Agir falsamente representa uma ligeira vantagem sobre perceber a falsidade quando as relações interpessoais são raras e entre estranhos. Se você passar tempo suficiente com seus interlocutores, eles poderão deixar transparecer suas verdadeiras intenções por meio de pistas comportamentais. Como observa Trivers, “quando as interações pessoais são anônimas ou pouco frequentes, as pistas comportamentais não podem ser lidas sob a ótica de comportamentos conhecidos, é preciso utilizar características mais gerais da mentira”. Ele identifica três atributos: Nervosismo – devido às consequências negativas de poder ser descoberto, incluindo ser posto em xeque; normalmente as pessoas ficam mais nervosas quando mentem. Controle – em resposta à preocupação de parecer nervoso, as pessoas podem querer se controlar, tentando dominar o comportamento, com possíveis efeitos colaterais detectáveis como uma impressão planejada e ensaiada. Carga cognitiva – mentir pode implicar numa grande demanda cognitiva. É preciso esconder a verdade, construir uma história falsa com ar verossímil, contá-la de forma convincente e se lembrar dela para não cair em contradição.
A carga cognitiva parece desempenhar o papel mais importante. “Na ausência de mentiras bem ensaiadas, os mentirosos precisam pensar muito e isso provoca vários efeitos”, incluindo um controle excessivo que leva a piscar e a gesticular menos, fazer pausas mais longas e elevar o timbre da voz. Como Abraham Lincoln bem recomendou: “Você pode enganar alguns o tempo todo ou todos por algum tempo, mas não pode enganar todos o tempo todo”, a menos que a autofalsidade esteja envolvida. Se acreditar verdadeiramente na mentira provavelmente não deixará escapar pistas que poderão desmascará-lo diante dos outros: a falsidade e a percepção dela criam a autofalsidade.
A teoria de Trivers inclui uma explicação evolucionária ao meu próprio modelo de condicionamento operante para explicar por que sensitivos, médiuns, líderes espirituais e congêneres provavelmente têm consciência de que suas habilidades envolvem certa quantidade de fraude (justificada em nome de uma causa nobre). À medida que seus seguidores reforçam positivamente sua mensagem, eles acabam acreditando nos próprios talentos – “Talvez eu leia mesmo o pensamento das pessoas, preveja o futuro, salve a humanidade”. No entanto, Trivers perde uma oportunidade de adicionar mais um componente positivo na autofalsidade ao abordar a evolução da moralidade. Como discuti em meu livro de 2004, The Science of Good and Evil (Times Books), a verdadeira moralidade evoluiu pelo fato de ela não ser suficiente para uma pessoa fingir ser boa, porque nos ambientes ancestrais, com pequenos grupos de coleta e caça nos quais todos se relacionavam com os demais ou se conheciam intimamente, a falsa moralidade seria desmascarada. É preciso, na verdade, ser uma boa pessoa por acreditar nisso e agir de acordo.
Empregando a lógica da falsidade e da autofalsidade, podemos construir uma teoria de baixo para cima para a evolução das emoções que controlam o comportamento julgado bom ou mau por nossos parentes primatas. Nessa compreensão baseiam-se as fundações de uma sociedade civil secular.
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