segunda-feira, 16 de junho de 2014

Novas terapias ergogênicas no tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica


Debora Strose VillaçaI; Maria Cristina LerarioII; Simone Dal CorsoIII; José Alberto NederIV
INutricionista, Pós-Graduanda do Setor de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE) da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil
IINutricionista, Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil
IIIFisioterapeuta, Doutora em Ciências e Pós-Doutoranda do Setor de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE) da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil
IVProfessor Afiliado Livre-Docente, Coordenador do Setor de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE) da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil



RESUMO
A doença pulmonar obstrutiva crônica é considerada, atualmente, uma doença sistêmica, cujas alterações estruturais e metabólicas podem levar à disfunção muscular esquelética. Esta afeta negativamente o desempenho muscular respiratório e periférico, a capacidade funcional, a qualidade de vida relacionada à saúde e mesmo a sobrevida. A indicação de suplementação de substâncias ergogênicas para pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica baseia-se no fato de que estas drogas podem evitar, ou minimizar, o catabolismo e/ou estimular a síntese protéica, diminuindo a depleção de massa muscular e aumentando a capacidade de exercício. A presente revisão sumariza o conhecimento disponível acerca da utilização de esteróides anabolizantes, creatina, L-carnitina, aminoácidos de cadeia ramificada e hormônio de crescimento em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. A vantagem do uso dessas substâncias ergogênicas parece residir no aumento da massa magra e/ou na indução de modificações bioenergéticas. Nesse contexto, a maior experiência acumulada é com os esteróides anabolizantes. Entretanto, os benefícios clínicos em relação à melhora da capacidade de exercício e força muscular, bem como os efeitos na morbimortalidade, não foram, até a presente data, consistentemente demonstrados. A suplementação ergogênica pode vir a se constituir numa ferramenta adjuvante para o tratamento de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica avançada, especialmente naqueles com depleção muscular e/ou fraqueza periférica.
Descritores: Pneumopatias obstrutivas; Músculos respiratórios; Suplementos dietéticos; Agentes anabolizantes/uso terapêutico; Exercício; Metabolismo energético



INTRODUÇÃO
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) caracteriza-se por limitação ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível, sendo geralmente progressiva e associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou gases nocivos.(1) Apesar de o tratamento medicamentoso ser destinado ao órgão que é primariamente acometido, os pulmões, o impacto da terapia broncodilatadora e antiinflamatória sobre a capacidade de exercício pode ser modesto.(2)
Esse fato pode ser explicado pelas novas evidências que apontam a síndrome de disfunção muscular esquelética, caracterizada por atrofia (sarcopenia) e perda de força muscular, como fator importante para a redução da tolerância ao exercício em pacientes com DPOC.(3) A etiologia dessa síndrome parece ser multifatorial, envolvendo descondicionamento, hipóxia sistêmica e/ou hipercapnia, e alterações induzidas pela idade, drogas e depleção nutricional.
A perda progressiva de peso é um achado comum nesta doença, podendo ser identificada em até 50% dos pacientes, especialmente naqueles com predomínio de enfisema pulmonar.(4) Trata-se de um fator prognóstico negativo, independente do grau de obstrução,(5) estando associado com aumento da morbidade e mortalidade(6)(Figura 1). Um desequilíbrio energético, causado por redução no consumo e aumento no gasto energético basal, parece estar associado à perda de peso.(7) Comumente, a perda ponderal é acompanhada de redução da massa muscular esquelética,(8) provavelmente devida à inflamação sistêmica, caracterizada pelos altos níveis de TNF-µ(9) e IL-6 (podendo estes estar envolvidos com a anorexia destes pacientes), hipóxia (contribuindo para uma baixa oxigenação periférica com conseqüentes efeitos negativos sobre a estrutura e função muscular esquelética), dispnéia (levando à diminuição na ingestão alimentar) e inatividade física. Por fim, vale citar que a própria desnutrição(10) leva à metabolização protéica como forma de obtenção de substrato (Figura 2).(11)




Em indivíduos saudáveis, a suplementação ergogênica é utilizada para aumentar a tolerância ao exercício, postergar a fadiga, ou estimular a síntese protéica muscular, visando assim à melhora do desempenho físico.(12)Em pacientes com DPOC, o uso de suplementações hormonais e protéicas visa a seus benefícios ergogênicos, especialmente aqueles relacionados com o aumento da síntese e/ou diminuição do catabolismo protéicos.(13)
O objetivo desta revisão é o de sumarizar os conhecimentos atuais acerca da suplementação de substâncias ergogênicas em pacientes com DPOC, fornecendo as bases teóricas para o seu uso racional no contexto clínico. Foram incluídos artigos e resumos publicados no período de 1980 a 2005, redigidos em língua inglesa e portuguesa, indexados nas bases de dados Lilacs, Pubmed e Medline, relacionados à suplementação de substâncias ergogênicas a pacientes com DPOC. Deve-se observar, especificamente, que a presente revisão não discorrerá sobre a suplementação energético-calórica ou otimização do aporte de nutrientes em pacientes com DPOC.

ESTERÓIDES ANABOLIZANTES
Os esteróides anabolizantes são hormônios sintéticos semelhantes à testosterona, o mais importante hormônio secretado pelas células intersticiais do testículo. Atuam no desenvolvimento dos caracteres sexuais masculinos, promovendo hipertrofia muscular e redução da gordura corporal.(14)
O uso prolongado de altas doses em humanos pode levar à deterioração da função endócrina normal da testosterona e ao aumento da concentração de estradiol, hormônio feminino que promove o desenvolvimento de características femininas. Outros efeitos colaterais podem ocorrer, como: aumento do colesterol com diminuição do high density lipoprotein, lesões hepáticas, hiperplasia prostática, impotência e esterilidade.(12) O importante efeito anabolizante dos esteróides estimulou diversos pesquisadores a investigar um possível efeito terapêutico dessas substâncias (Quadro 1).
O decanoato de nandrolona intramuscular (Deca-Durabolin®) foi utilizado em um estudo que envolveu pacientes com DPOC moderada a grave, com e sem depleção muscular.(14) Diferentes doses foram utilizadas, por oito semanas, para os sexos masculino (50 mg) e feminino (25 mg). Interessantemente, os autores observaram que os pacientes depletados, recebendo suplementação hipercalórica (420 kcal) mais nandrolona, tiveram maior ganho de peso e aumentos de massa magra e força muscular respiratória do que os indivíduos que receberam somente suplementação nutricional.
Em nosso meio, num ensaio clínico randomizado e controlado, foi avaliada a suplementação de estanozolol, na dosagem de 12 mg por dia via oral por 27 semanas e de 250 mg de testosterona via intramuscular no período basal, em pacientes com baixo peso (índice de massa corpórea menor que 20 kg/m2) e com pressão inspiratória máxima reduzida (< 60% do previsto).(15) Em associação, foi administrado treinamento dos músculos inspiratórios e de membros inferiores em cicloergômetro. Observou-se aumento significativo do índice de massa corpórea, massa magra, e circunferência muscular do braço e da coxa no grupo suplementado em relação ao grupo controle (placebo associado ao treinamento). Entretanto, nenhuma mudança foi observada no teste da caminhada de seis minutos ou na capacidade máxima de exercício.
Em outro estudo foi utilizada suplementação de oxandrolona, na dosagem de 10 mg, via oral, por quatro meses em pacientes com DPOC moderada a grave (volume expiratório forçado no primeiro segundo - VEF1 = 34 ± 15,8% do previsto) com baixo peso (= 90% do ideal).(16) Foram observados aumento do peso corporal, principalmente da massa magra, aumento clinicamente significativo da distância percorrida em seis minutos (> 65 metros na maioria dos pacientes), e diminuição progressiva do uso de medicamentos. O efeito colateral mais comum foi o edema (17%), tratado com redução da dose ou cessação da medicação e uso de diuréticos.
Em outro estudo, foram utilizados 50 mg de decanoato de nandrolona a cada duas semanas, via intramuscular, por oito semanas, num grupo de homens com DPOC moderada a grave (VEF= 38 ± 17% do previsto), associados à reabilitação pulmonar.(17) Em relação a um grupo controle, os pacientes suplementados obtiveram maior ganho de massa muscular. Contudo, a função muscular, a capacidade de exercício e o estado de saúde melhoraram de forma similar em ambos os grupos.
Em um estudo placebo controlado, utilizaram-se 100 mg de testosterona em homens com DPOC moderada a grave (VEF= 60% do previsto) que apresentavam baixos níveis de testosterona (= 400 hg/dl).(18) Os autores observaram maior aumento da massa magra e de força muscular no grupo que recebeu suplementação associada a treinamento em relação a um grupo que recebeu apenas testosterona. A magnitude do aumento da massa magra, observada neste estudo, foi superior à descrita em publicações prévias,(14-16) provavelmente porque a dose de esteróide anabolizante foi seis vezes mais elevada.
Recentemente, alguns autores administraram 250 mg de testosterona a cada quatro semanas, por 26 semanas, em homens com DPOC moderada a grave (VEF1< 60% do previsto), sem intervenção reabilitadora. Houve aumento de massa magra, diminuição de massa gorda e melhora na qualidade de vida sexual no grupo suplementado em relação ao grupo placebo.(19)
A correlação entre redução da massa muscular e mortalidade em pacientes com DPOC(6) poderia justificar o uso de esteróides nesta população, já que a suplementação com estas substâncias se mostrou eficiente em aumentar o peso corporal e a massa muscular.(14-19) Entretanto, deve-se assegurar-se, antes do início da terapêutica, da inexistência de neoplasia prostática e ou hepatopatia significativa, já que ambos os processos podem ser acelerados com a suplementação.
Adicionalmente, vale lembrar que a maioria dos estudos que associou o uso de esteróides anabolizantes ao treinamento físico utilizou exercícios de endurance,(14-15,17,19) sendo que apenas um estudo fez uso do treinamento de força.(18) Portanto, não há dados suficientes na literatura para indicar um tipo de treinamento físico a ser associado com a suplementação, apesar de ser razoável supor que a utilização do treinamento de força seja mais adequada, já que tenderia a magnificar os possíveis efeitos hipertrofiantes musculares. É importante, ainda, observar que a adequação alimentar ou suplementação energética prévias muitas vezes são necessárias para a otimização do tratamento.
Mais ensaios clínicos randomizados e placebo controlados ainda são necessários para se avaliar os efeitos do uso associado de esteróides anabolizantes e treinamento físico em longo prazo.

CREATINA
A creatina é um nutriente encontrado em alimentos, como peixes e carnes, podendo ser sintetizado endogenamente no fígado, rins e pâncreas a partir de outros aminoácidos (glicina, arginina e metionina).(20-21) A maior parte da creatina está no músculo esquelético, sob a forma de fosfocreatina. A fosfocreatina é a primeira reserva energética degradada durante atividades de alta demanda energética, que variam de dez segundos a cerca de um minuto,(22) porém seus estoques são ressintetizados em poucos minutos, o que a torna importante em exercícios intermitentes.(20)
A suplementação de creatina tem sido muito utilizada por atletas. Contudo, evidências recentes indicam que a creatina pode ser útil no tratamento de doenças, principalmente naquelas que resultam em atrofia e fadiga muscular.(22) Outro aspecto relevante, que justificaria o uso da creatina em pacientes com DPOC, é que esta população apresenta redistribuição dos tipos de fibras musculares, com predomínio de fibras do tipo II,(23) que se caracterizam por contrações rápidas e apresentam maior capacidade anaeróbia que as do tipo I. Estudos apontam que as fibras do tipo II apresentam maior utilização de fosfocreatina durante o exercício.(20) Desta forma, a suplementação de creatina pode ser uma alternativa válida, juntamente com o treinamento físico, no intuito de diminuir a intolerância ao exercício.
Em estudo randomizado, duplo cego e placebo controlado, alguns autores avaliaram o efeito da suplementação de creatina em 26 pacientes com DPOC moderada a grave.(24) Os pacientes foram submetidos a treinamento de endurance e de força de membros inferiores por doze semanas. Os autores não relataram diferença estatisticamente significativa entre os grupos na capacidade de exercício e força muscular. Entretanto, tal estudo só foi publicado na forma de resumo.
Recentemente, em um estudo randomizado, duplo cego e placebo controlado, foi avaliado o efeito da suplementação de creatina em 38 pacientes estáveis com DPOC moderada a grave (VEF1 = 46 ± 15% do previsto).(25) A suplementação foi dividida em duas fases: fase de ataque (15 g/dia por duas semanas) e de manutenção (5 g/dia por oito semanas), esta última associada ao treinamento físico. Os autores observaram aumento da massa magra, força e endurance muscular periférica com o uso de creatina, especialmente após o uso combinado com o treinamento. Este estudo sugere que a suplementação de creatina pode vir a ser considerada como parte do arsenal ergogênico disponível para ganho de massa magra e melhora estrutural e funcional do músculo esquelético na DPOC. Destaca-se que a creatina é sabidamente segura, com poucos efeitos colaterais: retenção hídrica (no compartimento intracelular), dores musculares e, ocasionalmente, cãibras. Entretanto, como em outras terapias ergogênicas, mais estudos de seguimento são necessários para se avaliar os reais benefícios da suplementação de creatina em longo prazo na DPOC.

L-CARNITINA
A L-carnitina é um metabólito essencial envolvido no transporte dos ácidos graxos de cadeia longa, do citosol para a matriz mitocondrial, onde ocorre a ß-oxidação, ou seja, a oxidação dos ácidos graxos, com produção de energia.(26)
Vários trabalhos foram publicados na literatura esportiva abordando o efeito ergogênico da L-carnitina, visando à melhora do desempenho, já que a mesma pode aumentar a oxidação de ácidos graxos, diminuir as taxas de depleção do glicogênio muscular, e aumentar a resistência à fadiga muscular. Porém, a utilização de L-carnitina por longos períodos em indivíduos saudáveis não treinados não mostrou melhora do desempenho físico.(26)
Alguns autores avaliaram, em nosso meio, a suplementação de L-carnitina associada ao treinamento físico, em pacientes com DPOC (VEF1 < 65% do previsto), por um período de seis semanas, na dosagem de 2 g/dia.(27) Os autores observaram maior atenuação da freqüência cardíaca num grupo suplementado em relação a outro não suplementado. Adicionalmente, foi observada maior distância percorrida no teste da caminhada de seis minutos no grupo que recebeu suplementação e treinamento físico.
Parece lógico supor que a suplementação de L-carnitina deva ser utilizada preferencialmente em indivíduos com composição corporal adequada, especialmente no que se refere à reserva adiposa, já que a substância estimula a utilização de gorduras como substrato. Assim como em relação a outras substâncias, mais estudos com L-carnitina são necessários para a verificação de seus potenciais benefícios em pacientes com DPOC.

AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA
Os aminoácidos de cadeia ramificada (ACR), leucina, isoleucina e valina, são primariamente metabolizados no músculo esquelético como substratos energéticos, ou utilizados como precursores para a síntese de outros aminoácidos e proteínas.(28) Eles exercem uma influência significativa sobre o metabolismo da glutamina e servem como importante substrato energético para o cérebro, rins, fígado e coração. O aumento da concentração de ACR no músculo esquelético reduz a atividade da glutamato desidrogenase, reduzindo a degradação da glutamina.(28) O glutamato intracelular tem papel central na preservação dos fosfatos de alta energia no músculo(29) e seus baixos níveis intramusculares estão associados à acidose lática precoce durante o exercício.(30) A infusão de ACR estimula a síntese e diminui a degradação protéica, regulando a renovação muscular.(31) Durante exercícios prolongados, os ACR podem servir como substrato oxidativo para os músculos esqueléticos. Em condições de relativa falta de energia, como sepse, trauma e hipóxia, o metabolismo dos ACR encontra-se acelerado no músculo esquelético.(28)
Estudos que avaliaram o perfil de aminoácidos no plasma e músculo esquelético de pacientes com DPOC observaram diminuição de ACR no músculo esquelético dos pacientes com predomínio de enfisema(32) e no plasma de pacientes com peso ideal inferior a 90%.(33) O arrazoado de se utilizar ACR em DPOC também reside na observação de que sua ingestão oral, em idosos saudáveis, estimula o transporte de aminoácidos para o músculo, o que se associa à síntese protéica,(29) especialmente quando ingeridos antes ou imediatamente após o exercício.
Dois estudos referentes ao uso de ACR em pacientes com DPOC foram publicados até a presente data.(34-35) Em um deles, foram examinados os efeitos de uma suplementação nutricional (1,5 vezes o gasto energético basal durante um ano) adicionando ACR em pacientes desnutridos com DPOC.(34) Os autores relataram melhora do estado nutricional, e aumento da função muscular respiratória e da qualidade de vida. Entretanto, o referido estudo não foi publicado em língua inglesa, não permitindo a análise dos critérios de inclusão dos casos, taxa de drop-out, ingestão supervisionada ou não dos ACR, métodos de avaliação da força muscular respiratória e qualidade de vida. No outro,
um estudo não randomizado, utilizou-se ACR na dose de uma unidade a cada 7 kg por cinco semanas, em um grupo de pacientes com DPOC.(35) Houve melhora no consumo de oxigênio de pico e da carga máxima nos grupos estudados, porém sem diferença estatística entre os grupos. Os autores observaram diminuição da hipoxemia em repouso e da hipercapnia, entre o início e o final do estudo no grupo suplementado. Entretanto, não há referência se os pacientes estavam ou não internados. Portanto, a melhora gasométrica pode ter sido devida à recuperação da estabilidade clínica e não ao efeito direto dos ACR sobre os centros respiratórios ou na relação ventilação/perfusão, como especulado pelos autores.
Os poucos estudos que discutem o uso de ACR em pacientes com DPOC são de baixa qualidade metodológica. Entretanto, há fundamentação teórica para que mais investigações sejam realizadas com estas substâncias para se avaliar seus possíveis benefícios nesses pacientes.

HORMÔNIO DO CRESCIMENTO
O hormônio do crescimento é um polipeptídeo composto de 191 aminoácidos, liberado pela hipófise a partir de certos estímulos fisiológicos específicos. Através de técnicas de engenharia genética, pode-se obter sua forma sintética, o hormônio de crescimento recombinante (rhGH). Esta substância pode acelerar a oxidação dos ácidos graxos e aumentar a captação de aminoácidos, além de exercer um efeito diabetogênico, secundário à diminuição do transporte de glicose através da membrana celular. Outros efeitos colaterais relacionados ao rhGH são: edema periférico, hipotiroidismo e ginecomastia.(36)
O hormônio do crescimento estimula o fígado a produzir o fator de crescimento insulina-símile 1, uma molécula que se liga a proteínas carreadoras plasmáticas. Este fator de crescimento constitui o mais importante mediador anabólico do hormônio de crescimento,(37) tendo função central na regulação do metabolismo e na proliferação e diferenciação celulares(38) (Figura 2). Portanto, o emprego do hormônio do crescimento pode ser potencialmente benéfico na DPOC (Quadro 2).
Alguns autores avaliaram a ação do rhGH em pacientes com DPOC avançada (VEF1 = 29 ± 6% do previsto), aplicado via subcutânea (30 mg/kg/dia, por quatro dias e, posteriormente, 60 mg/kg/dia por mais quatro dias), em seis pacientes com perda de peso, que estavam recebendo nutrição parenteral.(39) A administração do hormônio do crescimento associou-se com aumento do gasto energético basal e da oxidação de gorduras, além da diminuição da oxidação de glicose. Foi observada melhora no balanço nitrogenado, um efeito potencialmente relevante para pacientes com baixo peso.
Outros autores(40) analisaram os efeitos da suplementação de 0,05 mg/kg/dia de rhGH via subcutânea por três semanas, em sete pacientes com DPOC (VEF< 70% do previsto) e baixo peso (< 90% do peso ideal).(41) Houve ganho significativo de peso e melhora do balanço nitrogenado. Em termos funcionais, a força muscular respiratória, avaliada pela pressão inspiratória máxima, aumentou, em média, 33% em seis pacientes e diminuiu em 8% em um indivíduo. Não houve mudanças na endurance muscular respiratória.
Outros ainda(42) estudaram os efeitos da administração de 0,15 UI/kg de rhGH via subcutânea por dia, durante três semanas em dezesseis pacientes estáveis (VEF1 < 70% do previsto e peso < 90% do ideal).(41) Os autores observaram aumento da massa muscular, porém sem reflexo na performance muscular respiratória ou na capacidade de exercício. Secundariamente, houve aumento do gasto energético basal, com elevação da taxa metabólica (consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono), atribuído ao efeito termogênico do rhGH, além de aumento da renovação protéica e lipólise.
Os efeitos do rhGH na capacidade funcional de pacientes com DPOC são controversos, e devem ser analisados cautelosamente devido ao reduzido número de publicações, ausência de grupo controle e uso isolado da terapia ergogênica, isto é, sem treinamento físico.(39-40) Além disso, os estudos foram realizados por curto período de tempo (cerca de três semanas), o que mostra alterações agudas no metabolismo e força muscular, não se conhecendo, portanto, seus efeitos em longo prazo. Outro aspecto a ser explorado em novos estudos é o da relação entre custo e eficácia, já que a suplementação do rhGH é dispendiosa, e, como comentado, seus benefícios clínicos ainda estão para ser comprovados. Estes aspectos, associados à limitação da via de administração (subcutânea), podem justificar a constatação de que nenhum estudo com rhGH na DPOC foi publicado nos últimos oito anos.

RECOMENDAÇÕES CONSENSUAIS
Considerando-se o impacto que a reduzida massa muscular parece exercer sobre a morbidade e a mortalidade em pacientes com DPOC, relativamente poucos estudos controlados e randomizados foram realizados com intervenções ergogênicas. A revisão da literatura disponível permite assinalar que, entre os suplementos ergogênicos avaliados, os esteróides anabolizantes, desde que utilizados em doses adequadas e por tempo limitado, parecem ser os mais promissores na DPOC. Evidências preliminares também apontam bons resultados com o uso da creatina e da L-carnitina e, em menor grau, com os aminoácidos de cadeia ramificada. O emprego do rhGH parece limitado em nosso meio devido ao custo elevado e à administração parenteral.
A suplementação ergogênica pode ser acrescentada ao tratamento convencional da DPOC avançada nas seguintes situações: pacientes com depleção muscular (índice de massa magra < 16kg/m2 para homens e <15kg/m2 para mulheres)(43) e/ou com peso inferior a 90% do peso ideal, pela tabela da Metropolitan Life Insurance,(41) pacientes com perda de peso maior que 10% do peso usual em um período de seis meses ou maior que 5% no último mês,(29) ou até mesmo, em casos em que o consumo alimentar, obtido através de inquéritos alimentares,(44) seja insuficiente em relação ao gasto energético basal - calculado este por equações preditivas(45) ou através da calorimetria indireta.(46) Por fim, devido ao efeito modulador do uso de corticosteróides na resposta ao tratamento com suplementação nutricional, a utilização de suplementos ergogênicos pode ser útil nos pacientes que fazem uso regular destas drogas.

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José Alberto Neder.
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Tel.: 55 11 5571-8384.
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