ção popular é uma ação constitucional colocada á disposição de qualquer cidadão para a tutela do patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural, mediante a anulação do ato lesivo. Encontra amparo constitucional no inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, estando regulamentada na Lei nº 4.717/65.
Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política, constituindo-se, nas palavras de José Afonso da Silva, como uma manifestação direta da soberania popular consubstanciada no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988[1].
O objetivo do presente trabalho é tecer breves considerações sobre a sentença deste nobre instituto, fazendo algumas digressões sobre sua natureza jurídica, as espécies de sentença, bem como os seus efeitos principais e acessórios, sem a pretensão, todavia, de esgotar o tema.
Sentença, segundo Alexandre Freitas Câmara, é o ato final de cumprimento do ofício de julgar do juiz, que pode ser proferido de modo a resolver ou não o mérito da causa[2]. A sentença, portanto, pode extinguir o processo com ou sem resolução de mérito[3].
A sentença que extinguir sem resolução de mérito, se dará por ausência de pressuposto processual, condição da ação ou nulidade insanável do processo. O art. 9º da Lei 4.717/65 dispõe também que o processo será extinto "Se o autor desistir da ação ou der motiva á absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação".
Primeiramente, deve-se observar que o termo "absolvição de instância" decorre do fato de que a lei foi editada na vigência do CPC de 1939. Esse termo, entretanto, foi abolido por Alfredo Buzaid no anteprojeto do CPC 1973 (item 6º da Exposição de Motivos do CPC), substituindo "instância" por processo. Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, os casos de "absolvição de instância" hoje se enquadrariam nas hipóteses dos incisos II e III do art. 267 do CPC (abandono do processo) [4].
Outrossim, a doutrina entende que os casos do art. 9º supracitado dificilmente poderão ocorrer, pois existe a previsão de que qualquer cidadão ou o MP pode dar prosseguimento á ação[5]. Não há, contudo, obrigação do Parquet em prosseguir com a ação quando entender descabida a pretensão deduzida, dada a sua independência funcional, garantida constitucionalmente (art. 127, § 1º, da CF/88). Evidente que, conquanto difícil, a extinção por desistência pode ocorrer, caso ninguém requeira o prosseguimento da ação popular após a publicação dos editais previstos no previstos no art. 7º, inciso II, da Lei nº 4.717/65[6].
Por outro lado, não é possível se aplicar á ação popular os casos dos incisos VII, IX e X do art. 267 do CPC, por serem incompatíveis com a natureza e os fins da ação constitucional. Note-se que não seria admissível a convenção de arbitragem em litígio envolvendo direitos indisponíveis, como na ação popular, bem como não seria factível a confusão entre autor e réu, próprio das ações que versem sobre direitos patrimoniais[7].
Da mesma forma, não se aplicam á ação popular as hipóteses dos incisos III e V do art. 269 do CPC (transação e renúncia), ante a indisponibilidade do direito posto em causa.
Possível, outrossim, o saneamento da irregularidade que ensejou a propositura da ação popular, havendo, neste caso, a perda do objeto da ação quanto ao pedido de desconstituição do ato, ressalvando-se o efeito condenatório ás perdas e danos. Sobre o ponto, Ruy Armando Gessinger leciona que "convalidado o ato, sem objeto ficaria a ação popular e atingido estaria, por via oblíqua, o fim a que o cidadão se propôs, ficando ressalvado o efeito condenatório em perdas e danos, se houvesse. Neste último caso, não haveria mais objeto quanto ao efeito constitutivo negativo. Vista do ponto de vista do juiz, ingressa-se no fascinante campo da atendibilidade dos fatos jurídicos supervenientes ao ingresso da demanda, de que trata o art. 462 do CPC"[8].
Para Mancuso, ocorrido o saneamento da irregularidade, o processo deve ser extinto, sem resolução de mérito, ante a ausência de interesse processual do autor, cabendo, nesse caso, aos réus os ônus da sucumbência, por força do princípio da causalidade[9]. A jurisprudência comunga desse entendimento, consoante se observa do seguinte precedente:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. CONCESSÃO DE USO DE ÁREA PÚBLICA A PARTICULAR. REVOGAÇÃO DO ATO. SUSPENSÃO DE OBRA POR EFEITO DE LIMINAR. PERDA DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO. Suspensa a obra que estava sendo realizada sobre área concedida pela Administração á particular, e revogado o ato de concessão, tem-se a perda do objeto da demanda que visa impedir o uso de área pública. Apelação desprovida. Sentença mantida em reexame necessário". (Apelação e Reexame Necessário nº 70017161829, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, julgado em 07/03/2007).
A natureza jurídica da sentença de improcedência é meramente declaratória, pois apenas reconhece uma situação jurídica. Contudo, na sentença de procedência houve certa discussão sobre a sua natureza jurídica. Pontes de Miranda a classificava como constitutiva negativa[10], ao passo que na jurisprudência antiga do Supremo Tribunal Federal predominava o entendimento de que se tratava de sentença declaratória[11], havendo, contudo, julgados que a consideravam condenatória[12].
Após a edição da Lei 4.717/65, restou solvida a discussão, uma vez que, segundo exegese do seu art. 11, ficou evidenciado que a natureza da sentença é constitutiva e condenatória, ou seja, decreta a nulidade do ato lesivo e condena a reparação do patrimônio público[13]. Nesse sentido, Edson Aguiar Vasconcelos afirma que "a natureza da ação popular é desconstitutiva-condenatória, visando tanto a anulação do ato impugnado quanto á condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos"[14].
José Afonso da Silva diz que a lei atribui caráter condenatório necessário á sentença que julga a ação popular. Ou seja, mesmo que não haja pedido condenatório do autor popular, o juiz deverá consigná-lo na sentença, conforme exegese do art. 11 da Lei 4.717/65[15]. Ressalta o professor, entretanto, que a condenação não é eficácia secundária do pedido constitutivo, sendo efeito autônomo e próprio, que visa á reparação do patrimônio público. A lei a considera ínsita no pedido de invalidação do ato lesivo[16]. Mancuso, comentando a questão, sustenta que a condenação é exemplo de exceção aos princípios da congruência e do dispositivo, tal como a multa prevista no art. 461, § 5º, do CPC[17].
A sentença de procedência deve decretar a nulidade do ato lesivo e condenar solidariamente os réus (em regra, os criadores do ato e os beneficiários diretos deste) a reparar a lesão decorrente do ilícito, ressalvando a ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando agiram com culpa (art. 37, § 6º, da CF). Tal se dá porque a responsabilidade aqui é objetiva, podendo os que não incorreram em culpa buscar ressarcimento daqueles que agiram com dolo, negligência, imperícia ou imprudência[18].
A reparação pode ser monetária (valor mais encargos de mora), de reposição do débito com juros (execução fraudulenta, simulada ou irreal de contrato) ou de restituição de bens ou valores.
A sentença possui efeitos secundários de natureza administrativa, trabalhista e penal, os quais, entretanto, devem ser buscados através da seara administrativa ou judicial própria, dado os limites cognitivos e de competência do juízo cível na ação popular[19].
Quando a demanda for julgada procedente ou parcialmente procedente, a sucumbência deve ser arcada integralmente pelos réus, não se aplicando á ação popular a regra do art. 21 do CPC, visto que o autor não sustenta direito próprio, de modo que, a rigor, não pode ser sucumbente. Ademais, a parcial procedência da demanda retira da ação a pecha de lide temerária, não podendo ser condenado o autor aos ônus da sucumbência[20].
Já na sentença de improcedência, caso verificada a litigância de má-fé, deverá o autor pagar as custas processuais e os honorários advocatícios. José Afonso da Silva entende que quando a litigância foi temerária (agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão) deve ser aplicada a pena do art. 13 da Lei 4.717/65 (décuplo das custas), ficando a sanção prevista na Constituição Federal resguardada para as demais hipóteses de litigância de má-fé[21]. Mancuso é contrário a essa tese, dizendo que a condenação do art. 13 seria um bis in idem, estando derrogado pelo art. 5º, LXXIII, da CF[22].
A beneficiária da sentença de procedência será, sempre, a entidade pública que teve o patrimônio lesado, não obstante seja, no mais das vezes, citada como litisconsorte passiva, inclusive podendo ter contestado o pedido, pois a ação visa á proteção do bem público.
Questão complexa e até hoje sem solução pacífica na doutrina e jurisprudência diz respeito aos honorários do perito em caso de improcedência da demanda. é entendimento tranqüilo que os honorários do perito serão pagos ao final pelo vencido[23], mas como fica em caso de julgamento de improcedência, sem que tenha havido litigância de má-fé? A quem competirá essa verba?
é certo que existe precedente na jurisprudência entendendo que as despesas decorrentes do trabalho de terceiros, como o perito, não se enquadrariam na isenção prevista na lei[24]. Entretanto, não há como concordar com essa conclusão, pois vai de encontro a um dos princípios basilares da ação popular, qual seja, incentivar o exercício da cidadania. O risco de a parte ter que adiantar os honorários do perito ou, ainda, suportá-los em caso de eventual improcedência da ação popular causaria, ao fim e ao cabo, embaraço a que os cidadãos exercessem a proteção do patrimônio público ou combatessem as ofensas á moralidade administrativa.
Se de um lado não se pode exigir que os peritos custeiem de seu próprio bolso a prova técnica necessária á ação popular, de outro não há como exigir esse valor do autor popular de boa-fé, sob pena de transformar o remédio constitucional em mais um das letras mortas do nosso ordenamento jurídico.
A solução apresentada por Mancuso afigura-se correta, devendo ser instituída previsão orçamentária para manter o custo das perícias em ações com finalidade coletiva, em que se lobriguem interesses sociais relevantes[25].
Outra alternativa poderia ser a utilização da dotação orçamentária que os tribunais possuem para pagamento dos auxiliares da justiça em ações amparadas pela gratuidade judiciária. Porém, essa opção serviria como mero paliativo, sequer podendo ser utilizado em todos os casos, uma vez que existe limitação do valor pago a título de honorários. Logo, se a perícia for demasiadamente complexa, com custo elevado (o que ocorre no mais das vezes na ação popular) não poderia se enquadrada nesta dotação orçamentária.
Assim, o que se tem é que enquanto não surge uma solução efetiva ao problema, segue-se ocorrendo na prática o temor das pessoas em ajuizar a ação popular correndo o risco de ser condenado ao pagamento das dispendiosas perícias realizadas no curso da demanda.
Por fim, observe-se que a sentença que reconhecer a carência de ação ou julgar improcedente o pedido está sujeita ao reexame necessário (art. 19 da Lei nº 4.717/65), hipótese sujeita a crítica de José Afonso da Silva[26], mas defendida por Mancuso[27] e pela jurisprudência[28], que entendem ser cabível o reexame necessário. Quanto á sentença de procedência, entende-se correta a ilação de Luiz Manoel Gomes Junior, no sentido de que não é aplicável ao caso a regra do inciso I do art. 475 do CPC, pois a finalidade da remessa obrigatória é proteger o interesse público, o qual não se confunde com o interesse da Administração Pública. Se o pedido da ação popular foi acolhido é porque existiu ilegalidade e lesividade ou, ainda, atentado á moralidade administrativa, tornando desnecessário reexame necessário[29].
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular no direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos.Revista de Processo nº 28, ano 07, São Paulo: out/dez. 1982, pp. 07-19.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, vol. II.
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FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. "Extinção do Processo" e Mérito da Causa. In: Oliveira, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do Processo: estudos em homenagem ao prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Fabris, 1989, pp. 15-57.
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997.
GESSINGER, Ruy Armando. Da Ação Popular Constitucional. Porto Alegre: Coleção Ajuris, 1985.
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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular Ação Popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente, 5ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
______. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Hábeas Data. 14ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários á Constituição de 1946. Tomo V. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963.
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VASCONCELOS, Edson Aguiar. Instrumento de defesa da cidadania na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Autor:
Max Akira Senda de Brito
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. CONCESSÃO DE USO DE ÁREA PÚBLICA A PARTICULAR. REVOGAÇÃO DO ATO. SUSPENSÃO DE OBRA POR EFEITO DE LIMINAR. PERDA DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO. Suspensa a obra que estava sendo realizada sobre área concedida pela Administração á particular, e revogado o ato de concessão, tem-se a perda do objeto da demanda que visa impedir o uso de área pública. Apelação desprovida. Sentença mantida em reexame necessário". (Apelação e Reexame Necessário nº 70017161829, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, julgado em 07/03/2007).
A natureza jurídica da sentença de improcedência é meramente declaratória, pois apenas reconhece uma situação jurídica. Contudo, na sentença de procedência houve certa discussão sobre a sua natureza jurídica. Pontes de Miranda a classificava como constitutiva negativa[10], ao passo que na jurisprudência antiga do Supremo Tribunal Federal predominava o entendimento de que se tratava de sentença declaratória[11], havendo, contudo, julgados que a consideravam condenatória[12].
Após a edição da Lei 4.717/65, restou solvida a discussão, uma vez que, segundo exegese do seu art. 11, ficou evidenciado que a natureza da sentença é constitutiva e condenatória, ou seja, decreta a nulidade do ato lesivo e condena a reparação do patrimônio público[13]. Nesse sentido, Edson Aguiar Vasconcelos afirma que "a natureza da ação popular é desconstitutiva-condenatória, visando tanto a anulação do ato impugnado quanto á condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos"[14].
José Afonso da Silva diz que a lei atribui caráter condenatório necessário á sentença que julga a ação popular. Ou seja, mesmo que não haja pedido condenatório do autor popular, o juiz deverá consigná-lo na sentença, conforme exegese do art. 11 da Lei 4.717/65[15]. Ressalta o professor, entretanto, que a condenação não é eficácia secundária do pedido constitutivo, sendo efeito autônomo e próprio, que visa á reparação do patrimônio público. A lei a considera ínsita no pedido de invalidação do ato lesivo[16]. Mancuso, comentando a questão, sustenta que a condenação é exemplo de exceção aos princípios da congruência e do dispositivo, tal como a multa prevista no art. 461, § 5º, do CPC[17].
A sentença de procedência deve decretar a nulidade do ato lesivo e condenar solidariamente os réus (em regra, os criadores do ato e os beneficiários diretos deste) a reparar a lesão decorrente do ilícito, ressalvando a ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando agiram com culpa (art. 37, § 6º, da CF). Tal se dá porque a responsabilidade aqui é objetiva, podendo os que não incorreram em culpa buscar ressarcimento daqueles que agiram com dolo, negligência, imperícia ou imprudência[18].
A reparação pode ser monetária (valor mais encargos de mora), de reposição do débito com juros (execução fraudulenta, simulada ou irreal de contrato) ou de restituição de bens ou valores.
A sentença possui efeitos secundários de natureza administrativa, trabalhista e penal, os quais, entretanto, devem ser buscados através da seara administrativa ou judicial própria, dado os limites cognitivos e de competência do juízo cível na ação popular[19].
Quando a demanda for julgada procedente ou parcialmente procedente, a sucumbência deve ser arcada integralmente pelos réus, não se aplicando á ação popular a regra do art. 21 do CPC, visto que o autor não sustenta direito próprio, de modo que, a rigor, não pode ser sucumbente. Ademais, a parcial procedência da demanda retira da ação a pecha de lide temerária, não podendo ser condenado o autor aos ônus da sucumbência[20].
Já na sentença de improcedência, caso verificada a litigância de má-fé, deverá o autor pagar as custas processuais e os honorários advocatícios. José Afonso da Silva entende que quando a litigância foi temerária (agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão) deve ser aplicada a pena do art. 13 da Lei 4.717/65 (décuplo das custas), ficando a sanção prevista na Constituição Federal resguardada para as demais hipóteses de litigância de má-fé[21]. Mancuso é contrário a essa tese, dizendo que a condenação do art. 13 seria um bis in idem, estando derrogado pelo art. 5º, LXXIII, da CF[22].
A beneficiária da sentença de procedência será, sempre, a entidade pública que teve o patrimônio lesado, não obstante seja, no mais das vezes, citada como litisconsorte passiva, inclusive podendo ter contestado o pedido, pois a ação visa á proteção do bem público.
Questão complexa e até hoje sem solução pacífica na doutrina e jurisprudência diz respeito aos honorários do perito em caso de improcedência da demanda. é entendimento tranqüilo que os honorários do perito serão pagos ao final pelo vencido[23], mas como fica em caso de julgamento de improcedência, sem que tenha havido litigância de má-fé? A quem competirá essa verba?
é certo que existe precedente na jurisprudência entendendo que as despesas decorrentes do trabalho de terceiros, como o perito, não se enquadrariam na isenção prevista na lei[24]. Entretanto, não há como concordar com essa conclusão, pois vai de encontro a um dos princípios basilares da ação popular, qual seja, incentivar o exercício da cidadania. O risco de a parte ter que adiantar os honorários do perito ou, ainda, suportá-los em caso de eventual improcedência da ação popular causaria, ao fim e ao cabo, embaraço a que os cidadãos exercessem a proteção do patrimônio público ou combatessem as ofensas á moralidade administrativa.
Se de um lado não se pode exigir que os peritos custeiem de seu próprio bolso a prova técnica necessária á ação popular, de outro não há como exigir esse valor do autor popular de boa-fé, sob pena de transformar o remédio constitucional em mais um das letras mortas do nosso ordenamento jurídico.
A solução apresentada por Mancuso afigura-se correta, devendo ser instituída previsão orçamentária para manter o custo das perícias em ações com finalidade coletiva, em que se lobriguem interesses sociais relevantes[25].
Outra alternativa poderia ser a utilização da dotação orçamentária que os tribunais possuem para pagamento dos auxiliares da justiça em ações amparadas pela gratuidade judiciária. Porém, essa opção serviria como mero paliativo, sequer podendo ser utilizado em todos os casos, uma vez que existe limitação do valor pago a título de honorários. Logo, se a perícia for demasiadamente complexa, com custo elevado (o que ocorre no mais das vezes na ação popular) não poderia se enquadrada nesta dotação orçamentária.
Assim, o que se tem é que enquanto não surge uma solução efetiva ao problema, segue-se ocorrendo na prática o temor das pessoas em ajuizar a ação popular correndo o risco de ser condenado ao pagamento das dispendiosas perícias realizadas no curso da demanda.
Por fim, observe-se que a sentença que reconhecer a carência de ação ou julgar improcedente o pedido está sujeita ao reexame necessário (art. 19 da Lei nº 4.717/65), hipótese sujeita a crítica de José Afonso da Silva[26], mas defendida por Mancuso[27] e pela jurisprudência[28], que entendem ser cabível o reexame necessário. Quanto á sentença de procedência, entende-se correta a ilação de Luiz Manoel Gomes Junior, no sentido de que não é aplicável ao caso a regra do inciso I do art. 475 do CPC, pois a finalidade da remessa obrigatória é proteger o interesse público, o qual não se confunde com o interesse da Administração Pública. Se o pedido da ação popular foi acolhido é porque existiu ilegalidade e lesividade ou, ainda, atentado á moralidade administrativa, tornando desnecessário reexame necessário[29].
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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários á Constituição de 1946. Tomo V. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963.
SILVA, José Afonso da. Ação Popular Constitucional: Doutrina e Processo. 2ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2007,
______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2005.
VASCONCELOS, Edson Aguiar. Instrumento de defesa da cidadania na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Autor:
Max Akira Senda de Brito
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