sexta-feira, 6 de junho de 2014

A disciplina jurídica do trabalho prisional



Um dos fatores que impede o sucesso do trabalho dentro do cárcere é a dificuldade técnica e administrativa de transformar as prisões em indústrias aptas a desenvolver a função laborativa.
Resumo: Esta pesquisa tem por escopo proceder à análise do trabalho carcerário, bem como a importância deste instituto e as finalidades as quais se destina. O trabalho do presidiário existe desde a antiguidade, sua origem se confunde com a origem da própria pena privativa de liberdade; hoje é de extrema importância tanto para a sociedade, quanto para o Estado e parceiros privados, bem como para o apenado, que poderá gozar do instituto da remição. Mesmo com toda evolução do mundo moderno, há o estigma trazido pelo cárcere, que deixa marca nos presos, e é consequência da visão retributiva que ainda se tem da pena. Deve-se pensar em mão-de-obra qualificada do condenado, a fim de evitar a sua exploração. O trabalho, enquanto direito subjetivo do preso, mesmo que não disciplinado, deve estar respaldado nos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, a qual prevê o direito ao trabalho a todos os cidadãos, bem como determina direitos básicos inerentes ao labor, ainda que existam alguns direitos que não possam ser concedidos aos presos, em razão de sua natureza.
Palavras-chave:Trabalho do preso; Cárcere; Remição da pena; Direitos fundamentais; Garantias trabalhistas.
Sumário:1. INTRODUÇÃO. 2. FUNÇÕES DA PENA. 3. Análise do trabalho carcerário. 4. Natureza Jurídica do trabalho prisional. 5. Possibilidade real de reintegração pelo trabalho. 6. O instituto da remição. 7. GARANTIAS TRABALHISTAS DO PRESO. 8. CONCLUSÃO

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa irá versar sobre a disciplina jurídica do trabalho prisional. O labor dos presos dentro do cárcere, enquanto indivíduos não livres, carece de regulação especifica, no tocante às atividades laborativas. O objetivo desta pesquisa é atentar para a falta de legislação pertinente quanto ao tema tratado e tentar suprir omissões quanto à disciplina do trabalho do preso.
Inicia-se a pesquisa tratando do trabalho do preso sob a perspectiva penal. Primeiro, busca-se entender as finalidades da pena para se saber quais as finalidades do próprio direito penal, qual a legitimidade que o Estado tem de punir o indivíduo. Pois o estigma do cárcere acompanha os apenados ao longo dos anos, e isso se deve ao fato da prisão ser vista pela sociedade como local de penúria e lamentações, onde o apenado deve pagar sua divida perante a comunidade, por ter rompido o contrato social; resquícios de uma visão retributiva da pena. Pois, mesmo depois de tantos anos e tantas doutrinas que deram, ao longo do tempo, um sentido mais humanitário à pena; ainda assim a sociedade se reveste de características retributivas, retornando ao tempo de Talião.
Adiante será tratado do trabalho do preso no direito processual penal. A partir desse momento, se construirá a natureza jurídica do trabalho carcerário, posto que de direito público e subjetivo, e as possibilidades reais de reintegração pelo trabalho, ante a falência do sistema prisional e do direito penal como um todo. Irá analisar também quais as vantagens para o tripé que compõem este instituto, qual seja condenado, parceiro privado e Estado enquanto representante da sociedade. Fará também uma análise do instituto da remissão e suas benesses para o apenado. Por fim, observará os direitos e garantias trabalhistas do preso. Comenta a possibilidade de aplicação da CLT, uma vez que não há norma que discipline o trabalho prisional.
Esta pesquisa é de suma contribuição para o mundo jurídico, posto que, frise-se, carece de legislação que solucione tais divergências. O estudo do trabalho do preso traz à baila a preocupação, sempre recorrente, com o sistema penal, bem como com os seres humanos que ali ficam expostos. Deve-se pensar em um sistema penal que vise não somente a proteção da sociedade, mas também a proteção dos encarcerados, exaltando sempre o princípio da dignidade da pessoa humana como um bem jurídico inerente a todo ser humano.

2. FUNÇÕES DA PENA

Antes de mais nada, convém fazer uma breve exposição à cerca das diversas funções que a pena exerceu ao longo dos anos. Pois a aceitação do trabalho do presidiário perante a comunidade está diretamente ligada às finalidades da pena; ou seja, a aceitação da sociedade depende da visão que a própria sociedade tem sobre qual o fim da pena. Dentre tantas teorias, que com o passar dos anos tentaram humanizar os efeitos da prisão, ainda hoje o conceito retributivo da pena se mantém enraizado na sociedade, o que faz com que a prisão, aos olhos dos “cidadãos normais”, deva ser um lugar de penúria e sofrimento por parte do preso.
O brocardo dura lexsedlex foi superado ao longo do tempo no que diz respeito à possibilidade do operador do direito, em especial do Direito Penal, aplicar a pena baseado somente no texto legal, sem se comprometer com valores sociais, ideias de proporcionalidade, intervenção mínima, subsidiariedade[1].
A ressocialização do delinquente implica um processo interativo entre indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinquente sem colocar em dúvida o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo[2]; caso contrário, estaria se admitindo que a ordem social seja perfeita, o que, no mínimo, é discutível.
Sob pena de se abdicar do Estado de Direito, não se pode justificar a aplicação de uma pena criminal pela necessidade. Logo, é indispensável identificar qual é a real necessidade da aplicação dessas medidas[3]. A respeito da dificuldade em estabelecer qual o fim da pena, elucida Paulo Queiroz:
Semelhante questionamento, como é sabido, constitui um dos temas mais antigos e controvertidos da filosofia, que é a justificação do direito de punir, tradicionalmente tratada sobre a rubrica de “teorias da pena”, que, no fundo, são teorias do Direito Penal, (...), pois tais funções não podem ser realizadas de forma conseqüente com o só manuseio de conceitos da dogmática penal, prescindindo-se do conhecimento dos fins que devem orientar a atuação de juízes, legisladores e de todos aqueles que de algum modo lidam com o direito[4].
Segundo Bitencourt, com a evolução das teorias sobre a função da pena, inevitavelmente se modifica também o conceito de culpabilidade, em relação à sua finalidade e considerações doutrinárias. Uma concepção de Estado corresponde a uma concepção de pena, e a uma de culpabilidade. O Estado utiliza a pena para proteger determinadas lesões a bens jurídicos; logo, a pena deve ser analisada observando o modelo socioeconômico e a forma de Estado. Leciona que Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos, inter-relacionados. Um conceito dogmático como o de culpabilidade requer uma justificativa mais clara possível do por que e para quê da pena[5].
Com base nisso, faz-se necessária uma análise geral das diversas teorias que a doutrina tem dado sobre as funções da pena.
São com as teorias absolutas ou retributivas que faz surgir à preocupação com a finalidade da pena. Entende-se a ideia da pena quando ela é analisada conjuntamente com o modelo estatal que lhe originou.
Primeiramente, com o Estado absolutista, que era a identidade entre o soberano e o Estado, entre moral e Direito. Além disso, havia a afirmação de que o poder do soberano era concedido diretamente por Deus; na pessoa do rei concentrava-se o Estado e todo o poder de justiça. A ideia que se tinha da pena era a de ser um castigo com o qual se expiava o mal cometido[6].
O Estado absolutista era um Estado de transição entre a Idade Média e a sociedade liberal. A execução da pena nesse período consistia na exploração da mão-de-obra por meio da reclusão dos indivíduos em cárceres, e em casas de trabalho.
Surge o Estado burguês, que tem como fundo a teoria do contrato social. O Estado sendo uma concepção soberana do povo, a pena passa então a ser entendida como retribuição à perturbação da ordem jurídica escolhida pelos homens e exaltada pelas leis. Com isso, à expiação sucede a retribuição, a razão divina sucede a razão de Estado e a lei divina sucede a lei dos homens[7].
O individuo que quebrava esse contrato social era considerado um rebelde, devendo ser excluído do conjunto social, logo, sua culpa poderia ser retribuída com uma pena. Nesse momento, a pena era apresentada como uma finalidade em si própria, uma decorrência natural da pratica do ilícito, estando dissociada da ideia de prevenção[8]. Como bem obtempera Paulo Queiroz:
(...) a pena como um fim em si mesma, pena que, quer como realização da justiça, quer como expiação de um mal, quer por razoes de índole, se justifica pura e simplesmente pela verificação de um fato criminoso, cuja punição se impõe categoricamente[9].
Dessa forma, é praticamente impossível pretender justificar a pena mediante o uso das teorias absolutas. Segundo Francesco Carrara, ainda que se aproximasse da teoria retributiva, elucida:
(...) todas essas fórmulas tem por base um principio moral abstrato, mostrando que o delinquente merece punição, mas não explicando porque esta é infligida pela autoridade social, e exclusivamente por ela[10].
Para as teorias absolutas, é indispensável que seja aplicada a sanção penal. Deixar de executar uma sentença seria uma renúncia ao direito e a justiça. Entre os defensores das teses retributiva, destaca-se Kant e Hegel.
Em que pese o mérito da fundamentação retributiva em radicar o fato de a pena dever ter sempre o delito como pressuposto, o fim da pena não é realizar a justiça, muito menos em termos absolutos; é viabilizar a convivência em sociedade por meio da pacificação dos conflitos.
As teorias absolutas, ao invés de procurarem a fundamentação para o direito de punir do Estado, partem do pressuposto que a pena existe e é necessária. Dessa forma, abre-se um território ilimitado para o direito de punir estatal[11]. Segundo Roxin, uma questão importantíssima fica sem solução, qual seja de saber sob que fundamento a culpa humana autoriza o Estado a castigar[12].
Já as teorias relativas ou preventivas da pena se diferenciam das teorias absolutas na medida em que buscam fins preventivos posteriores e se fundamentam na necessidade para a sobrevivência da sociedade; buscam uma finalidade para a pena, razão pela qual esta deixa de ser um fim em si mesma[13]. Para esta teoria, a pena não visa retribuir o fato delituoso, mas sim prevenir a sua ação, combatendo a reincidência.
A pena se impõe para que o autor do fato não volte a delinquir. Ou seja, assim como na teoria retributiva, a pena é considerada um mal necessário. Contudo, essa necessidade não se baseia na ideia de realizar justiça, mas na função de coibir a prática de novos delitos[14].
Dizem-se unitárias todas as teorias que pretendem superar as divergências entre as formulações teóricas apresentadas, combinando-as ou unificando-as de forma ordenada. Desta forma, almejam explicar o fenômeno punitivo diante de todas as suas nuances e complexidades. Na realidade da aplicação da pena, através desta teoria, podem-se desenvolver todas as suas funções, de maneira a conseguir uma relação equilibrada entre todos os fins da pena. Busca-se unir a justiça da pena e a sua utilidade, no sentido da necessidade para a preservação das condições da vida em sociedade. Logo, a pena somente será legitima se for justa e útil[15].
É o mesmo que dizer que a pena é conceitualmente uma retribuição jurídica, mas uma retribuição que somente se justifica se a serviço da prevenção da pena. A retribuição seria assim o limite máximo da prevenção, a fim de evitar excessos de uma política criminal exacerbada[16]. Assim, essa orientação estabelece acentuada diferença entre fundamento e fim da pena. Segundo o fundamento, a sanção punitiva não deve fundamentar-se em nada que não seja o delito. Com isso, afasta-se um dos princípios básicos da prevenção geral, qual seja a função intimidatória da pena. Quanto ao fim da pena, esta teria a função de proteção da sociedade, e é a partir desse ponto que as correntes unitárias se diversificam[17]. Assim leciona Bitencourt:
Em resumo, as teorias unificadoras aceitam a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato praticado, além de buscar a consecução dos fins de prevenção geral e especial[18].
Dentre as diversas concepções ecléticas da pena, são de maior relevância as teorias de ClausRoxin e Luigi Ferrajoli.
Pela análise da legislação penal brasileira, pode-se concluir que o legislador não optou por se filiar a nenhuma teoria da pena em particular. Logo, no ordenamento brasileiro, encontram-se as mais diversas tendências. Porém, como bem obtempera Paulo Queiroz, pode-se dizer que dentre todas as teorias, a que mais se aproxima do nosso direito é a teoria dialética unificadora de ClausRoxin[19].
Em momento algum, o código penal adota a teoria absoluta ou retributiva da pena. Como prova disso, podem-se trazer alguns dispositivos como o artigo 27, que considera penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, ou ainda institutos como a desistência voluntária, a anistia, a graça, o indulto, o perdão judicial, o regime de progressão da pena, dentre outros. Todos estes institutos são incompatíveis com a ideia de retribuição da pena. Para o direito penal brasileiro, a pena é também retribuição, apenas na sua função limitadora do direito de punir do Estado.
Ora, depois de muitos anos de uma teoria absolutista, e após muitos estudos e formulações teóricas por esses renomados juristas, faz-se inconcebível a aceitação de uma visão retributiva da pena por parte da sociedade. Este é um ponto crítico que traz à baila a aceitação, ou não, do trabalho por parte dos presos. Pois, ainda que previsto na Lei de execuções penais, o trabalho no cárcere carrega consigo o estigma carcerário, inerente à sociedade. Como se não bastasse a dificuldade técnica e administrativa de transformar as prisões em local de reabilitação, ainda há o preconceito que está enraizado na sociedade, na qual ainda vigora, infelizmente, a lei de talião. Pois sim, inadmissível seria deixar de enxergar os presos como seres humanos, os quais devem ter seus direitos e garantias constitucionais preservados, em respeito ao principio da dignidade da pessoa humana.
O código penal brasileiro, sobretudo no momento da aplicação da pena e execução, tem em vista a reintegração social do apenado. Isto fica demonstrado quando o legislador prevê a progressão do regime, a remição da pena pelo trabalho, o livramento condicional, etc. Sendo assim, se torna imperioso o rompimento da sociedade com valores por demais ultrapassados, tal qual o ideal retributivo da pena. Não se pretende com essa pesquisa exaltar as teorias que deslegitimam o direito penal[20], uma vez que entende ser esse imprescindível para a convivência em sociedade. Porém, indiscutível é também que as normas devem acompanhar a evolução social não apenas teoricamente, com a finalidade de que o direito, em especial o penal, passe a ter uma abordagem prática e efetiva, deixando de operar às margens da civilização.

3. ANÁLISE DO TRABALHO CARCERÁRIO

A evolução histórica do trabalho dos presidiários dentro do cárcere está intimamente ligada com a origem e a evolução da pena de prisão ao longo dos anos.
Diz Cezar Roberto Bitencourt:
A prisão é uma exigência amarga, mas imprescindível. A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua reforma. A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis[21].
As finalidades da pena privativa de liberdade evoluíram ao longo do tempo, de maneira que deixaram de admitir a vingança como fundamento do jus puniend, para evoluir com vistas à recuperação daquele que, em dado momento, causou danos à sociedade.
Pouco mais de dois séculos foram necessários para que se observasse a falência da pena privativa de liberdade, em termos de medida retributiva, uma vez que a prisão reforça os valores negativos do condenado. Acredita-se, então, em sua progressiva humanização, em busca de alternativas para a pena de prisão,[22] e em busca de soluções que dignifiquem o preso e o ressocializem, como o trabalho.
Vistas as funções que a pena exerceu ao longo do tempo, cumpre agora analisar qual a importância deste instituto para o direito processual penal e para a sociedade.
O trabalho carcerário está previsto expressamente na Lei de Execuções Penais (LEP), n.7.210/84, no capitulo III. Trata tanto das hipóteses de trabalho interno do preso, dentro dos presídios, como de trabalho externo. Aplica-se a quase todos os tipos de regime das penas privativas de liberdade, quais sejam, regime fechado, semiaberto ou aberto.
Conforme dispõe o Código Penal, em seu art. 34, inicialmente, no regime fechado o apenado fica submetido à total reclusão, para fins de execução da pena. Nestes casos, ele pode trabalhar durante o dia, mas fica isolado durante o repouso noturno. O trabalho deve ser realizado dentro do estabelecimento prisional, conforme suas aptidões, porém permite-se, excepcionalmente, que o trabalho ocorra em serviços ou obras públicas fora do presídio, realizados por órgãos da Administração direta ou indireta, ainda que o preso cumpra pena em razão da condenação por crime hediondo. Permite-se também, em caráter excepcional, que o trabalho se desenvolva para atividades privadas, desde que conte com a concordância expressa do preso, e sob vigilância. Para isso, faz-se indispensável o cumprimento de, pelo menos, um sexto da pena, de acordo com o quanto previsto pelos arts. 36 e 37 da LEP.
Deve-se ressaltar que o CP prevê a possibilidade de progressão de regime, como decorrência natural da individualização executória, fase de aplicação efetiva da pena. É uma forma de incentivo à proposta estatal de reeducação e ressocialização do sentenciado[23]. Isso nos termos do art.112 da LEP, o qual diz que a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso.
Já no regime semiaberto, o condenado pode ficar sujeito ao trabalho em comum durante o dia, podendo frequentar cursos profissionalizantes, de segundo grau ou superior. Neste tipo de regime não há mais o isolamento noturno, além do que se admite o trabalho externo, desde que haja merecimento do condenado. Regulado pelo art. 35 do CP, este tipo de regime deve ser cumprido em colônia penal, agrícola ou industrial, ou estabelecimento similar.
Por fim, o regime aberto. Este se baseia na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado (art. 36, CP). O condenado deve se recolher durante o repouso noturno, à casa do Albergado ou estabelecimento similar, sem os rigores do regime fechado; deve desenvolver também atividades laborativas externas durante o dia, assim como um trabalhador livre, desde que autorizado, porém fora do estabelecimento prisional e sem vigilância, motivo pelo qual não se aplica os benefícios do trabalho prisional, como a remição da pena.
Com relação aos trabalhos externos, leciona Renato Marcão que estes se submetem à satisfação de dois requisitos básicos. Um requisito subjetivo, qual seja a disciplina e responsabilidade, que devem ser apuradas através do exame criminológico, e outro objetivo, que consiste na obrigatoriedade de que tenha o preso cumprido o mínimo de um sexto de sua pena. Sendo assim, a autorização para o trabalho externo está condicionada à conjugação desses dois requisitos[24]. Tanto a autorização quanto a revogação do trabalho é ato do diretor do estabelecimento prisional.

. Natureza Jurídica DO TRABALHO PRISIONAL

O trabalho do preso é modalidade de trabalho subjetivo. Ou seja, não constitui trabalho forçado ou obrigatório, logo, o preso pode exercê-lo ou não. Nestes termos, tem previsão na Convenção nº 29 da OIT, no Pacto de São José da Costa Rica, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
A Convenção nº 29 da OIT foi aprovada na 14ª reunião da Conferência internacional do trabalho, em Genebra, e entrou em vigor no plano internacional em maio de 1930, porém apenas foi ratificada pelo Brasil em 1957. Todos os países que ratificaram a referida Convenção se comprometeram a abolir todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, salvo as hipóteses previstas pela própria Convenção.
O seu artigo 2º define trabalho forçado ou obrigatório como todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. Ou seja, é aquele trabalho exigido do cidadão sem que haja o elemento volitivo. Além disso, não se pode permitir, em nenhuma hipótese, o trabalho forçado ou obrigatório em beneficio de particulares.
Já o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, inova ao prevê expressamente, em seu art. 6º, a proibição de trabalho forçado ou obrigatório por parte dos presos que cumprem pena privativa de liberdade. In verbis:
Artigo 6º - Proibição da escravidão e da servidão
1. Ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.
2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.
3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:
4. Os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; (...) (grifo nosso)
Prevê também a proibição de trabalho escravo e da servidão. Logo, deixa claro que o trabalho do preso não se trata de forma de trabalho escravo ou degradante, exaltando a condição humana do preso e a necessidade de resguardar a sua dignidade[25].
No trabalho degradante, embora exista, a priori, a aplicação do elemento volitivo, ou seja, a aceitação da atividade, como também a vontade do indivíduo e o seu direito de ir e vir, o mesmo é submetido a condições desumanas, insalubres, com jornadas excessivas, não havendo o respeito ao principio da dignidade da pessoa humana[26].
Já no trabalho escravo não há a expressão da vontade do trabalhador. É caracterizado pelo cerceamento à liberdade e pela coação moral, econômica, ou física. É considerado crime, pelo disposto do art. 197, CP[27].
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pelos representantes do povo francês em 1789, imbuídos dos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, determina que todos os homens são iguais perante a lei, tendo os mesmos direitos e deveres. Pela primeira vez são proclamadas as liberdades e os direitos fundamentais do Homem de forma ecumênica, para toda a humanidade. Ela serviu de inspiração para a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que mais uma vez consagra a igualdade entre os homens e a dignidade da pessoa humana, como previsto no seu artigo II.
Por fim, a Magna Carta, que adota o Estado Democrático de Direito, aplica os princípios previstos nas declarações supracitadas. Em seu proclamado art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, em seu inciso XLI, afirma que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. Dispõe ainda, no seu inciso XLIX, que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Como se não bastasse, proclama nos seus arts. 6º e 7º, que tratam dos direitos sociais, o direito de todo homem ao trabalho e sob garantias mínimas de exercê-lo.
Diante o exposto, conclui-se que é amplamente previsto o direito subjetivo do preso ao trabalho. Seu trabalho não é punição, mas sim faculdade. Logo, ainda que a LEP preveja, no seu art. 31, o trabalho obrigatório do preso, percebe-se que a referida lei não está em consonância com os devidos diplomas legais, não sendo tal dispositivo recepcionado pela Constituição Federal. Caso o condenado não queira trabalhar, não poderá ser aumentada sua pena, tampouco sofrerá abusos ou castigos corporais. Apenas não gozará de certos benefícios, como a remição da pena, a progressão de regime, o livramento condicional, entre outros.
Assim sendo, se é licito e imperioso o trabalho ao homem livre, também o é em relação ao homem preso, pois afirmar que o individuo perde sua condição de cidadão e de Homem, perde a sua dignidade, por estar cumprindo pena, é violar o principio básico que rege todo o mundo jurídico: o principio da dignidade da pessoa humana.
Ademais, a LEP traz expressamente em seu art. 28º que a finalidade do trabalho do preso é educativa e produtiva. A finalidade educativa diz respeito à reintegração na sociedade através da qualificação pelo trabalho. Pois, ao saírem das prisões, os apenados que não tem nenhuma qualificação técnica, além de não se empregarem, ainda voltam a reincidir no crime. A educação pelo trabalho diz respeito ao ensino de alguma atividade laborativa para o efetivo exercício das atividades desempenhadas.
Isto posto, também leciona GamilFöppel que há limites para a ressocialização, uma vez que ela não pode ser forçada. Desse modo, em respeito à garantia constitucional da autonomia da vontade, é proibido o trabalho coercitivo ao recluso, ainda que tenha caráter ressocializante[28].
Além da modalidade subjetiva, o regime jurídico do trabalho carcerário é de direito público, pois, para que haja a contratação da mão-de-obra do preso, deve-se firmar contrato entre a Administração pública e o parceiro privado, sempre observando os princípios gerais que regem a Administração pública, quais sejam, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[29]. Inclusive, para o trabalho interno, os governos federais, estaduais ou municipais poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, afim de implantação de oficinas de trabalho dentro dos presídios, conforme disposto no art. 34 da LEP.
Há, em verdade, hipótese de terceirização de serviços, haja vista que o Poder Público deve celebrar contrato com empresa particular para gerir e explorar a mão-de-obra carcerária. Segundo a lei nº 8.666/93, de licitações e contratos administrativos, em seu art. 2º, parágrafo único, considera-se contrato, para fins da referida lei, todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação do vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. Dessa forma, é hipótese de contrato administrativo, que são regidos por cláusulas e pelos preceitos do direito público. Ilustra José dos Santos Carvalho Filho:
(...) de forma simples, porém, pode-se conceituar contrato administrativo como o ajuste firmado entre a Administração pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público[30](...) (grifo nosso)
Ademais, cabe expor que a espécie de contrato administrativo celebrado deve ser o contrato de concessão, na modalidade de parcerias público-privadas. Nesse sentido, Zanella di Pietro entende como concessão o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso do bem público para que explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais[31]. Por seu turno, entende José Carvalho Filho que as parcerias público-privadas são concessões especiais, caracterizadas pela circunstância de que o concessionário recebe determinada contraprestação pecuniária do concedente[32]. Dessa forma, é vedado o contrato direto entre o preso e oparceiro particular, sendo que os contratos de trabalho firmados entre as empresas privadas e os encarcerados devem ser precedidos da interferência obrigatória da Administração Pública.
Ressalte-se que a terceirização deverá observar os requisitos constantes na Lei nº11.079/2004, que trata das parcerias público-privadas; deverá ainda observar o disposto no parágrafo 1º do artigo 34 da LEP, ou seja, o limite máximo do número de presos empregados na obra será de 10% (dez por cento), com a finalidade de se evitar a malfadada “terceirização selvagem”[33].
Assim sendo, a Administração pública exerce controle sobre a atuação do parceiro privado, de maneira que não deixa de cuidar dos interesses da comunidade carcerária e da sociedade.

5. Possibilidade real de reintegração pelo trabalho

Neste momento, faz-se imperioso demonstrar as vantagens do trabalho carcerário; vantagens para o tripé que compõe este instituto, qual seja, o encarcerado, o parceiro privado e o Estado, enquanto representante da sociedade.
As vantagens para o encarcerado são inúmeras, e estão previstas na própria LEP, quando esta atribui o caráter educador e produtor do trabalho do preso. Além de ter direito à remição da pena, ou seja, à diminuição dos dias a serem cumpridos na prisão, o trabalho pode ensejar também a progressão de regime e até o livramento condicional.
Além disso, o preso, ao aprender um ofício, se qualifica e encontra-se apto a reingressar na sociedade, uma vez que, ao sair da prisão terá maior chance de se empregar, não ficando à amargura dos desempregados. Como indivíduo produtivo, há chances de voltar a fazer parte do sistema econômico vigente, qual seja, o capitalismo.
Já as vantagens para o parceiro privado, na contratação da mão-de-obra carcerária, se fazem primeiro porque obtém mão-de-obra mais barata que a do trabalhador livre; segundo, porque fica isento de alguns encargos trabalhistas do qual o preso, pelo seu trabalho peculiar, diferenciado, não faz parte. Além disso, o Estado cede gratuitamente, sem pagamento em pecúnia, o espaço dentro dos presídios para que a empresa monte as oficinas de trabalho, por vezes não cobrando água e luz[34], a título de estimular a finalidade social deste instituto.
Atrela-se a esses fatores incentivos fiscais que poderiam ser ofertados pelo Estado, a exemplo do que já ocorre com as empresas que aderem ao PAT (Programa de Alimentação do trabalhador), quais sejam: isenção total dos encargos fiscais, dedução do imposto de renda referente ao valor correspondente ao PAT, ou seja, 4% de restituição no Imposto de Renda sobre o valor investido[35].
Por fim, as vantagens para o Estado se fazem por várias vertentes. Primeiro porque mantém o condenado ocupado, de modo a evitar rebeliões, e a acabar com a ociosidade dentro dos cárceres. Também no tocante a remição da pena, evitando a superlotação dos presídios. Além disso, o Estado poderia fornecer mais incentivos fiscais aos parceiros privados, no sentido de fomentar a contratação de presos pelas indústrias, para que o mercado de trabalho recepcione esta mão-de-obra, pois, em que pese não ter condições de arcar com isso sozinho, é obrigação do Estado fornecer trabalho ao apenado, nos termos das garantias constitucionais.
Dessa forma, o trabalho do preso também constitui vantagem para a sociedade, uma vez que reduz e muito os casos de reincidência, o que dá uma segurança jurídica maior á comunidade.
Ainda que a reintegração pelo trabalho seja uma solução em longo prazo, na atualidade já se podem ver projetos que, com sucesso, põem em prática esta modalidade de trabalho. Como exemplos se podem citar o sistema prisional de Guarabira, onde os sentenciados laboram em um projeto de ressocialização no qual são destinados a prestar serviços em obras públicas. O projeto já dura três anos, e durante este período não houve nenhum registro de fuga, o que demonstra o compromisso dos próprios sentenciados com a oportunidade que estão tendo. Outro exemplo é a penitenciária industrial de Guarapuava no Paraná, que conta com um índice de reincidência de apenas 6%, mostrando uma raridade no país, em que a maioria dos estabelecimentos prisionais apresenta índices elevadíssimos de reincidência. A penitenciária Dênio Moreira Carvalho de Ipaba, em Minas Gerais, é considerada um modelo a seguir, pois é a única do país que está há mais de seis anos sem rebeliões e fugas, e este resultado é fruto de um projeto de ressocialização que vem sendo desenvolvido com a participação das autoridades prisionais locais em parceria com a sociedade[36].
A penitenciária Lemos de Brito, em Salvador, no entanto, não teve a mesma sorte. Apesar de ainda manter contrato com empresas que oferecem trabalho aos presos, algumas oficinas montadas na penitenciaria estão paradas, tanto por falta de incentivos por parte do Estado, tanto por falta de interesse dos presos, que não retornavam às suas atividades laborativas[37]. Isto porque falta estrutura nas fábricas montadas, sendo que a maior parte dos presos que ali trabalham não fazem uso, sequer, do material de segurança. Outro fator que desestimula os condenados ao trabalho, é o fato de servir apenas como exploração da mão-de-obra carcerária, já que se pagam baixos salários por uma mão-de-obra desqualificada[38].
Também há o programa Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça. O Projeto Começar de Novo é uma campanha para incentivar a reinserção social de presos e egressos. O Projeto tem duas ações principais. A primeira é uma campanha institucional voltada à sensibilização da sociedade civil e demais órgãos da Administração pública para que ofertem cursos e vagas de trabalho para presos e egressos. Outra atividade é a criação de um portal de oportunidades no qual as instituições podem fazer o cadastro de vagas para cursos e oportunidades de trabalho. Os interessados em dar oportunidade de trabalho aos egressos do sistema prisional podem cadastrar suas ofertas de emprego direto no portal do Conselho[39].

O instituto da remição

Cabe agora analisar o instituto da remição, que é de relevante importância na persecução do fim reintegrador da pena. Segundo a LEP, em seu art.126, caput, o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena, na proporção de 01 dia de pena, por 03 dias de trabalho, sendo que o preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição. Será declarada pelo juiz da execução, ouvido o Ministério Público, conforme disposto nos arts. 66 e 67 da LEP.
A palavra remição significa reparar, ressarcir, compensar. Como bem obtempera Júlio Mirabete:
(...) pode-se definir a remição, nos termos da lei, como um direito do condenado em reduzir pelo trabalho prisional o tempo de duração da pena privativa de liberdade, cumprida em regime fechado ou semi-aberto. Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena[40].
A instituição da redenção das penas pelo trabalho simboliza o cume dos esforços de dignificação do trabalho penitenciário. Nesse sentido, pode-se dizer que a remição é medida de descarcerização, providência legal tendente a excluir ou reduzir a incidência das penas privativas de liberdade[41]. Dessa forma, se oferece ao preso um estímulo para corrigir-se, abreviando o tempo de cumprimento da sanção, com vistas à progressão ao regime de liberdade condicional ou a liberdade definitiva[42].
Com o advento da Lei de execuções penais passou-se a discutir a natureza jurídica da norma que regula a remição; se direito material, ou de direito processual. Mas entende maior parte da doutrina, a exemplo de Renato Marcão, Célio Paduani e Rodrigo Fudoli, que a remição é norma de natureza material, e não processual, logo retroage[43] para beneficiar o apenado, posto que trata de regra favorecedora do condenado; tudo que se refere ao preceito sancionatório é de direito penal material[44]. Segundo Júlio Mirabete, há retroatividade, pois, além da Constituição Federal prever que a aplicação da lei recente mais benigna tão somente se dará no que se refere ao crime e à pena, o código penal prevê também, em seu art. 2º, que a lei sofrerá retroação sempre que, de qualquer modo, favorecer ao agente. Ou seja, a lei posterior que beneficie o réu ou o condenado incide no que se refere a todasconsequências penais previstas em lei, estando neste rol os direitos públicos subjetivos do apenado[45].
O instituto da remição se encontra vinculado ao trabalho, que é o fator mais importante de reeducação do sentenciado. De fato, a laborterapia, ao lado da educação, deve constituir um dos tratamentos mais adequados ao preso que vive em penitenciárias e cadeias públicas em completa ociosidade[46]. A sua característica fundamental é a participação voluntária do sentenciado no trabalho, como instrumento de reeducação, de reintegração. O aspecto volitivo traduz o direito subjetivo do preso ao trabalho.

7. GARANTIAS TRABALHISTAS DOS PRESOS

A Lei de Execuções penais prevê, no seu art. 28, parágrafo 2º, que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Antes de tudo, cabe observar que a análise proposta irá tratar dos casos onde, sob o regime semiaberto ou fechado, o preso tem a oportunidade de trabalhar, seja no interior do presídio, seja no trabalho externo, através da contratação pelo Estado do parceiro privado. Cumpre esclarecer que, nestes casos, a empresa privada não pode contratar diretamente com o preso, mas apenas diretamente com o Estado, através de contrato administrativo, como visto anteriormente.
Entende uma parte da doutrina que a LEP, no que tange os direitos trabalhistas do preso, não foi recepcionada pela Constituição Federal, posto que o novel diploma proíbe toda e qualquer discriminação entre os trabalhadores, como disposto em seu art. 7º, incisos XXXI e seguintes. Desta forma, leciona Aldacy Coutinho:
Se na prestação de trabalho pelo apenado estiverem presentes todos os elementos de uma relação de emprego, pela realização de um trabalho subordinado com continuidade e pessoalidade, o pagamento deverá ser igual ou superior a um salário mínimo. A norma constitucional, em seu art. 7º, inciso IV, garante a percepção de um salário mínimo por todo trabalhador. Sendo norma de eficácia plena, implica automaticamente a não recepção da Lei de Execução Penal, que permite a realização de trabalho remunerado pelo apenado em valores inferiores ao mínimo legal, quando está caracterizada a relação de emprego[47].
Segundo ela, a LEP estaria estabelecendo uma distinção entre o trabalhador livre e o encarcerado, no momento em que veda a aplicação das normas da CLT. Porém, em que pese este entendimento ter respaldo constitucional, entende-se que a CLT não se aplica ao trabalho do preso, pois, ainda que seja de direito subjetivo, onde prevalece a vontade do apenado-trabalhador, também tem natureza de direito público-administrativo, posto que essa relação de trabalho necessita da intervenção do Estado para se concretizar.
Sendo assim, o trabalho prisional não configura relação de emprego, posto que se trata de um regime especial, específico. O trabalho do preso tem finalidades específicas baseadas na LEP, quais sejam, educativa e produtiva. O que se espera é a preparação do apenado para o convívio em sociedade, é a sua reintegração através da qualificação pelo trabalho.
No trabalho prisional o apenado deseja a sua liberdade, seu retorno ao convívio social. Essa busca não é incompatível com a atividade privada, podendo o particular tomar os serviços dos presos, de maneira a colaborar com o projeto de reintegração e também de maneira a lucrar. Logo, pode-se afirmar que, ainda que tenha o elemento volitivo por parte do preso, não configura relação de emprego por ter finalidade diversa dessa[48].
Como exemplos, pode-se citar a relação laboral de estágio. Ainda que esta contenha os requisitos da relação de emprego, tais quais subordinação, pessoalidade, continuidade, ainda assim não se configura como tal, por ter finalidade diversa. Mesmo com o advento da lei 11.788/08, que trouxe novas regulamentações ao contrato de estagio, não se considera que haja o vinculo empregatício, visto que o seu objetivo é complementar o ensino e a aprendizagem.
Da mesma forma ocorre com o trabalho do apenado. Na verdade, a formalização é de um contrato triangular, pois deve abarcar o preso, o parceiro privado e o Estado. Para o preso, deve-se ressaltar a função dignificadora do trabalho. Logo, independentemente de o seu trabalho ser realizado no âmbito interno ou externo do presídio, havendo o tripé Estado, parceiro privado e apenado, não configura relação de emprego, nem cabe a aplicação da CLT.
Porém, em que pese essas considerações, entende-se que devem ser observados os direitos trabalhistas reconhecidos pela Carta Magna em seu art. 7º, posto que se tratam de direitos sociais do trabalhador, seja ele livre ou não. Nesse sentido leciona Dirley da Cunha Júnior:
Os direito sociais são aquelas posições jurídicas que credenciam o indivíduo a exigir do Estado uma postura ativa, no sentido de que este se coloque à disposição daquele, prestações de natureza jurídica ou material, consideradas necessárias para implementar as condições fáticas que permitam o efetivo exercício das liberdades fundamentais e que possibilitam realizar a igualização de situações sociais desiguais, proporcionando melhores condições de vida aos desprovidos de recursos materiais[49]. (grifo do autor)
Ou seja, os direitos sociais têm por objeto um atuar permanente do Estado, consistente em uma prestação positiva em benefício do indivíduo, de modo a garantir-lhes o mínimo existencial. E pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana é o melhor fundamento para a aceitação de um direito subjetivo público aos recursos mínimos concernentes.
A Constituição federal, ao inserir os direitos sociais no titulo II que trata dos direitos fundamentais, afirma que os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, com força normativa e vinculante, que dão aos seus titulares direito de exigir do Estado estas garantias indispensáveis ao ser humano. Isso vale para todos os trabalhadores, quais sejam livres ou reclusos, posto que não se pode fazer diferenciação entre os diversos tipos de labor[50]. Isto posto, infere-se que é obrigação do Estado oferecer trabalho ao apenado, e para isso pode-se valer de contratos com parceiros privados.
Além do mais, segundo Fábio Rodrigues, cabe afirmar que a titularidade do direito ao trabalho é universal, o que implica dizer que está voltada abertamente à todas as pessoas humanas[51]. Como bem obtempera Jorge Luiz Souto Maior:
(...) o direito como instrumento não é só o direito legislado. A visão do direito como instrumento fornece todas as armas que se encontram no próprio direito. Com efeito, em uma sociedade democrática a Constituição, necessariamente, consagra os muitos valores constantes das diversas ideologias político-sociais[52].
Logo, utilizando-se do direito do trabalho como instrumento de luta pela justiça social, culmina com a constitucionalização das normas protetivas do trabalho e a normatização de seus princípios fundamentais, possibilitando a interpretação das normas infra com base nesses postulados[53].
Então, enquanto não haja legislação especifica própria que regule esta modalidade laborativa, extrai-se direitos previstos na Carta Magna para regular esta relação de trabalho. Porém, deve-se atentar às características de cada direito posto, visto que, em razão de sua própria natureza, para distinguir a aplicação ao trabalho do preso ou não.

7. CONCLUSÃO

Finda esta pesquisa, dela pode-se extrair algumas conclusões:
1) A aceitação do trabalho do presidiário perante a comunidade está diretamente ligada às finalidades da pena; ou seja, a aceitação da sociedade depende da visão que a própria sociedade tem sobre qual o fim da pena. Dentre tantas teorias, que com o passar dos anos tentaram humanizar os efeitos da prisão, ainda hoje o conceito retributivo da pena se mantém enraizado na sociedade, o que faz com que a prisão, aos olhos dos “cidadãos normais”, deva ser um lugar de penúria e sofrimento por parte do preso.
2) A ressocialização do delinquente implica um processo interativo entre indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinquente sem colocar em dúvida o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo; caso contrário, estaria se admitindo que a ordem social seja perfeita, o que, no mínimo, é discutível.
3) Em momento algum, o código penal adota a teoria absoluta ou retributiva da pena. Como prova disso, podem-se trazer alguns dispositivos como o artigo 27, que considera penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, ou ainda institutos como a desistência voluntária, a anistia, a graça, o indulto, o perdão judicial, o regime de progressão da pena, dentre outros. Todos estes institutos são incompatíveis com a ideia de retribuição da pena. Para o direito penal brasileiro, a pena é também retribuição, apenas na sua função limitadora do direito de punir do Estado.
4) Como se não bastasse a dificuldade técnica e administrativa de transformar as prisões em local de reabilitação, ainda há o preconceito que está enraizado na sociedade, na qual ainda vigora, infelizmente, a lei de talião. Pois sim, inadmissível seria deixar de enxergar os presos como seres humanos, os quais devem ter seus direitos e garantias constitucionais preservados, em respeito ao principio da dignidade da pessoa humana.
5) A grande luta pela reabilitação e ressocialização daquele que se encontram cumprindo pena privativa de liberdade, esbarra na própria sociedade, que, ainda nos dias de hoje, mantém vivo o caráter retributivo da pena.
6) Outro motivo que impediu (e impede) o sucesso do trabalho dentro do cárcere é a dificuldade técnica e administrativa de transformar as prisões em indústrias aptas a desenvolver a função laborativa.
7) O trabalho do preso é modalidade de trabalho subjetivo. Ou seja, não constitui trabalho forçado ou obrigatório, logo, o preso pode exercê-lo ou não. Nestes termos, tem previsão na Convenção nº 29 da OIT, no Pacto de São José da Costa Rica, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão, e na Declaração Universal do Direitos Humanos da ONU.
8) É amplamente previsto o direito subjetivo do preso ao trabalho. Seu trabalho não é punição, mas sim faculdade. Logo, ainda que a LEP preveja, no seu art. 31, o trabalho obrigatório do preso, percebe-se que a referida lei não está em consonância com os devidos diplomas legais, não sendo tal dispositivo recepcionado pela Constituição Federal. Caso o condenado não queira trabalhar, não poderá ser aumentada sua pena, tampouco sofrerá abusos ou castigos corporais. Apenas não gozará de certos benefícios, como a remição da pena, a progressão de regime, o livramento condicional, entre outros.
9) Assim sendo, se é licito e imperioso o trabalho ao homem livre, também o é em relação ao homem preso, pois afirmar que o individuo perde sua condição de cidadão e de Homem, perde a sua dignidade, por estar cumprindo pena, é violar o principio básico que rege todo o mundo jurídico: o principio da dignidade da pessoa humana.
10) Além da modalidade subjetiva, o regime jurídico do trabalho carcerário é de direito público, pois, para que haja a contratação da mão-de-obra do preso, deve-se firmar contrato entre a Administração pública e o parceiro privado, sempre observando os princípios gerais que regem a Administração pública, quais sejam, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
11) Cabe expor que a espécie de contrato administrativo celebrado deve ser o contrato de concessão, na modalidade de parcerias público-privadas.
12) Dessa forma, é vedado o contrato direto entre o preso e o parceiro particular, sendo que os contratos de trabalho firmados entre as empresas privadas e os encarcerados devem ser precedidos da interferência obrigatória da Administração Pública.
13) Hoje, a prisão por si só não reintegra. Não devolve o indivíduo à sociedade apto a exercer as atividades da vida em comunidade. E vários são os fatores: superlotação, ociosidade, violência, baixo nível de escolaridade, falta de qualificação profissional, e o tão enraizado estigma carcerário.
14) O intuito desta pesquisa é demonstrar a necessidade de que existam medidas alternativas que, ao menos, enxergando a realidade, possam tornar as consequências geradas pela prisão menos dolorosa a todos: ao Estado, aos presos, e a comunidade. Uma dessas medidas alternativas é a reintegração através da qualificação pelo trabalho.
15) Já as vantagens para o parceiro privado, na contratação da mão-de-obra carcerária, se fazem primeiro porque obtém mão-de-obra mais barata que a do trabalhador livre; segundo, porque fica isento de alguns encargos trabalhistas do qual o preso, pelo seu trabalho peculiar, diferenciado, não faz parte. Além disso, o Estado cede gratuitamente, sem pagamento em pecúnia, o espaço dentro dos presídios para que a empresa monte as oficinas de trabalho, por vezes não cobrando água e luz.
16)  As vantagens para o Estado se fazem por várias vertentes. Primeiro porque mantém o condenado ocupado, de modo a evitar rebeliões, e a acabar com a ociosidade dentro dos cárceres. Também no tocante a remição da pena, evitando a superlotação dos presídios.
17) Ainda que a reintegração pelo trabalho seja uma solução em longo prazo, na atualidade já se podem ver projetos que, com sucesso, põem em prática esta modalidade de trabalho.
18) A instituição da redenção das penas pelo trabalho simboliza o cume dos esforços de dignificação do trabalho penitenciário. Nesse sentido, pode-se dizer que a remição é medida de descarcerização, providência legal tendente a excluir ou reduzir a incidência das penas privativas de liberdade.
19) O instituto da remição se encontra vinculado ao trabalho, que é o fator mais importante de reeducação do sentenciado. De fato, a laborterapia, ao lado da educação, deve constituir um dos tratamentos mais adequados ao preso que vive em penitenciárias e cadeias públicas em completa ociosidade.
20) Entende-se que a CLT não se aplica ao trabalho do preso, pois, ainda que seja de direito subjetivo, onde prevalece a vontade do apenado-trabalhador, também tem natureza de direito público-administrativo, posto que essa relação de trabalho necessita da intervenção do Estado para se concretizar.
21) Sendo assim, o trabalho prisional não configura relação de emprego, posto que se trata de um regime especial, especifico. O trabalho do preso tem finalidades especificas, baseadas na LEP, quais sejam, educativa e produtiva. O que se espera é a preparação do apenado para o convívio em sociedade, é a sua reintegração através da qualificação pelo trabalho.
22) Enquanto não haja legislação especifica própria que regule esta modalidade laborativa, extrai-se direitos previstos na Carta Magna para regular esta relação de trabalho. Porém, deve-se atentar às características de cada direito posto, visto que, em razão de sua própria natureza, pode-se aplicar ao trabalho do preso ou não.

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