segunda-feira, 16 de junho de 2014

Determinação do componente inflamatório das doenças das vias aéreas através do escarro induzido: utilização na prática clínica



Pablo MoritzI; Leila John Marques SteidleII; Manuela Brisot FelisbinoIII; Túlia KlevestonIII; Marcia Margaret Menezes PizzichiniII; Emilio PizzichiniIV
IMestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC) Brasil
IIProfessor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC) Brasil
IIIInterno da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC) Brasil
IVChefe da Disciplina e do Serviço de Pneumologia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC) Brasil



RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a utilização e a influência da determinação do componente inflamatório das doenças das vias aéreas (inflamometria), através do exame do escarro induzido, nas decisões terapêuticas de um serviço terciário de pneumologia.
MÉTODOS: Foram analisadas 151 amostras de escarro induzido de 132 pacientes consecutivamente referidos para indução de escarro com propósitos clínicos por cinco pneumologistas, no período entre julho de 2006 e fevereiro de 2007. As indicações para a realização do teste e a conduta terapêutica adotada em função do resultado foram analisadas através de um questionário estruturado preenchido pelo médico que solicitou o escarro induzido. O escarro foi obtido e processado de acordo com uma técnica previamente descrita.
RESULTADOS: As principais indicações do teste foram: titulação da dose do corticosteróide inalatório na asma moderada a grave (54,3%), investigação de tosse crônica (30,5%), monitoração da inflamação em pacientes com bronquiectasias (7,3 %) e monitoração da inflamação na doença pulmonar obstrutiva crônica (6%). Dos 82 pacientes com asma, 47 (57%) apresentaram bronquite eosinofílica (eosinófilos > 3%). Bronquite eosinofílica sem asma foi diagnosticada em 9 (19%) dos 46 pacientes que realizaram o exame para investigar tosse crônica. Bronquite neutrofílica (neutrófilos > 65%) foi observada em 13 pacientes; 5 com asma, 2 com tosse crônica e 6 com doença pulmonar obstrutiva crônica/bronquiectasias. Com base nos resultados do exame do escarro induzido, 48 (64,7%) pacientes com asma tiveram sua dose de corticosteróide modificada.
CONCLUSÕES: A aplicação sistemática da inflamometria através do exame do escarro induzido pode trazer importantes benefícios aos pacientes com doenças respiratórias, principalmente àqueles portadores de asma e/ou tosse crônica.
Descritores: Escarro; Asma; Bronquite.



Introdução
Os componentes das doenças das vias aéreas incluem sintomas, limitação variável ao fluxo de ar, hiperresponsividade das vias aéreas, limitação crônica ao fluxo de ar e inflamação das vias aéreas, assim como enfisema e bronquiectasias.(1,2) Esses componentes podem coexistir em variadas combinações. A inflamação das vias aéreas (bronquite) é o componente central a todos os outros, sendo considerada a causa primária de doenças respiratórias altamente prevalentes, como a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Ela é responsável pelos sintomas, limitação variável ao fluxo de ar através da liberação de mediadores broncoconstritores e limitação crônica ao fluxo de ar através do remodelamento das vias aéreas, com alterações estruturais.
Os métodos de investigação das doenças das vias aéreas atualmente mais utilizados são a espirometria, a medida do pico de fluxo expiratório para avaliar suas variações diurnas e a broncoprovocação por estímulos inespecíficos (metacolina ou histamina) para avaliar a responsividade das vias aéreas. Em contraste, métodos para avaliação direta da inflamação das vias aéreas (inflamometria) são raramente empregados na prática clinica. Esses métodos incluem a fibrobroncoscopia para obtenção do lavado broncoalveolar e/ou espécimes de tecido brônquico,(3) e técnicas menos invasivas, como o exame da celularidade do escarro induzido,(1,4) a medida do óxido nítrico no ar exalado(5) e a análise do condensado do ar exalado.(6)
O método de indução de escarro encontra-se hoje validado e padronizado,(7) proporcionando uma forma segura e relativamente não-invasiva de coleta de material das vias aéreas inferiores (escarro). O exame da celularidade do escarro permite identificar a presença de inflamação (bronquite) eosinofílica, neutrofílica, a associação de ambas, ou a ausência de inflamação.(8) A importância de sua utilização no manejo da asma persistente moderada a grave cresceu na medida em que estudos recentes demonstraram um número menor de exacerbações graves e um número menor de admissões hospitalares quando da utilização do escarro induzido para direcionar o tratamento antiinflamatório, em comparação ao tratamento baseado nas diretrizes atuais.(9,10) Os resultados desses estudos indicam que a monitorização do tratamento da asma guiada pelo controle da inflamação eosinofílica do escarro otimiza o tratamento a longo prazo da asma, identificando e reduzindo a ocorrência de exacerbações.
A análise do escarro induzido também permitiu o reconhecimento da bronquite eosinofílica não-asmática como uma causa tratável de tosse crônica.(11) Assim, a aferição da inflamação das vias aéreas passa a ser uma importante ferramenta recentemente adicionada ao algoritmo de investigação da tosse crônica.(12,13) Em relação à aplicabilidade na DPOC, em um estudo randomizado recentemente publicado,(14) observou-se uma redução significativa do número de exacerbações graves e admissões hospitalares no grupo tratado com base nos achados do escarro induzido, em comparação ao grupo tratado com base no consenso da British Thoracic Society.
A motivação para a realização deste estudo originou-se de dois fatos principais. Primeiro, o reconhecimento de que os parâmetros mais freqüentemente utilizados na prática clínica para monitorar os pacientes portadores de doenças das vias aéreas, tais como sintomas e provas de função pulmonar, não refletem diretamente o processo inflamatório subjacente. Segundo, a compreensão de que os diferentes padrões inflamatórios presentes nas vias aéreas não são exclusivos de nenhuma doença respiratória e que uma mesma doença pode apresentar mais de um tipo de inflamação ao longo do tempo. Embora as evidências atuais demonstrem que a medida da celularidade do escarro induzido proporciona, de forma pouco invasiva, informações válidas e específicas sobre os diferentes tipos de inflamação presentes nas doenças das vias aéreas, a utilidade destas informações na prática clínica diária não se encontra bem estabelecida. Neste sentido, nós objetivamos neste estudo avaliar a utilização do método em situações comuns da medicina respiratória, bem como caracterizar a influência da determinação do componente inflamatório das doenças das vias aéreas nas decisões terapêuticas.

Métodos
Este é um estudo transversal, prospectivo, no qual foram incluídos consecutivamente, entre julho de 2006 e fevereiro de 2007, 132 pacientes capazes de produzir, em uma ou mais ocasiões, uma amostra adequada de escarro induzido para uso clínico. Os pacientes foram referidos por cinco pneumologistas com o objetivo específico de determinar a presença e tipo do componente inflamatório envolvido para elucidar a natureza de sintomas respiratórios ou auxiliar nas decisões terapêuticas em portadores de doenças respiratórias previamente diagnosticadas. O processamento do escarro e a contagem celular diferencial foram realizados em laboratório de referência sem o conhecimento das características clínicas dos participantes. Ao receber o resultado do teste, o médico assistente preencheu um questionário estruturado a respeito da indicação do procedimento, e qual seria a conduta terapêutica baseada naquele resultado. Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina.
A espirometria foi realizada de acordo com as especificações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(15) através de um espirômetro computadorizado (Koko® Spirometer, PDS Instrumentation, Louisville, CO, EUA). Os valores da normalidade previstos utilizados foram aqueles publicados por Crapo et al.(16)
A indução de escarro foi realizada por um método previamente descrito.(1,7) Resumidamente, o procedimento foi iniciado 10 min após a administração de 200 µg de salbutamol inalado, através da inalação de um aerossol de solução salina em concentrações crescentes (0,9, 3, 4 e 5%), cada uma destas inalada por 3 e 4 min sucessivamente, até a obtenção de escarro suficiente para análise, ou até uma queda do volume expirado no primeiro segundo (VEF1) igual ou superior a 20% em relação ao valor basal. Para a nebulização da solução salina, foi utilizado um nebulizador ultrasônico Fisoneb (Fisons, Pickering, Ontário, Canadá), com débito de 0,87 mL/min e partículas com diâmetro aerodinâmico de massa mediano de 5,58 µm. Após cada período de inalação, o VEF1 foi medido para garantir a segurança do teste, sendo que a concentração da solução salina não era aumentada caso ocorresse uma queda do VEF1 > 10% em relação ao valor basal. O escarro foi processado e analisado dentro das primeiras 2 h, conforme descrito anteriormente.(1) Uma amostra de escarro adequada para análise foi definida como aquela que contivesse material expectorado com viabilidade celular superior a 50%, com uma contaminação com células escamosas da orofaringe inferior a 20% e que se mostrasse suficiente para a contagem diferencial de 400 células.
Quanto às indicações para a realização do teste, definiu-se a monitoração da inflamação na asma-se o objetivo do exame do escarro era titular a dose ideal do corticosteróide inalatório, investigar o tipo de exacerbação da asma ou investigar a causa de sintomas em pacientes asmáticos em tratamento; monitoração da inflamação na DPOC-se o objetivo era verificar o tipo de exacerbação na DPOC ou auxiliar na decisão sobre a utilização de corticosteróide inalatório nos casos de doença estável; monitoração da inflamação na bronquiectasia-se o objetivo era determinar o tipo de inflamação envolvido na gênese dos sintomas de pacientes com bronquiectasias; e monitoração da inflamação na bronquite eosinofílica-se o objetivo do exame do escarro era averiguar o controle da inflamação da bronquite eosinofílica após tratamento.
Em relação à análise da celularidade do escarro, definiu-se bronquite eosinofílica como a presença de eosinofilia no escarro > 3.0%(17); bronquite eosinofílica com asma nos pacientes portadores de tosse crônica com os achados fisiológicos da asma (reversibilidade da limitação das vias aéreas e/ou hiperresponsividade) associados à eosinofilia no escarro > 3.0%; bronquite eosinofílica sem asma nos pacientes portadores de tosse crônica sem os achados fisiológicos da asma (reversibilidade da limitação das vias aéreas e/ou hiperresponsividade) associados à eosinofilia no escarro > 3.0%; e bronquite neutrofílica como a presença de neutrofilia no escarro (> 65%) associada (contagem total de células, CTC > 10×106) ou não (CTC < 10×106) à infecção.(17)
As variáveis de distribuição normal estão sumarizadas como média e desvio-padrão, e aquelas de distribuição não-normal (por ex., eosinófilos) estão sumarizadas como mediana da faixa 5-95% percentis. As variáveis categóricas estão apresentadas como percentuais. As diferenças entre as doenças das vias aéreas foram inicialmente analisadas pelo teste de Kruskal-Wallis. A significância das diferenças entre grupos foi analisada através do teste U de Mann-Whitney. Foram considerados significativos os valores de p inferiores a 0,05.

Resultados
De um total de 157 induções de escarro realizadas nos 138 pacientes, o material expectorado foi considerado adequado para análise em 151 (132 pacientes) ocasiões, caracterizando uma taxa de sucesso de 96%. Do total, 11 pacientes, todos com asma, realizaram o exame em mais de uma ocasião, em momentos diferentes da doença, para tratamento de exacerbação ou para titulação da dose ideal do corticosteróide inalatório. Após o recebimento do resultado do exame, todos os questionários foram preenchidos pelos médicos solicitantes. As características clínicas dos pacientes estão descritas na Tabela 1. Uma amostra adequada de escarro foi obtida em 65% das ocasiões utilizando-se apenas as concentrações de solução salina mais baixas (0,9 e 3%). Em apenas 11% das ocasiões foi necessário utilizar a concentração de 5%. A queda média no VEF1 durante o processo de indução foi de 6,8% em relação ao valor basal.
As indicações mais freqüentes para a realização do teste foram a monitoração da inflamação das vias aéreas na asma e a investigação de tosse crônica (Figura 1). Diferenças significativas na contagem total de células, no percentual de neutrófilos e no percentual de eosinófilos foram observadas nos diferentes grupos de indicação clínica do exame do escarro (Tabela 2). A CTC foi menor nos pacientes com tosse crônica do que em todos os outros grupos; o percentual de neutrófilos foi maior nos pacientes com bronquiectasias do que em todos os outros grupos; e o percentual de eosinófilos foi maior nos pacientes com asma do que em todos os outros grupos.


Figura 2 mostra a proporção dos resultados da análise da celularidade do escarro induzido, em cada grupo de indicação do teste. Freqüências variáveis de bronquite eosinofílica, bronquite neutrofílica e celularidade normal foram observadas em cada grupo.
As condutas terapêuticas frente ao resultado do teste estão sumarizadas na Tabela 3. O curso do tratamento foi alterado em 82 (55%) das 151 ocasiões. Das 82 ocasiões em que o procedimento foi realizado para monitoração da inflamação na asma, em 55 (67%) houve modificação do tratamento com base nos resultados obtidos. Dentre estas, em 37 (45,1%) optou-se pelo aumento da dose do corticosteróide inalatório, e em 8 (9,8%) optou-se pelo tratamento com corticosteróide oral.

Discussão
Nossos resultados demonstram que a caracterização do componente inflamatório de doenças comuns das vias aéreas determinou, na maioria das vezes, uma modificação no tratamento dos pacientes incluídos no presente estudo. Essa alteração no tratamento ocorreu principalmente em duas situações: em pacientes com asma e em portadores de tosse crônica, nos quais o diagnóstico da bronquite eosinofílica sem asma foi responsável pela introdução de tratamento específico com um corticosteróide inalatório. Estes resultados são originais e estendem as observações anteriores sobre a aplicabilidade do escarro induzido na prática clínica.(18)
A principal indicação para a realização do procedimento neste estudo foi a monitoração da inflamação na asma, provavelmente em decorrência de que esta é a área em que a aplicabilidade clínica do exame do escarro tem sido mais estudada.(18) O principal objetivo dos pneumologistas que solicitaram o exame do escarro, neste estudo, foi a caracterização do processo inflamatório para a titulação da dose ideal do corticosteróide inalatório em pacientes com asma moderada a grave. Embora esses pacientes estivessem sendo tratados conforme os consensos prévios da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e da American Thoracic Society, a maioria apresentou bronquite eosinofílica no escarro induzido, caracterizando controle inadequado do componente inflamatório da doença.
Esses resultados confirmam a noção já bem reconhecida que a avaliação clínica baseada apenas em sintomas e provas de função pulmonar não é suficiente para determinar a presença de inflamação nas vias aéreas dos pacientes com asma moderada a grave.(19) Isso está de acordo com os resultados de dois ensaios clínicos que compararam as estratégias de manejo da asma baseadas nas diretrizes canadenses ou britânicas com uma estratégia de tratamento guiada pela celularidade do escarro induzido (eosinofilia). Os dois estudos demonstraram que essa última estratégia determinou um controle adequado da asma, além de influenciar dois importantes desfechos do controle da asma: a diminuição significativa da ocorrência de exacerbações(9,10) e a determinação do tratamento mínimo para obter e manter o controle da asma.(10)
A persistência de tosse por mais de oito semanas associada à radiografia normal do tórax caracteriza a tosse como crônica, condição comum na prática clínica da medicina respiratória. Pacientes com tosse crônica que apresentam exames de imagem normais, espirometria normal, responsividade normal das vias aéreas, porém apresentam uma proporção aumentada de eosinófilos no escarro (>3%), são diagnosticados como portadores de bronquite eosinofílica sem asma.(20) Nessa situação, o uso de corticosteróide inalatório ou, eventualmente, corticosteróide oral, determina a normalização da eosinofilia do escarro com melhora ou desaparecimento da tosse. Em nosso estudo, 19% dos pacientes que realizaram a indução de escarro para investigação de tosse crônica foram diagnosticados com essa condição. Esses achados são similares àqueles descritos na literatura, onde a bronquite eosinofílica sem asma é a causa entre 10% e 30% dos casos de tosse crônica referidos aos pneumologistas para investigação.(20-22) É possível que na prática clínica diária, a presença de espirometria normal e de responsividade das vias aéreas normais induzam muitos pneumologistas a investigar causas alternativas para a tosse, como a doença do refluxo gastroesofágico ou a rinossinusite. Com isto, pode ocorrer um retardo no diagnóstico e a realização de exames desnecessários. O reconhecimento de que a tosse crônica pode ser causada por bronquite eosinofílica e de que o diagnóstico só pode ser realizado através da análise da celularidade do material obtido através da indução do escarro ou da broncoscopia encontra-se hoje bem estabelecido.
Nesse sentido, poder-se-ia questionar o uso de testes terapêuticos usando corticosteróides inalatórios na prática clínica. Contudo, a nosso ver, o uso de um teste terapêutico com corticosteróide inalatórios, embora utilizado em muitas ocasiões, não apresenta utilidade diagnóstica por causa do efeito placebo. Nós estudamos pacientes com tosse crônica sem bronquite eosinofílica em uma clínica terciária usando um ensaio clínico duplo-cego controlado com placebo para avaliar a eficácia do uso de budesonida inalada (1600 µg/dia) vs. placebo durante um mês.(23)O desfecho principal foi a intensidade da tosse medida por uma escala visual analógica. Os resultados deste ensaio clínico não mostraram diferenças entre a intervenção com budesonida e o uso de placebo inalado. Contudo, ao final do estudo, todos os pacientes receberam uma dose de budesonida inalada (1600 µg/dia/2 semanas). Foi interessante observar, nesta fase do estudo, que uma boa proporção de pacientes apresentou melhora clínica em ambos os grupos, demonstrando nitidamente o efeito placebo. Esse foi um dos motivos pelos quais, as diretrizes atuais sobre o manejo da tosse crônica incluíram a indução e o exame do escarro nas recomendações para investigação das causas da tosse.(12,13)
A bronquite eosinofílica, considerada como uma das principais características da asma, foi encontrada em pacientes portadores de DPOC ou de bronquiectasias. Embora existam evidências de que aproximadamente 30% dos pacientes com DPOC apresentam eosinofilia no escarro,(24) a freqüência deste achado em portadores de bronquiectasias é desconhecida. Por outro lado, a bronquite neutrofílica, uma característica da DPOC, bronquiectasias e infecções respiratórias,(4) foi encontrada em 6% dos pacientes portadores de asma. Esses achados reforçam a idéia de que os diferentes padrões inflamatórios presentes nas vias aéreas não são exclusivos de nenhuma doença respiratória e de que uma mesma doença pode apresentar mais de um tipo de inflamação ao longo do tempo. Além disso, deve-se ter em mente que asma e a DPOC devidas ao tabagismo são doenças comuns, que podem estar associadas.
Das 151 induções de escarro realizadas durante o estudo, apenas 9 tiveram como indicação a monitoração da inflamação na DPOC. Isto possivelmente reflete a escassez de estudos investigando a utilidade do emprego do escarro induzido nessa condição. Embora tradicionalmente se considere que a DPOC é caracterizada por uma resposta inflamatória neutrofílica, a inflamação eosinofílica parece ter papel importante em pacientes com doença estável(25) ou durante as exacerbações.(26) Neste grupo, a caracterização do componente inflamatório das vias aéreas pode prever a resposta ao tratamento com corticosteróides sistêmicos ou inalatórios, que controla a bronquite eosinofílica e é acompanhada pela redução da dispnéia e melhora no VEF1 e da qualidade de vida desses pacientes.(25,26) Mais recentemente, pesquisadores demonstraram que a utilização do escarro induzido para orientar o tratamento da inflamação eosinofílica em pacientes com DPOC, à semelhança do que acontece em pacientes com asma, é capaz de reduzir a freqüência de exacerbações graves e internações hospitalares.(14) A literatura em relação à utilização do método em pacientes com bronquiectasias é ainda mais escassa que aquela em relação à DPOC. Contudo, a heterogeneidade do componente inflamatório observado nos casos incluídos no presente estudo corrobora a hipótese da ocorrência de bronquite e, à semelhança do que ocorre na asma e na DPOC, a presença de bronquite eosinofílica poderia estar associada a uma resposta adicional aos corticosteróides inalatórios ou orais. Para provar essa hipótese, a realização de um número maior de estudos mecanísticos é necessária.
O exame do escarro apresenta diversas vantagens sobre os métodos mais invasivos de obtenção de material das vias aéreas inferiores como, por exemplo, a broncoscopia. A segurança e a praticidade são as mais óbvias. Além disso, por ser um procedimento relativamente não-invasivo, a indução de escarro pode ser realizada de forma aleatória(27) e repetidamente em indivíduos com doenças de diferente gravidade.(28) A taxa de sucesso de 96% no processo de indução verificada em nosso estudo confirma e expande a exeqüibilidade do teste reportada na literatura.(29) Apesar de não ter sido o objetivo deste estudo avaliar a segurança e os efeitos colaterais do método, não foram relatados eventos adversos significativos durante os exames, mesmo em pacientes com limitação importante ao fluxo aéreo das vias aéreas. Contudo, o exame de escarro induzido necessita profissionais treinados para a indução, assim como um laboratório de referência direcionado para o processamento e contagem diferencial do escarro. Esse processo é laborioso e intensivo, tornando o método ainda pouco aplicável em termos de atenção primária à população. Entretanto, para um serviço de referência terciário, a disponibilidade desse método parece ser bastante importante, embora haja necessidade de estudos adequados sobre a relação custo-benefício da sua utilização.
O presente estudo apresenta algumas limitações que devem ser levadas em conta na interpretação dos resultados. A primeira é a ausência de uma caracterização mais detalhada dos participantes do estudo, particularmente daqueles com asma. É provável que uma análise de subgrupos dos diferentes cenários em que se apresentam os pacientes com asma pudesse trazer informações bastante relevantes sobre a utilidade do método. Em segundo lugar, nossa amostra de pacientes com DPOC foi pequena, o que limitou bastante a análise dos resultados. Talvez uma amostra maior pudesse confirmar os benefícios descritos na literatura em relação à utilização do escarro induzido nesta condição. Finalmente, outra limitação do estudo é o fato de que os pneumologistas que encaminharam a maior parte dos pacientes já estavam habituados a utilizar o escarro induzido como ferramenta na prática clínica. É possível que a amostra de pacientes e seu manejo pós-resultado do exame fossem diferentes se os mesmos fossem encaminhados por pneumologistas que nunca houvessem utilizado o método clinicamente.
Em suma, os resultados deste estudo demonstram que o componente inflamatório das doenças das vias aéreas é heterogêneo e não é exclusivo de nenhuma doença em particular. Portanto, a aplicação sistemática da inflamometria através do exame do escarro induzido pode trazer importantes benefícios aos pacientes com doenças respiratórias, principalmente àqueles portadores de asma e tosse crônica.

Agradecimentos
Aos pacientes e pneumologistas que participaram do estudo. À equipe de pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Asma e Inflamação das Vias Aéreas (NUPAIVA): enfermeiras Cristiane Cinara Rocha, Maíra Chiaradia Perraro e Nazaré Otília Nazário, que realizaram os procedimentos junto aos pacientes; técnica de laboratório Célia Tânia Zimmermann, que processou o escarro, e farmacêutica-bioquímica Samira Ferreira, que fez a contagem celular diferencial.

Referências
1. Pizzichini E, Pizzichini MM, Efthimiadis A, Evans S, Morris MM, Squillace D, et al. Indices of airway inflammation in induced sputum: reproducibility and validity of cell and fluid-phase measurements. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154(2 Pt 1):308-17.         [ Links ]
2. Hargreave FE, Parameswaran K. Asthma, COPD and bronchitis are just components of airway disease. Eur Respir J. 2006;28(2):264-7.         [ Links ]
3. Beasley R, Roche WR, Roberts JA, Holgate ST. Cellular events in the bronchi in mild asthma and after bronchial provocation. Am Rev Respir Dis. 1989;139(3):806-17.         [ Links ]
4. Hargreave FE. Induced sputum for the investigation of airway inflammation: evidence for its clinical application. Can Respir J. 1999;6(2):169-74.         [ Links ]
5. Kharitonov S, Alving K, Barnes PJ. Exhaled and nasal nitric oxide measurements: recommendations. The European Respiratory Society Task Force. Eur Respir J. 1997;10(7):1683-93.         [ Links ]
6. Mutlu GM, Garey KW, Robbins RA, Danziger LH, Rubinstein I. Collection and analysis of exhaled breath condensate in humans. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164(5):731-7.         [ Links ]
7. Pizzichini E, Pizzichini MM, Leigh R, Djukanović R, Sterk PJ. Safety of sputum induction. Eur Respir J Suppl. 2002;37:S9-S18.         [ Links ]
8. Ronchi MC, Piragino C, Rosi E, Amendola M, Duranti R, Scano G. Role of sputum differential cell count in detecting airway inflammation in patients with chronic bronchial asthma or COPD. Thorax. 1996;51(10):1000-4.         [ Links ]
9. Green RH, Brightling CE, McKenna S, Hargadon B, Parker D, Bradding P, et al. Asthma exacerbations and sputum eosinophil counts: a randomised controlled trial. Lancet. 2002;360(9347):1715-21.         [ Links ]
10. Jayaram L, Pizzichini MM, Cook RJ, Boulet LP, Lemière C, Pizzichini E, et al. Determining asthma treatment by monitoring sputum cell counts: effect on exacerbations. Eur Respir J. 2006;27(3):483-94.         [ Links ]
11. Brightling CE, Ward R, Goh KL, Wardlaw AJ, Pavord ID. Eosinophilic bronchitis is an important cause of chronic cough. Am J Respir Crit Care Med. 1999;160(2):406-10.         [ Links ]
12. Irwin RS, Baumann MH, Bolser DC, Boulet LP, Braman SS, Brightling CE, et al. Diagnosis and management of cough executive summary: ACCP evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2006;129(1 Suppl):S1-S23.         [ Links ]
13. Gurski RR, da Rosa AR, do Valle E, de Borba MA, Valiati AA. Extraesophageal manifestations of gastroesophageal reflux disease. J Bras Pneumol. 2006;32(2):150-60.         [ Links ]
14. Siva R, Green RH, Brightling CE, Shelley M, Hargadon B, McKenna S, et al. Eosinophilic airway inflammation and exacerbations of COPD: a randomised controlled trial. Eur Respir J. 2007;29(5):906-13.         [ Links ]
15. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol 2002;28(3):1-238.         [ Links ]
16. Crapo RO, Morris AH, Gardner RM. Reference spirometric values using techniques and equipment that meet ATS recommendations. Am Rev Respir Dis. 1981;123(6):659-64.         [ Links ]
17. Spanevello A, Confalonieri M, Sulotto F, Romano F, Balzano G, Migliori GB, et al. Induced sputum cellularity. Reference values and distribution in normal volunteers. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162(3 Pt 1):1172-4.         [ Links ]
18. Pavord ID, Sterk PJ, Hargreave FE, Kips JC, Inman MD, Louis R, et al. Clinical applications of assessment of airway inflammation using induced sputum. Eur Respir J Suppl. 2002;37:S40-S3.         [ Links ]
19. Louis R, Lau LC, Bron AO, Roldaan AC, Radermecker M, Djukanović R. The relationship between airways inflammation and asthma severity. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(1):9-16.         [ Links ]
20. Ayik SO, Başolu OK, Erdínç M, Bor S, Veral A, Bílgen C. Eosinophilic bronchitis as a cause of chronic cough. Respir Med. 2003;97(6):695-701.         [ Links ]
21. Brightling CE. Chronic cough due to nonasthmatic eosinophilic bronchitis: ACCP evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2006;129(1 Suppl):S116-S21.         [ Links ]
22. Carney IK, Gibson PG, Murree-Allen K, Saltos N, Olson LG, Hensley MJ. A systematic evaluation of mechanisms in chronic cough. Am J Respir Crit Care Med. 1997;156(1):211-6.         [ Links ]
23. Pizzichini MM, Pizzichini E, Parameswaran K, Clelland L, Efthimiadis A, Dolovich J, et al. Nonasthmatic chronic cough: No effect of treatment with an inhaled corticosteroid in patients without sputum eosinophilia. Can Respir J. 1999;6(4):323-30.         [ Links ]
24. Peleman RA, Rytilä PH, Kips JC, Joos GF, Pauwels RA. The cellular composition of induced sputum in chronic obstructive pulmonary disease. Eur Respir J. 1999;13(4):839-43.         [ Links ]
25. Leigh R, Pizzichini MM, Morris MM, Maltais F, Hargreave FE, Pizzichini E. Stable COPD: predicting benefit from high-dose inhaled corticosteroid treatment. Eur Respir J. 2006;27(5):964-71.         [ Links ]
26. Brightling CE, Monteiro W, Ward R, Parker D, Morgan MD, Wardlaw AJ, et al. Sputum eosinophilia and short-term response to prednisolone in chronic obstructive pulmonary disease: a randomised controlled trial. Lancet. 2000;356(9240):1480-5.         [ Links ]
27. Gibson PG, Wlodarczyk JW, Hensley MJ, Gleeson M, Henry RL, Cripps AW, et al. Epidemiological association of airway inflammation with asthma symptoms and airway hyperresponsiveness in childhood. Am J Respir Crit Care Med. 1998;158(1):36-41.         [ Links ]
28. Wong HH, Fahy JV. Safety of one method of sputum induction in asthmatic subjects. Am J Respir Crit Care Med. 1997;156(1):299-303.         [ Links ]
29. Vlachos-Mayer H, Leigh R, Sharon RF, Hussack P, Hargreave FE. Success and safety of sputum induction in the clinical setting. Eur Respir J. 2000;16(5):997-1000.         [ Links ]


 Endereço para correspondência:
Emilio Pizzichini
NUPAIVA, Hospital Universitário, UFSC
Campus Universitário, Trindade
CEP 88040-970, Florianópolis, SC, Brasil
Tel/Fax 55 48 3234-7711
E-mail: pizzichi@matrix.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário