Wilson Aparecido Silvaa, Cassia Maria Buchallaa, Vera Paivab, Maria do Rosário Dias de Oliveira Latorrea, Ron Stallc e Norman Hearstd
aDepartamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. bNúcleo de Estudos para Prevenção da Aids do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. cCenters for Disease Control and Prevention. Atlanta, EUA. dDepartment of Family and Community Medicine at the University of California. San Francisco, California, EUA
DESCRITORES Síndrome de imunodeficiência adquirida, prevenção. HIV. Doenças sexualmente transmissíveis, prevenção. Conhecimentos, atitudes e prática. Futebol. Vulnerabilidade. Saúde reprodutiva.
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RESUMO
INTRODUÇÃO/ OBJETIVO: Os casos de Aids continuam crescendo entre os jovens, e existem poucos estudos para entender as especificidades da vulnerabilidade masculina no contexto jovem. Assim, realizou-se estudo com o objetivo de desenvolver um programa de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e da Aids entre jogadores profissionais de futebol.
MÉTODOS: Participaram do estudo 25 jogadores juniores de um time de futebol profissional de Campinas, SP. O estudo foi desenvolvido em duas etapas: (1) aplicação de questionário para auto-resposta, com informações sociodemográficas, sobre adesão às normas tradicionais de gênero, conhecimentos e prevenção de DST/Aids e risco de transmissão associado ao esporte; e (2) uma segunda etapa com dezessete sessões de dinâmica de grupo. Diversas dinâmicas e formas de expressão (discursiva, escrita, pictográfica, vídeos) foram utilizadas para captar os conteúdos do grupo com referência aos temas desenvolvidos.
RESULTADOS: O grupo mostrou elevado grau de informação quanto às vias de transmissão do HIV e baixo nível de conhecimento em relação à reprodução e às DST. A gravidez não planejada constituiu a principal preocupação desses jovens. Quanto ao preservativo, o uso consistente só foi relatado com parceiras casuais (73%) e foi inconsistente com parceiras fixas (27%). A convivência, no futebol, com atletas infectados pelo HIV, é entendida como ameaça para 58% do grupo.
CONCLUSÕES: Os jovens se consideram pouco vulneráveis, embora expostos à possibilidade de adquirir HIV e de ocorrer gravidez indesejada. Os atletas têm pouco conhecimento sobre o corpo e sobre a saúde reprodutiva. O espaço do futebol, assim como dos demais esportes, pode ser um importante local para intervenção e formação de multiplicadores, uma vez que jogadores são considerados modelos por crianças e jovens.
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KEYWORDS Acquired immunodeficiency syndrome, prevention & control. HIV. Sexually transmitted diseases, prevention & control. Knowledge, attitudes, practice. Soccer. Vulnerability. Reproductive medicine.
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INTRODUCTION/OBJECTIVE:
Aids cases are steadily increasing among young people and there are few studies describing young male vulnerability to HIV. A study was carried out aiming at developing a STD/AIDS prevention program for junior professional soccer players.
METHODS: Study participants were twenty-five junior soccer players of a major league professional team of the city of Campinas, Brazil. There were 2 segments. In segment 1, participants were given a self-administered questionnaire covering sociodemographic data, sexual behavior, specific gender-related behaviors, condom use, HIV/AIDS knowledge and prevention, and sports associated exposure risk. In segment 2, 17 sessions of group dynamics were carried out. Many forms of expression (speech, writing, pictures, and videos) were encouraged to grasp participants' thoughts on STD/AIDS-related matters.
RESULTS: Participants showed good knowledge on HIV transmission but they were poorly informed on reproduction and STDs. Unwanted pregnancy is their main concern. As for condom use, 73% consistently used condoms with casual partners (73%), and only 27% consistently used them with regular partners. Also, 58% considered risky to have HIV-positive players among them.
CONCLUSIONS: Young players do not consider themselves vulnerable despite their chances of HIV infection and unwanted pregnancy. They have poor knowledge about the human body and reproductive health. Soccer milieu as well as other sports milieus create great opportunities for prevention programs, where they may have a multiplier effect since athletes are often regarded as role models for children and youngsters.
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INTRODUÇÃO
a epidemia de Aids no Brasil tem sofrido mudanças importantes nos últimos anos. Atualmente a infecção pelo HIV acomete um grande número de mulheres, com aumento da incidência em populações mais pobres e crescente notificação em cidades do interior do País.
Dados recentes do Ministério da Saúde6 mostram que, de um total de 151.298 casos acumulados de Aids, 25,6% foram em mulheres, grupo que teve um aumento de 75,3% de 1994 a 1998. No mesmo período, o número de casos cuja forma de exposição foi relação heterossexual teve um crescimento de 113%, enquanto o grupo de homens homossexuais ou bissexuais cresceu apenas 8,6%.
As desigualdades nas relações de gênero têm sido descritas como importante fator para explicar as dificuldades de adoção de medidas de prevenção pelos jovens, pelos homens e pelas mulheres.1,2,5,8,13 O uso da camisinha feminina é ainda restrito, e negociar relações sexuais seguras é difícil para grande parte das mulheres.5 Dessa forma, programas direcionados à mudança de atitudes e de práticas masculinas em relação à prevenção de DST e Aids podem constituir uma estratégia de prevenção promissora, principalmente se direcionada à população jovem.7,13
Estudos realizados com jovens mostram que a heterogeneidade entre eles indicaria programas diferenciados segundo o sexo.1,5,6 Ainda que vários projetos tenham sido desenvolvidos com populações dessa faixa etária, focalizando conhecimentos e atitudes em relação à prevenção, não existe relato desse tipo de trabalho desenvolvido com atletas, principalmente no Brasil. Diversos autores10,16 apontam o esporte como uma atividade predominantemente de homens e de fundamental importância para a construção da identidade masculina; advertem sobre o papel do esporte na reprodução da hegemonia masculina, sobretudo pela naturalização de suas práticas e organização hierárquica.10
O mundo do esporte, e principalmente do futebol, pode constituir importante espaço para divulgar medidas de prevenção. Jogadores de futebol são pessoas de visibilidade, ídolos, formadores de opinião; podem se transformar em modelos para uma população razoavelmente grande e em multiplicadores de informação, especialmente para os jovens. A formação de jogadores de futebol para exercer esse papel a partir de seus conhecimentos, suas dificuldades e utilizando suas próprias colocações em relação à sexualidade e à prevenção de DST e de Aids pode ajudá-los a lidar com sua própria vulnerabilidade e também a estender esse conhecimento à população geral, especialmente à masculina que mais acompanha o esporte.
Campinas situa-se entre as cidades brasileiras com maior número de casos de Aids segundo o Ministério da Saúde. Dos 2.638 casos notificados até fevereiro de 2000, 18% correspondem a adolescentes e jovens de até 24 anos.15Em Campinas, encontra-se também a sede de um time de futebol de primeira divisão que mantém times de diferentes categorias.
Na tentativa de estabelecer um contato mais eficaz com a população e de ser mais compreendido e acatado do que os programas institucionais, o presente trabalho avaliou a possibilidade de, por meio de jovens atletas semiprofissionais, desenvolver um programa de prevenção pensando na educação entre pares. Para tanto, foi realizado estudo com o objetivo de conhecer o que sabem, como se comportam e quais as principais questões referentes a DST e Aids nesse grupo. Espera-se que este trabalho possa inspirar novos estudos e projetos no campo da prevenção com e entre atletas.
MÉTODOS
O estudo foi realizado num clube com time de futebol profissional da primeira divisão em Campinas, SP, Brasil, no período de abril de 1998 a janeiro de 1999. Participaram do estudo 25 jogadores da categoria juniores, todos do sexo masculino.
Os jogadores presentes no time no momento inicial do estudo foram esclarecidos sobre os propósitos e as características do estudo, tendo sido obtido consentimento de cada um dos 25 participantes. Não houve recusas, apenas uma flutuação da participação, conseqüência da dinâmica da profissão em que, com freqüência, há intercâmbio de atletas entre as categorias, explicando a variação de número de participantes nas sessões de grupo.
O estudo foi desenvolvido de forma a ter uma primeira etapa de coleta de informações feita por meio de um questionário para auto-aplicação seguido por uma oficina. O questionário, baseado no modelo utilizado por Paiva,13 levantou informações sociodemográficas e aplicou perguntas sobre práticas sexuais, adesão às normas de gênero, uso de preservativo, conhecimento sobre DST e Aids e relação entre prática esportiva e fatores de risco para Aids.
A oficina foi realizada em 17 sessões de grupo, obedecendo a um roteiro preestabelecido com alguns temas definidos. Ao elenco de temas definidos previamente foram incorporados outros, a partir da lacuna de conhecimentos e das experiências relatadas pelo grupo (Tabela 1) e segundo a proposta de construção conjunta do conhecimento inspirada por Freire.9,13,14 Para o desenvolvimento dessa etapa, foram utilizadas várias abordagens, e valorizadas várias formas de expressão (discursiva, escrita, iconográfica e vídeos). Quando realizada a metade do número programado de sessões de grupo, foi feita uma avaliação sobre a dinâmica utilizada, os temas e o horário, abrindo a possibilidade de um aumento da adesão. As sessões eram realizadas como parte das atividades cotidianas dos jogadores no clube, logo após o almoço, no salão do clube, com a presença do coordenador, de um auxiliar de pesquisa que anotava as sessões e dos atletas.
Registros e anotações em diário de campo constituíram o material para posterior categorização dos temas emergentes, em função dos objetivos do estudo. Assim, as anotações de todos os 17 encontros e o diário de campo do coordenador foram submetidos à análise do conteúdo temático tal como proposta por Bardin.4
RESULTADOS
Os 25 jovens participantes do estudo tinham em média 17,8 anos e tempo de clube variando de um mês a seis anos, com média de 2,8 anos. Permaneciam no clube das 8 horas da manhã até o fim da tarde, e 60% deles também estudavam à noite. A média de escolaridade foi de 10,2 anos, correspondendo à segunda série do ensino médio. Declararam-se brancos 68%, negros e mulatos, 28%, e um declarou-se índio. Dos 25 jovens, apenas um referiu união consensual, sendo os demais solteiros.
A maior parte desses jovens era originária de outras cidades ou estados. A maioria deles (15) morava no mesmo alojamento fornecido pelo clube, e os dez restantes, com a família, em Campinas. Os que moravam no alojamento tinham, em média, dois anos e meio (variando de um mês a quatro anos) de residência no alojamento. Em relação à renda, 76% recebiam um salário-mínimo como ajuda de custo; 24% recebiam de três a cinco salários. A renda mensal das famílias da maioria deles (72%) era de até nove salários-mínimos, sendo que uma parcela significativa (24%) tinha renda familiar mensal maior que 12 salários-mínimos.
Em relação à religião, 72% declararam-se cristãos (católicos, evangélicos); a denominação atletas de Cristo, que reúne esportistas de várias modalidades, congregava 20% deles. A religião era tida como algo muito importante para 84%, e não houve quem respondesse considerar religião como pouco ou nada importante.
"Entrando em campo": a oficina
O tema sexualidade provoca curiosidade e pode explicar a alta taxa de participação nas oficinas, de 80% a 90%, ainda que a presença fosse facultativa.
A idéia de construir juntos um programa foi bem aceita, tendo começado pela elaboração de uma lista de termos populares para órgãos genitais, relações sexuais, masturbação e outros. A lista continha palavras utilizadas pelo grupo, algumas pouco conhecidas ou engraçadas, e serviu para facilitar a aproximação do pesquisador com os participantes do estudo.
Gravidez: uma questão de "trevo"
Em relação aos riscos relacionados à atividade sexual, esses jovens não se sentem expostos. Doenças sexualmente transmissíveis, HIV ou Aids não fazem parte das preocupações de suas vidas. Ainda que todos tivessem atividade sexual, a maioria não percebia sua vulnerabilidade individual.
Os jovens indicaram que o coito interrompido é a prática anticoncepcional comum do grupo, resultando, muitas vezes, em risco de gravidez. Esta constitui o maior "trevo" ("o que pode gerar confusão, dúvida, incerteza"), usando a terminologia de "boleiros", ou seja, daqueles que vivem do futebol. Em relação aos métodos anticoncepcionais, os mais conhecidos foram o preservativo (camisinha), o dispositivo intra-uterino e a pílula anticoncepcional.
Pediu-se que fizessem o desenho do aparelho reprodutor a partir de moldes de seus próprios corpos, e apareceram grandes pênis, como se este fosse o único órgão envolvido na reprodução. O grupo mostrou conhecer pouco o corpo reprodutivo masculino e o feminino, embora este fosse representado melhor e de forma mais correta. A importância do conhecimento da anatomia e das funções corporais foi apresentada como uma maneira de cada um se conhecer melhor e de permitir uma vida sexual mais prazerosa, decidindo e agindo de maneira informada.
A análise comparativa dos desenhos que fizeram com o material educativo na forma de álbuns seriados identificou dúvidas importantes, como:
•"a menstruação desce por onde?";• "...se gozar só ali, na 'portinha', engravida?";• "no caso de vasectomia, o espermatozóide vai para onde?", e típico de vestiários:• "ouvi dizer que pode engravidar com a toalha... é verdade?"
A paternidade e suas implicações na vida de um jovem foi um tema incluído nas oficinas. O exercício de listar todas as necessidades e seus respectivos custos, do nascimento de um filho até que este complete um ano, mostrou-se útil e indicou que eles não param para pensar em coisas básicas como leite, berço, assistência médica (pouco lembradas por eles), o que resultou numa reflexão importante para o grupo. Alguns atribuíam a responsabilidade à mulher ou aos pais:
"Eu teria que pedir ajuda a meus pais ou teria que abandonar o futebol, pois com o que eu ganho não dá para criar um filho".
"... lógico que iria amar demais ele... mais tarde viriam as brigas com a esposa, pois ela diria que agora temos que ser responsáveis."
Ao mesmo tempo, conscientizam-se da necessidade de se prevenir:
"Com certeza não teria a mínima condição psicológica e financeira de cuidar dessa criança."
"Largaria o futebol e iria trabalhar para conseguir sustento a ele e à minha mulher."
"Com a minha condição financeira, sem dúvida nenhuma não daria, iria passar muitas necessidades, e o grande prejudicado seria meu filho. Então tenho de me prevenir."
Masturbação e doenças sexualmente transmissíveis
Em relação à masturbação, tema controverso no grupo, observou-se que as velhas crenças sobrevivem entre esses jovens. Muitos ainda acreditavam que a masturbação praticada na adolescência poderia diminuir o prazer sexual da pessoa quando adulta ou, se praticada em excesso, poderia atrapalhar o rendimento do atleta.
Ao contrário do que se esperava, à exceção da gonorréia e da Aids, o grupo não mostrou conhecimento de outras DST. Alguns nunca tinham ouvido falar de outras infecções, 17 (68%) afirmaram não saber identificar uma DST. Um dos participantes referiu ter tido sífilis, e outro, gonorréia. Na sessão de grupo sobre o tema, trabalhou-se montando um grande quebra-cabeça, incluindo todas as DST e suas principais características clínicas.
O nível de conhecimento sobre Aids revelou-se elevado, quando se considera que 89% dos participantes responderam corretamente às questões referentes à via de transmissão da infecção. No entanto, as respostas referentes à possibilidade de compartilhar situações com indivíduos HIV positivos mostraram que ainda existem o conflito e o preconceito no momento de incorporar a informação. Sentem como ameaçadora a eventual possibilidade de cortes durante o jogo, de contato com "sangue contaminado", que foi mencionada com freqüência pelos jovens (Tabela 2).
O preservativo masculino
As oficinas sobre sexo seguro são sempre bem recebidas por jovens, quando constituem oportunidade de conseguir preservativos. Em geral, os jovens conhecem o preservativo masculino, mas não sabem usá-lo corretamente, embora afirmem saber. No presente estudo, 23 jovens responderam saber usar camisinha de forma correta. No entanto, mais da metade dos participantes (52%) não as considerou seguras, pois, segundo a maioria deles, "estouram com facilidade".
Outra queixa comum em relação ao uso de preservativos, apontada por 32% dos participantes, diz respeito à perda de sensibilidade. A maioria, 76%, afirmou que "o sexo não é igual quando feito com camisinha", e 40% dos jovens declararam "medo de usar e ter problemas, como o rompimento do preservativo".
A Tabela 3 apresenta os resultados referentes ao uso de preservativo segundo tipo de parceira. Um relacionamento mais constante ou com uma parceria fixa foi um dos motivos mais citados na oficina para não usar o preservativo nas relações sexuais. Nas respostas ao questionário, entre aqueles que não usaram camisinha nos seis meses anteriores ao estudo, os motivos mais citados foram:
• "conhecer a parceira" (42%);• "confiar nela" (37%);• "achar que ela não tinha Aids" (32%).
Outro motivo para não usar preservativo, apontado por um quarto dos participantes, foi que ele diminui o prazer.
O preservativo feminino foi recebido com grande surpresa pelo grupo durante a oficina, e a comparação com um coador, ou uma biruta, foi imediata. As diversas atividades da oficina serviram para tornar, tanto o preservativo masculino quanto o feminino, mais próximos, menos misteriosos e mais úteis para o grupo.
Projetando o futuro homem
Foi questionado a eles como se visualizavam adultos, projetavam suas vidas e planejavam seu futuro a partir de um exercício em que se imaginavam "daqui a dez anos". Os relatos incluíram a percepção de sua responsabilidade na realização de seus sonhos:
"Você não sabe o que vai acontecer daqui para frente em termos de saúde, em caso de profissão, caso contrário é fácil imaginar um futuro de fama, dinheiro, saúde, família etc."
"Imaginar o futuro não é difícil, o difícil é fazer tudo o que você imaginar tornar-se realidade."
Quando se discutiu o que era ser homem ou mulher, observou-se que foram socializados num ambiente em que sentem que, dos meninos, exigem-se o controle das emoções (não chorar), as atividades orientadas para o lazer externo à casa (rua) e os comportamentos que os distanciem ao máximo da feminilidade e da homossexualidade. Dos homens ("deles") espera-se uma postura "ativa" de conquistador e, no futuro, sucesso profissional e financeiro. Das meninas, que sejam mais controladas em seus gestos e comportamentos, orientadas para o mundo interno (da casa), e que, pelo casamento, possam ascender socialmente.
Nas respostas ao questionário, observou-se que 64% deles concordaram que "o sustento da casa é tarefa do homem", 52% afirmaram que "o homem é que deve tomar a iniciativa do namoro", e 48% concordaram que "um homem não consegue dizer não! quando uma mulher dá bola para ele".
A paternidade, portanto, representaria um fator de desestruturação em uma carreira ainda incipiente, ocasionando dificuldades adicionais do percurso sonhado: jogar no time principal, num clube da capital ou defender a seleção brasileira. Ter um filho (sempre no masculino) poderia significar a ruptura de sonhos (de consumo, de projeção) que poderiam estar bem próximos: no espaço de tempo de quase um ano de sessões de grupo e acompanhamento do projeto, foi visto jovens "saltar" do ônibus urbano para um carro importado. Existem poucos trabalhos em que se ganha tanto dinheiro em tão pouco tempo.
Avaliação
A proposta de avaliação do processo serviu não apenas para refletir conjuntamente sobre a propriedade de um programa de prevenção como parte das atividades cotidianas de jogadores juniores, mas também para entender que tipo de repercussão a abertura desse espaço de informação e discussão sobre as questões envolvendo a saúde sexual e reprodutiva teve em sua vida social e afetiva, não apenas como jogador.
No momento da avaliação, era visível o maior conforto dos participantes para, com liberdade, falar de suas questões mais íntimas e difíceis.
"Aprendi a me superar melhor aos poucos, estou me personalizando melhor, perdendo o nervosismo."
"Hoje sei várias coisas que não sabia, hoje tenho outra visão de vida..."
"Me conscientizei que a prevenção é muito importante para que não tenhamos surpresas desagradáveis para com nossas vidas, como gravidez, doenças e Aids".
A iniciativa de multiplicar o que aprendeu aparece espontaneamente:
"Comecei a falar sobre isso com meus amigos..."
DISCUSSÃO
A sensação de invulnerabilidade desse grupo de jovens é semelhante à descrita em estudos com populações dessa mesma faixa etária.2,13 Atletas, além disso, são marcados pela intensa atividade física, que aumenta a sensação de proteção, reforça os ideais de saúde e virilidade e "permite" que corram os mais variados riscos.11
O pouco conhecimento sobre a reprodução e as questões colocadas na oficina mostram falhas de educação formal em relação à saúde reprodutiva e sexual. A preocupação com o físico, inerente à profissão, restringe-se apenas à função esportiva, em geral aos ossos e músculos. Outros aspectos da saúde não são considerados.
O fato de o coito interrompido ser o método mais usado para evitar gravidez merece reflexão mais profunda dos programas voltados aos rapazes. O coito interrompido é também o método mais citado, por homens mais do que por mulheres, em pesquisa com alunos de primeiro grau de cursos noturnos de São Paulo.13
As oficinas possibilitaram uma tomada de consciência sobre as repercussões da paternidade em suas vidas. Ainda que esse exercício se mostrasse positivo, a situação de se imaginar pai esteve quase sempre associada ao comprometimento do futuro como profissional. Portanto, o acesso a informações claras sobre os aspectos da reprodução humana, associado à importância do uso da camisinha, permite que esses jovens possam controlar o risco de uma gravidez e a decisão de ser pai. Com esse tipo de medida, a principal preocupação desses jovens (ou seja, o maior "trevo") estaria agregado às informações sobre prevenção de DST e de Aids.
Diferentemente do que outros estudos apontam,3,12 para esses jovens a paternidade tem um caráter mais forte de obstáculo, de destruição de sonhos. A gravidez é vista como uma ameaça maior e mais próxima, a Aids nem tanto, como também se observou em outros estudos.2,13 Um programa de prevenção de DST e de Aids deve considerar a importância da gravidez para esse grupo.
A falta de conhecimento sobre DST pode ser compreendida pela pouca abordagem desse grupo de doenças nas escolas e na mídia, ao contrário da Aids. Apesar de responderem de forma correta sobre transmissão do HIV, esse grupo mostrou-se mal informado sobre situações de risco. Respostas afirmando existir risco de contrair o HIV em situações corriqueiras dentro do esporte, como trocar de camisa, usar as chuteiras ou dar um abraço, mostram a urgência em informar esses jovens. Em relação ao pouco uso da camisinha, 73% usam preservativo em todas as relações sexuais com parceiras casuais, e 27%, com parceiras fixas. Os principais motivos para o não uso são "conhecer" e "confiar" na parceira, os mesmos apontados por jovens participantes de outros estudos.1,2,13
Como aponta Duarte,8 a decisão sobre o uso da camisinha coloca para seus usuários uma tensão entre o grau de prazer imediato, com todas suas implicações, e a eventual destruição da unidade vida-corpo-pessoa e a continuidade máxima dessa unidade. As oportunidades de contato sexual, quando se apresentam entre esses jovens, devem ser aproveitadas e reforçam sua identidade masculina, independentemente da possibilidade de usar o preservativo.
CONCLUSÕES
A diferença de modo de vida dos atletas estudados e dos demais jovens está no ambiente de glamour e de assédio que pode fazer parte da vida desses aspirantes a ídolo do esporte mais popular do País. Esses adolescentes têm mais chance de viajar, de ter um salário digno, de adquirir bens materiais do que os demais jovens da mesma classe social de onde se originam.
No entanto, eles não estão mais informados ou protegidos que jovens de sua faixa etária e classe social: também apresentam pouco conhecimento sobre sua sexualidade e sua vulnerabilidade, insegurança em relação ao futuro e uso inconsistente de preservativos.
Em relação à sexualidade e aos conhecimentos sobre DST e Aids, pôde-se comprovar que as dúvidas são numerosas. Esses jovens têm conhecimento adequado dos modos de transmissão do HIV, embora não incorporem esses conhecimentos em suas vidas e em suas relações. Sabem pouco sobre DST, têm medo de gravidez, e, ainda assim, nem todos usam preservativos, seja com parceira fixa ou em relações sexuais casuais.
Dessa forma, tanto os dados dos questionários quanto os temas abordados nas discussões dos grupos na oficina indicam a necessidade da inclusão, em sua formação, de um programa amplo sobre educação sexual. Esse programa deve ter como objetivo informar e dar segurança aos jovens. Certamente outras dimensões de sua saúde e corpo, além de músculos e ossos, merecem atenção das pessoas responsáveis pela formação esportiva dos jovens. Especialmente se for considerado que a maioria deles vive em alojamentos ou dedica a maior parte de seu dia aos treinamentos. Em uma segunda etapa, poderiam ser transformados em multiplicadores, com a função de levar informações sobre prevenção de DST e Aids aos colegas de profissão e mesmo a outros grupos.
Esta pode ser uma forma interessante de atingir a população masculina e ajudá-la a incorporar comportamentos preventivos, como o sexo seguro. O aumento do número de casos de Aids, mesmo na população de mulheres, só poderá ser contido, em tempo relativamente curto, se os homens participarem do processo de mudança de comportamentos e de atitudes.
Ainda que existam vários estudos sobre prevenção de DST/Aids em homens, este é o primeiro que aborda uma categoria profissional de destaque no País. Esse grupo poderia ser utilizado para divulgar informações corretas e ajudar os jovens a assumir sua sexualidade de forma mais segura. Acredita-se que o esporte possa constituir espaço importante para veiculação de campanhas e para desenvolvimento de programas direcionados a homens jovens, usualmente fora do alvo das políticas públicas no campo da saúde e da prevenção.
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