sergio Cavalieri[48].
É possível, contudo, que mesmo sendo o ato nulo, portanto, inválido, venha a produzir efeitos, ainda que não os típicos daquela modalidade contratual. São os designados “efeitos do nulo”, nas palavras do professor Antônio Junqueira[49].
Esse entendimento, que já poderia ser sustentado ante o Código Civil de 1916, com amparo em uma interpretação jurisprudencial e doutrinária, agora ganha contornos legais ante o princípio legalmente posto da boa-fé objetiva. Assim, ainda que seja declarado inválido ou nulo o contrato, o mesmo poderá gerar o efeito de obrigar a parte inadimplente, que argüiu a sua nulidade, a indenizar a parte lesada pelo desfazimento do negócio, na medida em que esta agiu sem culpa, confiando na declaração negocial, e efetuou, por exemplo, despesas na concretização do negócio.
Não há que se falar, portanto, em responsabilidade pelo fato ilícito, mas sim, pelo fato lícito na medida em que a parte que arguiu a nulidade, com base em ausência de algum dos requisitos legais impostos à validade do contrato, gerou prejuízos à outra parte contratante que, depositando confiança na força vinculante do negócio, se embrenhou em despesas para a sua concretização que, ao final, não se efetivou. Nos dizeres de Pontes de Miranda[50], trata-se de equidade, impondo “que sofra prejuízo quem deu causa a ele”.
Nessas hipóteses, entendo que não se pode falar em contrato válido, não obstante possa produzir efeitos. Por esse motivo, havendo a responsabilização da parte que se valeu da arguição de nulidade para dar fim à relação jurídica, vez que causou prejuízos à parte que com ela acreditou estar firmando um verdadeiro contrato, não será a mesma definida como contratual, posto que lastreda, tão somente, na culpa dita aquiliana, decorrente da não observância do dever jurídico geral de não lesar terceiro.

3.2. INEXECUÇÃO DO CONTRATO

Além do contrato válido, faz-se necessária para a concretização da responsabilidade contratual a ocorrência do dito ilícito contratual caracterizado quer pelo inadimplemento absoluto (a obrigação não foi cumprida e não poderá mais sê-lo, por culpa ou dolo do devedor ou, ainda, não possui mais utilidade econômico-social para o credor[51]), quer pelo inadimplemento relativo ou simplesmente mora (quando ainda resta a possibilidade de cumprimento da obrigação por parte do devedor, na medida em que ainda seja útil ao credor).
Como acima analisado, as partes devem guardar estrita observância aos termos e determinações pactuadas através do instrumento contratual, no tempo, modo e lugar avençados, sob pena de se concretizar a inexecução que dará lugar à nova obrigação (secundária) de reparação dos prejuízos dela advindos, em substituição, total ou parcial, à obrigação preexistente firmada contratualmente entre os contraentes[52].
Assim é que o artigo 475 do Código Civil dispõe que a parte lesada pelo inadimplemento poderá pleitear a resolução do contrato, caso não queira exigir seu cumprimento cabendo, em qualquer das hipóteses, o pedido de indenização pelos prejuízos decorrentes da inexecução.
No caso de mora (inadimplemento relativo ou inexecução temporária) pode-se afirmar que a indenização não substitui, necessariamente, a prestação, servindo apenas para minorar os problemas gerados pela inexecução defeituosa do contrato, mesmo porque, na hipótese de mora, persiste a possibilidade de purgação ou emenda da violação contratual. A ordem jurídica mantém a obrigação original (ainda útil), a ela acrescendo uma segunda obrigação: a de reparação dos danos advindos ao credor.
Já no caso de inadimplemento absoluto, pode-se afirmar que a indenização atua como um substitutivo da prestação contratada, visto que a mesma não se efetivou. Nesta hipótese é que se pode, corretamente, falar que há uma substituição de uma obrigação primária (decorrente do contrato e, portanto, querida pelas partes) por uma obrigação secundária, derivada da inexecução (absoluta), e que não foi desejada pela parte lesante (não é fruto da vontade).
Por fim, interessante relembrar que a mora poderá ser do devedor ou do credor. No primeiro caso a culpa é elemento integrante (requisito subjetivo) que deve estar presente para que se configure a mora, escusando-se o devedor caso demonstre a ocorrência de força maior ou caso fortuito[53]. Já para a mora do credor não há ligação com a culpa, sendo que o mesmo estará em mora quando se recusar a receber a prestação em tempo, lugar e forma pactuados[54].

3.2.1. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

Adentrando um pouco neste segundo pressuposto da responsabilidade contratual, devo me reportar à questão do adimplemento substancial ou substancial performance do Direito Inglês.
Essa doutrina teve origem na Inglaterra, no século XVIII, mediante uma relativização do princípio do estrito cumprimento dos contratos, a fim de que se pudesse fazer justiça entre as partes contraentes, evitando-se a resolução do contrato.
Na situação de adimplemento substancial vislumbra-se o cumprimento quase que integral do contrato. Há uma proximidade entre o que foi pactuado e o que foi efetivamente realizado, sendo certo que não se pode dizer que há uma real quebra no sinalagma contratual, na medida em que os interesses visados pelo credor serão alcançados com o adimplemento de parte substancial do avençado. Há a preservação dos interesses econômico-sociais do contrato, nos dizeres de Teresa Negreiros[55].
Por esse motivo a referida teoria, evitando o rompimento do contrato por ausência no adimplemento de parcela ínfima que não chega a afastar o proveito do credor, propugna que haja uma indenização pelos prejuízos advindos ao credor em virtude da parcela não adimplida[56].
O adimplemento substancial difere do inadimplemento absoluto, pois enquanto neste último caso há espaço para a cumulação do pedido de indenização ao de resolução do contrato, haja vista que o mesmo não foi cumprido, tornando-se sem utilidade para o credor a sua manutenção, naquela primeira situação houve o adimplemento da maior parte do contrato, ou parte essencial do mesmo, não cabendo sua resolução, sob pena de se configurar má-fé e enriquecimento ilícito por parte do contratante credor. Neste caso, contudo, torna-se imprescindível a indenização por perdas e danos referente à parcela não adimplida, de modo a não se configurar um desequilíbrio contratual.
No Brasil não há disposição específica a respeito da substancial performance. Contudo, em virtude do princípio social da boa-fé objetiva, agora positivado no Código Civil de 2002, é possível aplicar-se referida teoria justamente para que se evite uma atuação maliciosa por parte de um credor inescrupuloso, impondo-lhe freios no exercício do direito à resolução que lhe é assegurado, quer pela ordem jurídica, quer pelos próprios termos contratuais[57].
Judith Martins-Costa, ao tratar do tema da boa-fé objetiva como limite ao exercício de direitos, destaca que a doutrina do adimplemento substancial funciona como limitadora ou impediente do exercício do poder potestativo de pleitear a resolução contratual naquelas hipóteses em que a prestação não foi completamente, mas substancialmente cumprida[58].
Remetendo-se expressamente a essa teoria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada”. Assim, no caso do não pagamento diretamente à financeira da última parcela de contrato de alienação fiduciária, que, ainda mais, foi objeto de depósito judicial nos autos de ação de consignação em pagamento ajuizada pelo devedor em face daquela, não há que se falar em extinção do contrato por resolução, devendo o mesmo ser mantido, sob pena “de ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido no Direito e consagrado pela Convenção de Viena de 1980” que, “no Brasil, impõe-se como exigência da boa-fé objetiva” [59].
Assim, nestes casos, o correto não é se falar em inexecução do contrato, mas, sim, em execução defeituosa, posto que não adimplida uma pequena parte ou, como pondera Regis Fichtner Pereira, citado por Teresa Negreiros[60], “por falta de cumprimento da prestação contrária [..] em parcela ínfima”. (grifei)

3.2.2. CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR

As partes podem, no caso da responsabilidade contratual, pactuar a exclusão da reparação de eventuais danos que advenham da relação jurídica entre elas formalizada no instrumento contratual, mediante a inserção de uma cláusula conhecida como cláusula de não indenizar[61].
Sergio Cavalieri ressalva a confusão que alguns autores fazem, denominando citada cláusula como exonerativa da responsabilidade ou, até mesmo, de irresponsabilidade. Contudo, como bem enfatiza, trata-se de uma impropriedade, na medida em que a cláusula de não indenizar “não exime a responsabilidade, não afasta o dever de indenizar, nem elide a obrigação; apenas, a indenização”[62]
Não podem as partes convencionar sobre a exclusão do dever de indenizar, já que a responsabilidade é matéria afeta à disposição legal (“emanação da ordem jurídica”), contrariamente à obrigação derivada da responsabilidade (a obrigação secundária que surge da violação do dever primário) representada pela reparação dos danos.
Referida cláusula é admitida pela doutrina e jurisprudência pátrias, apesar de ser vista com certa antipatia, com lastro nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, mas desde que não estejam em jogo interesses de ordem pública[63]. Mister ressaltar, apenas, que a sua inserção deve ser fruto da convenção entre as partes (bilateralidade do consentimento), do que se depreende que não deva ser admitida em contratos de adesão onde não houve a liberdade de ajuste contratual entre as partes.
Outra limitação diz com o campo de sua incidência. Dita cláusula não pode excluir a reparabilidade de danos advindos por dolo ou culpa grave, pois isso representaria a tolerância de ações danosas de alta gravidade. “A exoneração [da reparabilidade] do dolo representaria a impunidade da má-fé prevista de antemão”, ao passo que a exclusão da reparabilidade no caso de culpa grave atentaria contra a moral e a boa-fé, uma vez que aquela é modalidade de culpa assentada na “grosseira ausência de vigilância”, sendo certo, ainda, que já adentraríamos no campo da responsabilidade delitual cujos princípios são de ordem pública, “estabelecidos em favor do interesse geral e das exigências do bem comum”, como assevera Sergio Cavalieri[64].
Outrossim, a cláusula de não indenizar não pode versar sobre obrigações principais do contrato, mas, tão somente, a respeito de obrigações secundárias “cujo afastamento não o desfigura”, como aponta Sergio Cavalieri[65]. Por exemplo, em um contrato de depósito, onde a obrigação de guarda sobre a coisa depositada lhe é essencial, impraticável que haja uma cláusula que exclua a reparabilidade de danos advindos da ausência de cuidado e diligência na guarda e conservação do bem.
Há ainda outra limitação à aplicação da referida cláusula, qual seja, não se pode referir a danos ligados “diretamente à vida e à integridade física das pessoas naturais”, haja vista que tal situação afrontaria o “princípio maior do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, combinado com o art. 5º, caput, ambos da Constituição da República)”, nos dizeres do professor Antônio Junqueira de Azevedo[66].
Vê-se, portanto, que diferentemente do campo das relações de consumo, onde é vedada a cláusula de não indenizar[67], na seara dos contratos civis a citada cláusula pode ser estipulada pelas partes, desde que observados os limites acima apontados, em especial, o princípio da boa-fé objetiva, e que não haja vedação legal à sua utilização[68].

3.3. DANO

O conceito de dano para a responsabilidade contratual equivale ao conferido no campo da responsabilidade extracontratual, podendo ser expresso através das palavras de Sergio Cavalieri como a “diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima (honra, imagem etc.)”[69].
A classificação mais tradicional a respeito dos danos leva em consideração seus reflexos, como ensina Carlos Alberto Bittar, dividindo-os em danos patrimoniais ou materiais, com repercussão sobre o complexo pecuniário do lesado, e danos extrapatrimoniais (morais ou imateriais) que se esgotam na esfera pessoal, posto que despojados de qualquer conteúdo econômico imediato[70].

3.3.1. DANO PATRIMONIAL

No que tange ao dano patrimonial, que pode atingir tanto o patrimônio atual quanto o futuro do lesado, a extensão da reparação compreende as vulgarmente denominadas perdas e danos, correspondentes tanto ao dano emergente (ou positivo), caracterizado pelo que a vítima efetivamente perdeu, quanto ao lucro cessante (ou negativo) que pode ser conceituado como a perda de ganho esperável[71] ou na diminuição potencial do patrimônio do lesado, conforme leciona Sergio Cavalieri[72].
Neste aspecto, o Código Civil, em seu artigo 402, dispôs sobre o princípio da razoabilidade[73] como mecanismo de se apurar o lucro cessante (aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar), querendo com isso afirmar que se deve buscar um critério razoável, de acordo com o caso concreto, para se alcançar o montante dessa parcela pecuniária que o lesado, provavelmente, teria acrescido ao seu patrimônio no transcurso normal dos fatos, caso não tivesse sofrido o prejuízo.
Em qualquer tipo de responsabilidade civil, quer contratual, quer extracontratual, para que se possa pleitear a indenização, mister se demonstre e prove a ocorrência do dano, visto ser a concretização do prejuízo a mola que compele o autor da demanda a pleitear a indenização.
Contudo, ainda que não se alegue prejuízo, em havendo o descumprimento de qualquer obrigação pactuada, deverá o julgador determinar o pagamento dos juros pela mora no seu adimplemento, nos termos do que dispõe o artigo 407 do Código Civil de 2002, a título de indenização mínima, nas palavras de Sergio Cavalieri[74]. É exceção que confirma a regra geral acima.

3.3.2. DANO MORAL

Relativamente ao dano moral, apesar de já estar positivado em nosso Direito a sua reparabilidade, seus limites são questionáveis nos casos de inadimplemento contratual, na medida em que para a configuração do dano moral é imprescindível que haja agressão, em última instância, à dignidade da pessoa humana[75], posto que o que importa “para a [sua] configuração não é o ilícito em si mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter” no sentimento íntimo do lesado[76].
Nesse sentido, os incômodos e dissabores decorrentes da inexecução contratual, a princípio, desde que adstritos aos aspectos da mora, inadimplemento ou prejuízo econômico não causam dano moral, salvo quando “exorbitarem o aborrecimento normalmente decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera da dignidade da vítima”[77].
Silvio Venosa doutrina que para a indenização dos danos morais “não há necessidade que se comprove intensa dor física: o desconforto anormal, que ocasiona transtornos à vida do indivíduo, por vezes, configura um dano indenizável” e, para ilustrar, menciona o exemplo de uma pessoa que sofre prejuízos decorrentes do atraso ou cancelamento de um voo[78].
Assim, a reparação de danos morais decorrentes de uma relação contratual torna-se matéria delicada que deverá ser bem analisada e ponderada no caso concreto, pelo julgador, de maneira a que não permita uma reparabilidade ínfima que seja irrelevante ao ofendido, muito menos uma indenização em valor exorbitante que ponha em risco a saúde econômica do ofensor. Qualquer um desses extremos cria transtornos sociais e gera descrédito nas soluções judiciais.

3.3.3. PREFIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO

As partes contraentes podem estabelecer no instrumento contratual ou em apartado uma cláusula acessória (pacto acessório), denominada cláusula penal, através da qual prefixam o valor a ser pago a título de indenização nos casos de inadimplemento ou mora no cumprimento de alguma das obrigações convencionadas[79].
O valor estipulado na claúsula ou pacto supracitado pode ser pleiteado com base na simples demonstração de rompimento do pactuado, comprovado pelo não cumprimento de alguma cláusula contratual pela parte inadimplente. Não há que se demonstrar a ocorrência de prejuízo (dano)[80]. Os danos são presumidos como decorrência do mero inadimplemento.
Assim, pode-se vislumbrar duas funções para a citada cláusula. Uma, que no entender de Sérgio Cavalieri[81] é a principal, de liquidar antecipadamente as perdas e danos decorrentes de eventual inadimplemento contratual. E a compulsória, que no seu ponto de vista, visa a compelir o devedor ao adimplemento da obrigação, sob pena de ter que arcar com o valor pactuado acessoriamente (função de pena)[82].
De acordo com o disposto em nosso Código Civil de 2002[83], quando a cláusula penal for estipulada como alternativa ao credor em razão do total inadimplemento por parte do devedor, será ela denominada de cláusula penal compensatória, sendo sua finalidade a de “compensar a parte inocente pelos entraves do descumprimento”[84], nos dizeres de Silvio Venosa. Assim, pagando o devedor a multa, nada mais deverá a credor, posto que aquela valerá como indenização. Não poderá haver cumulação entre a multa e o cumprimento da obrigação por parte do devedor, haja vista que aquela substitui esta, muito menos entre a multa e um possível pedido de indenização[85].
No entanto, o artigo 416 do Código Civil traz uma inovação em seu parágrafo único que projeta discussão antiga. Dispõe que, não obstante ser desnecessária a arguição e prova de prejuízo para que o credor pleiteie o pagamento da cláusula penal, caso ele demonstre que houve esse prejuízo e em montante superior ao prefixado, só poderá pedir a diferença judicialmente caso haja previsão contratual a respeito.
Assim, “se o credor entender que seu prejuízo supera seu valor [da cláusula penal], somente poderá cobrar o excesso se o contrato assim o permitir expressamente e, nesse caso, quanto ao valor que sobejar, deve provar o prejuízo, seguindo, então, neste último aspecto, a regra geral de perdas e danos”, conforme esclarece Silvio Venosa[86].
Aqui interessante pensar-se nas hipóteses em que haja danos morais. O valor preestabelecido como cláusula penal engloba tão somente os possíveis danos patrimoniais, ou também danos morais? A doutrina não é explícita a esse respeito, uma vez que se refere apenas à indenização de um modo geral que, através da cláusula penal, já é prefixada.
Como visto acima, caso o lesado demonstre que os prejuízos sofridos superam o valor estabelecido na cláusula penal e, desde que haja previsão contratual a respeito, poderá o lesado pleitear, complementarmente, a título de verba indenizatória, a diferença entre o valor fixado e aquele calculado para os danos efetivamente sofridos e demonstrados.
Sendo os danos meramente morais, ou então, o valor excedente em relação ao pacto acessório correspondente apenas ao valor dos danos morais, entendo que é possível o pleito complementar, se ultrapassado o valor pactuado na cláusula penal, ainda que não haja cláusula contratual a respeito.
Essa posição decorre do entendimento doutrinário de que não há como se mensurar previamente os possíveis danos morais que a vítima tenha sofrido[87]. Assim, ainda que haja uma estipulação de cláusula penal e as partes não tenham convencionado sobre o eventual pleito suplementar indenizatório, entendo que, em havendo demonstração de prejuízos morais que superem o montante prefixado como cláusula penal pelo inadimplemento, haverá possibilidade de se pleitar sua reparabilidade pela diferença em relação ao que foi estipulado.
Diferentemente, no caso de cláusula penal moratória, onde a obrigação ainda poderá ser cumprida pelo devedor, posto que mantém sua utilidade ao credor, a multa poderá ser cumulada ou cominada juntamente ao adimplemento daquela obrigação inadimplida ou atrasada[88].
A exigibilidade da cláusula penal fica na dependência de se demonstrar ser o inadimplemento (absoluto ou relativo) decorrente de fato imputável ao devedor (por culpa ou dolo), independentemente de ser a obrigação indivisível ou solidária[89].

3.4. NEXO CAUSAL

Para que exista e se configure a obrigação de reparar, é imprescindível que entre o dano e a conduta ofensiva haja um liame, uma relação causal ou, simplesmente, um nexo de causalidade o qual deve ser provado na ação de indenização movida pelo lesado em face do lesante. Trata-se na feliz expressão de Jairo Gomes “de uma relação imputacional em que um resultado é imputado a uma pessoa, a qual deverá por ele responder para fins de ressarcimento de dano verificado” [90].
A conceituação e o estudo da causa “não se restringe ao Direito, tocando a todos os ramos da ciência”, nos dizeres do citado autor[91]. Contudo, o campo jurídico se vale das discussões a respeito do tema, já que as ideias sobre a causa se prestam a “explicitar a quem deve ser  imputado o dever de indenizar o dano”, conforme pondera o citado autor.
Ocorre que este elemento, que é pressuposto tanto da responsabilidade contratual quanto da extracontratual, é, nos dizeres de Caio Mário, “o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil, e o mais difícil de ser determinado”[92].
Essa dificuldade é dividida, por Gisela Sampaio da Cruz, em duas frentes, relativas aos aspectos da prova e da identificação do fato que representa a verdadeira causa do prejuízo[93].
No que tange à questão da prova, tem havido uma certa flexibilização de maneira a se tentar proteger o maior número de vítimas possíveis. Assim, a questão da inversão do ônus probandi, nas situações de presunção de culpa (que ocorre nas hipóteses de responsabilidade contratual onde o contrato contém obrigações de resultado), é um exemplo típico dessa flexibilização, em que “a probabilidade substitui o elemento de necessariedade para se estabelecer a responsabilidade civil”[94].
Já na responsabilidade contratual que tem por base um contrato com obrigação de meio, o ônus da prova é distribuído nos exatos termos do que dispõe o artigo 333 do Código de Processo Civil, ou seja, caberá ao autor da ação – lesado – demonstrar que o lesante agiu com culpa.
Relativamente à identificação do fato que constitui a efetiva causa do dano, inúmeras teorias foram desenvolvidas[95]: a da equivalência das condições, da causa próxima, da condição mais eficiente, da preponderância e da causalidade adequada.
A teoria da equivalência das condições ou dos antecedentes causais ou simplesmente conditio sine qua non foi formulada no campo jurídico penal por Von Buri, em 1860, para a qual “todas as forças que cooperam para a produção do resultado são igualmente essenciais, não podendo ser desprezadas”, conforme salienta José Jairo[96].
Ocorre que seu maior inconveniente é que a ligação causal acaba sendo levada ao infinito (regressus ad infinitum) responsabilizando todos os envolvidos na cadeia de fatos, o que, na prática, é, no mínimo, injusto.
A teoria da causa próxima, desenvolvida pelo filósofo Francis Bacon, no século XVI, levava em consideração o fator temporal: seria causa aquele evento ou ato que se encontrasse mais próximo ao resultado final (proximate cause). Nos dizeres de Gisela Sampaio da Cruz, essa teoria influenciou os direitos francês e italiano e, de certo modo, o brasileiro que “limitaram a indenização devida aos danos que fossem conseqüência “direta e imediata”da inexecução[97].
O equívoco desta teoria é ater-se a um elemento só – o cronológico – sem levar em consideração a causa real que poderia ser anterior àquele evento último, ou mesmo, ser composta por concausas, o que também se mostrará muitas vezes injusto.
Já a teoria da condição ou causa mais eficiente, desenvolvida na Alemanha, entende por causa o “elemento ou ato que tivesse eficácia preponderante na produção do resultado”. O que importa é o acontecimento que “estabeleceu a relação causal de maior grau de eficiência no resultado”[98]. Haveria sempre um antecedente que em razão de algum intrínseco poder, qualitativa ou quantitativamente apurado, seria a verdadeira causa do evento
No que tange à teoria da preponderância ou da causalidade voluntária ou da causa preponderante, entende-se por causa tão somente aquele fato ou evento que rompe com o equilíbrio das forças ou fatores favoráveis (condições positivas) e adversos (condições negativas) à produção do resultado danoso. É necessário se identificar o ato que, rompendo com esse equilíbrio, anteriormente estabelecido, imprime direção decisiva para a produção do prejuízo.
A dificuldade das duas últimas teorias – da causa eficiente e da causa preponderante – encontra-se em poder se estabelecer, no caso concreto, qual das múltiplas causas seria a mais eficiente ou preponderante para ocasionar o dano. Por esse motivo, ambas caíram no desuso, estando ultrapassadas.
Por fim, a teoria da causalidade adequada formulada na Alemanha, em 1871, pelo filósofo Von Kries, tem um viés subjetivo, pois para se verificar a adequação da causa faz-se um “juízo retrospectivo de probabilidade”[99] questionando-se se a ação ou omissão que se analisa é, por si, apta ou adequada  para produzir normalmente aquele dano específico (a relação entre causa e efeito existe sempre em casos dessa natureza). A avaliação é feita, portanto, em abstrato, de acordo com as leis da natureza, com base na experiência de vida. “Considera-se como tal [causa] aquela que, de acordo com a experiência comum, for a mais idônea para gerar o evento”, conforme Sergio Cavalieri[100].
Como se vê pelas teorias acima destacadas, o problema maior gira em torno das hipóteses em que há múltiplas condições (por exemplo, o fenômeno da coautoria). Mas entendo que a questão da multiplicidade de causas é visível e destacada nas situações de responsabilidade civil extracontratual, na medida em que, nas hipóteses de responsabilidade contratual, exige-se estreita ligação entre a inexecução da obrigação e o dano (relação direta e imediata) nos exatos termos do que foi pactuado, sem adentrar no mérito de qual a teoria adequada para a análise da causa. Havendo violação do que foi convencionado entre as partes, e, gerado o dano, estar-se-á diante da concretização do dever secundário de reparar o prejuízo.
Essa reparabilidade necessária em razão de danos advindos da inexecução tem, em certa medida, respaldo no artigo 403 do Código Civil de 2002[101]. Contudo, esse dispositivo não guarda unicamente, ou melhor, primordialmente, ligação com o aspecto do nexo de causalidade, mas, acima de qualquer coisa, com o da limitação da indenização, apesar da maioria dos operadores do Direito o utilizarem como embasamento único para identificar qual a teoria sobre o nexo de causalidade que teve influência no direito positivo brasileiro[102].
Neste aspecto, perfeitamente adequado o entendimento manifestado pelo professor Antônio Junqueira de Azevedo em aula ministrada no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, no 1º semestre de 2006, no sentido de que o disposto no artigo 403 do Código Civil de 2002 não se remete propriamente a uma questão de nexo causal, mas sim, de limitação da indenização, mais diretamente, de reparação dos lucros cessantes – somente serão indenizados aqueles direta e imediatamente produzidos em razão da inexecução.
De qualquer modo, não obstante o citado professor não ler nesse dispositivo legal a causalidade direta, entendo que os dois pontos se juntam: há elemento que nos leva a entender que no caso da responsabilidade contratual o que importa é o elo entre o dano e o inadimplemento do pactuado (nesta medida, há uma imputação lógica entre a conduta do inadimplente e o prejuízo advindo à parte lesada), mas há, sobremodo, o aspecto da limitação dos lucros cessantes que decorram direta e imediatamente da inexecução, restando os danos diretos a serem analisados de maneira ampla, mas sem deixar de ter, em certa medida, ligação direta com o inadimplemento.
Assim, como visto, no que se refere à responsabilidade extracontratual, várias teorias foram apresentadas na tentativa de elucidar a questão da causalidade múltipla, visto que quando o resultado decorre de um fato simples (como no caso de inadimplemento, parcial ou total, ou deficiente, de obrigação contratual), não há maior dificuldade, sendo a relação de causalidade estabelecida de modo direto e imediato, como já apontado.
Independentemente das diferentes vertentes adotadas através de cada uma das teorias, o que importa, em todos os casos de responsabilidade civil, “é estabelecer, em face do direito positivo, que houve uma violação de direito alheio e um dano, e que existe um nexo causal. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandane incumbe produzir”, vez que se trata de uma “quaestio facti”, nos dizeres de Caio Mário[103].
O artigo 403 do Código Civil de 2002 espelhou-se no artigo 1223 do Código Civil Italiano[104] (de 1942)[105], o qual dispõe que o ressarcimento do dano por inadimplemento ou pelo atraso deve compreender quer a perda sofrida pelo credor, quer o lucro não auferido, enquanto sejam deles consequência imediata e direta. Interpretando esse artigo, De Cupis[106] esclarece que, nesse sentido, os danos diretos e imediatos serão sempre indenizados posto suscitarem um nexo de condicionalidade.
Essa teoria desenvolvida por De Cupis, denominada da “Teoria da Regularidade Causal”, a qual segue, com poucas alterações, a mesma linha da “Teoria da Causalidade Adequada”, propugna como causa a condição que de modo regular concorre para a produção de efeitos.
No entanto, como esclarece Gisela Sampaio da Cruz[107], a citada teoria “não costuma ser tratada pela doutrina especializada com autonomia, pois é considerada apenas uma variante, ora da Teoria da Causalidade Adequada, ora da Teoria do Dano Direto e Imediato”, sendo que a própria jurista também entende que a causa regular se aproxima, ontologicamente, da causa adequada.
Gisela ressalta a confusão conceitual feita, no Brasil, entre essas teorias e a atribui à falta de um estudo doutrinário aprofundado a respeito do tema[108]. Para tanto, extrai trechos da obra já citada de Sergio Cavalieri, onde o autor aproxima as teorias da causa adequada e a do dano direto e imediato, sem levar em consideração suas diferenças, tal como a preocupação com a interrupção do nexo causal que é objeto de estudo da teoria do dano direto e imediato, mas não o é da causa adequada (esta teoria destaca a multiplicidade de fatores causais o que, no curso normal, provocaria o dano).
A teoria de De Cupis, na verdade, não é a que serviu de fundamento para a redação do artigo 403 do Código Civil[109](correspondente ao antigo 1060 do Código Civil de 1916[110]), mas, antes, a teoria do dano direto e imediato (ou teoria da interrupção do nexo causal), assim entendida de acordo com grande parte de nossos doutrinadores, como afirma Gisela Sampaio da Cruz[111].
Várias subteorias ou escolas surgiram para tentar elucidar as dúvidas decorrentes da interpretação e/ou aplicação da citada teoria, tais como a escola da causalidade jurídica[112], a de Coviello[113] e a da necessariedade da causa. De qualquer modo, não foram novas teorias, mas apenas “variantes doutrinárias” da teoria do dano direto e imediato.
Das citadas escolas, a que ganhou mais projeção e teve o mérito de melhor esclarecer o sentido do dano direto e imediato foi a da necessariedade. Assim, o dano deve ser aquele necessariamente advindo do inadimplemento. Não se trata da causa mais próxima (não se leva em consideração o fator temporal), mas, sim, a que necessariamente causou o dano a ser reparado. Surgindo outra causa, esta romperá o nexo causal[114].
E não somente com a interposição da conduta de terceiro ou do credor é que se romperá a causa, mas também quando a “causa necessária for um fato natural”, na medida em que “o legislador, no art. 403 do Código Civil, se recusou a sujeitar o autor do dano a todas as nefastas consequências do seu ato, quando já não ligadas a ele diretamente”, nos dizeres de Gisela Sampaio da Cruz[115].
Como leciona a mesma autora, não obstante ser a citada subteoria da necessariedade da causa a que melhor explicita o sentido do artigo 403 do Código Civil de 2002, ela não chega a resolver todos os problemas, não servindo, por exemplo, quando há duas ou mais causas que, isoladas, explicariam o mesmo dano com exclusividade (causas concomitantes). Neste caso, imprescindível se valorar a preponderância de cada uma das causas, excluindo-se aquelas não tão eficazes para a produção do resultado. Em sendo impossível estipular-se qual a causa necessariamente preponderate, reparte-se o dever de indenizar com respaldo na culpa concorrente.
Através de um levantamento jurisprudencial[116], a citada autora conclui que a teoria do dano direto e imediato, lastreada na escola da necessariedade, é a que tem sido utilizada pelos nossos tribunais para o estabelecimento do nexo causal nas causas de responsabilidade civil, não obstante a confusão terminológica existente.

4. A CAUSALIDADE DO DANO (NEXO DE CAUSALIDADE) É A MESMA NA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E NA EXTRACONTRATUAL?

Como acima salientado, a jurisprudência pátria e, não raro, alguns doutrinadores, fazem uma certa confusão ao justificarem qual a teoria que serviu de base ao ordenamento jurídico brasileiro no que tange ao nexo de causalidade na responsabilidade civil.
Em âmbito geral, quer na jurisprudência, quer na doutrina, não há uma exata bipartição na análise e estudo do nexo causal para a responsabilidade contratual e para a extracontratual, sendo esse elemento tratado indistintamente para ambas as modalidades de responsabilidade.
De qualquer modo, é claro que o Código Civil de 2002, em seu artigo 403, vale-se da teoria do dano direto e imediato para as situações de inexecuções das obrigações em geral. Desse modo, poder-se-ia ponderar que para todas as fontes das obrigações – contratos, atos ilícitos e atos unilaterais – seria possível aplicar a dita teoria.
No entanto, não entendo seja essa a melhor posição, haja vista a diferença específica entre responsabilidade extracontratual e contratual, já previamente analisada.
Nesse sentido, acredito que, com respaldo no artigo 403 do Código Civil, pode-se afirmar que a teoria do dano direto e imediato deve se reportar à responsabilidade contratual, na medida em que da inexecução do contrato diretamente decorre o prejuízo para a parte contratante lesada. Por isso imagino que, nesta hipótese, dificilmente se ponderará a respeito de causas múltiplas, visto que com base no contrato se poderá dimensionar, com maior precisão, qual a causa imediata e necessária do dano ocasionado (o prejuízo decorre diretamente da inexecução de alguma ou algumas das obrigações pactuadas ou dispostas para aquela modalidade contratual, nos termos da legislação aplicável). O que pode haver são causas externas que nada tem a ver com a relação contratual (caso fortuito, força maior, ato de terceiro) que, nesse caso, servem como excludentes da responsabilidade.
Já no que tange à responsabilidade extracontratual, entendo que a teoria que melhor explicaria o nexo causal seria a da causalidade adequada, em que o fato mais adequado e idôneo a produzir o dano será a causa determinante da responsabilidade.
O próprio Sergio Cavalieri menciona que “o nosso Código Civil tem regra especificamente destinada à responsabilidade contratual”[117], consubstanciada no disposto no artigo 403 (correspondente ao artigo 1060 do Código Civil de 1916), fundamentando, em parte, o posicionamento acima adotado.
De qualquer modo, a problemática do nexo causal não encontra resposta única e simplista, haja vista a quantidade de teorias e a confusão terminológica encontrada na jurisprudência pátria. Isso, pois, cada caso de responsabilidade civil exigirá do julgador um exercício de adequação dos fatos[118], estabelecendo a possível relação de causa e efeito entre eles existentes, sem necessariamente pensar, antes, em qual das teorias irá aplicar. O que importa é que a causa encontrada seja apta a produzir o prejuízo a ser reparado (existência da relação imputacional) .
Como asseverou Gisela Sampaio[119], “nenhum código de princípios causais, entretanto, irá determinar as respostas para todos os problemas”, sendo certo que o nexo causal, sempre que possível, deverá ser apurado no exame do caso concreto, a partir de juízos de valor com base nas normas existentes.
Assim, sem adentrar na diferenciação feita pelas diversas teorias, entendo que se pode afirmar que a causalidade, quer para a responsabilidade extracontratual, quer para a contratual, deve ser determinada com base em critérios razoáveis, que atestem que uma dada causa é mesmo a determinante do evento danoso, sendo certo que no caso da responsabilidade contratual, pela própria base fática existente (o contrato vinculante entre as partes), é mais fácil se determinar aquela causa que, via de regra, encontra-se diretamente explicitada no pacto firmado entre as partes.
Apenas para evidenciar a dificuldade em se precisar uma resposta definitiva a respeito do tema, transcrevo extrato de texto do professor Gustavo Tepedino que conclui:
A despeito das teorias nominalmente adotadas pelos Tribunais brasileiros, prevalece amplamente a investigação do nexo causal necessário para a definição do dever de reparar. Em termos práticos, chegam a resultados substancialmente idênticos, na jurisprudência brasileira, os fautores da teoria da causalidade adequada e da teoria da interrupção do nexo causal, empenhados em identificar o liame de causalidade necessária entre uma causa remota ou imediata – desde que se trate de causa relativamente independente – e o resultado danoso.

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NOTAS

[1] José de Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, p. 2.
[2] Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, p. 24.
[3] Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, p. 263.
[4] “Artigo 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
[5] O dever positivo representa “o próprio objeto da avença”, enquanto o dever negativo corresponde à “obrigação de não prejudicar”, não lesar terceiros, como ensina Sergio Cavalieri Filho, op.cit., p. 296.
[6] Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil. Responsabilidade Civil, p. 21. Ver no mesmo sentido Caio Mário, op. cit., p. 265.
[7] Fernando Noronha, Desenvolvimentos Contemporâneos da Responsabilidade Civil, n. 761, p. 31-44, mar. 99, ensina que essa dualidade vem desde o século XIX. No entanto, o referido autor entende que seria “o mais correto designá-las de responsabilidade negocial e de responsabilidade civil em sentido estrito, ou geral”. (grifos no original). José Carlos Moreira Alves, A Responsabilidade Extracontratual e seu Fundamento – Culpa e Nexo de Causalidade, p. 1-22, também não concorda com a nomenclatura, “pois [a responsabilidade contratual] não se restringe apenas ao inadimplemento contratual”, abrangendo, ainda, o derivado de uma declaração unilateral de vontade. Sergio Cavalieri não concorda com a mudança na designação da responsabilidade contratual, uma vez que a mesma já está consolidada doutrinária e jurisprudencialmente (op. cit., p. 292). João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, p. 351, também trata da divergência terminológica que grassa entre alguns doutrinadores a respeito da denominação da Responsabilidade Contratual, sendo certo que ele mesmo, apesar de não a considerar “inteiramente rigorosa, na medida em que ela nem sempre resulta da violação de um contrato”, ainda a aceita haja vista que sua aplicação já está há muito consagrada pelos tribunais e pela maioria da doutrina.
[8] Op. cit., p. 264.
[9] “Uma vez que o contrato traça a norma de conduta para os convenentes, incorre em culpa aquele que se desvia do pactuado: a norma convencional já define o comportamento dos contratantes que estão adstritos em sua observância a um dever específico”, Caio Mário, op. cit., p. 267.
[10] Saliente-se que mesmo na responsabilidade extracontratual fundada no risco existe, de qualquer modo, a violação a um dever jurídico, posto que ninguém pode ser responsabilizado sem a preexistência desse dever de conduta. No caso, o dever jurídico violado é o de segurança. Nos dizeres de Sergio Cavalieri, op. cit., p. 158: “há um direito subjetivo à segurança cuja violação justifica a obrigação de reparar o dano sem nenhum exame psíquico ou mental da conduta de seu autor”.
[11] Ibidem, p. 296.
[12] José de Aguiar Dias, op. cit., p. 126, deixa bem evidenciada essa diferença de deveres quando afirma que: “a primeira obrigação (contratual) tem origem na vontade comum das partes, ao passo que a obrigação que a substitui por efeito de inexecução, isto é, a obrigação de reparar o prejuízo, advém, muito ao contrário, contra a vontade do devedor: este não quis a obrigação nova, estabelecida com a inexecução da obrigação que contratuamente consentira”.
[13] Anteriormente ao Código Civil de 2002 (o caput do art. 736 dispõe que não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia) , havia uma discussão a respeito de se saber se o transporte gratuito seria uma relação contratual ou não e, portanto, com repercussões na esfera da responsabilidade civil (contratual ou aquiliana). Saliente-se, contudo, que o novo Código Civil não entende gratuito o transporte quando, ainda que sem perceber remuneração, o transportador vier a auferir alguma vantagem indireta (§único do artigo 736). Nesse sentido, Sergio Cavalieri, op. cit., p. 333-338, entende que para se decidir se se trata de responsabilidade extracontratual ou contratual mister que se faça uma distinção entre transporte aparentemente gratuito e puramente gratuito de modo a avaliar se existe ou não em ambas as situações as características da comutatividade e onerosidade, essenciais ao contrato de transporte. Assim, para esse autor, na primeira modalidade existe um interesse patrimonial do transportador, ainda que indireto, vez que há uma contraprestação pelo serviço prestado, ainda que não seja, efetivamente, o pagamento direto do preço do transporte pelo transportado. Presente, portanto, aquelas características, haverá o contrato de transporte com a responsabilidade objetiva do transportador. Já no transporte puramente gratuito não há o dito contrato, posto que se trata de mera cortesia do transportador (ex. carona) e, muito menos, se configura um contrato benéfico, na medida em que não existe, de nenhuma das partes, intenção de emitir declaração de vontade vinculante. E já existe o dispositivo legal do artigo 736. Trata-se, então, de responsabilidade aquiliana. Nessa mesma linha ver Luiz Cláudio Silva, Responsabilidade Civil. Teoria e Prática das Ações, p. 40-42. José de Aguiar Dias discorda dessa corrente dominante de que quem presta o contrato puramente gratuito não pode ser acionado com base no contrato, posto que no seu entender nunca se chegou a demonstrar efetivamente a ausência do efetivo ânimo de obrigar-se no contrato gratuito. Além disso também discorda de que não haveria responsabilidade pela ausência de onerosidade, tomada esta pela dispensa no recebimento do preço, posto que o transportador não pode dispensar as responsabilidades que advêm do vínculo negocial firmado, vez que os acidentes constituem riscos inerentes ao transporte (álea). Para maiores detalhes sobre o tema ver op.cit., p. 144-159.. Para um panorama a respeito das divergências doutrinárias sobre o tema, ver Rui Stoco, Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, p. 141-143.
[14] Saliente-se que Caio Mário, ainda que defendendo a tese da unicidade da culpa, sob o aspecto ontológico, aceita que há a distinção entre culpa extracontratual e contratual sob o aspecto do onus probandi, já que nesta última haverá a inversão desse ônus, tornando a posição do lesado mais vantajosa, posto que apenas terá que demonstar que houve o inadimplemento do avençado. Neste sentido, veja-se op. cit., p. 264-265.
[15] A responsabilidade contratual sempre estará fundada na culpa, entendida esta no seu sentido amplo, englobando tanto a intenção do devedor em não cumprir ou cumprir inadequadamente a obrigação, objetivando lesar o credor, quanto as situações onde agiu com negligência, imprudência ou imperícia, sendo certo que em qualquer dessas hipóteses o exame da existência da culpa será realizado caso a caso pelo juiz. Assim, em qualquer das situações é a conduta do agente que deverá ser avaliada, posto que a responsabilidade civil não tem mais o sentido de impor uma penalidade ao ofensor, mas, sim, ao seu patrimônio. Ressalve-se, apenas, que nos contratos unilaterais ou benéficos, o devedor responderá civilmente, pagando uma indenização tão somente se agiu com dolo (vide artigo 392 do Código Civil de 2002). Nos contratos ditos bilaterais basta a culpa.
[16] O contrato já traça os deveres de cada contratante (as normas de conduta, nos dizeres de Caio Mário, op.cit., p. 267), e, portanto, aquele que delas se afastar será tido como inadimplente e, para se eximir da responsabilidade, deverá provar que não fugiu ao pactuado ou que havia alguma excludente de responsabilidade, o que se verá mais à frente. Aqui mister ressalvar-se os casos de adimplemento substancial (substancial performance do Direito Inglês), onde restou inadimplida parcela ínfima do contrato que não justificaria um rompimento do vínculo contratual, mas que pode ensejar indenização proporcional à parte não cumprida de acordo com os danos sofridos, com base no princípio da boa-fé objetiva. Veremos este aspecto mais detalhadamente no item abaixo sobre a inexecução do contrato como pressuposto para a responsabilidade contratual.
[17] Assim, nas duas hipóteses de obrigações – de meio e de resultado – o ônus da prova para eximir-se de culpa é do devedor.
[18] Os artigos 402 e 403 nos trazem a noção do que sejam perdas e danos.
[19] Op. cit., p. 39.
[20] Op. cit., p. 491. Saliente-se que essa concepção unitária da responsabilidade civil é encontrada nas legislações mais modernas, que visualizam na falta de diligência quanto ao direito alheio o seu fundamento ordinário. Veja-se, para tanto, o Código Civil Português, em seu artigo 2393. Nessa mesma linha de pensamento, propugnando pelo estudo da responsabilidade civil de maneira unitária, ver Henri et Léon Mazeaud, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile, délictuele et contractuelle, p. 111, para quem o fato das diferenças entre as duas modalidades de responsabilidade não serem fundamentais, posto que não visam aos seus princípios diretores, permite que ambas sejam agrupadas em um plano único.
[21] Op. cit., p. 53.
[22] Enéas Costa Garcia, Responsabilidade Pré e Pós-contratual à luz da boa-fé, p. 14. Ver nesse sentido Antônio Manuel da Rocha Menezes Cordeiro, Direitos das Obrigações, p. 436-437.
[23] Op. cit., p. 305.
[24] Ibidem, p. 306.
[25] Referido artigo dispõe que as partes são obrigadas a guardar os princípios da probidade e boa-fé (objetiva) apenas nas fases da conclusão e execução do contrato, nada mencionando sobre as fases pré e pós-contratual o que, nas palavras do professor Antônio Junqueira de Azevedo, demonstra a insuficiência de nosso Código (Antônio Junqueira de Azevedo, Direito dos Contratos. In: Seminário Novo Código Civil Brasileiro. O que muda na vida do cidadão, p. 75-83). Independentemente de estar expresso no Código Civil, tais princípios não só podem como devem ser aplicados a todas as fases do contrato (visto este como um processo, nos dizeres do próprio Antônio Junqueira), de modo a que o contrato consiga alcançar uma melhor justiça comutativa (ver Humberto Theodoro Júnior, O contrato e sua função social, p. 5). Ressalte-se que citado dispositivo guarda a função integrativa da boa-fé objetiva, na medida em que este princípio será usado para complementar a vontade das partes, sem modificá-la, posto que os deveres acessórios não pactuados expressamente devem ser observados em virtude dos usos e costumes adotados nos negócios desse tipo`, integrando-se às obrigações já convencionadas.
[26] Esses padrões não foram expressamente adotados no Código Civil de 2002. O artigo 422 funciona, assim, como uma cláusula geral que precisará ser “completada e definida casuisticamente pelo juiz”, conforme Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 19, vez que existem “diferentes maneiras de a pessoa ser correta em determinadas situações”, como leciona Antônio Junqueira, op.cit., p. 78. Para esse jurista, essa ausência em nosso Código representa mais uma insuficiência, visto que não está claro se o legislador permite a aplicação de diferentes standards de comportamento, de acordo com o contrato a ser avençado pelas partes.
[27] Ibidem, p. 19.
[28] Ver Sergio Cavalieri, op. cit., p. 306, esclarecendo que “não se trata de instituto novo”.
[29] Op. cit., p. 18.
[30] Ver nesse sentido Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico. Existência, Validade e Eficácia, p. 74-116, no estudo comparativo das teorias da declaração/confiança (objetivas) e da vontade/responsabilidade (subjetivas). Sem adentrar as discussões a respeito das diferenças e qualificação de cada uma dessas teorias, apenas saliento, de acordo com aula ministrada pelo professor Antônio Junqueira de Azevedo, no curso de pós- graduação da Faculdade de Direito da USP, no 1º semestre de 2006, que as soluções apresentadas pelo Código Civil de 2002 tendem para a teoria da confiança calcada na ideia da prevalência da declaração sobre a vontade, mas que obriga o declarante a responder pelo ônus da confiança ou da justa expectativa que se criou ao declaratário no caso de rompimento das tratativas. Neste sentido, ver o artigo 138 do Código Civil que dispõe ser anulável o negócio quando a declaração de vontade emanar de erro substancial que poderia ser notado por pessoa de diligência normal, ante as circunstâncias do caso.
[31] Op. cit., p. 19.
[32] Enéas Costa ressalva que o termo negociações preliminares é usado de maneira indistinta, ora para conceituar a fase pré-contratual de maneira ampla, que compreende “todos os atos de negociação que antecedem a formação do contrato”, englobando aceitação, proposta e contraproposta, ora em um sentido mais restrito, compreendendo “apenas os atos preparatórios que se consubstanciam na proposta e na aceitação, excluindo estes últimos”(sic), onde aceitação e proposta têm um caráter de obrigatoriedade, portanto, gerando uma responsabilização clara e necessária caso haja o rompimento das negociações. De qualquer maneira, será na análise casual que o julgador poderá delimitar o nível de envolvimento das partes e, a partir daí, a prejudicialidade que a sua ruptura gerou ao contratante lesado e, consequentemente, a reparabilidade do pretenso dano. De qualquer modo, como já apresentado acima, será com base no princípio da boa-fé objetiva que se poderá avaliar, no caso concreto, qual deveria ter sido o comportamento dos contratantes ante o quadro que se apresentava a eles por época das tratativas e, desse modo, averiguar se houve efetivamente prejuízo decorrente da ruptura das negociações (entendendo-se estas em qualquer um dos termos acima) em grau a ser levado em consideração em uma demanda reparatória.
[33] Ibidem, p. 19.
[34] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Civil, Vol. 4, p.90, esclarece que o interesse negativo “consiste no que teria sido a situação do indenizando se a manifestação de vontade do indenizante tivesse entrado no mundo jurídico tal como esperava o indenizando, ou tivesse entrado e tivesse sido válida, tendo-se cumprido, numa ou noutra espécie, as obrigações resultantes”. Assim, não se indenizaria se o que confiou pudesse, desde o início, reconhecer que se tratava de ato insuficiente ou deficiente. E mais à frente ele exemplifica com algumas hipóteses de interesse negativo, tais como “gastos para conclusão do contrato, ou para a prática do ato ao qual se referisse a promessa do indenizante; desembolsos devidos à crença em que o ato entrara no mundo jurídico, ou entrara e valia [salvo gastos efetuados na fase preliminar, de mera troca de minutas ou punctuações do ato], inclusive para formalidades registrárias ou quaisquer atos necessários à eficácia ou cumprimento, e os relativos a aquisições ou de posições que resultavam do ato em que se confiou, se justificados”. (p.90). E, de modo objetivo, esclarece que o interesse negativo “exclui positividades”, pois o que o indenizante deverá reparar é o que o indenizado perdeu em razão da confiança na “juridicidade ou juridicidade e validade do ato” e não aquilo que o indenizante “teria tido se o ato tivesse entrado no mundo jurídico” (p. 91).
[35]Assim, dependendo do tipo de obrigação e da forma de inadimplemento (absoluto ou relativo) poderá o lesado pleitear que a obrigação seja cumprida pelo lesante (compulsoriedade da obrigação pactuada), cumulando tal pedido ao de indenização por perdas e danos.
[36] O mesmo entendimento esposado na nota anterior serve para esta hipótese, isso porque não houve a reprodução do anterior artigo 1088 (Código Civil de 1916) que dispunha expressamente para essa situação a possibilidade da parte se arrepender antes da assinatura do contrato (que exigia a forma solene), indenizando a parte lesada, com base na mera responsabilidade aquiliana. O Código Civil de 1916 autorizava a não conclusão do contrato, mas mantinha o efeito vinculante da proposta.
[37] Esta posição é defendida por Enéas Costa, calcada na ideia de interesse positivo, trazida por Regis Fichtner Pereira, e com a qual concordo, na medida em que o interesse no cumprimento do contrato ou interesse positivo baseia-se no princípio da boa-fé objetiva (Regis Fichtner Pereira. A responsabilidade civil pré-contratual. Teoria Geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, apud Enéas Costa Garcia, op. cit., p. 297).
[38] Enéas Costa Garcia, op. cit., p. 40.
[39] Os interesses negativos são aqueles assentados na idéia de confianca que as negociações pré-contratuais trazem às partes. Assim, na medida em que haja o rompimento dessas negociações não tendo ainda o contrato se formalizado, ou se formalizado invalidamente, a parte lesada não terá chances de ver o referido negócio concluído, portanto, há uma negativa de seus interesses. Já o interesse positivo representa a própria formalização do contrato. Portanto, rompimento muito às vésperas poderia ensejar danos a esse interesse e, dependendo da situação, ensejar o pleito de cumprimento/executoriedade do acordado entre as partes. Ver, nesse sentido, Enéas Costa, op. cit., p. 285-298.
[40] Ibidem, p. 70. Menezes Cordeiro prefere o termo pós-eficácia das obrigações.Ver Antônio Manuel da Rocha Menezes Cordeiro. Da pós-eficácia das obrigações. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, reimp. 1999, apud Enés Costa Garcia, op cit., p. 70, nota 270.
[41] Enéas Costa, op. cit., p. 71
[42] Para um estudo mais detalhado sobre o assunto, ver Antônio Manuel da Rocha Menezes Cordeiro. Da boa-fé no direito civil, p. 603-631, na qual o autor triparte os deveres acessórios, basicamente, entre os de proteção (relativos à não geração de danos mútuos), os de esclarecimento (ou informação) e os de lealdade (a não-adoção de atitudes que venham a frustrar o objetivo perseguido pelo contrato ou que diminuam as vantagens ou causem danos ao ex-parceiro), p. 628-629.
[43] Op.cit., p. 78.
[44] Caio Mário, op. cit. p. 266-267, traz interessante levantamento a respeito das diferenças doutrinárias no que tange à determinação de qual seria o fundamento da obrigatoriedade do contrato. Não obstante tais divergências, aponta o jurista que a unanimidade dos autores reconhece que o contrato devidamente formado (com observância do que o ordenamento jurídico dispõe como requisitos) é fonte formal de direito, impondo-se à vontade dos contraentes, e permitindo que qualquer das partes faça valer a força do pactuado mobilizando, se necessário, o poder cogente do Estado exercido através do Poder Judiciário, no caso de violação de suas cláusulas, implicando em responsabilização do inadimplente.
[45] Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico. Existência, Validade e Eficácia, p. 42.
[46] Apenas a título de referência, estudando o tema negócio jurídico, o professor Antônio Junqueira, op. cit. p. 42-43, faz uma distinção entre os seus elementos gerais intrínsecos ou constitutivos que correspondem à “declaração de vontade tresdobrada em objeto, forma e circunstâncias negociais”, e os elementos gerais extrínsecos representados pelo “a) o agente capaz e legitimado para o negócio; b) o tempo [se o ordenamento impuser tempo determinado]; e c) o lugar [lugar apropriado, de acordo com o ordenamento jurídico]”, classificação que serve de parâmetro para uma análise mais detalhada a respeito da validade do contrato, enquanto negócio jurídico, nos casos em que se deva apurar uma possível responsabilidade contratual de uma das partes.
[47] O professor Antônio Junqueira de Azevedo, Estudos e Pareceres de Direito Privado, p. 28-32, discorreu muito bem a respeito da diferença entre ato nulo e ato ilícito, evidenciando que a possível consequência para as situações em que o julgador se depara com o primeiro tipo de ato seria a de retorno ao status quo ante, para o quê deve ser examinada a equivalência objetiva entre prestação e contraprestação, de modo a manter um justo equilíbrio entre as partes. Não há que se falar em indenização, termo apropriado para as hipóteses de ocorrência de atos ilícitos (reprovados pelo ordenamento jurídico) em que a reparação do dano não configura a volta ao status quo ante, mas antes, um substituto à perda ocorrida.
[48] Op. cit., p. 297-298.
[49] O professor Antônio Junqueira, op. cit., p.49-54, ao tratar do plano da eficácia dos negócios jurídicos, tece comentários a respeito de duas situações excepcionais que bem demonstram a correta distinção que se deve fazer entre ato válido/ato eficaz e ato nulo/ato ineficaz. São elas a do ato nulo que produz efeitos (“efeitos do nulo”) e do ato válido ineficaz. Saliente-se que o professor Antônio Junqueira passou a preferir a denominação de relação contratual de fato para as situações em que o contrato originalmnete é nulo, mas veio a produzir efeitos. Nesse sentido, há para esse autor um sinalagma nessa relação e, portanto, deverá haver uma contraprestação (correspectivo), sob pena de enriquecimento sem causa da parte não prejudicada pela nulidade do contrato.
[50] Para esse autor, “A responsabilidade é pelo fato lícito, apenas se trata de dar solução eqüidosa à situação do réu da ação de anulação, que de modo nenhum teve culpa. Se nem autor nem réu teve culpa, a eqüidade impõe que sofra o prejuízo quem deu causa a ele”, p. 88, Tratado de Direito Civil, Tomo IV.
[51] Vide parágrafo único do artigo 395 do Código Civil. Neste dispositivo me parece ter o legislador cometido um equívoco conceitual, na medida em que mora implica em possibilidade de se ainda realizar a prestação por parte do devedor, já que a mesma ainda se mostra útil ao credor. Assim, entendo que o credor, ao declarar que a prestação não lhe tem mais utilidade em virtude da inexecução da obrigação por parte do devedor, está na verdade se referindo a um inadimplemento absoluto e não relativo (mora). Este pensamento é extraído da distinção feita pela doutrina entre inadimplemento absoluto e relativo que leva em consideração o aspecto da utilidade para o credor no cumprimento da obrigação, ainda que parcial, pelo devedor. Vide Silvio de Salvo Venosa, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 242. Neste aspecto importante pensar-se na hipótese em que a prestação ainda se mostra útil ao credor, mas este não tem mais interesse em que a mesma lhe seja prestada. Seria possível que ele rejeitasse a prestação que ainda se mostrasse útil, apesar de não adimplida pelo devedor no tempo, lugar e/ou maneira pactuados? Refletindo-se sobre o tema, com fundamento em aula ministrada pelo Professor João Alberto Schutzer Del Nero, no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, em 14 de junho de 2006, entendo que essa hipótese só poderia se configurar caso houvesse alguma ressalva ou determinação no contrato que permitisse o uso desse argumento (perda do interesse), calcada em alguma situação prevista e pactuada entre as partes. Caso contrário, o devedor poderia se valer de uma demanda consignatória para se desincumbir da sua obrigação, na medida em estar-se-ia configurada a mora do credor. De qualquer maneira, a situação deverá ser ponderada caso a caso, pois entendo que situações poderão vir a ocorrer em que, não obstante não terem as partes pactuado nada nesse sentido, em razão de algum motivo imprevisto (e imprevisível pelas partes à época) poderá o credor não ter mais interesse no cumprimento da prestação ainda útil. Nesta hipótese imprescindível que seja acuradamente analisada a motivação apresentada pelo credor, sob pena de se permitir que sua atitude macule o princípio da boa-fé objetiva.
[52] Esse é o ensinamento de José de Aguiar Dias, op. cit., p. 126: “Quando ocorre a inexecução, não é a obrigação contratual que movimenta o mundo da responsabilidade. O que se estabelece é uma obrigação nova que se substitui à obrigação preexistente no todo ou em parte: a obrigação de reparar o prejuízo consequente à inexecução da obrigação assumida”.
[53] O caput do artigo 393 do Código Civil de 2002 ressalva que o devedor poderá se responsabilizar nessas hipóteses desde que haja expressa determinação contratual a respeito (princípio da livre disposição), sendo que o parágrafo único trata da distinção entre caso fortuito e força maior que, na verdade, acaba sendo iníqua, na medida em que as consequências são as mesmas: a ausência de responsabilidade do devedor ante a ausência de cláusula contratual em sentido contrário. Ressalve-se apenas que, caso já esteja em mora quando da ocorrência do caso fortuito, o devedor responderá pelos danos.
[54] Silvio Venosa, Teoria das Obrigações e Teoria dos Contratos, p. 259, no entanto, entende ser inevitável falar-se, “ainda que à margem de nossa lei”, em culpa do credor, uma vez que ao se recusar a receber a prestação devida deverá repor patrimonialmente os prejuízos que vier a causar ao devedor. Como assevera o jurista, “sua culpa consiste na omissão das diligências necessárias para receber a prestação (...) simplesmente uma atitude passiva ou de negligência”.
[55] Teresa Negreiros, Teoria do Contrato.Novos Paradigmas, p. 145.
[56] Ver, neste sentido, Anelise Becker, A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, p. 62.
[57] Ver neste sentido Anelise Becker, op. cit., p. 70.
[58] Judith Martins-Costa e Gerson Luiz Carlos Branco, Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro, p. 216.
[59] RESp 272739/MG, 4a Turma, STJ, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, j. 1.3.2001, v.u. não conheceram do recurso, Diário da Justiça de 02.04.2001, p. 299.
[60] PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual, teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Tese de doutorado orientada pelo Professor Vicente Barreto. Rio de Janeiro: Faculdade de Direito da UERJ, ja. 2000, apud Teresa Negreiros, op. cit., p. 146.
[61] Saliente-se que referida cláusula distingue-se daquela limitativa em que a indenização não é eliminada, mas simplesmente diminuída por acordo entre as partes.
[62] Op. cit., p. 528. Nesse mesmo sentido, Antônio Junqueira de Azevedo, Estudos e Pareceres de Direito Privado, p. 201.
[63] Sergio Cavalieri traduz esse conceito como representando aquelas questões que “envolvem interesse indisponível, um interesse geral, ligado a valores de maior relevância, vinculado aos fins sociais e às exigências do bem comum” (Op. cit., p. 532).
[64] Ibidem, p. 530.
[65] Ibidem, p. 534.
[66]Estudos e Pareceres de Direito Privado, p. 201.
[67] Ver artigos 24, 25 e 51 do Código de Defesa do Consumidor.
[68] Vide o artigo 734 do Código Civil de 2002 que considera nula cláusula nesse sentido relacionada aos contratos de transporte de pessoas e o artigo 247 do Código Brasileiro da Aeronáutica que dispõe ser nula tal cláusula para os contratos de transporte aeronáutico. A Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal, anterior ao Código Civil de 2002, já previa ser inoperante a cláusula de não indenizar no contrato de transporte, quer de pessoas, quer de bens.
[69] Op. cit., p. 96.
[70] Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade Civil. Teoria & Prática, p. 17.
[71]  Silvio de Salvo Venosa, Responsabilidade Civil, op. cit., p. 198, acresce uma terceira modalidade a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante. Trata-se da vulgarmente denominada perda da chance (perte d’une chance, do Direito Francês), melhor traduzida como perda de uma oportunidade, e que corresponde às hipóteses em que o ato ilícito retira do lesado a “oportunidade de obter uma situação futura melhor”, nos dizeres de Sergio Cavalieri, op. cit., p. 97-98. Assim, deve estar configurada uma oportunidade real e séria, uma probabilidade e não mera possibilidade de sua ocorrência, perdida em virtude do ato ilícito. O juiz deverá averiguar no caso concreto o grau de probabilidade daquela oportunidade se converter em certeza, ou seja, se a oportunidade perdida era provável ou possível de ocorrer. Ver, neste sentido, Caio Mário, op.cit., p. 47. De qualquer maneira, entendo que o correto é tomar-se a perda da chance como uma forma de cálculo da indenização e não como uma terceira espécie de dano, mesmo porque, os julgados que tratam do tema, por não haver disposição expressa a respeito dessa teoria em nosso ordenamento jurídico, acabam, ao conceder a indenização por lucros cessantes, utilizando-se de um juízo de probabilidade que, de uma maneira transversa, desemboca na avaliação da perda da oportunidade. Esse mecanismo é plenamente aplicável aos casos de responsabilidade civil contratual. Inclusive, saliente-se que no campo da responsabilidade contratual, ao contrário da substancial performance, a perda da oportunidade, uma vez aferida, permite a resolução do contrato pela parte lesada, cumulada com a indenização decorrente daquela perda. Veja-se, nesse sentido, julgado Ap. 0680655-1, 8ª Câmara, 1º TACSP, Rel. Costa Telles, j. 23.10.1996, v.u., onde o advogado foi condenado ao pagamento de um montante, a título de indenização, visto que o contrato de mandato não foi cumprido, na medida em que aquele tardou no ajuizamento da demanda para a qual fora contratado, gerando a perda da oportunidade do mandante ver seu pleito analisado pelo Poder Judiciário (dano negativo). Por esse julgado é possível entender-se que não se trata de uma terceira modalidade de indenização, mas, sim, de um meio usado pelo julgador para calcular o montante da indenização (pode-se dizer uma técnica de cálculo).
[72] Op. cit., p. 97.
[73] Ver Sergio Cavalieri, op. cit., p. 98.
[74] Ibidem, p. 303.
[75] Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil. Responsabilidade Civil, p 205, ressalva que “danos não patrimoniais, que nem todos admitem como sinônimo de danos morais, são, portanto, aqueles cuja valoração não tem uma base de equivalência que caracteriza os danos patrimoniais” e, mais à frente, conceituando dano moral doutrina que o mesmo “não se caracteriza unicamente por um conceito de dor psíquica, mas por um desconforto comportamental na pessoa, que extrapola os limites do aceitável”.
[76] Sergio Cavalieri, op. cit., p. 106.
[77] Ibidem, p. 105-106.
[78] Aqui se pode lembrar da prática do overbooking  que corresponde à venda de passagens, através de reserva, por uma empresa de transporte aéreo, em quantidade superior à capacidade de suas aeronaves. Essa venda além da quantidade de assentos é justificada por essas empresas pelo simples motivo de que a legislação aeronáutica garante aos usuários que adquiriram passagens ou àqueles que tenham meras reservas confirmadas o direito de reaverem os preços pagos ou, então, de embarcarem em datas posteriores (reaproveitando os bilhetes). Por isso dizem que a simples venda do bilhete aéreo não significa renda auferida, posto que, dentro do prazo de 1 ano o passageiro tem assegurado o direito ao reaproveitamento do bilhete. O assento não ocupado em um transporte aéreo corresponde a um prejuízo concreto para a companhia aérea. Não obstante essa linha de defesa, muitas demandas reparatórias, ajuizadas com base no Código de Defesa do Consumidor, têm sido ganhas, apesar de não serem muitas as ações ajuizadas nesse sentido, comparativamente às situações de overbooking que ocorrem na prática. Contudo, o que se tem a salientar é que nessas hipóteses não há mais discussões sobre a possibilidade em se indenizar o dano extrapatrimonial (moral), mas, sim, sobre a exata medida em que o mesmo deve ser reparado. Julgados do Superior Tribunal de Justiça têm levado em consideração, para a estipulação do quantum indenizatório, o grau de zêlo no tratamento dispensado pelas empresas de transporte aéreo para com os passageiros atingidos pela prática do overbooking.
[79] O artigo 409 do Código Civil assim dispõe: “A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora”.
[80] Conforme caput do artigo 416 do Código Civil de 2002: “Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”.
[81] Op. cit., p. 304. Nesse mesmo sentido ver Silvio Venosa, Teoria das Obrigações e Teoria dos Contratos, p. 173.
[82] Ver Silvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 167.
[83] “Artigo 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor” (grifei). Sergio Cavalieri, op. cit., p. 304, afirma que esta disposição confere ao credor “a faculdade de optar entre o cumprimento da obrigação e a pena convencionada”. Entendo, contudo, que há um equívoco na interpretação, uma vez que ao se referir ao total inadimplemento o texto legal está a afirmar que não há mais viabilidade de cumprimento da obrigação por parte do devedor, na exata medida em que ao credor não existe mais utilidade naquele cumprimento (o critério da utilidade é que deverá ser levado em conta, como doutrina Silvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 241). Assim, como se poderia dizer que há opção ao credor pelo adimplemento da obrigação, se para ele não há mais utilidade na sua execução? Há, na verdade, mera substitutividade da obrigação inadimplida (e que não o poderá mais ser) pela cláusula penal compensatória, não se podendo, na verdade, falar em cumulação desta com pedido paralelo de perdas e danos. O que costuma ocorrer na prática é o pleito de resolução (ou rescisão, como querem alguns) pela parte lesada, cumulado ao pedido do pagamento da multa compensatória.
[84] Op. cit., p. 168.
[85] Neste sentido ver Silvio Venosa, op. cit., p. 170. Ressalte-se o disposto no parágrafo único do artigo 416, como adiante explicitado.
[86] Ibidem, p. 171. Essa disposição, portanto, permite que, em certas situações e sob determinadas circunstâncias, haja a cumulação de multa com indenização, sendo de se ressalvar que o valor da multa nunca poderá superar o valor da obrigação principal, sob pena de caracterizar-se enriquecimento ilícito. Caso haja excesso, o juiz deverá (o Código, no artigo 413, é expresso nesse sentido) reduzir a multa. Essa disposição guarda conexão com o novo princípio social dos contratos que é o da boa-fé objetiva.
[87] Estudando sobre a questão da forma de se estabelecer parâmetros para o cálculo do valor da indenização por danos morais, Silvio Venosa, Responsabilidade Civil, p. 208-209, doutrina que “em princípio, a tarifação ou qualquer estudo matemático não é critério adequado para danos morais em geral, porque amordaça a distribuição da Justiça”. Os artigos 953 e 954 do Código Civil de 2002 permitem que o juiz, por eqüidade, decida o valor do montante do dano moral, quando o lesado não puder demonstrá-lo, o que denota a inviabilidade de tarifação quanto ao valor reparatório dessa modalidade de dano.
[88] É o que dispõe o artigo 411 do Código Civil de 2002: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”.
[89] Em ambas as situações, somente do culpado exige-se a multa por inteiro. No caso da obrigação indivisível, os devedores não culpados poderão responder proporcionalmente, de acordo com sua quota, sendo certo que terão direito de regresso contra o devedor que deu causa (que for culpado, em sentido lato) à aplicação da pena.
[90]Responsabilidade Civil e Eticidade, p. 282.
[91] Ibidem, p. 281.
[92] Op. cit., p. 84.
[93] Gisela Sampaio da Cruz, O problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, p. 27. Vide também Silvio de Salvo Venosa, Responsabilidade Civil, p. 39.
[94] Gisela  Sampaio da Cruz, op.cit., p. 261.
[95] Vide Othon de Azevedo Lopes, Responsabilidade Jurídica. Horizontes, Teoria e Linguagem, p. 307-310; Yussef Said Cahali, Responsabilidade Civil do Estado, p. 95.
[96] Idem, p. 283.
[97] Op. cit., p. 54.
[98] Gisela Sampaio da Cruz, op. cit., p. 58.
[99] Gisela Sampaio da Cruz, op. cit., p. 64.
[100] Op. cit., p. 73.
[101] O dano deve ser consequência necessária da inexecução. Assim, caso ocorra “alguma causa superveniente imputável a terceiro ou ao próprio credor, ou, ainda, decorrente de fato natural, interrompe-se o nexo causal e exonerado de responsabilidade ficará o autor da causa primeira”, como ensina Sergio Cavalieri Filho, op cit., p. 300. O aparecimento de outra causa apenas irá interromper o nexo causal.
[102] Ver Yussef Said Cahali, op. cit., p. 96, para quem “em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1060 do Código Civil [atual artigo 403], a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal”. O mesmo autor, citando Agostinho Alvim, Da Inexecução das Obrigações, 5ª ed., n. 226, p. 370, afirma que esta teoria “só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva”, op. cit., p. 97. No Supremo Tribunal Federal “prevalece a teoria da causalidade direta ou imediata”, conforme ilustra o professor Gustavo Tepedino artigo seu entitulado Notas sobre o Nexo de Causalidade, publicadao na Revista Trimestral de Direito Civil, p.4-5.
[103] Op. cit., p. 90.
[104]“Art. 1223 Risarcimento del danno. Il risarcimento del danno per l'inadempimento o per il ritardo deve comprendere così la perdita subita dal creditore come il mancato guadagno, in quanto ne siano conseguenza immediata e diretta”. (tradução livre)
[105]R.D. 16 marzo 1942, n. 262 Approvazione del testo del Codice Civile. (Pubblicato nella edizione straordinaria della Gazzetta Ufficiale, n. 79 del 4 aprile 1942).
[106] Adriano De Cupis. Il danno: teoria generale della responsabilità civile. 2ª ed., vol. 1. Milano: Giffrè, 1966, apud Gisela Sampaio da Cruz, op.cit., p. 74.
[107] Ibidem, p. 77.
[108] Ibidem, nota 156, p. 85.
[109] E aqui, reiterando o acima exposto, concordo em parte com a maioria dos juristas que vêem no artigo 403 (antigo 1060) uma questão de causalidade, contudo, apenas superficial, haja vista que o ponto fulcral desse artigo, como já dito anteriormente, é o aspecto da limitação da indenização. De qualquer modo, não consigo localizar outro dispositivo que, de uma maneira direta ou transversa, indique que nas hipóteses de responsabilidade contratual o nexo de causalidade estabelece-se entre uma conduta do inadimplente e o dano daí advindo. Por isso, não obstante entender que o artigo 403 não tenha sido concebido para embasar qualquer teoria a respeito do nexo de causalidade, não deixo de observar que nesse dispositivo encontra-se fundamento a justificar tal elemento necessário à existência do dever secundário de reparabilidade.
[110] Este artigo baseou-se no artigo 1151 do Código Civil Francês de Napoleão o qual dispõe que os danos e interesses do credor devem compreender, relativamente à perda por ele provada e ao ganho do qual foi privado, aquilo que for conseqüência direta e imediata da inexecução do convencionado.
[111] Op. cit., p. 107, vide, em particular, nota 192, que menciona diversos autores nacionais.
[112] Criada por Tomaso Mosca que entende que se, numa complexidade de elementos naturais e voluntários, da qual decorre um evento danoso, existe um fato ilícito, este é juridicamente a causa daquele evento e os demais elementos meras condições. Havendo mais de um fato ilícito, deve-se considerar como causa relevante apenas o último.
[113] Essa escola visava às situações em que o devedor já se encontrava em mora e, nesse período, restava impossível o cumprimento da obrigação por caso fortuito ou força maior. Nesse caso, Coviello doutrinava que, afastando-se a conduta do agente ainda permanecia o dano, então rompido estaria o nexo de causalidade. O artigo 957 do Código Civil de 1916 continha dispositivo nese sentido, o qual foi reproduzido no artigo 399 do Código Civil de 2002.
[114] Esta escola “considera sinônimas e reforçativas as expressões dano direto e dano imediato, ambas identificadas com a ideia da necessariedade do liame entre causa e efeito”, nas palavras de Gustavo Tepedino, op.cit., citando Wilson Melo da Silva, Responsabilidade sem culpa, p. 131.
[115] Op. cit., p. 105-106.
[116] Ibidem, p. 122-150.
[117] Op. cit., p. 300.
[118] “Somente a valoração de todos e cada um dos aspectos que ofereça aquele que se encontra ‘sub judice’permitirá enfocá-lo com maior ou menor exatidão”, in Leonardo A. Colombo, Culpa Aquiliana, 2ª ed., Buenos Aires, 1947, n. 58, p. 162, apud Rui Stoco, op. cit., p. 59.
[119] Op.cit., p. 152-153.

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