Concepciones y prácticas de cuidado en la visión del hombre
Silvana de Oliveira SilvaI; Maria de Lourdes Denardin BudóII; Marciele Moreira da SilvaIII
IMestre em Enfermagem. Coordenadora do Curso de Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) -Campus de Santiago. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail:silvanaoliveira@urisantiago.br
IIDoutora em Enfermagem. Professora Associado do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: lourdesdenardin@gmail.com
IIIMestranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM. Docente do Curso de Enfermagem da URI - Campusde Santiago. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: enfmarciele@yahoo.com.br
IIDoutora em Enfermagem. Professora Associado do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: lourdesdenardin@gmail.com
IIIMestranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM. Docente do Curso de Enfermagem da URI - Campusde Santiago. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: enfmarciele@yahoo.com.br
RESUMO
Olhar o cuidado na perspectiva dos homens é um grande desafio, visto que sempre esteve associado à mulher. Por meio de pesquisa qualitativa exploratória e descritiva, teve-se por objetivo descrever as concepções e as práticas de cuidado a partir da percepção de homens. Foram realizadas entrevistas narrativas com 13 homens entre 20 e 30 anos, residentes na área de abrangência de uma Estratégia de Saúde da Família. A partir da análise temática os resultados demonstraram que os homens concebem cuidado de forma abrangente e singular; se constituem seres de cuidado para familiares, amigos e colegas; o praticam por meio de ações e atitudes diversificadas; numa relação de reciprocidade se sentem cuidados pelas mulheres-mães-esposas-irmãs. Foi constatada a relevância deste estudo para a enfermagem, uma vez que contribuirá com o planejamento de ações inovadoras e condizentes com as concepções desses sujeitos.
Descritores: Saúde do homem. Enfermagem. Cultura.
RESUMEN
Mire cuidadosamente la perspectiva de los hombres es un gran desafío porque esto siempre ha sido asociado con las mujeres. Por el medio de una pesquisa cualitativa exploratoria e descriptiva, el objetivo fue describir las concepciones y las practicas de cuidado a partir de la percepción de hombres. Fueran realizadas entrevistas narrativas con hombres entre 20 y 30 años, residentes en la área de alcance de una Estrategia de Salud de la Familia. A partir del análisis temático, los resultados mostraron que los hombres conciben cuidadosamente y de forma global los seres singulares constituidos por cuidado de familiares, amigos y colegas, la práctica a través de acciones y actitudes variadas, en una relación recíproca sentirse cuidado por mujeres - madres - esposas - hermanas. Se observó la importancia de este estudio para la enfermería, ya que ayudará con la planificación y las acciones innovadoras en consonancia con las opiniones de estos sujetos.
Descriptores: Salud del hombre. Enfermería. Cultura
INTRODUÇÃO
Toda a espécie, inclusive a humana, sobrevive porque existe um cuidado mútuo e em função desse cuidado, que tudo vive, reproduz-se, mantém-se, relaciona-se e transforma-se.1 Para garantir a vida do grupo e da espécie, homens e mulheres organizaram-se em torno de algumas necessidades fundamentais, "[...] como sustento, proteção das intempéries, defesa do território e salvaguarda dos seus recursos".2:28
Aos homens coube a tarefa de realizar as atividades que exigiam força como a caça, a defesa do território e, às mulheres, as práticas de alimentação, de vestiário, do habitat, consideradas ações mais calmas, humildes e menos espetaculares. Essa divisão sexuada de tarefas, carregada de valor simbólico, demarcou o lugar de homens e mulheres na vida social e econômica, a partir de uma diversidade de modos de vida e costumes que geraram rituais e crenças próprios de cada grupo.2
Desde então, o cuidado tem sido associado à mulher. A elas, competem todos os cuidados que giram em torno de tudo que cresce e se desenvolve, e sob essa visão, incluem-se as crianças, os doentes, os moribundos.2 Dessa forma, a mulher passou a ser considerada como símbolo principal de cuidado e o homem como não socializado a esse papel.
Referindo-se à naturalização do cuidado como algo inato à mulher e excluído do universo masculino, "felizmente, para uma perspectiva ética que valoriza a flexibilidade e uma abertura para o novo, as pessoas não internalizam os atributos de gênero e os modelos hegemônicos como uma produção em série".3:87 Ao contrário, é possível perceber que as mulheres, ao observarem seu lugar na sociedade, deram início aos movimentos que criticam relações de poder, reivindicaram seu espaço no mercado de trabalho e transformaram a vivência da sexualidade e da estrutura familiar. Da mesma forma, os homens também percebem a existência das masculinidades que se constroem ao redor do modelo hegemônico.3
Partindo do pressuposto que essas questões são social e culturalmente construídas, torna-se necessário relativizar essa cultura patriarcal. Não olhar o cuidado e o cuidar somente na perspectiva feminina, mas compreender nas diferenças, como se processa o cuidado no universo masculino. Nesse sentido, estudos têm apontado que a responsabilidade social do cuidado, historicamente atribuído ao gênero feminino, está aos poucos deixando de ser de exclusividade das mulheres, tendo em vista que se encontraram alguns cuidadores homens mais envolvidos afetivamente com o cuidado da família, dos filhos, dos doentes e com o autocuidado.4-7
Face ao exposto, questiona-se: quais são os saberes e as práticas de cuidado desenvolvidas por homens de 20 a 30 anos, moradores na área de abrangência de uma Estratégia de Saúde da Família (ESF)? Nessa conjuntura, a pesquisa apresentada neste artigo teve como objetivo descrever as concepções e as práticas de cuidado a partir da percepção de homens residentes em município de médio porte do interior do Rio Grande do Sul.
A justificativa deste estudo encontra respaldo na experiência profissional das autoras quando percebem, no cotidiano da assistência e do espaço de ensino-aprendizagem, atitudes e comportamentos que priorizam a saúde da mulher e da criança em detrimento dos sujeitos do sexo masculino, os quais não são considerados em suas especificidades.
Portanto, a contribuição desse estudo é de grande relevância social e acadêmica para a atenção à saúde dos homens, pois contribuirá para uma maior aproximação dos profissionais e dos serviços de saúde com esses sujeitos. Especificamente, para a enfermagem, a contribuição está vinculada ao conhecimento restrito que os profissionais têm acerca do universo masculino. Também, porque a compreensão da visão de mundo, de valores e crenças dos homens em relação ao cuidado, dará aos/as enfermeiros/as a possibilidade de repensar sobre as práticas de cuidado direcionadas à saúde do homem e colaborar com a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem.
METODOLOGIA
Trata-se de uma investigação qualitativa de caráter exploratório e descritivo. Para a seleção dos sujeitos, utilizaram-se como critérios de inclusão: homens de 20 a 30 anos de idade, pertencentes à área de abrangência da ESF; critérios de exclusão: sujeitos que apresentavam morbidade registrada na Ficha A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). O período de coleta ocorreu entre os meses de fevereiro a junho de 2010.
A faixa etária eleita justifica-se por representar a maior mortalidade por causas externas no país,8 assim como, pela invisibilidade desses usuários na Unidade de Saúde da Família (USF) constatada por meio de busca nas fichas de atendimento ambulatorial no período antecedente a pesquisa. Trata-se, portanto, de uma população não conhecida pela equipe de saúde. Optou-se por uma área de abrangência da USF por ser a porta de entrada da atenção básica, local pelo qual a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem prevê fortalecer as ações e os serviços de saúde para os homens.
O critério de exclusão, morbidade na Ficha A, teve o intuito de conhecer as concepções e as práticas de cuidado que ultrapassassem o cuidado centrado na doença e dar voz aos sujeitos que não estavam em contato com a equipe de saúde por alguma morbidade, ou seja, homens que, geralmente, não procuram a unidade de saúde.
Levando-se em conta que, em estudos qualitativos, existe a preocupação em aprofundar o conhecimento sobre o objeto em questão, o número de participantes se deu pelos princípios de saturação empírica de dados e diversificação interna.9 O primeiro, compreendido como o momento em que a busca de novos sujeitos não acrescenta nenhum dado novo à investigação. O segundo, relacionado à necessidade de maximizar a diversificação interna, ou seja, atingir a maior diversidade possível e contemplar as diferentes perspectivas do problema.
Para tanto, utilizando-se dos referidos princípios e dos critérios de inclusão e exclusão acima descritos, foram separados dois sujeitos de cada micro área e, em ordem numérica crescente (número obtido pela Ficha A do SIAB), foi realizada a Visita Domiciliária (VD) para contato prévio, explanação dos objetivos, autorização do estudo, agendamento do local e horário para a entrevista. Doze sujeitos optaram pela entrevista no domicilio e apenas uma foi desenvolvida na unidade de saúde. Assim, com 13 entrevistas, a saturação empírica e a diversificação interna foram contempladas, uma vez que os dados sociodemográficos são diferenciados entre os informantes.
Neste estudo, optou-se pela entrevista narrativa a qual está estruturada com eixos norteadores que levam os sujeitos a relatar como ocorreu determinado acontecimento, narrar sua vivência, histórias que ouviu ou de que participou.10 Para a obtenção das narrativas seguiram-se as seguintes fases: preparação; iniciação; narração central; perguntas; e a fase conclusiva11 a partir de eixos norteadores: Cuidado de si; Cuidado do outro e o Ser cuidado. Tais eixos foram conduzidos com as seguintes questões: fale sobre algum acontecimento em que o cuidado estava presente e do qual você participa ou participou; fale de uma situação em que você se sentiu cuidado por alguém; conte sua vivência em relação ao cuidado de si.
A Análise Temática organizou-se em três fases. A primeira, a pré-análise, a segunda, a exploração do material e a terceira, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.12 A pré-análise constituiu-se na operacionalização e sistematização das ideias iniciais, momento em que se realizou a transcrição das entrevistas, por conseguinte, representou o primeiro contato com os dados. Na sequência, fez-se a leitura flutuante a fim de se obter um contato mais direto com os depoimentos e a seguir, a constituição do corpus o qual permitiu a organização do material empírico, de tal forma, que foi possível obter uma visão geral dos dados coletados.
A fase de exploração do material caracteriza-se pela transformação dos dados brutos, os quais foram classificados por meio de recorte, enumeração e agregação. Assim, ao alcançar o núcleo de compreensão do texto, foram elencadas cinco categorias que emergiram das falas dos sujeitos sobre o tema em questão: significado de cuidado, cuidado com o outro, ser cuidado, cuidado de si e serviços de saúde e atenção aos homens. Nesse artigo serão apresentadas as três primeiras categorias, porque expressam com maior ênfase os saberes e as práticas de cuidado na percepção dos pesquisados.
Por fim, a fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Esse foi o momento em que a partir do material empírico da revisão de literatura se propôs inferências e se realizou interpretações previstas no quadro teórico assim como, abriu outras pistas em torno de dimensões teóricas recomendadas pela leitura do material.
Para assegurar e valorizar uma condução ética durante todo o processo desta pesquisa, foram respeitados os direitos dos indivíduos levando-se em consideração o que prescreve a Resolução n.196, de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde. Vale ressaltar que o projeto de pesquisa obteve parecer favorável a sua execução sob n. CAAE 0330.0.243.000-09 de 26 de janeiro de 2010 no comitê de ética em pesquisa na Universidade Federal de Santa Maria. Para garantir o anonimato dos sujeitos os mesmos estão representados pela letra S (sujeito) seguido do numeral 1, 2, 3 até 13.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados apresentados neste artigo estão pautados em três categorias: significado de cuidado; cuidado com o outro; e ser cuidado.
O cuidado sob a ótica de homens
No decorrer das narrativas, foi possível apreender que todos os sujeitos concebem cuidado de forma abrangente, de tal forma que o expressaram das seguintes maneiras: estar com, dar suporte, acompanhar.
[quando o pai esteve hospitalizado] a gente sempre que podia estava lá junto, em roda [...] eu cuido dele assim, de tardinha e nos finais de semana que estamos juntos, a hora que estou em casa [...] no café da manhã, no chimarrão*, sentamos juntos ali na frente [da casa] (S8).
Agora, eu estou por aqui porque preciso ficar com a mãe, por enquanto, ela precisa de mim, depois que o pai morreu, ela está assim, depressiva, precisa que fique por perto, então estou dando um suporte até ela melhorar disso (S9).
Nesses relatos, há o indicativo de que os sujeitos se colocam no lugar do outro para compreender a situação enfrentada por meio do "estar junto", "ficar com" e, dessa forma, promover, no ser cuidado, a oportunidade de crescimento, ou seja, implica encorajar o outro a ponto de ajudá-lo a cuidar de si mesmo. Observa-se que o cuidado por eles desenvolvido exprime o "estar com". Isso significa que para cuidar de outra pessoa devemos entendê-la e ao seu mundo, de tal forma como se estivéssemos dentro dele. Para isso, precisamos estar com ela, "[...] para sentir de dentro como é a vida para ela, o que se esforça para ser e do que precisa para crescer".13:57O fato de estar com outra pessoa sugere, fundamentalmente, permanecer a favor dela; e isso implica incentivá-la a acreditar em si mesma.
Outras narrativas expressam o cuidado como uma atitude de zelo, preocupação, ajuda e atenção:
[...] o que a gente zela muito é pela filha cuida tudo, onde ela anda, onde ela vai, o que ela está fazendo, toda hora está atrás dela, para ver o que aconteceu, porque a gente se preocupa [...] (S13).
[...] eu ajudo a mulher em casa, lavo louça, limpo a casa, faço a comida porque ela está grávida e não pode pegar peso [...] (S2).
Nesses depoimentos os homens declaram o cuidado não como uma simples ação, mas uma atitude que suscita a responsabilidade e o envolvimento com o outro. Cuidar envolve mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo, representa, portanto, uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e envolvimento afetivo com o outro, "mais que um ato; é uma atitude".14:33
Na narração de S8, o cuidado se expressa na reciprocidade: [...] deles ali [o empregador] eu não tenho do que me queixar porque quando o pai ficou doente, foram eles que me ajudaram, eles que bah! [disseram] 'o que tu precisares, tu chega e me fala, não fica com vergonha' daí eu disse: 'Bah! Obrigado! Eu agradeço'. Então se eles me ligarem agora, eu salto correndo! E com esse meu tio também, se ele precisar de mim, eu cuido dele, eu me sinto bem fazendo isso, sabe? (S8).
Ressalta-se, no decorrer dessa narrativa, que o sujeito se expressava de forma enfática, demonstrando-se convicto da sua disposição em doar-se pelo outro, a fim de retribuir a atitude de ajuda recebida em algum momento de vulnerabilidade pela qual passou. Esse dado, também encontrado em outros estudos,4, 15 comprova que a necessidade de relacionamento entre as pessoas é inerente à condição humana para viver em sociedade. Portanto, para permitir que as relações sociais ocorram, os seres humanos se dispõem a doar-se em forma de presentes ou atitudes, na intenção de ter em troca alguma sinalização de que foram percebidos e aceitos e, na sequência, retribuir a doação de diversas maneiras, simétricas ou não simétricas.15
As narrativas até aqui apresentadas refletem a forma como o cuidado é compreendido pelos homens deste estudo. Para eles, o cuidado ocorre de forma diversa e abrange a integralidade do ser cuidado e do cuidador, destacando-se como algo intrínseco, permeado por atitudes singulares que valorizam a presença do outro.
Do eixo norteador que solicitava aos sujeitos a narração de um acontecimento em que o cuidado estava presente e do qual eles participam ou haviam participado, as histórias narradas evidenciaram que dos treze pesquisados, dez prestaram cuidados a familiares e amigos em casos de doenças, de manutenção da vida e em situações de risco e vulnerabilidade.
A narração do cuidado em casos de doença foi realizada de forma segura e com bastante propriedade pelos homens deste estudo. Isso pode ser observado quando a maioria dos homens relata cuidar de alguém da família como os pais, filhos, irmãos, avós, companheira ou sogros.
Com a minha sogra... eu era mais para levar ela no médico, eu ficava com ela ali, sempre ajudando coisa e outra na comida ou coisa assim, e com a minha esposa [quando ganhava nenê] também sempre ajeitando, fazendo o curativo, dando remédio na hora, fazendo comida paras outras crianças (S4).
Na análise, constatou-se que a prática de cuidado desenvolvida por eles nos casos de doença está ligada a diversas ações como: promover o transporte, a higiene, a alimentação, realizar curativos, administrar medicamentos; e atitudes como: acompanhar, aconselhar e estar com. Neste estudo, portanto, é possível afirmar que os sujeitos se constituem seres de cuidado não apenas em substituição à mulher, mas por uma atitude em realizá-lo. Em outros, de forma diferente, os cuidados prestados pelos homens são evidenciados em caráter substitutivo, ou seja, na ausência da mulher, eles exercem o cuidado com os filhos, com a casa e com os vizinhos.16-17
Além do cuidado em casos de doença, nove homens relataram situações de cuidado para a manutenção da vida, como alimentação, higiene, proteção, companhia. Essas questões estavam vinculadas principalmente no cuidado com crianças, filhos ou irmãos.
[...] esquento mamadeira para o gurizinho, dou a mamadeira para ele, acordo a guria para ela ir se arrumando e arrumar a cama dela, visto ele, e levo para creche e a guria vai comigo até uma altura para pegar o ônibus e ir para o projeto (S5).
Esse relato elucida que os informantes cuidam das crianças sob sua responsabilidade, proporcionando atenção, ações para a manutenção da vida e protegendo-as dos possíveis riscos a que possam se expor. Portanto, respaldando-se em alguns estudos18-19 acredita-se estar diante de uma nova imagem de cuidadores homens, que pode ser atribuída às mudanças ocorridas nas bases do patriarcado, onde as mulheres deixam de ocupar essencialmente o espaço privado e, aos homens, é apresentada a possibilidade de vivenciar o cuidado do outro e a paternidade de forma tanto mais ampla como significativa.
Assim, ao promover cuidados para a manutenção da vida, esses homens têm a possibilidade de se realizar pessoalmente. A esse respeito, a tarefa de cuidar de outra pessoa é fundamentalmente uma condição humana, ou seja, um ser humano, para alcançar a realização plena, necessita exercer a tarefa de cuidar de outro ser humano.20
Outro dado encontrado nas narrativas foram situações de cuidado com amigos, colegas de trabalho ou faculdade. O cuidado dispensado pelos sujeitos ocorreu em situações de risco e vulnerabilidade:
eu tenho muitos amigos, e a gente está sempre se cuidando, um cuidando do outro [...] uma amiga minha caiu na água e estava se afogando, eu salvei ela, foi horrível, nem sei como consegui tirar ela da água a correnteza estava forte e quando vi ela estava se afogando, eu estava longe, não sei como consegui salvar (S9).
[...] outra situação que eu ajudei alguém foi quando um colega de trabalho que tinha bastante limitação, ele não tinha socialização, qualquer coisinha ele se estourava então eu tinha que ajudar ele até ter sucesso, tipo paciência, ouvir o cara sobre os problemas dele (S3).
Percebe-se, nessas narrativas, que os sujeitos expressaram por seus amigos um cuidado que vai desde a própria exposição ao risco de morte, até atitudes de acompanhamento, ajuda e paciência. Isso aponta para o período de transição entre a masculinidade hegemônica e a nova masculinidade, ou seja, na narrativa do S9, a atitude de exposição ao risco remete à construção social dos homens, a qual designa a esse, a necessidade de constituir-se como um ser forte e destemido para desempenhar o papel de proteção e defesa do território e da família. Já nos demais depoimentos, os homens declararam que cuidam quando permanecem ao lado do outro, o que contribuiu para que essa pessoa alcance seus objetivos a seu tempo. Tal atitude ratifica que esses homens vivenciam outras formas de expressar a masculinidade.
Vale ressaltar que as expressões de cuidado, "acompanhar" e "paciência", estão aqui compreendidas como uma atitude de respeito ao ritmo do outro. Acompanhar alguém não significa indicar ou impor um caminho para essa pessoa seguir, mas caminhar ao seu lado, respeitando sua liberdade para decidir seu itinerário e o ritmo de seus passos, ou seja, tendo em vista que cada sujeito tem seu ritmo tanto físico como mental e emocional, cuidar de alguém é adaptar-se ao seu ritmo.14, 20
Os achados deram visibilidade ao cuidado dos homens dispensado aos seus familiares e amigos, corroborando, dessa forma, com os estudos que apontam para a participação crescente dos homens nas ações de cuidado.21-23
Aos homens deste estudo, solicitou-se a narração de situações e ou acontecimentos em que se sentiram cuidados por alguém. Quanto às situações que demandaram cuidados, os sujeitos se referiram basicamente a internações hospitalares, em virtude, principalmente, de procedimento cirúrgico decorrente de algum tipo de acidente. Essas situações estão de acordo com os dados do Ministério da Saúde em que as causas externas como quedas, acidente de transporte e intoxicações, com preponderância na faixa etária dos 20 aos 29 anos, ocupam o primeiro lugar da morbidade hospitalar.24
Nas situações relatadas pelos sujeitos, 12 deles sentiram-se cuidados pela mulher (esposa, mãe, companheira, irmã) e apenas um referiu ter se sentido cuidado por Deus. Nos relatos evidenciou-se que a mulher é a principal cuidadora desses homens, proporcionando a esses sujeitos companhia, ajuda, alimentação, higiene e incentivo à procura por atendimento.
[...] a esposa, a mãe, a minha irmã também, elas ficavam o tempo todo comigo, me dando alimento na boca, trocando curativo, nunca fiquei sozinho, sempre uma delas estava por perto, para ajudar, para ficar com o cara(S10).
[...] a dor não passava, tomava remédio e não fazia efeito, até que a minha mulher disse: 'tem que ir ver isso daí', desde o primeiro dia ela dizia que tinha que ver, mas a gente vai aguentando, achando que vai melhorar[...] até que não deu mais (S7).
Esse dado corrobora com os estudos onde a mulher ainda ocupa o primeiro lugar como responsável pelo cuidado, principalmente, em casos de doenças.25-26 Tradicionalmente, o papel de cuidadora, seja de mãe, filha ou esposa, recai sobre a mulher, justificado pelo fato de, por muito tempo, ela não ter exercido atividades laborais fora do lar. No entanto, visto os dados até aqui apresentados, acerca do cuidado exercido pelos homens desse estudo, acredita-se que o achado refere-se a uma atitude de cuidado entre os membros da família, como uma atitude de reciprocidade. Nesse caso, concorda-se que a família é um sistema de saúde, mas também, como tal, uma unidade dinâmica que possui um processo de cuidar que é próprio e singular, onde supervisiona e interatua com o estado de saúde de seus membros, toma decisões, acompanha e avalia a saúde e a doença de seus componentes.27
É oportuno referir a importância da mulher acerca da atitude de incentivar a procura por serviços de saúde quando necessário. É a mulher que, em muitos casos, medeia a relação dos homens usuários com os serviços ou com a saúde de forma geral.28 Portanto, é mister considerar esse achado no que tange à possibilidade de ter a mulher (companheira, mãe, irmã, filha ou amiga) como aliada dos serviços de saúde para estabelecer vínculos com esses sujeitos.
Por outro lado, é necessário considerar e superar a imagem que os profissionais de saúde constroem, nesse caso, da mulher cuidadora e do homem como não cuidador, tendo em vista que isto pode, facilmente, levar os profissionais a se dirigirem às mulheres, quando essas acompanham os homens, desconsiderando-os como sujeitos de fato.
Apenas um sujeito afirmou ter sido cuidado por Deus, de forma enfática e com demonstrações de gratidão, relatou acerca do livramento de um acidente com possibilidade de morte.
[...] ah, teve uma vez que nós estávamos [viajando] e teve um acidente lá [...] e eu fui olhar, no outro lado do asfalto, eu fui até o meio assim, e parei sabe, e voltei para trás, parece que uma coisa me puxou para trás e quando dei um passo para trás, um carro cruzou ligeiro, aí eu, o meu colega disse: 'tu estás louco? Vai te matar louco?' [risos] então eu creio assim sabe, que foi Deus que me livrou dessa, [...] eu acredito muito em Deus, eu acho que ele, como diz o outro, só ele e ninguém mais (S8).
O cuidado atribuído a Deus revela a fé incondicional que S8 deposita nesse Ser, o que leva a inferir que a religiosidade permite à pessoa compreender os significados dos eventos como parte de um propósito ou projeto mais amplo, mediante a crença de que nada ocorre por acaso e que acontecimentos da vida são determinados por uma força superior.29 Vale salientar que a maioria dos estudos que abordam o tema fé, religiosidade e espiritualidade, fazem as discussões a partir de situações de vulnerabilidade em relação a doenças graves e morte.29-32 Na situação referida, o sujeito sentiu-se em situação de morte iminente.
Quanto à ocorrência de apenas um sujeito apontar Deus como seu cuidador, acredita-se ter relação com o fato de 38, 4% dos homens desse estudo não pertencerem a um credo religioso, o que pode ser reflexo da idade dos sujeitos, pois, em geral, os jovens são menos adeptos à espiritualidade e à religiosidade se comparados às pessoas idosas. Quando as pessoas ficam mais velhas é que aumenta a leitura da bíblia e a participação em reuniões religiosas, consequentemente, a fé em Deus também tende a ser mais expressada.31 Este achado aponta à enfermagem a importância de estimular a prática da espiritualidade entre os jovens, uma vez que pessoas em maior contato com a religiosidade, provavelmente, terão maior facilidade de enfrentar e se adaptar a situações desgastantes e conflituosas, quando comparadas a pessoas não religiosas/espiritualizadas.32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidado para os homens se revelou, neste estudo, de forma muito significativa. Para eles, o cuidado está na presença, no acompanhar, na preocupação, no zelo, na reciprocidade, no diálogo, no lazer, no convívio com a família e nas atitudes de fé e religiosidade. O que significa dizer que o cuidado, na perspectiva desses seres, vai além de conceitos pré-estabelecidos, rompendo, através dessas atitudes e manifestações, valores e conceitos secularmente instituídos.
Os dados desta pesquisa dão formas diferenciadas aos homens, desvelando-os como seres cuidadores e cônscios da importância do papel a ser desempenhado tanto nas relações familiares como no interagir com amigos e colegas. Com arrojo e afetividade, eles cuidam dos filhos, dos pais, sogros, irmãos e amigos. Esse cuidado, prestado em situações de doença, manutenção da vida, com possibilidades de risco e vulnerabilidade, ocorre seja em ações como a responsabilidade pelo transporte, higiene, alimentação e cuidados específicos para tratar as doenças, como em atitudes reveladas no acompanhar, aconselhar e estar com o ser cuidado. Portanto, esse resultado aponta, assim como em outros estudos, que a vivência masculina em relação ao cuidado com outras pessoas está sendo desvelada.
No que se refere ao ser cuidado, constatou-se que as situações que demandam necessidades de cuidados são, principalmente, internações hospitalares em decorrência de acidentes. Dentre os cuidados recebidos, destacam companhia, ajuda, alimentação, higiene e incentivo à procura por atendimento.
Portanto, pensar o cuidado como essencialmente feminino, ou fora do universo masculino, é fazer generalizações. E as generalizações tendem a se tornar perigosas porque podem levar ao desenvolvimento de estereótipos, preconceitos e discriminações. Assim, esse estudo se mostra relevante para a enfermagem, uma vez que desvelou os saberes e práticas de cuidado na perspectiva dos homens como ampla e diversificada o que permitirá que as práticas de saúde se aproximem das percepções dos homens em relação ao cuidado. Tais achados poderão contribuir tanto com as ações de cuidado voltadas a esses sujeitos como para a formação em enfermagem.
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Correspondência:
Silvana de Oliveira Silva
Rua Mário Fávero, 118 - Castilhos
97700-000, Santiago, RS, Brasil
E-mail: silvanaoliveira@urisantiago.br
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