Congenital syphilis: a sentinel event in antenatal care quality
Sífilis congénita: evento centinela de la calidad de la asistencia pre-natal
Rosa Maria Soares Madeira DominguesI; Valeria SaracenII; Zulmira Maria De Araújo HartzIII; Maria Do Carmo LealIV
IInstituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IICoordenação de Análise de Situação da Saúde. Superintendência de Vigilância em Saúde. Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIInstituto de Higiene e Medicina tropical. Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal
IVDepartamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IICoordenação de Análise de Situação da Saúde. Superintendência de Vigilância em Saúde. Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIInstituto de Higiene e Medicina tropical. Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal
IVDepartamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Analisar a assistência pré-natal na prevenção da transmissão vertical da sífilis.
MÉTODOS: Estudo transversal representativo para as gestantes de baixo risco atendidas em unidades de saúde do município do Rio de Janeiro, RJ, período de 2007 a 2008. A identificação de gestantes com diagnóstico de sífilis na gestação foi feita por meio de entrevistas, verificação do cartão de pré-natal e busca de casos notificados em sistemas públicos de informação em saúde. Os casos de sífilis congênita foram identificados por meio de busca nos sistemas de informação em saúde: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS.
RESULTADOS: Foram identificados 46 casos de sífilis na gestação e 16 casos de sífilis congênita com uma prevalência estimada de 1,9% (IC95% 1,3;2,6) de sífilis na gestação e de 6/1.000 (IC95% 3;12/1.000) de sífilis congênita. A taxa de transmissão vertical foi de 34,8% e três casos foram fatais, um abortamento, um óbito fetal e um óbito neonatal, com proporções elevadas de baixo peso e prematuridade. A trajetória assistencial das gestantes mostrou falhas na assistência, como início tardio do pré-natal, ausência de diagnóstico na gravidez e ausência de tratamento dos parceiros.
CONCLUSÕES: Estratégias inovadoras, que incorporem melhorias na rede de apoio diagnóstico, são necessárias para enfrentamento da sífilis na gestação, no manejo clínico da doença na gestante e seus parceiros e na investigação dos casos como evento sentinela da qualidade da assistência pré-natal.
MÉTODOS: Estudo transversal representativo para as gestantes de baixo risco atendidas em unidades de saúde do município do Rio de Janeiro, RJ, período de 2007 a 2008. A identificação de gestantes com diagnóstico de sífilis na gestação foi feita por meio de entrevistas, verificação do cartão de pré-natal e busca de casos notificados em sistemas públicos de informação em saúde. Os casos de sífilis congênita foram identificados por meio de busca nos sistemas de informação em saúde: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS.
RESULTADOS: Foram identificados 46 casos de sífilis na gestação e 16 casos de sífilis congênita com uma prevalência estimada de 1,9% (IC95% 1,3;2,6) de sífilis na gestação e de 6/1.000 (IC95% 3;12/1.000) de sífilis congênita. A taxa de transmissão vertical foi de 34,8% e três casos foram fatais, um abortamento, um óbito fetal e um óbito neonatal, com proporções elevadas de baixo peso e prematuridade. A trajetória assistencial das gestantes mostrou falhas na assistência, como início tardio do pré-natal, ausência de diagnóstico na gravidez e ausência de tratamento dos parceiros.
CONCLUSÕES: Estratégias inovadoras, que incorporem melhorias na rede de apoio diagnóstico, são necessárias para enfrentamento da sífilis na gestação, no manejo clínico da doença na gestante e seus parceiros e na investigação dos casos como evento sentinela da qualidade da assistência pré-natal.
Descritores: Sífilis Congênita, epidemiologia. Sorodiagnóstico da Sífilis, utilização. Transmissão Vertical de Doença Infecciosa, prevenção & controle. Cuidado Pré-Natal. Qualidade da Assistência à Saúde.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To evaluate antenatal care in reducing the vertical transmission of syphilis.
METHODS: A cross-sectional study was designed to be representative of low-risk pregnancies in women cared for at the Brazilian Unified Health System (SUS) network in the city of Rio de Janeiro, from November 2007 to July 2008. Pregnant women diagnosed with syphilis were identified through interviews, checking their antenatal care card and searching for reported cases in the public health information systems. Cases of congenital syphilis were sought at the disease reporting system (Sinan), the Mortality Information System (SIM) and the SUS's Hospital Information System (SIH).
RESULTS: Syphilis was identified in 46 of the pregnancies, and 16 cases of congenital syphilis were identified, resulting in a prevalence of 1.9% (95%CI 1.3;2.6) of syphilis in pregnancy and an incidence of 6/1,000 (95%CI 3;12/1,000) of congenital syphilis. The vertical transmission rate was 34.8% with three cases resulting in death (1 abortion, 1 stillborn and 1 neonatal death) and high proportions of prematurity and low birth weight. The healthcare pathway of those women revealed flaws in the care they received, such as late entry to antenatal care, syphilis remaining undiagnosed during pregnancy and lack of treatment for the partner.
CONCLUSIONS: Innovative strategies are needed to improve the outcomes of syphilis in pregnancy, including improving the laboratory network, the quality of care delivered to the pregnant women and their sexual partners and, most important of all, investigating every case of congenital syphilis as a sentinel event in the quality of antenatal care.
METHODS: A cross-sectional study was designed to be representative of low-risk pregnancies in women cared for at the Brazilian Unified Health System (SUS) network in the city of Rio de Janeiro, from November 2007 to July 2008. Pregnant women diagnosed with syphilis were identified through interviews, checking their antenatal care card and searching for reported cases in the public health information systems. Cases of congenital syphilis were sought at the disease reporting system (Sinan), the Mortality Information System (SIM) and the SUS's Hospital Information System (SIH).
RESULTS: Syphilis was identified in 46 of the pregnancies, and 16 cases of congenital syphilis were identified, resulting in a prevalence of 1.9% (95%CI 1.3;2.6) of syphilis in pregnancy and an incidence of 6/1,000 (95%CI 3;12/1,000) of congenital syphilis. The vertical transmission rate was 34.8% with three cases resulting in death (1 abortion, 1 stillborn and 1 neonatal death) and high proportions of prematurity and low birth weight. The healthcare pathway of those women revealed flaws in the care they received, such as late entry to antenatal care, syphilis remaining undiagnosed during pregnancy and lack of treatment for the partner.
CONCLUSIONS: Innovative strategies are needed to improve the outcomes of syphilis in pregnancy, including improving the laboratory network, the quality of care delivered to the pregnant women and their sexual partners and, most important of all, investigating every case of congenital syphilis as a sentinel event in the quality of antenatal care.
Descriptors: Syphilis, Congenital, epidemiology. Syphilis Serodiagnosis, utilization.Infectious Disease Transmission, Vertical, prevention & control. Prenatal Care. Quality of Health Care.
RESUMEN
OBJETIVO: Analizar la asistencia pre-natal en la prevención de la transmisión vertical de la sífilis.
MÉTODOS: Estudio transversal representativo para las gestantes de bajo riesgo atendidas en unidades de salud del municipio de Rio de Janeiro, Sureste de Brasil, período de 2007 a 2008. La identificación de gestantes con diagnóstica de sífilis en la gestación fue realizada por medio de entrevistas, verificación de la tarjeta de pre-natal y búsqueda de casos notificados en sistemas públicos de información en salud. Los casos de sífilis congénita se identificaron por medio de búsqueda en los sistemas de información en salud: Sistema de Información de Agravios de Notificación (SINAN), Sistema de Información sobre Mortalidad (SIM) y Sistema de Informaciones Hospitalarios (SIH) del SUS.
RESULTADOS: Se identificaron 46 casos de sífilis en la gestación y 16 casos de sífilis congénita con una prevalencia estimada de 1,9% (IC95% 1,3;2,6) de sífilis en la gestación y de 6/1.000 (IC95% 3;12/1.000) de sífilis congénita. La tasa de transmisión vertical fue de 34,8% y tres casos fueron fatales, un aborto, un óbito fetal y un óbito neonatal, con proporciones elevadas de bajo peso y prematuridad. La trayectoria asistencial de las gestantes mostró fallas en la asistencia, como inicio tardío del pre-natal, ausencia de diagnóstico en el embarazo y ausencia de tratamiento de las parejas.
CONCLUSIONES: Estrategias innovadoras son necesarias para enfrentar la sífilis en la gestación, que incorporen mejorías en la red de apoyo diagnóstico, en el manejo clínico de la enfermedad en la gestante y sus parejas y en la investigación de los casos como evento centinela de la calidad de la asistencia pre-natal.
MÉTODOS: Estudio transversal representativo para las gestantes de bajo riesgo atendidas en unidades de salud del municipio de Rio de Janeiro, Sureste de Brasil, período de 2007 a 2008. La identificación de gestantes con diagnóstica de sífilis en la gestación fue realizada por medio de entrevistas, verificación de la tarjeta de pre-natal y búsqueda de casos notificados en sistemas públicos de información en salud. Los casos de sífilis congénita se identificaron por medio de búsqueda en los sistemas de información en salud: Sistema de Información de Agravios de Notificación (SINAN), Sistema de Información sobre Mortalidad (SIM) y Sistema de Informaciones Hospitalarios (SIH) del SUS.
RESULTADOS: Se identificaron 46 casos de sífilis en la gestación y 16 casos de sífilis congénita con una prevalencia estimada de 1,9% (IC95% 1,3;2,6) de sífilis en la gestación y de 6/1.000 (IC95% 3;12/1.000) de sífilis congénita. La tasa de transmisión vertical fue de 34,8% y tres casos fueron fatales, un aborto, un óbito fetal y un óbito neonatal, con proporciones elevadas de bajo peso y prematuridad. La trayectoria asistencial de las gestantes mostró fallas en la asistencia, como inicio tardío del pre-natal, ausencia de diagnóstico en el embarazo y ausencia de tratamiento de las parejas.
CONCLUSIONES: Estrategias innovadoras son necesarias para enfrentar la sífilis en la gestación, que incorporen mejorías en la red de apoyo diagnóstico, en el manejo clínico de la enfermedad en la gestante y sus parejas y en la investigación de los casos como evento centinela de la calidad de la asistencia pre-natal.
Descriptores: Sífilis Congénita, epidemiología. Serodiagnóstico de la Sífilis, utilización. Transmisión Vertical de la Enfermedad Infecciosa, prevención & control. Cuidado Pre-natal. Calidad de la Asistencia a la Salud.
INTRODUÇÃO
A sífilis congênita é uma doença que pode ser evitada. Práticas realizadas rotineiramente na assistência pré-natal são efetivas para a prevenção de casos.1,2,4 Óbitos por sífilis congênita em menores de cinco anos são considerados evitáveis com os recursos assistenciais disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).7 É um evento sentinela,9 já que pode ser evitado por ações de saúde eficazes e obriga a investigação retrospectiva dos casos para obter informações sobre a assistência prestada e propor medidas pertinentes.5
No município do Rio de Janeiro, RJ, apesar dos esforços desenvolvidos para o controle da sífilis congênita desde o final da década de 1990, persiste quadro epidemiológico de elevada incidência de casos e formas graves da doença.ª Dados da vigilância de sífilis na gravidez de 1999 a 2004 mostram falhas na assistência pré-natal, como problemas na realização do exame de triagem (VDRL), no tratamento adequado da gestante e principalmente no tratamento do parceiro.13
O objetivo deste estudo foi avaliar a assistência pré-natal na prevenção da transmissão vertical da sífilis.
MÉTODOS
Estudo transversal com 2.422 gestantes em acompanhamento pré-natal em unidades de saúde da rede SUS do município do Rio de Janeiro nos anos 2007 e 2008. Trata-se de um projeto interinstitucional, coordenado pelo Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fiocruz.
Foi realizada amostragem por conglomerado em dois estágios. Foram selecionados os estabelecimentos de saúde com atendimento pré-natal de baixo risco no primeiro estágio e as gestantes atendidas em cada um dos serviços selecionados, no segundo.
As unidades primárias de seleção foram estratificadas, segundo tipo de unidade, em: unidades básicas de saúde (UBS), hospitais/maternidades, casa de parto (CP) e unidades de saúde da família (USF).
Foi feita seleção aleatória simples das unidades elegíveis dos estratos hospitais/maternidades (H/M) e UBS nas dez áreas programáticas (AP) da cidade. Manteve-se na amostra a mesma distribuição proporcional por AP observada na cidade na época do estudo. A única unidade existente de CP no município foi incluída no estudo.
As USF foram selecionadas seguindo um plano de amostragem distinto, e foram escolhidas as unidades que melhor atendessem aos critérios estabelecidos pela pesquisa (não estar localizada em área de elevado risco de violência, dispor do maior número de equipes e ter maior tempo de funcionamento) nas áreas de maior expansão da estratégia de saúde da família.
O tamanho da amostra foi estabelecido considerando o desfecho "adequação do pré-natal", estimado em 50,0%, e nível de significância de 5,0%. Foi definida margem de erro bilateral de 2,5% para UBS, H/M e CP e de 5,2% para as USF. Foi feita correção para população finita e para efeito de desenho, estimado em 1,5, com amostra final de 2.187 mulheres no estrato UBS, H/M e CP e 230 entrevistas nas USF. Como as poucas recusas (inferior a 5,0%) foram repostas, foi obtido o tamanho estimado e entrevistadas 2.422 gestantes.
Foram elegíveis todas as gestantes atendidas nas unidades selecionadas, independentemente da idade, local de residência e época da gestação.
Foi realizada entrevista com as gestantes e extração de dados do cartão de pré-natal. Utilizou-se um questionário padronizado e a coleta de dados foi realizada por profissionais e estudantes da área de saúde previamente treinados, sob a supervisão dos pesquisadores, na própria unidade de saúde. Fez-se cópia manual ou reprográfica dos cartões, com posterior extração das informações relevantes por um grupo de profissionais de nível superior com experiência na assistência pré-natal.
Os instrumentos foram avaliados e pré-testados no estudo piloto. O trabalho de campo foi realizado de novembro de 2007 a julho de 2008.
Os questionários foram revisados e codificados por membros da equipe e o armazenamento dos dados foi realizado por meio do programa Access, com digitação com dupla entrada dos questionários e correção de erros até obtenção de 100% de concordância.
A avaliação da qualidade da assistência pré-natal, para a redução da transmissão vertical da sífilis, foi feita por meio de busca de casos de sífilis na gestação e de sífilis congênita nos sistemas oficiais de informação: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS. A busca nos sistemas de informação permitiu avaliar sua cobertura em relação aos agravos "sífilis na gestação" e "sífilis congênita".
A busca para casos de sífilis na gestação foi feita no Sinan a partir da seleção dos casos notificados de 2007 a 2009.
Foram feitas buscas no Sinan, SIM e SIH para os casos de sífilis congênita. Os casos notificados como sífilis congênita precoce de 2007 a 2009 foram selecionados no Sinan. Os óbitos fetais ou não fetais classificados com causa básica e/ou causas associadas, cujos códigos variaram de A50.0 a A50.9 da CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) de 2007 a 2009, foram selecionados no SIM. Internações classificadas com diagnóstico principal e/ou secundário e/ou CID-10 de morte associados a códigos entre A50.0 e A50.9 da CID-10 e as internações por abortamento foram selecionadas no SIH. A busca nesse sistema restringiu-se aos anos 2008 e 2009, por não ter sido possível obter o banco nominal para 2007.
A busca dos casos de "sífilis na gestação" e de "sífilis congênita" no sistema de informação foi realizada por meio do programa Reclink,3 e a variável chave foi o nome da gestante entrevistada.
As seguintes informações foram utilizadas para auxiliar na identificação correta dos casos: data de nascimento e/ou idade, endereço, data prevista do parto, data do desfecho (parto ou aborto) e data da notificação (nos casos de sífilis na gestação). Foram excluídos casos em que houve dúvida na identificação da gestante, seja por diferenças no nome, na idade e/ou no endereço, seja pela incompatibilidade entre a data do desfecho e/ou da notificação e a data da participação da gestante no estudo.
Foram considerados caso de sífilis na gestação: a) gestantes com registro de resultado do exame VDRL "reagente" no cartão de pré-natal no momento da entrevista, com qualquer titulação, exceto nos casos em que houvesse registro de que esse exame fosse decorrente de sífilis anterior, adequadamente tratada; b) gestantes que durante a entrevista relatassem diagnóstico de sífilis na gestação e o cartão de pré-natal não apresentasse registro do resultado do exame; c) gestantes identificadas no Sinan com diagnóstico de "sífilis na gestação"; e d) gestantes cujo desfecho da gestação tenha sido um caso de "sífilis congênita", identificado em qualquer dos sistemas de informação consultados.
Foram definidos como caso de sífilis congênita todos os produtos da gestação (aborto, natimorto ou nascido vivo) identificados em algum dos sistemas de informação (SIM, Sinan ou SIH) como "sífilis congênita precoce".
Realizou-se busca nominal no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) de todos os casos de "sífilis congênita precoce" nascidos vivos, a fim de obter informações referentes ao peso e idade gestacional ao nascer, uma vez que esses dados não estão disponíveis na ficha do Sinan. Nos casos de natimorto, essa informação foi obtida no próprio SIM.
Os casos identificados na entrevista e em cada sistema de informação foram comparados e a cobertura do Sinan foi calculada para os casos de "sífilis na gestação" e dos sistemas Sinan, SIM e SIH para os casos de "sífilis congênita".
A prevalência da sífilis na gestação, a incidência da sífilis congênita e a taxa de transmissão vertical foram calculados a partir dos casos identificados.
Foi calculada a prevalência de sífilis na gestação e a razão de prevalência segundo características demográficas, socioeconômicas, reprodutivas e de acesso aos serviços das mulheres entrevistadas. Mulheres com diagnóstico ignorado foram excluídas dessa análise.
Cada elemento da amostra recebeu ponderação pelo inverso de sua probabilidade de seleção e calibração para restituir a distribuição conhecida das consultas de pré-natal na análise estatística. A Casa de Parto foi incluída no estrato das USF por suas características semelhantes e para permitir a inclusão do efeito de desenho.14
A partir das informações obtidas na entrevista e nos diversos sistemas de informação, foram descritas as trajetórias das gestantes que apresentaram como desfecho da gestação um caso identificado como "sífilis congênita precoce", identificando-se as falhas assistenciais em cada um dos procedimentos recomendados pelo Ministério da Saúde para prevenção da transmissão vertical da sífilis.b
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/Fiocruz (Parecer nº 142/06). Os dados foram colhidos mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e a confidencialidade das informações.
RESULTADOS
Quarenta e seis gestantes foram identificadas como tendo sífilis na gestação e 16 apresentaram um caso de sífilis congênita como desfecho da gestação.
Das 46 gestantes com sífilis, 34 foram identificadas no momento da entrevista (29 por meio de dados do cartão de pré-natal e cinco por relato da gestante) e 12 por busca nos sistemas de informação.
Todos os casos de sífilis congênita foram identificados nos sistemas de informação: 14 no Sinan, dois no SIM e sete no SIH. Dois casos identificados no Sinan foram descartados pela Coordenação Municipal de Vigilância Epidemiológica pela insuficiência de dados que permitisse classificá-lo como caso de sífilis congênita e foram excluídos da amostra. Uma gestante identificada no SIH, internada por abortamento, foi classificada como caso de sífilis congênita, embora não apresentasse registro de CID para sífilis, pois o início do tratamento da gestante foi realizado menos de 30 dias antes do desfecho (Tabelas 1 e 2).b
A cobertura do Sinan para os casos de sífilis na gestação foi de 23,9% e para sífilis congênita de 75,0%. Um caso grave de óbito fetal não foi localizado no Sinan, além de três internações por sífilis congênita, localizadas no SIH, uma por abortamento. Os dois casos de sífilis congênita que evoluíram para óbito estavam registrados no SIM. Foram identificados oito casos no SIH (53,3%), considerando-se o caso de aborto que não apresentava registro para sífilis e excluindo-se o caso de óbito fetal, para o qual não há emissão de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), formulário utilizado no SIH.
A prevalência de sífilis na gestação foi de 1,9% (IC95% 1,3;2,6).
Observou-se maior prevalência de sífilis na gestação em mulheres de cor preta, de menor classe econômica e escolaridade, que apresentavam antecedentes obstétricos de risco, com assistência pré-natal realizada em UBS, com início mais tardio do pré-natal e número inadequado de consultas (Tabela 3).
A incidência de sífilis congênita foi de seis por 1.000 (IC95% 3;12/1.000) com taxa de transmissão vertical de 34,8%.
Dos 16 casos de sífilis congênita, três foram formas graves da doença: um abortamento, um natimorto e um neomorto precoce. Quatro recém-natos eram assintomáticos ao nascimento e não havia registro do diagnóstico clínico ou de sinais e sintomas da doença na ficha de investigação ou na AIH em sete casos.
A idade gestacional estava disponível no Sinasc e no SIM para 14 casos: 14,3% de prematuridade e 20,0% de baixo peso ao nascer.
Não foi possível reconstituir a trajetória assistencial de uma gestante que não apresentava diagnóstico de sífilis no momento da entrevista e cujo bebê foi identificado no SIH, que não contém informações sobre a assistência pré-natal.
Das 15 trajetórias analisadas, cinco gestantes haviam iniciado o pré-natal tardiamente e cinco haviam mudado de unidade de saúde durante o acompanhamento pré-natal.
Quatro gestantes não haviam recebido o número adequado de consultas até o momento da entrevista, todas tendo iniciado o pré-natal tardiamente.
Treze gestantes referiram a solicitação do primeiro exame VDRL e, das nove que se encontravam no terceiro trimestre gestacional, quatro referiram a solicitação do segundo exame.
Nove gestantes apresentaram diagnóstico de sífilis na gestação, quatro receberam esse diagnóstico na admissão para o parto e essa informação não estava disponível para duas gestantes.
Foram observadas discrepâncias entre o relato da gestante e o registro do cartão: quatro gestantes que não sabiam informar o resultado do exame ou que referiram resultado não reator apresentavam registro de VDRL "reator" no cartão; uma gestante que referiu exame positivo não apresentava registro do resultado no cartão.
Das nove gestantes com diagnóstico de sífilis na gravidez, havia informação sobre a forma clínica da doença de uma delas. Quatro gestantes com notificação de sífilis na gravidez no Sinan (que contém campo para essa informação) apresentavam a forma clínica registrada como ignorada.
Havia informação sobre prescrição de tratamento para seis gestantes. No único caso em que a forma clínica estava informada, o tratamento prescrito foi inadequado por posologia incorreta. Em outros dois casos, a instituição do tratamento foi feita menos de 30 dias antes do parto ou abortamento. Foram identificadas discordâncias em relação ao tratamento da gestante em três casos, geralmente com a investigação da sífilis congênita sinalizando falhas na sua realização.
Das três gestantes que sabiam do diagnóstico da sífilis na gestação no momento da entrevista, duas referiram ter recebido orientação sobre riscos da doença para o bebê e sobre uso de preservativos, e uma referiu solicitação do exame VDRL para o parceiro.
Não foi encontrado registro de tratamento do parceiro na gestação ou no parto. Três gestantes não vivam mais com o parceiro, havia registro de que o tratamento não fora realizado em sete casos e não havia registro dessa informação em cinco casos.
A Tabela 4 e a Figura apresentam o resumo da trajetória dessas 15 mulheres, cuja gestação resultou em um caso de sífilis congênita, e as oportunidades perdidas por falhas no seguimento do protocolo assistencial recomendado.
DISCUSSÃO
A prevalência de sífilis na gestação (1,9%) foi menor que a relatada por Leal et al6 em pesquisa realizada em 1999-2000 com puérperas em maternidades do SUS do Rio de Janeiro (2,4%). Foi também inferior à encontrada nos dados de vigilância epidemiológica em 1999-2004, em que essa taxa apresentava queda de 4,7% para 2,8%.13 É semelhante, no entanto, à observada em estudo realizado em maternidades de referência cadastradas pelo Programa Nacional de DST/Aids em 1999-2000 (1,7%)8 e aos resultados do estudo sentinela realizado em 2004 (1,6%).c Os dados encontrados sugerem que a prevalência de sífilis na gestação no município do Rio de Janeiro está em declínio, aproximando-se dos valores observados em outros locais do País. A ampliação do trabalho de prevenção das DST/Aids e o maior acesso ao tratamento da sífilis podem ser explicações possíveis para os dados observados.
A incidência de sífilis congênita (6/1.000 nascidos) é elevada e seis vezes superior à meta de eliminação da doença proposta pelo Ministério da Saúde.d
A taxa de transmissão encontrada, superior a 30%; a forma grave dos casos de sífilis congênita, com três casos fatais e proporções elevadas de prematuridade e baixo peso ao nascer; aliada às falhas observadas na assistência, com início tardio do pré-natal, quebra na continuidade do cuidado com mudança de unidade de saúde durante a assistência, dificuldades no diagnóstico da sífilis durante a gestação (ausente em 25% dos casos de sífilis congênita), falhas no tratamento da gestante e, principalmente, do parceiro; além de falta de orientações sobre a doença e sobre uso de preservativos, indicam que a qualidade e efetividade da assistência para a redução da transmissão vertical foi baixa. Ressalta-se que a proporção de recém-natos prematuros e com baixo peso ao nascer foi muito superior à observada para o conjunto de nascidos vivos de residentes no município do Rio de Janeiro em 2007, cujos valores foram de 8,9% e 9,7%, respectivamente.e,f
A ausência de ações de aconselhamento resultou no desconhecimento da própria realização do exame, inclusive em gestantes com exames reagentes. A sífilis exige tratamento com medicação injetável, mudanças de comportamento e exames seriados para controle de cura, o que provavelmente culmina em baixa adesão pela gestante que sequer sabe a doença que tem.
Estudos realizados em outros contextos indicam falhas no manejo dos casos de sífilis na gestação, com predomínio daqueles de sífilis congênita considerados evitáveis.15 Entretanto, os não evitáveis por melhor atuação dos profissionais que prestavam a assistência pré-natal foram relatados nesses locais em decorrência de falha terapêutica, infecção tardia ou reinfecção,15 o que não se observou neste estudo.
Após a campanha de eliminação da sífilis congênita nos anos 1999 e 2000 no município do Rio de Janeiro, houve redução de 29% no número de óbitos por sífilis congênita entre 2000 e 2001, explicada pelos efeitos imediatos da campanha.11 Entretanto, observou-se retorno à situação anterior nos anos seguintes, com incidência anual superior a 10 casos/1.000 nascidos de 2004 a 2006 e mortalidade perinatal por sífilis estável, com taxas em tono de 1/1.000.ª Dados semelhantes foram encontrados neste estudo, mostrando que a situação epidemiológica da sífilis congênita na cidade mantém-se praticamente inalterada nos últimos anos.
Embora a sífilis seja uma doença para a qual existem recursos diagnósticos e terapêuticos simples e de baixo custo, seu controle na gestação mostra-se um desafio para profissionais de saúde e gestores. Isso em decorrência do curto intervalo da gestação para a realização do seu diagnóstico e tratamento; pela dificuldade de abordagem das doenças sexualmente transmissíveis, principalmente durante a gestação; e provavelmente pelo desconhecimento da magnitude desse agravo e dos danos que ele pode causar à saúde da mulher e do bebê pela população e pelos profissionais de saúde.
A maior prevalência de sífilis na gestação em mulheres de baixa condição socioeconômica, com antecedentes obstétricos de risco e pior acesso a serviços de saúde, indica a maior vulnerabilidade social e reprodutiva dessas mulheres, resultados encontrados em outros estudos8,10,11,15 e que tornam mais complexo o desafio de controle da sífilis nessa população.
A tentativa de reconstituir a trajetória assistencial das mulheres com diagnóstico de sífilis na gestação a partir de dados de um estudo transversal e da busca de dados nos sistemas de informação do SUS é uma limitação deste estudo. Pela sua própria natureza, o estudo transversal capta as informações disponíveis até o instante em que a pesquisa é realizada. Entrevistar mulheres no início da gestação pode ter acarretado na perda de informações importantes relacionadas à assistência pré-natal. Por outro lado, as fichas utilizadas nos sistemas de informação consultados não apresentam todas as informações que seriam relevantes para o objetivo deste estudo, além de apresentarem qualidade de preenchimento variável e muitas vezes incompleto, fato descrito em estudos anteriores.10,12
Os limites para o cálculo da prevalência da sífilis na gestação e da incidência da sífilis congênita estão relacionados a problemas na cobertura dos sistemas de informação, o SIH com pior desempenho para a sífilis congênita. Além disso, não foi possível obter informações do SIH para 2007, o que pode ter ocasionado a perda de casos de sífilis congênita nesse ano e que não tenham sido notificados em outros sistemas. O critério utilizado para identificação dos casos, com exclusão de todo aquele em que houvesse alguma dúvida, pode também ter resultado em menor sensibilidade da busca. Por essas razões, os resultados devem ser vistos como conservadores, existindo a possibilidade de que os números encontrados estejam subestimados, o que reforça a gravidade da situação, considerando-se a incidência, taxa de transmissão vertical e casos fatais encontrados.
Estratégias inovadoras são necessárias, visando: à captação precoce das gestantes para o início da assistência pré-natal no primeiro trimestre gestacional; à garantia do diagnóstico da doença durante a gestação no menor prazo possível, permitindo o tratamento antes da 24ª à 28ª semana gestacional, quando é mais efetivo para o feto;2 e ao manejo clínico adequado da gestante e seu(s) parceiro(s), incluindo o aconselhamento sobre a doença e formas de prevenção. Assim, poderá haver aumento da adesão ao tratamento e redução da vulnerabilidade das mulheres e seus parceiros às DST.
A ampliação da notificação dos casos de sífilis na gestação no Sinan, a busca sistemática de casos de sífilis congênita em todos os sistemas de informação e a melhoria do preenchimento das fichas de notificação e investigação são fundamentais para o melhor controle da doença. A investigação obrigatória da sífilis congênita como evento sentinela, previsto desde a primeira lista elaborada por Rutstein et al9 em 1976 e incorporada pelo Ministério da Saúde em 1986, parece-nos a recomendação inadiável para a vigilância epidemiológica.
A sífilis congênita é uma condição evitável desde que corretamente diagnosticada e tratada. A persistência de alta incidência da doença e de altas taxas de transmissão vertical, mesmo após o aumento considerável da cobertura de assistência pré-natal e do número médio de consultas com a instalação do SUS, indica que a qualidade da assistência é insatisfatória.
Este estudo apresenta dados úteis para orientar as iniciativas dos gestores e de profissionais da saúde visando à melhoria da qualidade e à eliminação da sífilis congênita.
A ocorrência de sífilis na gestação está associada à cor, ao baixo nível de escolaridade, às condições socioeconômicas piores, aos antecedentes de risco obstétrico, ao início tardio do acompanhamento pré-natal e ao número insuficiente de consultas.
A ocorrência de sífilis congênita está associada ao manejo inadequado dos casos com perda de oportunidade tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento, à ausência de aconselhamento, à falta tratamento do parceiro e ao tratamento incorreto dos casos diagnosticados.
O estudo mostra a necessidade urgente de revisão dos procedimentos adotados e maior responsabilização dos profissionais perante um problema evitável.
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Rosa Maria Soares Madeira Domingues
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - Fiocruz Gabinete da Direção
Av. Brasil, 4365 Manguinhos
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