Paulo Almeida Carrilho Júnior
Resumo: Este trabalho apresenta o objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), além de buscar conceituar preceito fundamental em uma base lógico-jurídico com fundamento na clássica teoria do escalonamento da ordem jurídica de Hans Kelsen.
Palavras-chave: ADPF, Objeto, Preceito Fundamental, Conceito.
Abstract: This paper presents the object of the claim of breach of fundamental precept (ADPF), and seek to conceptualize fundamental precept in a logical and legal basis based on the classical theory of scaling law of Hans Kelsen.
Keywords: ADPF, object, Precept Fundamental Concept.
Sumário: 1. Introdução. 2. Supremacia formal da constituição e o controle de constitucionalidade. 3. Da inconstitucionalidade e o controle de constitucionalidade concentrado correspondente. 4. ADPF – argüição de descumprimento de preceito fundamental. 4.1. Objeto da ADPF. 4.2. Conceito de preceito fundamental. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, introduzida no ordenamento jurídico pela EC n. 03/93, prevista no § 1º, do art. 102, da Constituição Federal, representa uma das formas de exercício do controle concentrado de constitucionalidade.
Regulada pela Lei n. 9.882/99, tem como principal objetivo, assim como todas as ações de controle de constitucionalidade, a prevalência da rigidez constitucional e a segurança jurídica.
Contudo, surge, juntamente, com este controle de constitucionalidade a necessidade de se conceituar “preceito fundamental”. Isto porque nem a Constituição Federal nem a Lei 9.882/99 trouxeram o conceito de “preceito fundamental”, cabendo, desta forma, à doutrina e à jurisprudência criá-lo.
Pela relevância do tema e a recente discussão sobre a norma se buscará por meio deste apresentar um esboço do que se pode entender por “preceito fundamental”.
2. Supremacia formal da constituição e o controle de constitucionalidade
Alocando-se a norma constitucional em um arcabouço protegido pela rigidez do processo de alteração de seu texto fazendo com que suas normas sejam postas em uma posição hierárquica acima das demais normas originárias do Poder Legislativo, que buscam diretamente na Constituição Federal sua validade, tem-se, neste tipo de ordenamento jurídico uma Constituição rígida.
A rigidez é decorrente da dificuldade de emenda ao texto constitucional, ou seja, previsão de um processo especial de elaboração de emenda constitucional, que difere do utilizado para a elaboração das demais normas infraconstitucionais. Este tratamento especial, esse status dado a Constituição implica em uma hierarquia das normas do ordenamento jurídico, tendo a Carta Política uma posição hierárquica suprema.
A rigidez e a relação hierárquica da Constituição e as normas infraconstitucionais dão-se o nome de princípio da supremacia formal da Constituição. Esta supremacia reflete na obrigatoriedade de respeito das normas infraconstitucionais para com a norma que lhes dá validade, i.e., a Constituição.
E, para manter esta relação de validade dentro do sistema normativo existe o controle de constitucionalidade, que pode ser concentrado ou difuso, prévio ou posterior, para fins deste estudo, limitar-se-á à análise do controle concentrado de constitucionalidade efetuado pelo Poder Judiciário após a edição da norma, ou seja, o controle concentrado e posterior.
No ordenamento brasileiro o guardião precípuo da Constituição Federal é o Supremo Tribunal Federal (art. 102, caput, da CF), ele é órgão competente para julgar e processar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e declaratória de constitucionalidade (ADC), além da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Tais ações têm o fim de expurgar do ordenamento jurídico os atos normativos que estejam incompatíveis com o texto constitucional, e, assim, garantir a supremacia formal da Constituição e manter a validade das normas infraconstitucionais que devem observar a norma Maior.
3. Da inconstitucionalidade e o controle de constitucionalidade concentrado correspondente
É inconstitucional toda norma que não tenha consonância com as previsões da Carta Magna. O respeito ao texto constitucional deve ser tanto no processo legislativo, formação da norma, quanto no conteúdo da norma, o desrespeito a um dos dois ou aos dois aspectos gera inconstitucionalidade, que pode ser formale/ou material, respectivamente.
Estas inconstitucionalidades são expurgadas pelas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), pois tem como objeto uma norma formal e/ou materialmente inconstitucional, em razão de um ato comissivo, uma norma ou no processo de formação dela.
Quando emitida uma norma, ela possui presunção de constitucionalidade, esta presunção é relativa, pois, ela pode ser material ou formalmente inconstitucional, então, para transformar a presunção relativa em absoluta, utiliza-se a ação direta de constitucionalidade (ADC), que tem como objetivo afastar a insegurança jurídica.
Enquanto as duas inconstitucionalidades anteriores eram por um ato comissivo a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), visa declarar a morosidade ou a omissão do responsável (Poder Legislativo, Executivo ou outro órgão que possuir a competência), em relação ao dever de legislar previsto em norma constitucional de eficácia limitada.
Resume-se, até o momento, em inconstitucionalidades por ação ou por omissão, podendo ser, ainda, totais ouparciais.
Por último, tem-se a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), também pertencente ao controle concentrado de constitucionalidade, porém com uma característica muito peculiar, que é oprincípio da subsidiariedade, que está prevista no art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/99, que dispõe não se admitir a ADPF quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, assim, qual seria a hipótese de controle concentrado de constitucionalidade, haja vista faltar o conceito de preceito fundamental e existir as demais ações para o controle por ação e por omissão inconstitucional.
Pelo princípio apresentado caberá ADPF sempre que não couber nenhum outro meio eficaz para sanar a lesividade, no caso, a preceito fundamental. Observa-se, que o art. 1º, parágrafo único, I, da Lei n. 9.882/99, dispõe que também caberá ADPF quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Por este dispositivo legal, pode-se inferir, que caberiam na ADPF as matérias anteriores à Constituição, assim, não sujeitas ao controle concentrado de constitucionalidade das ADI, ADC e ADO, pois são anteriores à vigente Constituição, isto é, não foram formadas sob suas regras, mas apenas recepcionadas, ou seja, as normas incompatíveis já estariam no limbo da não-recepção, porém ainda continuam sendo aplicadas, visto que, o fenômeno da receptividade não é expresso.
Outro objeto da ADPF seria as normas municipais, que pelo art. 102, II, “a”, da Carta Política, não estão previstas como sujeitas ao controle concentrado de constitucionalidade, porém, na ADI 2.231-8/DF, em medida liminar, o STF suspendeu em parte a aplicação do parágrafo único do art. 1º, da Lei n. 9.882/99, por haver ampliação da competência do STF por lei ordinária, suspendendo, desta forma, a expressão “...municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.
Desta forma, restam apenas os atos do Poder Público que violem ou ameacem violar preceito fundamental e quando houver controvérsia constitucional de relevante fundamento sobre lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 1º, caput e parágrafo único, I, da Lei n. 9.882/99), sendo estes as hipóteses de controle efetuado pela ADPF.
No caso de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental, o art. 3º, V, da Lei n. 9.882/99, prevê que deve acompanhar a petição inicial a comprovação da existência da controvérsia. Nesta hipótese o objeto é comprovado pela relevância e a amplitude da controvérsia em âmbito nacional, sendo este a maioria dos casos enfrentados pelo STF, pois cabe a Egrégia Corte dispor sobre o conceito de preceito fundamental. (ADPF n.1-RJ).
4. ADPF – argüição de descumprimento de preceito fundamental
4.1. Objeto da ADPF.
O objeto da ADPF são os atos do Poder Público, que violem ou ameacem violar preceito fundamental (art. 1º,caput, da Lei 9.882/99), com fulcro nisso, a doutrina classifica a ADPF em repressiva ou preventiva, respectivamente.
Ainda em se tratando do objeto, a lei em comento prevê a possibilidade de argüição quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal e estadual (art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.882/90, com redação dada pela liminar da ADI 2.231-8/DF, que suspendeu a parte final do parágrafo) e que na petição inicial deve ser comprovada (art. 3º, V, da Lei 9.882/99).
Por oportuno, deve-se lembrar que na ADImMC 2.231-DF, o Min. Néri da Silveira, relator, em face da formulação do parágrafo único do art. 1º, considerou que esse dispositivo autorizaria, além da argüição autônoma de caráter abstrato, a argüição incidental em processos em curso, a qual não poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas, tão-só, por via de emenda constitucional, e, portanto, proferiu voto no sentido de dar ao texto interpretação conforme à CF a fim de excluir de sua aplicação controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo (Informativo 253/STF).
4.2. Conceito de preceito fundamental.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino levantam a tese de que o legislador teria se u-
tilizado da palavra “preceito” em vez de “princípio” com o objetivo de evitar que o conceito a ser delineado pela doutrina e jurisprudência acabasse se restringindo aos princípios fundamentais arrolados no Título I da Constituição Federal. De acordo com os professores a expressão mais genérica permite que sejam abrangidos pelo conceito não só os princípios, mas também as regras, em suma, qualquer norma, desde que possa ser qualificada como fundamental.
A doutrina assinala como ponto relevante, também suscitado pelos autores, é que o texto constitucional menciona “preceito fundamental, decorrente desta Constituição”, art. 102, § 2º, da CF, o que denota que não é necessário que se trate de uma norma expressa, estando protegidas pela ADPF também as normas implícitas fundamentais que se possam inferir da Carta Política como um todo.
Assim, como guardião da Carta Magna o STF já se posicionou, que cabe a ele identificar as normas que devem ser consideradas preceitos fundamentais decorrentes da Constituição Federal (ADPF 1/RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 03.02.2000).
Mas, sem desrespeitar a Suprema Corte o que poderia ser conceituado de preceito fundamental?
5. Conclusão
De início, devemos entender que o significado de princípio já está delineado na doutrina e com este não deve ser confundido.
A doutrina já trabalhou no conceito de princípio, que visto de uma forma ampla, como ensina Ruy Samuel Espíndola:
“a idéia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam”
Aplicando este conceito ao mundo jurídico, pode-se citar Roque Antonio Carrazza, que preceitua:
“princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”
Dos conceitos acima, pode-se inferir que princípio é uma idéia central posta hierarquicamente sobre as demais dentro de uma área de conhecimento. Aplicando-se ao Direito Constitucional, os princípios constitucionais, principalmente com o pós-positivismo, se tornaram o centro dos sistemas normativos como bem ressalta o eminente professor Paulo Bonavides, que:
“As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”
Assim, os princípios constitucionais estão expostos na Constituição Federal de forma explícita ou implícita e não se confundem com preceito fundamental, porque para a proteção daqueles já existem as ADI-Genérica, ADI-Interventiva, ADC e ADO, pois só cabe ADPF, quando não houver outro meio apto a sanar a lesividade (princípio da subsidiariedade).
Dessa forma, assumindo o ensinamento de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, preceito fundamental possui uma amplitude conceitual maior do que a de princípio.
E, para apresentar uma proposta de conceito de preceito fundamental partir-se-á das seguintes premissas:
a) a supremacia da constituição tem por base a clássica teoria do escalonamento da ordem jurídica de Kelsen;
b) a superioridade hierárquica-normativa da Carta Magna só se coaduna com as Constituições rígidas;
c) a Constituição tem como fundamento a norma fundamental hipotética (sentido lógico-jurídico);
d) a Constituição é o fundamento jurídico-positivo das normas infraconstitucionais;
e) os princípios constitucionais possuem caráter normativo e encontram-se no centro do ordenamento jurídico, sendo expressos ou implícitos nas normas constitucionais (não confundindo os conceitos de texto e norma);
f) preceito fundamental possui uma amplitude conceitual maior que a de princípio.
Partindo destas premissas, em um raciocínio indutivo, o preceito fundamental decorrente da Constituição (art. 102, § 1º, da CF) será aquele que se encontra na norma fundamental hipotética.
Explicando melhor, o texto constitucional está protegido por sua rigidez, fazendo com que suas normas sejam postas em uma posição hierárquica acima das demais normas originárias do Poder Legislativo, que buscam diretamente na Constituição Federal sua validade.
Este tratamento especial, esse status dado a Constituição implica em uma hierarquia das normas do ordenamento jurídico, tendo a Carta Política uma posição hierárquica suprema donde emanam as normas e os princípios constitucionais.
A rigidez e a relação hierárquica da Constituição e as normas infraconstitucionais dão-se o nome de princípio da supremacia formal da Constituição. Esta supremacia reflete na obrigatoriedade de respeito das normas infraconstitucionais para com a norma que lhes dá validade, i.e., a Constituição. Mas, na formação da Constituição ela possui, em um plano lógico-jurídico, aplicando a teoria de Kelsen, uma norma fundamental hipotética onde busca seu fundamento de validade, e esta ainda se permeia por todo o ordenamento jurídico, pois se utilizando do axioma proposto por Spinoza: “A potência de um efeito é definida pela potência de sua causa, à medida que sua essência é explicada ou definida pela essência de sua causa.”. Propõe-se que:preceito fundamental é um dos axiomas que dão validade a todo o sistema jurídico, encontrado pela investigação indutiva das normas constitucionais, sendo um fundamento lógico-transcendental de validade da constituição jurídico-positiva.
Posto isso, os fundamentos lógico-jurídicos não estão protegidos pelo controle concentrado de constitucionalidade das ADI, ADC ou ADO, porque estão no plano hipotético, não são normas ou princípios que o ordenamento jurídico expressamente ou implicitamente apresenta, mas um conceito mais amplo e que afeta todo o ordenamento caso seja violado, pois é base da própria Constituição.
A violação de um preceito fundamental viola várias normas e princípios constitucionais de uma só vez, visto que, o axioma pode dar fundamento para várias normas e princípios. A ADPF 130/DF, que declarou como não recepcionada a Lei de Imprensa, Lei 5.250/1967, é um exemplo de violação de vários princípios e normas constitucionais.
Por fim, a argüição de descumprimento de preceito fundamental é o mecanismo mais pragmático para proteger a higidez do ordenamento jurídico, pois, quando todos os outros meios não sejam capaz de proteger os fundamentos lógico-jurídicos (espalhados na forma de normas e princípios) da Constituição Federal entra em tela a ADPF.
Referências bibliográficas:
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Oliveira, Erival da Silva. Prática constitucional (Coleção prática forense ; v. 1) – 3. ed rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 62.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado – 4. ed., rev. e atualizada. – Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : MÉTODO : 2009, p. 824
SPINOZA, Benedictus de, 1632-1677; [tradução de Tomaz Tadeu]. Ética. – Belo Horizonte : Autêntica Editora , 2009.
Informações Sobre o Autor
Paulo Almeida Carrilho Júnior
Graduado em Ciências Biológicas pela Faculdade de Formação de Professores de Araripina – FAFOPA (2006); Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Araripina – FACISA (2011); Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/Rede de Ensino LFG.
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