Introdução
O presente artigo pretende apresentar um esboço acerca da estabilidade de emprego e seus aspectos mais relevantes, especialmente no âmbito sociológico e jurídico. Para tanto, primeiramente, faz-se imperioso definir o conceito do instituto jurídico conhecido como "Estabilidade de Emprego".
Silveira Bueno, com muita propriedade, em seu dicionário da língua portuguesa define: "Estabilidade, s.f. Firmeza; segurança; propriedade geral dos sistemas mecânicos" (BUENO, 2007, p. 324). Estabilidade, portanto, possui o mesmo significado que equilíbrio.
O conceito de estabilidade, portanto, tem implicação em muitos aspectos da vida, como na economia, na política e, porque não mencionar, também na vida espiritual. Ela é imprescindível no desenvolvimento da espiritualidade e da consciência individual. A natureza humana parece clamar por ela.
Nos ensinamentos do ilustre doutrinador Amauri Mascaro Nascimento "Estabilidade é o direito do trabalhador de permanecer no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, enquanto existir uma causa relevante e expressa em lei que permita sua dispensa" (NASCIMENTO, 2005, p.). Esse conceito repercute benefícios para o trabalhador, que em determinadas situações se vê amparado pela lei.
A estabilidade teria, talvez, o condão de influenciar a vida, as atividades e todos os atos dos trabalhadores por ela amparados, haja vista o seu efeito de acalmar, trazer paz, banindo todos os temores e esfera de terror implementada pelo Capitalismo.
No Brasil existiu o que denominamos "estabilidade de emprego decenal". Essa garantia, com fulcro no art. 492 da CLT, era adquirida por todo o trabalhador que prestasse mais de 10 (dez) anos de serviço a um mesmo empregador, consoante este o dispositivo legal ora mencionado:
"Art. 492 - O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. Parágrafo único. Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador."
Entrementes, por obra do legislador, em 1967, ingressou no mundo jurídico a Lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e vimos desmoronar a esfera de proteção que dantes envolvia os trabalhadores.
Doravante, todos os empregados, passaram a ser titulares do direito ao FGTS e, optando por este sistema, teriam destituído de sua remuneração a fração de 8%, que seria depositado em uma conta vinculada. Conseguintemente, este valor poderia ser sacado em caso de um futuro desemprego, para aquisição da casa própria, entre outras situações.
Com a Vigência da Constituição de 1988, o empregado, no caso de rescisão do contrato de trabalho, além de fazer jus às verbas rescisórias, passou a ter o direito de proceder ao levantamento dos depósitos fundiários, acrescidos de 40%.
Assim, a atual Carta Magna sepultou definitivamente a estabilidade decenal, haja vista a determinação legal de vinculação do trabalhador ao FGTS. Todavia, o art. 492 da CLT ainda sobrevive para resguardar o direito daqueles que já haviam conquistado tal proteção. Para Luciano Viveiros e João Batista dos Santos:
"A equivalência entre os regimes do FGTS e da estabilidade decenal prevista na CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de diferenças sobre o período anterior. Ademais, a estabilidade contratual ou a derivada de regulamento próprio da empresa são compatíveis com o regime do FGTS, não excluindo nenhum tipo de percebimento dos depósitos fundiários agregados ao empregado beneficiário. Diversamente ocorre com a estabilidade legal (decenal - art. 492 da CLT), que recepcionada como renúncia perante a opção pelo FGTS, respeitando-se o direito adquirido do período anterior à referida opção (Súmula nº 98 do TST)." (VIVEIROS, SANTOS, 2008, p. 282)
O entendimento consolidado por este verbete, qual seja, Súmula nº 98 do TST, deu termo a divergência de interpretações acerca da redação do inciso XII do art. 165 da Constituição anterior, que incluía entre os direitos juslaborais "estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garantia equivalente".
Destarte, a ementa da orientação jurisprudencial do TST revela que a estabilidade em questão seria aquela estabelecida no art. 492 da CLT, que, a propósito, já foi extinta desde a promulgação da Carta Política de 1988, ressalvando o direito adquirido.
Nesse sentido, Raymundo Antônio Carneiro Pinto ressalta que: "Não existe, pois, incompatibilidade entre o sistema do FGTS e a estabilidade que resulta de contrato ou de norma interna da empresa. Aliás, na prática, essas duas espécies são pouco frequentes" (PINTO, 2010, p. 111). Esse autor esclarece:
"Quando o total dos depósitos do FGTS não era igual ao do valor da indenização de antiguidade correspondente, procurava-se obter o pagamento da diferença verificada. O TST, porém, negou validade à tese da equivalência econômica. Ressalta-se que a partir da atual Carta Magna, o sistema do FGTS passou a ser obrigatório com relação a todos os trabalhadores (facultativo com relação aos domésticos), ficando superada a antiga discussão. Contudo, é possível que a discussão ressurja quando for regulamentada, por meio de lei complementar, a indenização a indenização a que se refere o inciso I do art. 7º da CF/88, que não exclui o FGTS. Enquanto não vem a esperada regulamentação, o art. 10 do Ato de Disposições Transitórias da atual Carta Magna aumentou para 40% a multa do código 01 e proibiu a dispensa arbitrária ou sem justa causa de membro da CIPA ou da empregada gestante." (PINTO, 2010, p. 111)
Nota-se, portanto, que a chamada "Constituição Cidadã" foi responsável pela abolição da estabilidade absoluta. Fez, todavia, uma ressalva em relação aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta autárquica e das funções públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, admitidos através de aprovação prévia em concurso público, na forma do art. 37 da Constituição. São os mesmos considerados estáveis no serviço público, conforme elencado no art. 19 do ADCT.
Mas qual seria o motivo da extinção do regime da estabilidade decenal?
Nos tempos hodiernos verifica-se a instauração de um novo paradigma laboral. Muito tem se ouvido falar a respeito dos termos "globalização" e "flexibilização", ambos em voga. Ao passo que se verifica a globalização do capitalismo, é possível observar também a globalização do mundo do trabalho.
Nesse contexto, a própria estrutura jurídica sofre uma alteração estrutural para que possa acompanhar a reorganização do processo produtivo. O avanço tecnológico e as novas realidades introduzidas pela globalização e pelo paradigma neoliberal transformam, de forma evidente, as relações individuais de trabalho.
Devido às mudanças implantadas pela globalização, o próprio Estado entra em colapso e, em uma diminuição súbita e lastimável de energia, é obrigado a recompor-se. Nos ensinamentos do ilustre professor Márcio Túlio Viana, "O Estado perde a força. O capital derruba fronteiras. Aumenta o desemprego, renasce o subemprego e o sindicato também se enfraquece. As leis que protegem o trabalhador já passaram a um campo minado: a cada passo podem explodir a seus pés" (VIANA, 1999, P. 885).
1 A Experiência da Estabilidade Italiana
Na Itália a estabilidade é assegurada pelo art. 18 da Lei nº 300/70 (Estatuto dos Trabalhadores), alterado posteriormente pela Lei nº 108/90. Esse dispositivo legal, de aplicação abrangente aos empregadores de maior dimensão, assegura ao trabalhador, no caso de dispensa imotivada, o direito à reintegração, além do pagamento da remuneração devida desde a data da dispensa até o efetivo retorno ao posto de trabalho.
Lorena de Vasconcelos Porto (2009) fala do exemplo italiano, onde a Corte Constitucional entendeu que a efetiva proteção contra a dispensa injustificada permitiria ao empregado reivindicar os seus direitos no curso do contrato.
Acerca do regime da tutela real, Antonio Vallebona apud Lorena de Vasconcelos Porto, nota que:
"a propósito se fala de relações de trabalho estáveis ou resistentes, nas quais o trabalhador perde o temor reverencial causado pelo poder do empregador de dispensa livre ou a baixo custo e pode, assim, agir para a tutela dos próprios direitos já no curso da relação." (VALLEBONA, Antonio. Istituzioni di Diritto del Lavoro. Il rapporto di lavoro. p. 424-425)
Assim, a estabilidade de emprego representa uma maneira de coibir a crueldade desenfreada do grande capital. O obreiro protegido por uma relação de trabalho estável, em que o empregador está despido do poder arbitrário de demitir injustamente, é detentor de maior acesso a justiça, haja vista a possibilidade de exercer efetivamente o seu poder de ação nos casos em que tiver seus direitos violados. Como se pode observar nos ensinamentos transmitidos pelo brilhante professor Márcio Túlio Viana:
"Antes, os trabalhadores passavam toda uma vida na mesma categoria profissional, na mesma empresa ou pelo menos na mesma cidade e na mesma situação formal de empregados. Eram tão estáveis quanto os produtos, a empresa e até os valores da sociedade em que viviam. Por isso era fácil encontrá-los e agregá-los." (VIANA, 2004, p. 68)
Viana busca mostrar que atualmente é difícil identificar e reunir os trabalhadores, pois o sindicato não tem a mesma plasticidade e para tanto cita Márcia de Paula Leite, dizendo que "hoje os trabalhadores vagam no espaço e no tempo. Vão e voltam, passando do emprego ao desemprego, ao subemprego e a um novo emprego, numa relação de permanente curto-circuito" (LEITE apud VIANA, 2004, p. 68).
Com efeito, ao se estabilizar a relação de trabalho o universo operário também se fortalece, pois os trabalhadores se fixam em um mesmo espaço e a relação entre os próprios trabalhadores se solidifica. Os mesmos criam uma identidade mais sólida. O próprio sindicato robustece, propiciando uma maior luta e consolidação dos direitos da classe operária. Para Márcio Túlio Viana:
"Ora, se o sindicato é a principal fonte do Direito do Trabalho, não apenas no sentido de criar as suas próprias normas, ou pressionar o Estado a fazer as dele, mas também para o efeito de umas e outras. Assim, se o sindicato é fraco, o direito se torna fraco também." (VIANA, 2004, p. 78)
Insta considerar que a nova realidade introduzida pelo processo de reestruturação produtiva influenciou diretamente o cenário das relações de trabalho. As normas juslaboralistas, para adaptar-se ao dinamismo da economia, tornam-se mais flexíveis. O ideal flexibilizatório surge para favorecer o grande capital. A garantia de emprego é vista pelo capitalista como um empecilho para o seu desenvolvimento e assim surgem as concepções liberais que se opõem ao mecanismo de proteção ao trabalhador, denominado estabilidade.
Teóricos do capitalismo defendem a ideia de que a garantia de emprego estaria excluindo aquele indivíduo que se encontra fora do mercado de trabalho, extirpando a oportunidade de conquistar um emprego. Segundo José Pastore:
"o dispositivo torna as demissões impossíveis, até mesmo quando os trabalhadores se mostram deliberadamente improdutivos. A maioria das sentenças (em ações custosas e pagas por quem perde - os empregadores) obriga a reintegração. Isso tem desestimulado as empresas a contratar novos trabalhadores. Como sempre acontece nesses casos, fechando a saída, fecha-se a entrada." (PASTORE, 2002, artigo publicado em O Estado de São Paulo em 26.03.02)
O governo do Premiê Silvio Berlusconi, cedendo à solicitação feita pelo Conselho da União Europeia, de que todos os países membros deveriam remover os obstáculos ao emprego, a exemplo do art. 18 da lei italiana, tentou extinguir tal preceito legal e flexibilizar o mundo do trabalho.
Todavia, não obteve êxito. No dia 23 de março de 2002, mais de dois milhões de italianos arremeteram às ruas de Roma, em uma bela manifestação, para protestar contra esta atroz reforma trabalhista.
Em uma de suas magníficas aulas, o professor Márcio Túlio Viana ensinou que:
"a ausência de uma norma retira a efetividade de todas as outras normas. O demandante trabalhista é um demandante vulnerável, pois a ausência de garantia e estabilidade do emprego retira efetividade da norma. Assim, não temos acesso real à justiça." (Curso de Direito comparado ítalo brasileiro, UFMG - Tor Vergata, 18.10.2010)
Ora, se a sociedade necessita de mecanismos para garantir valor ao trabalho, a estabilidade representa um dos mais notáveis! Os trabalhadores já pagam um preço muito alto, pois quem define a relação de emprego, em última análise, é o empregador, que na busca insaciável pelo lucro suprime e precariza os direitos globais do empregado.
Nas relações de trabalho, contrariamente as relações jurídicas regidas pelo Direito Civil - em que o credor possui a titularidade de direitos e poderes -, o sujeito devedor (empregador) é quem detém o poder. A um só tempo, o capitalista possui a sobrevivência do obreiro, pois é quem arca com o salário - este com caráter alimentar - e a faculdade de demiti-lo.
Assim, a retirada da estabilidade de emprego limita significativamente o acesso à justiça, pois, através do medo, afrouxa a resistência do trabalhador aos dramas sofridos no ambiente laboral, bem como desestimula o direito de ação.
Sergio Pinto Martins argumenta que "um dos obstáculos à flexibilização é a legislação, considerada como ultrapassada, rígida e corporativista, incapaz de cumprir o seu papel diante da realidade social". Segundo este doutrinador a proteção excessiva desprotege, discrimina e causa desemprego (MARTINS, 2000, p. 116).
Lamentavelmente, embora haja uma grande resistência a flexibilização do art. 18 do Estatuto dos Trabalhadores, a experiência Italiana demonstra que o grande capital lança mão de outros mecanismos para alcançar os efeitos pretendidos. Neste país, a minoria de trabalhadores que ainda resiste no velho modelo de contrato indeterminado e goza da garantia de emprego possui mais de 50 anos de idade.
Márcia Novaes Guedes, juíza do trabalho e doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma - Tor Vergata retratou que:
"com a flexibilização, os italianos trotam para a aposentadoria com passos inseguros, diante do medo da deslocalização das empresas para a China ou outro país da Ásia, e com a certeza de que seus filhos dificilmente poderão atingir o padrão de vida por eles conquistado na idade dos direitos. A escolha pela liberdade de mercado resulta no desenganchamento entre poder e política, daí a necessidade de se institucionalizar o medo como forma de controle social." (GUEDES, Disponível em: <http://www.ajd.org.br/artigos_ver.php?idConteudo=47>.)
Portanto, embora exista na Itália uma lei de caráter protetivo ao trabalhador, ela não é suficiente para protegê-lo das perversidades deflagradas pelo capitalismo.
2 Particularidades do Capitalismo no Brasil
Para debatermos o Desenvolvimento industrial no Brasil e por consequência as características particulares da formação das classes sociais típicas do sistema capitalista, quais sejam proletariado e burguesia, é preciso levar em consideração que, neste país, o capitalismo é tardio e seu desenvolvimento exógeno.
Basta vermos os dados da população urbana que supera a população rural na década de 1960 bem como a Produção industrial supera a produção rural no mesmo período:
"A grande expansão urbana no Brasil, como um componente fundamental das mudanças estruturais na sociedade brasileira, ocorreu na segunda metade do século XX. Somente na década de 1960 a população urbana tornou-se superior à rural. Portanto, o rápido processo de urbanização é um fenômeno estrutural relativamente recente, tendo o seu auge medido pela velocidade do crescimento da população urbana, entre os anos 1950 e 1970." (BRITO, 2006, p. 57)
Em 1920: um em cada quatro brasileiros morava nas cidades; sete em cada dez trabalhadores eram rurais.
"Em 1920, o Brasil contabilizava uma população de 27,5 milhões de habitantes e contava, apenas, com 74 cidades maiores do que vinte mil habitantes, nas quais residiam 4,6 milhões de pessoas, ou seja, 17% do total da população brasileira. Dos que residiam nas cidades, mais da metade deles se concentrava na Região Sudeste." (BRITO, 2006, p. 57)
O desenvolvimento do país se deu de forma desigual entre as regiões e dentro das próprias regiões; criou-se regiões prósperas que guardam no seu interior enormes contingentes de miséria e atraso e regiões pobres que convivem com polos dinâmicos e industrializados, especialmente no litoral.
Também o capitalismo no Brasil não nasce do feudalismo e do espírito revolucionário da burguesia. Aqui o capitalismo é fruto do acúmulo de uma sociedade escravista que se funde em capital agrário - industrial concentrado nas mãos de poucos.
O estado teve papel preponderante e lhe coube o investimento pesado em infraestrutura e indústrias de base. Quanto ao capital monopolista internacional, quando da sua instalação no Brasil, teve garantidas as condições plenas de manter e expandir suas taxas de lucro, ficando com setores mais dinâmicos da industrialização usufruindo de um operariado recente em sua organização e precarizado pela sua condição anterior de camponês, que voltaremos a referir.
Este tripé, ao fim de um longo debate e disputa política que se inicia com a revolução de 1930, leva Vargas ao poder. O nacional desenvolvimentismo, como modelo de política econômica, mas que se consolida na década de 60, sendo aplicado substancialmente no governo JK e no governo militar, ocasião que se deu o chamado "milagre econômico brasileiro". Face a esse processo a burguesia torna-se a classe hegemônica e o Brasil transforma-se em um país de desenvolvimento industrial intermediário, apesar de representar o país capitalista que mais cresceu entre 1930 e 1980.
"Somente entre 1956 e 1961 desenvolveu-se, no Brasil, um complexo de reestruturação produtiva com característica taylorista-fordista. O plano de Metas desenvolvido por Juscelino Kubitschek viabilizou o desenvolvimento da indústria pesada, redefiniu e aprofundou o papel do Estado, instaurando como unidade-chave do sistema social a empresa capitalista industrial, de capital nacional e internacional." (ALVES, 2005, p. 107)
Embora possamos falar em revolução burguesa, ao nos referirmos ao movimento armado de 1930, devemos reconhecer que, no mínimo, foi uma revolução originalíssima. Vejamos, mais precisamente, que esta revolução burguesa ocorreu sem a participação efetiva do setor mais dinâmico dessa classe: a burguesia industrial paulista e carioca. A hegemonia do modo de produção capitalista no país consolidou-se, portanto, apenas nas décadas de 1950 e 1960. O capitalismo tornou-se vitorioso não pela destruição das oligarquias latifundiárias e libertação da influência do imperialismo, mas pela acomodação (ou conciliação) com esses dois elementos. Ocorreu um deslocamento gradual dos setores agrários do "núcleo duro" do poder político, e não sua exclusão dele. A isto se deu o nome de "modernização conservadora" ou "via prussiana". Afirmou Décio Saes:
"Ao destruir o monopólio oligárquico do poder político, o movimento político-militar de 1930 criou as condições institucionais indispensáveis à aceleração do processo de industrialização periférica e ao desabrochar de uma nova classe dominante. A Revolução de 1930 substituiu o federalismo oligárquico pela centralização político-administrativa, e concedeu ao Estado os instrumentos institucionais indispensáveis à execução de uma política intervencionista e industrializante. Portanto, mais do que agente político da revolução de trinta, a burguesia industrial foi a sua criação; e é apenas nesse sentido que se pode caracterizá-la como uma 'revolução burguesa'." (SAES, 1983, p. 83-84)
Continuou ele, "a revolução de trinta quebrou o monopólio oligárquico do poder político, mas não representou a conquista da hegemonia política pela burguesia industrial nascente. O Estado pós-oligárquico correspondeu a uma composição política que relacionava as categorias sociais de Estado (...) as oligarquias e a burguesia industrial nascente".
Apesar da revolução de 1930 representar uma viragem histórica na composição do estado e na visão de desenvolvimento este processo guarda dialeticamente uma contradição que caracteriza as transformações sócias no Brasil; aqui as velhas classes hegemônicas não são alijadas do poder nem tão pouco as camadas revolucionarias tomam de "assalto os céus", ou seja, o velho se transforma em novo e o novo se transforma em velho, numa espécie de negação da negação, não é o velho regime oligárquico, nem é o apogeu dos liberais mas uma rearticulação que mantém o latifúndio, moderniza o parque industrial com tecnologia e capital estrangeiro associado ao capital nacional e da ao estado papel preponderante na economia.
2.1 A Classe Operária
Os primeiros operários brasileiros são imigrantes italianos, portugueses e espanhóis que substituíram a mão de obra escrava. Concentravam-se no sul e sudeste do país, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, reunidos nas capitais e em maior numero na cidade de São Paulo, onde a industrialização já era no inicio do século o polo dinâmico. A classe operária, por sua vez, protagoniza lutas importantes como a greve de 1917 que garantiu a regulamentação do trabalho de crianças e a proibição do trabalho noturno para mulheres.
Vale lembrar que o grande contingente de trabalhadores se concentrava no campo desprovidos de qualquer proteção e organização. Aliás, seus movimentos, que não raras vezes se revestiram de caráter religioso, foram duramente reprimidos a exemplo de canudos, contestado, cabanagem e outros.
"A guerra liderada por Antonio conselheiro é o reflexo eloquente das contradições que existiam naquela época e ainda persistem nas relações sociais do nosso setor agrário. Eclodiu em plena zona agropecuária dos grandes latifúndios no interior da Bahia e a violência dos combates travados entre os chamados fanáticos e as tropas legais bem refletem o grau de antagonismo a que havia chagado as relações entre o latifúndio e a massa camponesa explorada na época." (CLOVIS, 2004, p. 17)
Estes movimentos foram duramente reprimidos e os camponeses quanto classe são os excluídos das proteções sociais na constituinte de 1932. Suas organizações políticas se afirmam concomitante ao crescimento da industrialização. Em 1955, é fundada a União dos Trabalhadores agrícolas no Brasil - ULTAB e as ligas camponesas participavam dos movimentos sociais em defesa dos trabalhadores:
"(...) Ali se multiplicaram as ligas camponesas de Francisco Julião, com sede publica; primeiro para impor aos senhores de terra condições explicitas, e menos espoliativas nos contratos anuais de arrendamento, depois,para pleitear a própria posse da terra, através de uma reforma agrária." (MOREIRA, 2004, p. 362)
As ligas camponesas e os sindicatos dos trabalhadores rurais - STRs fundaram em 1963 a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG. Sendo elaborado também o estatuto do trabalhador Rural. Seu objetivo era a união da luta entre os trabalhadores do campo e da cidade.
Portanto, só neste momento que o campesinato, que há muito tempo se constituía classe em si, torna-se classe para si.
Se nos primeiros ensaios de industrialização a classe operária se caracteriza hegemonicamente por imigrantes, deixando de lado uma massa de trabalhadores Brasileiros; negros despejados das senzalas, o nordestinos, os caipiras e outros; a partir dos anos 50/60/70 do século passado estes se incorporam aos milhões aos operários já existentes nos grandes centros urbanos.
Estes Brasileiros oprimidos pelo coronelismo, esquecidos das legislações trabalhistas desprovidos de políticas agrícolas e agrária são levados aos grandes centros urbanos pela miséria, pela seca, pela ampliação do latifúndio e a industrialização do campo aliado a monocultura, pela necessidade de consumo imposta pelos novos padrões, mas principalmente pela necessidade de sobreviver.
Esta nova classe operária desconhece a organização sindical - ou desconhece a possibilidade exitosa de uma organização de classe, desprovida de sua terra e oferecida como mão de obra desqualificada, amontoada nos grandes centros urbanos.
Talvez para a nossa análise o elemento mais contraditório é de que tudo o que parece negativo, e o é, não obstante levar em consideração que aqui este novo operariado que como campesino a legislação não lhe amparava, passa a ter seus direitos trabalhistas, tais como o descanso remunerado, férreas, 13º salário, etc. resguardados.
Ao passo que para um operário que é herdeiro da mesma condição de operário de seu pai e seu avô a ilusão de que o desenvolvimento do capitalismo, o crescimento da economia vai lhe trazer como que por dádiva ou por evolução natural condições melhores de vida e maior valorização do valor de sua força de trabalho; para os "novos" operários despejados aos milhões nas cidades, oriundo de situações de miserabilidade, surge o vislumbrar de uma melhoria das suas condições tão difíceis de vida no campo e lhe falta à percepção de que a sua remuneração é uma parte muito ínfima do que produz.
Sob esta nova perspectiva, este trabalhador continua agora submetido ao processo industrial sem se dar conta, ainda que momentaneamente, de sua condição de explorado.
Esta massa de operários cria e se funde a classe operaria existente alterando com a sua história de vida, seus valores, a composição objetiva e subjetiva da classe operaria. Nos grandes centros essa massa de trabalhadores é absorvida e se funde ao conjunto de trabalhadores assalariados e sindicalizados e suas formas de organização e lutas diametralmente diferentes a da sua vida no campo. Mas na maioria das regiões ou em categorias especificas, como metalúrgicos e construção civil, são eles hegemonicamente a composição da nova classe operária no Brasil.
Assim se verifica que a combatividade da classe operária brasileira é visível e reconhecida. Mas ao mesmo tempo é preciso reportar a duas questões de essência: Sua composição é de uma jovem classe operária forjada na luta e na particularidade heterogênea e em segundo lugar devemos ressaltar que este processo de formação da sociedade brasileira de composição e estrutura de poder construído de cima para baixo fez do movimento dos trabalhadores, de sua organização e suas reivindicações caso de polícia ou de correia de transmissão da política dos governantes, ou seja, a classe operária ficou de fora deste arranjo político institucional.
Estes dois processos alijaram os trabalhadores de ser participes das grandes decisões de rumos políticos para o Brasil, bem como do tipo de desenvolvimento que convêm aos assalariados. Ademais a burguesia nacional ocupou a condição de sócia minoritária do grande capital multinacional e, portanto, sem um projeto de nação.
Conclusão
A estabilidade de emprego fora extirpada do nosso ordenamento jurídico pátrio de modo a precarizar ainda mais as condições dos trabalhadores. Para concluir este artigo que objetiva dialogar sobre a questão da demissão imotivada é preciso nos reportar à velha problemática do que é causa ou efeito.
A estabilidade no emprego propicia as demandas reivindicatórias dos trabalhadores e ocasiona uma maior efetivação de seus direitos constitucionais, haja vista a possibilidade real do empregado bater às portas do judiciário sem se sentir ameaçado de perder o sustento próprio e de sua família.
Assim, esta garantia é, indubitavelmente, basilar para a efetividade dos demais direitos contingenciados ou a ser conquistados e também na concretização da própria democracia.
É evidente o processo de maior democracia em nossa sociedade, que, gradativamente, avança de uma democracia formal - eleitoral para uma democracia efetiva, ou seja, uma democracia nos espaços reais de atuação - claro que ainda engatinhando em direção a uma maior perspectiva, especialmente a partir da eleição de Lula presidente em 2003.
Se ainda estamos distantes de ver aflorar uma democracia real nos espaços de produção, é preciso reforçar que aqui está o centro da luta política e da organização da classe operaria no sentido de que ela cumpra com o seu papel de vanguarda dos seus direitos e os do povo em geral.
Para que possamos avançar na organização, mobilização e maior protagonismo da classe operaria, é preciso ter clareza. Sem democracia a classe operaria será subjugada e conduzida à revelia dos acontecimentos políticos e não será capaz de realizar seu papel histórico.
Ao perdurar os entraves na liberdade de organização sindical, na comunicação do sindicato com sua base; na impossibilidade de organização dos trabalhadores no local de trabalho de forma livre e autônoma e se a fabrica continuar a ser sinônimo de servidão e subserviência - local onde o trabalhador perde a sua condição de cidadão de direito e passa a condição de mercadoria exaurida pelo capital - os trabalhadores permanecerão na defensiva e travando batalhas menores e ou de resultados momentâneos.
Em uma sociedade capitalista de massas, onde a construção é social, o cidadão se realiza ou se legitima no seu espaço social de produção - como produtor da riqueza. Portanto, a condição de liberdade se efetiva de forma coletiva e no espaço de produção social.
Por isso a democracia nos é tão cara - é a batalha da batalhas - onde devemos atuar de forma efetiva e determinada. Esta atuação pode se concretizar na convicção e no enfrentamento com várias nuances em uma batalha de longa duração.
Internamente, abrindo caminhos para a consecução de grupos de fábricas e posteriormente comissões de fabricas conquistadas na luta. Externamente na luta pelo fim da demissão imotivada que fragiliza o contrato de trabalho e impõe a perversidade do capital.
Na luta institucional e no parlamento, a fim de que este processo avance com as possibilidades e os instrumentos que o estado dispõe.
A luta de ideias, fator preponderante para a luta pela hegemonia, só será enfrentada quando da garantia mínima da democracia. Não é possível disputar com o capital a consciência do trabalhador quando este é impedido de ter acesso a informações básicas do seu sindicato.
A consequência é a rendição do trabalhador à aparência de que há um reconhecimento do empresário em relação ao seu esforço e não uma luta desigual e fratricida pela parcela paga pelo seu labor.
Enfrentamos estas adversidades em momentos onde prevalecia a ausente inclusive da democracia formal - eleitoral, cruzamos um momento onde o capital se fortaleceu e nos colocou na defensiva, e ainda vivemos um período de resistência ativa onde algumas pautas já se apresentam como possíveis - como a legalização das centrais sindicais.
As grandes pautas da democracia qual seja a democracia real necessita de afirmação, e não será dádiva do capital, será construída como uma necessidade da classe operaria e do povo para a garantia e ampliação de suas conquistas e a construção de uma sociedade mais justa.
É bem verdade que nesse contexto de globalização a flexibilização exprime muitos aspectos negativos. Diante desta questão subjacente; é possível afirmar que a ausência de estabilidade é um dos aspectos mais cruéis. Representa mais uma manobra ardil do grande capital, que ao suprimir os direitos do trabalhador se fortalece cada vez mais.
Contudo, embora essa força esmagadora, que tolhe todos os direitos essenciais dos obreiros, deflagrando insegurança, terror, ferida e medo pareça imbatível, não podemos cruzar os braços e ser condescendentes, pois as conquistas surgem para aqueles que sofrem; para aqueles que se machucam e precipuamente para os que não sucumbem diante dos obstáculos e tentam sempre.
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