Estudo divulgado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estima os custos da violência contra as mulheres em termos de resultados intangíveis, tais como a saúde reprodutiva das mulheres, a vida profissional e o bem-estar de seus filhos.
O estudo utiliza uma amostra de cerca de 83 mil mulheres de sete países de todos os grupos de renda e todas as sub-regiões da América Latina e do Caribe. Os resultados mostram que a violência está ligada negativamente com a saúde da mulher e a violência física está fortemente associada com o seu estado civil, porque aumenta a taxa de divórcio ou separação.
O estudo mostra também que a violência doméstica afetando importantes resultados na saúde das crianças cujas mães sofreram violência. Ao mesmo tempo, o trabalho apresenta evidências que apontam que a educação e a idade das mulheres podem reduzir o efeito negativo da violência doméstica nos resultados de saúde dos seus filhos. Os impactos da violência acontecem, inclusive, antes do nascimento do bebê, já que as mães ficam impedidas de seguirem um cronograma normal de visitas ao médico. Já as próprias vítimas da violência apresentam níveis mais baixos de hemoglobina e uma maior incidência de anemia.
Agressões físicas e psicológicas são as principais formas de violência contra mulheres
Do total de atendimentos realizados pelo Ligue 180 – a Central de Atendimento à Mulher no 1º semestre de 2016, 12,23% (67.962) corresponderam a relatos de violência. Entre esses relatos, 51,06% corresponderam à violência física; 31,10%, violência psicológica; 6,51%, violência moral; 4,86%, cárcere privado; 4,30%, violência sexual; 1,93%, violência patrimonial; e 0,24%, tráfico de pessoas. Saiba mais
Vários estudos apontam que os custos sociais e econômicos da violência contra as mulheres são enormes e têm efeito cascata em toda a sociedade. As mulheres podem sofrer vários tipos de incapacidade – passageira ou não – para o trabalho, perda de salários, isolamento, falta de participação nas atividades regulares e limitada capacidade de cuidar de si própria, dos filhos e de outros membros da família.
Além dos custos humanos, a violência representa uma imensa carga econômica para as sociedades em termos de produtividade perdida e aumento no uso de serviços sociais. Entre as mulheres pesquisadas em Nagpur, Índia, por exemplo, 13% precisaram largar um trabalho remunerado por causa de abuso, faltando uma média de sete dias úteis por incidente, e 11% não conseguiram desempenhar tarefas domésticas por causa de um incidente de violência.
Embora a violência de gênero não afete constantemente a probabilidade geral de uma mulher de conseguir um emprego, parece que ela influencia no salário da mulher e em sua capacidade de manter um emprego. Um estudo realizado em Chicago, IL, Estados Unidos, concluiu que mulheres com um histórico de violência de gênero tinham maior probabilidade de haver passado por períodos de desemprego, de ter tido grande rotatividade de empregos e de ter sofrido mais problemas físicos e mentais que poderiam afetar seu desempenho no trabalho. Elas também tinham menor renda pessoal e tinham muito mais possibilidade de receber assistência social do que as mulheres que não tinham um histórico de violência de gênero. Da mesma forma, em um estudo realizado em Manágua na Nicarágua, as mulheres que sofreram abuso ganhavam 46% a menos do que as mulheres sem histórico de abuso, mesmo depois de controlar outros fatores que poderiam afetar os rendimentos.
Percepção positiva sobre a Lei Maria da Penha
Cerca de seis em cada sete mulheres (84%) e homens (85%) já ouviram falar da Lei Maria da Penha e cerca de quatro em cada cinco (78% e 80% respectivamente) têm uma percepção positiva da mesma.
91% dos homens dizem considerar que “bater em mulher é errado em qualquer situação”
Embora apenas 8% dos homens entrevistados pela Fundação Perseu Abramo admitam já ter batido “em uma mulher ou namorada”, um em cada quatro (25%) diz saber de “parente próximo” que já bateu e metade (48%) afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”.
Dos homens que assumiram já ter batido em uma parceira, 14% acreditam que agiram bem e 15% afirmam que o fariam de novo.
Uma em cada cinco mulheres entrevistadas consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”.
Diante de 20 modalidades de violência citadas no momento da entrevista, duas em cada cinco mulheres (40%) já teriam sofrido alguma, ao menos uma vez na vida, sobretudo algum tipo de controle ou cerceamento (24%), alguma violência psíquica ou verbal (23%), ou alguma ameaça ou violência física propriamente dita (24%).
Isoladamente, entre as modalidades mais frequentes, 16% das mulheres já levaram tapas, empurrões ou foram sacudidas, 16% sofreram xingamentos e ofensas recorrentes referidas a sua conduta sexual e 15% foram controladas a respeito de aonde iriam e com quem sairiam.
Sobre a pesquisa
A Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado foirealizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, por meio de seu Núcleo de Opinião Pública, e em parceria com o SESC (Serviço Social do Comércio).
Visando apresentar a evolução do pensamento e do papel das mulheres brasileiras na sociedade, em sua segunda edição (a primeira realizada em 2001), a pesquisa ouviu aopinião de 2.365 mulheres e 1.181 homens, com mais de 15 anos de idade, de 25 unidades da federação, cobrindo as áreas urbanas e rurais de todas as macrorregiões do país.
5 mulheres são espancadas a cada 2 minutos no país
Além de ameaças de surra (13%), uma em cada dez mulheres (10%) já foi de fato espancada ao menos uma vez na vida (respectivamente 12% e 11% em 2001). Considerando-se a última vez em que essas ocorrências teriam se dado e o contingente de mulheres representadas em ambos levantamentos, o número de brasileiras espancadas permanece altíssimo, mas diminuiu de uma a cada 15 segundos para uma em cada 24 segundos – ou de 8 para 5 mulheres espancadas a cada 2 minutos.
O parceiro é o responsável por mais 80% das agressões
Os pedidos de ajuda são mais freqüentes (de metade a 2/3 dos casos) após ameaças ou violências físicas, com destaque para as mulheres que recorrem às mães, irmãs e outros parentes. Mas em nenhuma das modalidades de violência investigadas as denúncias a alguma autoridade policial ou judicial ultrapassa 1/3 dos casos.
Tanto as mulheres agredidas como os homens agressores confessos apontam como principal razão para a violência o controle da fidelidade/ciúmes (46% e 50%, respectivamente). As mulheres destacam ainda (23%) predisposição psicológica negativa dos parceiros (alcoolismo, desequilíbrio etc.) e busca de autonomia (19%), não respeitada ou não admitida pelos companheiros.
Embora muitos avanços tenham sido alcançados com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), ainda assim, hoje, contabilizamos 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres, número que coloca o Brasil no 5º lugar no ranking de países nesse tipo de crime. Segundo o Mapa da Violência 2015, dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. Essas quase 5 mil mortes representam 13 homicídios femininos diários em 2013.
Homicídio de mulheres negras aumenta 54% em 10 anos – O Mapa também mostra que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Chama atenção que no mesmo período o número de homicídios de mulheres brancas tenha diminuído 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013. Saiba mais.
Violência sexual no Brasil: usando dados do Ministério da Saúde, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) analisou os registros de violência sexual e concluiu que 89% das vítimas são do sexo feminino e em geral têm baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes. Em metade das ocorrências envolvendo crianças, há um histórico de estupros anteriores. 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. Veja mais
Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013)Para 70% da população, a mulher sofre mais violência dentro de casa do que em espaços públicos no Brasil. É o que mostra pesquisa inédita, realizada com apoio da SPM-PR e Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, que revelou significativa preocupação da sociedade com a violência doméstica e os assassinatos de mulheres pelos parceiros ou ex-parceiros no Brasil. Além de 7 em cada 10 entrevistados considerar que as brasileiras sofrem mais violência dentro de casa do que em espaços públicos, metade avalia ainda que as mulheres se sentem de fato mais inseguras dentro da própria casa. Os dados revelam que o problema está presente no cotidiano da maior parte dos brasileiros: entre os entrevistados, de ambos os sexos e todas as classes sociais, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira. E 69% afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres. Saiba mais sobre essa pesquisa
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): A aplicação da Lei Maria da Penha fez com que fossem distribuídos 685.905 procedimentos, realizadas 304.696 audiências, efetuadas 26.416 prisões em flagrante e 4.146 prisões preventivas, entre 2006 e 2011.
Dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180O serviço telefônico Ligue 180 realizou 749.024 atendimentos em 2015. Desse total, 41,09% corresponderam à prestação de informações; 9,56%, a encaminhamentos para serviços especializados de atendimento à mulher; 38,54%, a encaminhamentos para outros serviços de teleatendimento (190/Polícia Militar, 197/Polícia Civil, Disque 100/SDH).
Em comparação a 2014, houve aumento de: 44,74% no número de relatos de violência 325% de cárcere privado (média de 11,8/dia) 129% de violência sexual (média de 9,53/dia) 151% de tráfico de pessoas (média de 29/mês)
Cem por cento das brasileiras sabem da existência da Lei Maria da PenhaDesde 2009 o DataSenado pergunta às entrevistadas se já ouviram falar da Lei Maria da Penha e sempre registra um elevado percentual de conhecimento sobre a existência da Lei: em 2011 eram 98%, e em 2013, 99%. Em 2015, praticamente 100% das entrevistadas declararam saber da Lei. Perguntadas, uma em cada cinco mulheres declara já ter sofrido algum tipo de violência; dessas, 26% ainda convivem com o agressor. Saiba mais:Pesquisa DataSenado 2015
Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (FPA/SESC, 2010)– Cinco mulheres são espancadas a cada 2 minutos no país; 91% dos homens dizem considerar que “bater em mulher é errado em qualquer situação”. – Uma em cada cinco mulheres consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”. – O parceiro (marido ou namorado) é o responsável por mais 80% dos casos reportados. – Cerca de seis em cada sete mulheres (84%) e homens (85%) já ouviram falar da Lei Maria da Penha e cerca de quatro em cada cinco (78% e 80% respectivamente) têm uma percepção positiva da mesma. Saiba mais: Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (Fundação Perseu Abramo/SESC, 2010)
A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica — portanto, passível de desconstrução — que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada.
A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou seus esforços contra essa forma de violência, na década de 50, com a criação da Comissão de Status da Mulher que formulou entre os anos de 1949 e 1962 uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações Unidas — que afirma expressamente os direitos iguais entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza.
Desde então, várias ações têm sido conduzidas, a âmbito mundial, para a promoção dos direitos da mulher, e, no que compete ao Brasil, uma série de medidas protetivas vêm sendo empregadas visando à solução dessa problemática.
O escopo deste artigo é apresentar a evolução das medidas protetivas e políticas públicas empregadas no cenário brasileiro no combate à violência contra a mulher. As considerações aqui realizadas tomam como norte a análise interpretativa pautada dentro da perspectiva de gênero e resultam em uma avaliação sobre como têm evoluído essas políticas e o que delas se pode esperar, no sentido de que se possa avançar em direção a uma sociedade mais igualitária e justa em relação ao respeito dos direitos da mulher.
Breves considerações acerca da desigualdade de gênero
Para se compreender o fenômeno da violência com base no sexismo se faz necessário um breve retorno ao legado investido à mulher pela cultura ocidental.
A classificação da Mulher tem sido norteada pelas óticas biológica e social, determinantes para a desigualdade de gênero, que traz em seu bojo uma relação assimétrica sob a égide de um discurso que se pauta na valoração de um sexo sob o outro.
Por exemplo, na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em conseqüência, as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça. A religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprios de cada sexo.[*1] (PULEO, 2004, p. 13)
Na Grécia Antiga havia muitas diferenças entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos, não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos, como Vrissimtzis (2002) elucida:
[...] o homem era polígamo e o soberano inquestionável na sociedade patriarcal, a qual pode ser descrita como o ‘clube masculino mais exclusivista de todos os tempos’. Não apenas gozava de todos os direitos civis e políticos, como também tinha poder absoluto sobre a mulher. (VRISSIMTZIS, 2002, p. 38)
Em Roma “elas nunca foram consideras cidadãs e, portanto, não podiam exercer cargos públicos” (FUNARI, 2002, p. 94). A exclusão social, jurídica e política colocavam a mulher no mesmo patamar que as crianças e os escravos. Sua identificação enquanto sujeito político, público e sexual lhe era negada, tendo como status social a função de procriadora.
Com o advento da cultura judaico-cristã tal situação pouco se alterou. O Cristianismo retratou a mulher como sendo pecadora e culpada pelo desterro dos homens do paraíso, devendo por isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão aos homens, — seres de grande iluminação capazes de dominar os instintos irrefreáveis das mulheres — como formas de obter sua salvação. Assim a religião judaico-cristã foi delineando as condutas e a ‘natureza’ das mulheres e incutindo uma consciência de culpa que permitiu a manutenção da relação de subserviência e dependência. Mas não foi só a religião que normatizou o sexo feminino, a medicina também exerceu seu poder, apregoando até o século XVI a existência de apenas um corpo canônico e este corpo era macho. Por essa visão a vagina é vista como um pênis interno, os lábios como o prepúcio, o útero como o escroto e os ovários como os testículos.
A crença da mulher como um homem invertido e, portanto, inferior, perdurou durante milhares de anos como se pode observar, na passagem em que Laqueur (2001), comenta a visão de Aristóteles:
O kurios, a força do esperma para gerar uma nova vida, era o aspecto corpóreo microcósmico da força deliberativa do cidadão, do seu poder racional superior e do seu direito de governar. O esperma, em outras palavras, era como que a essência do cidadão. Por outro lado, Aristóteles usava o adjetivo akuros para descrever a falta de autoridade política, ou legitimidade, e a falta de capacidade biológica, incapacidade que para ele definia a mulher. Ela era, como o menino, em termos políticos e biológicos uma versão impotente do homem, um arren agonos. (LAQUEUR, 2001, p. 68)
O modelo de sexo único prevaleceu durante muito tempo por ser o homem — ser humano nascido com o sexo biológico masculino, ou seja, pênis — o alvo e construtor do conhecimento humano. Dentro dessa visão androcêntrica, a mulher consistia em uma categoria vazia.
Apenas quando se configurou na vida política, econômica e cultural dos homens a necessidade de diferenças anatômicas e fisiológicas constatáveis é que o modelo de sexo único foi repensado.
Assim, o antigo modelo no qual homens e mulheres eram classificados conforme seu grau de perfeição metafísica, seu calor vital, ao longo de um eixo cuja causa final era masculina, deu lugar, no final do século XVIII, a um novo modelo de dimorfismo radical, de divergência biológica. Uma anatomia e fisiologia de incomensurabilidade substituiu uma metafísica de hierarquia[*2] na representação da mulher com relação ao homem. (LAQUEUR, 2001, p.17)
A visão naturalista que imperou até o final do século XVIII determinou uma inserção social diferente para ambos os sexos. Aos homens cabiam atividades nobres como a filosofia, a política e as artes; enquanto às mulheres deviam se dedicar ao cuidado da prole, bem como tudo aquilo que diretamente estivesse ligado à subsistência do homem, como: a fiação, a tecelagem e a alimentação. Um exemplo desta posição paradigmática pode ser observado em Rousseau (1817):
A rigidez dos deveres relativos dos dois sexos não é e nem pode ser a mesma. Quando a mulher se queixa a respeito da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão; essa desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão; cabe a quem a natureza encarregou do cuidado com os filhos a responsabilidade disso perante o outro. (ROUSSEAU apud EGGERT, 2003, p. 03)
Tal eixo interpretativo começou a mudar neste mesmo século, a partir da Revolução Francesa (1789). Nela as mulheres participaram ativamente do processo revolucionário ao lado dos homens por acreditarem que os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade seriam estendidos a sua categoria. Ao constatar que as conquistas políticas não se estenderiam ao seu sexo, algumas mulheres se organizaram para reivindicar seus ideais não contemplados. Uma delas foi Olympe de Gouges,[*3] que publicou em 1791, um texto intitulado Os Direitos da Mulher e da Cidadã no qual questiona:
Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir o meu sexo? [...] Ele quer comandar como déspota sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. [...] Esta Revolução só se realizará quando todas as mulheres tiverem consciência do seu destino deplorável e dos direitos que elas perderam na sociedade. (ALVES, & PITANGUY, 1985, p. 33-34)
No século XIX há a consolidação do sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até então lhe era reservado e permitido — o espaço privado, e vai a esfera pública. Neste processo, contestam a visão de que são inferior aos homens e se articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória do movimento feminista, que pode ser assim definido:
Grosso modo, pode-se dizer que ele corresponde à preocupação de eliminar as discriminações sociais, econômicas, políticas e culturais de que a mulher é vítima. Não seria equivocado afirmar que feminismo é um conjunto de noções que define a relação entre os sexos como uma relação de assimetria, construída social e culturalmente, e na qual o feminismo é o lugar e o atributo da inferioridade. (GREGORI, 1993, p. 15)
Ao questionar a construção social da diferença entre os sexos e os campos de articulação de poder, as feministas criaram o conceito de gênero, abrindo assim, portas para se analisar o binômio dominação-exploração construído ao longo dos tempos.
A violência contra a mulher traz em seu seio, estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Tais relações estão mediadas por uma ordem patriarcal proeminente na sociedade brasileira, a qual atribui aos homens o direito a dominar e controlar suas mulheres, podendo em certos casos, atingir os limites da violência.
Evolução das medidas protetivas e das políticas públicas no combate a violência contra mulher
Em 1979, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotaram a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), conhecida como a Lei Internacional dos Direitos da Mulher. Essa Convenção visou a promoção dos direitos da mulher na busca da igualdade de gênero, bem como, a repressão de quaisquer discriminações.
No contexto brasileiro, a década de 70 é marcada pelo surgimento dos primeiros movimentos feministas organizados e politicamente engajados em defesa dos direitos da mulher contra o sistema social opressor — o machismo.
A política sexista reinante até então, deixava impunes muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Como exemplo, temos em 1976, o brutal assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street (Doca) que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto e crânio de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em ‘legítima defesa da honra’. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: ‘quem ama não mata’.
O caso acima relatado é apenas um exemplo da grande impunidade à violência perpetrada contra as mulheres, violência que, com a mobilização do movimento feminista ganhou a seguinte definição:
A expressão refere-se a situações tão diversas como a violência física, sexual e psicológica cometida por parceiros íntimos, o estupro, o abuso sexual de meninas, o assédio sexual no local de trabalho, a violência contra a homossexualidade, o tráfico de mulheres, o turismo sexual, a violência étnica e racial, a violência cometida pelo Estado, por ação ou omissão, a mutilação genital feminina, a violência e os assassinatos ligados ao dote, o estupro em massa nas guerras e conflitos armados.[*4]
A partir do engajamento do movimento de mulheres[*5] e do movimento feminista contra essa forma de violência, surge em 1981, no Rio de Janeiro, o SOS Mulher; seu objetivo era construir um espaço de atendimento às mulheres vítimas de violência, além de ser um espaço de reflexão e mudanças das condições de vida destas mulheres. O SOS Mulher não se restringiu apenas ao Rio de Janeiro, esta iniciativa também foi adotada em outras capitais, como: São Paulo e Porto Alegre. “A então forte e bem sucedida politização da temática da violência contra a mulher pelo SOS-Mulher e pelo movimento de mulheres em geral fez com que, em São Paulo, o Conselho Estadual da Condição Feminina,[*6] [...], priorizasse essa temática, entre outras.” (SANTOS, 2001)
A busca destes dois movimentos — de mulheres e feministas — por parcerias com o Estado para a implementação de políticas públicas resultou na criação do Conselho Estadual da Condição Feminina em 1983; na ratificação pelo Brasil da CEDAW em 1984;[*7] ao que se seguiu, em 1985, a implantação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; e, da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). A criação das Delegacias de Defesa da Mulher foi uma iniciativa pioneira do Brasil que mais tarde foi adotada por outros países da América Latina. Pela última pesquisa realizada em 2003/2004,[*8] contavam-se 380 delegacias, tendo sua maior concentração na região sudeste (40%).
Ao ratificar a CEDAW o Estado brasileiro se comprometeu perante o sistema global a coibir todas as formas de violência contra a mulher e a adotar políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência de gênero.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 incorpora aos direitos e garantias do seu texto original, os estabelecidos em decorrência de acordos e tratados internacionais.[*9] Desta forma, as Resoluções da Convenção de Belém do Pará e da CEDAW são também garantias constitucionais, como expressa o artigo 5º parágrafo 2º, da Constituição Federal: ‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’. (BRASIL, 2006, p. 15-16)
Desta forma, a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) vêem efetivar o compromisso assumido perante os sistemas internacionais. Tal iniciativa contribuiu para dar maior visibilidade a problemática da violência contra a mulher, especialmente a doméstica; favorecendo a discussão da natureza criminosa da violência perpetrada sob questões de gênero, além de criar uma via de enfrentamento e erradicação da violência contra a mulher no Brasil.
A violência contra a mulher voltou a pauta no cenário internacional em 1993 com a Declaração de Viena. Nela foram considerados os vários graus e manifestações de violência, incluindo as resultantes de preconceito cultural e tráfico de pessoas. Um grande avanço desta declaração foi a revogação da violência privada como criminalidade comum, considerando assim, que a violência contra a mulher infringe os Direitos Humanos e é realizada principalmente na esfera privada. Um ano depois, em 06 de junho, a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1995.
[...] esta representa um marco contextual e conceitual para a violência de gênero, uma vez que define em seu artigo 1° o conceito de violência contra a mulher. Violência contra a mulher significa, nos termos desta convenção, ‘qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.’ (BRASIL, 2006, p. 15)
Considerações finais
A violência contra a mulher tem raízes profundas que estão situadas ao longo da história, sendo, portanto de difícil desconstrução. No Brasil, o início da década de 80 foi marcado pela forte mobilização dos sujeitos do sexo feminino em torno da temática da violência contra a mulher. Sua articulação em movimentos próprios, somada a uma intensa busca por parcerias com o Estado, para a resolução desta problemática, resultou em uma série de conquistas ao longo dos anos. A mais recente é a aprovação da Lei nº 11.340/2006, que entrou em vigência no dia 22 de setembro de 2006, depois de ter sido amplamente discutida e reformulada por um Grupo de Trabalho Interministerial que analisou o anteprojeto enviado por um consórcio de ONGs (Organização Não-Governamental) — ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS.
A apreciação da proposição na Câmara Federal envolveu a sociedade civil ao longo de 2005, por meio de audiências públicas, em assembléias legislativas que ocorreram em vários estados brasileiros.
Mas não foi somente a articulação a âmbito nacional que pressionou a aprovação do PCL 37/2006, que se transformou na Lei nº 11.340/2006, denominada Lei ‘Maria da Penha’.[*10] O não cumprimento dos compromissos firmados em Convenções Internacionais acarretou em denúncia ao Sistema Internacional, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que após a avaliação do caso, publicou em 2001 o Relatório nº 54, que dentre outras constatações, recomendou que o país desse prosseguimento e intensificasse o processo de reforma legislativa que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as mulheres no Brasil.
Dentro dessa conjuntura política a nova Lei nº 11.340/2006 veio como um passo em direção ao cumprimento das determinações da Convenção de Belém do Pará e da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres (CEDAW), além de regulamentar a Constituição Federal.
Essa Lei traz medidas protetivas à mulher vítima de violência doméstica e familiar, e, na esfera punitiva, proíbe a aplicação das chamadas penas alternativas, principalmente os benefícios da Lei nº 9099/95 (a transação penal, as multas que eram convertidas em cestas básicas —, e a suspensão condicional do processo). Além disso, priorizando os crimes praticados contra mulher nos ambientes: doméstico, intrafamiliar e afetivo, instituiu os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo que as Varas Criminais acumularão as competências cível — separação judicial e de corpos, por exemplo, e criminal — responsabilização do agressor, nos casos decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Dentre as medidas protetivas elencadas na Lei ‘Maria da Penha’, algumas merecem destaque, diante de seus feitos intimidativos, bem como para a garantia da integridade física e moral da ofendida. Pode-se citar a obrigação de a Autoridade Policial garantir a proteção da mulher, encaminhá-la ao hospital, fornecer-lhe e aos dependentes o transporte que se fizer necessário, e acompanhar-lhe ao domicílio para a retirada dos pertences.
Além disto, a Lei determina o encaminhamento de mulheres em situação de violência e seus dependentes à programas e serviços de proteção, garantindo-lhe os Direitos Humanos que se achavam positivados na Constituição Federal. À mulher vítima de violência doméstica e familiar também é garantida assistência jurídica gratuita, bem como o acompanhamento jurídico em todos os atos processuais.
Avaliar quais serão os reais resultados destas ações neste presente momento é impossível, mas é inegável que a Lei apresenta uma estrutura adequada e específica para atender a complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres ao prever um conjunto de políticas públicas, mecanismos de prevenção e punição, voltados para a garantia dos Direitos Humanos e da proteção da mulher vítima de agressão doméstica e familiar.
Apesar das resistências de alguns juristas na aplicação dos dispositivos da Lei ‘Maria da Penha’, ela está ganhando seu espaço e apresenta-se como um importante instrumento, não só normativo, mas político-jurídico, admirável e de difícil contestação, na construção de uma sociedade justa e sem desigualdades pautadas sob as questões de gênero.
A desconstrução das redes que tecem a violência contra a mulher ainda levará muito tempo, porém, não seria utópico acreditar em sua finitude, na medida em que o que se construiu sócio-historicamente pode ter seu caminho refeito em outra perspectiva. Em curto prazo, faz-se necessário e urgente um ordenamento jurídico adequado e coerente com as expectativas e demandas sociais. Além disso, não basta que haja um ordenamento que tenha vigência jurídica, mas não tenha vigência social, isto é, que não seja aceito e aplicado pelos membros da sociedade.
O combate ao fenômeno da Violência contra Mulher não é função exclusiva do Estado; a sociedade também precisa se conscientizar sobre sua responsabilidade, no sentido de não aceitar conviver com este tipo de violência, pois, ao se calar, ela contribui para a perpetuação da impunidade. Faz-se urgente a compreensão, por parte da sociedade como um todo, de que os Direitos das Mulheres são Direitos Humanos, e que a modificação da cultura de subordinação calcada em questões de gênero requer uma ação conjugada, já que a violência contra a mulher desencadeia desequilíbrios nas ordens econômica, familiar e emocional.
O ideal neste caso seria trabalhar tanto com ações pontuais específicas, como com as políticas públicas transversais. Ao se adotar as políticas públicas transversais, objetivando a igualdade entre homens e mulheres, encontra-se um norte a trilhar na busca de um caminho que modifique o panorama da violência em geral e a de gênero em particular. A Secretaria da Mulher poderia desempenhar o papel de catalisadora neste processo articulando-se aos Conselhos ou Secretarias da Mulher em todos os Estados.
Além disto, a conscientização da natureza histórica da desigualdade de gênero precisa ser trabalhada desde o início do ensino escolar, já que a desigualdade de gênero somada a ordem patriarcal vigente são alguns dos ingredientes que, unidos ao sentimento de culpa inculcado historicamente na psique das mulheres, contribuem para a perpetuação das relações desiguais de poder que acabam por acarretar em violência.
Bibliografia
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Como a seguridade social cobre o dependente químico suscetível de restabelecer sua capacidade mental? Para a concessão do beneficio da LOAS, é imprescindível que a deficiência psicológica seja definitiva?
“Posso, tudo eu posso, naquele que me fortalece”.
Filipenses 4:13
Resumo: O presente trabalho advoga a tese da viabilidade da concessão do Benefício de Prestação Continuada – BPC, também conhecido como “LOAS”, aos portadores de distúrbio mental decorrente do consumo desmedido das substâncias psicotrópicas. O Poder Público, responsável pela manutenção e pagamento do beneficio assistencial de amparo social, através da Assistência Social concede o referido benefício, no valor de um salário mínimo, as pessoas que possuem algum impedimento de longo prazo, de natureza física, mental intelectual ou sensorial. A busca para concessão do LOAS aos necessitados tem o condão de minimizar as desigualdades sociais existentes, haja vista que, os dependentes químicos estão marginalizados da sociedade sem a menor perspectiva de reinserção. Tal atitude se mostra, no mínimo, eficaz para minorar a grande amargura vivida pela maioria dos jovens da sociedade brasileira. No presente trabalho foi utilizada metodologia hipotético-dedutivo, com consultas a fontes bibliográficas diversas, tais como, leis, artigos, jurisprudências e doutrinas encontradas nas de dados eletrônicos e bibliotecas universitárias.
Sumário: 1.INTRODUÇÃO. 2.DO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. 3.DOS PRINCÍPIOS. 3.1 Da Solidariedade. 3.2 Universalidade de Cobertura e de Atendimento. 3.3 Uniformidade e Equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. 3.4 Seletividade e Distributividade da Prestação dos benefícios e serviços. 3.5 Irredutibilidade do Valor dos Benefícios. 3.6 Equidade na Forma de Participação e Custeio. 3.8 Da Base de Financiamento e Custeio. 3.8 Do Caráter Democrático e Descentralizado da Administração, mediante Gestão Quadripartite, com participação dos Trabalhadores, dos Empregadores, dos Aposentados e do Governo nos órgão colegiados. 4.DOS PRINCÍPIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. 4.1. Do Princípio da Supremacia dos Atendimentos Sociais. 4.2 Do Princípio da Universalização dos Direitos Sociais. 4.3 Do Princípio da Dignidade Humana. 4.4 Do Princípio da Divulgação Ampla dos Benefícios. 4.5 Da Assistência Social. 5.DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. 5.1 Requisitos para Concessão do BPC. 5.1.1 Deficiente. 5.1.2 Idoso. 5.1.3 Renda per capta inferior a ¼ do salário mínimo. 6.DA CONDIÇÃO DE DEFICIENTE MENTAL DO DEPENDENTE QUÍMICO PARA AFERIÇÃO DO BPC. 7.CONCLUSÃO. 8.REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O tema objeto deste trabalho: A Lei Orgânica da Assistência Social em favor do dependente químico investiga e discute a possibilidade da Concessão de Benefício de Amparo Social ao portador de distúrbio mental decorrente do uso de substâncias químicas.
Diante de uma análise detalhada na seara previdenciária, por sua vez nos elementos formadores da Seguridade Social prevista na Constituição Federal de 1988, ou seja, na Previdência, Saúde e Assistência Social, pode-se vislumbrar a solução, mediata, para um dos grandes problemas enfrentados no país atualmente, o consumo desmedido de drogas.
A sociedade constantemente enfrenta problemas de ordem social, isto por que ela é mutável, e em diversos tempos enfrentamos problemas de cada época, de modo que, o Estado como garantidor da ordem social tem a incumbência de solucioná-los sob pena de passar por descrédito nas suas atribuições essenciais.
Hoje, um dos grandes problemas enfrentados pela coletividade está no consumo de substâncias psicotrópicas por grande parte dos jovens carentes, ou não, que adentram no vício das drogas sem muitas chances de sair dele. As consequências do uso dessas substâncias, por muitas vezes são irreversíveis, gerando para o dependente químico um estado de deficiência mental, em que encontrará dificuldades para sua reinserção social.
A Lei 8.742/93 que regulamente o disposto no artigo 203 da Carta Magna de 1988 teve a grandeza, porém desprezada, de garantir através do Benefício de Prestação Continuada a possibilidade de assistir o necessitado/viciado como saída estabelecida pelo próprio Estado diante do problema.
A concessão do Benefício de Prestação Continuada na própria agência do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS para os portadores de doença mental decorrente do consumo de substancias química é o que se investiga neste trabalho. Mas, para isso é necessário enfatizar que a Lei 8.742/93 definiu no §2º do artigo 20 como deficiente a pessoa que possui impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A principio teremos duas vertentes, até chegar a conclusão de qual dependente químico encontra-se enfermo nas suas faculdades psicológicas, pois alguns dependentes químicos não retornarão ao estado mental sadio, e outros poderão retornar facilmente. Para o deficiente mental definitivo, o Estado não tem como se escusar da obrigação de cobrir este evento, porque está enfaticamente previsto na lei.
E para o dependente químico suscetível de restabelecer sua capacidade mental, como o Estado irá cobri-lo? Para a concessão do beneficio LOAS é imprescindível que a deficiência psicológica seja definitiva?
O resultado da concessão do benefício assistencial ao dependente químico trará possivelmente a solução para o tratamento daqueles que não possuem condições financeiras para costear um tratamento adequado, necessário e específico, e não fornecido pelo Sistema Único de Saúde – SUS, até então. Alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro vêm realizando internações compulsórias que consiste na retirada de viciados que vivem nas ruas para serem levados a centro assistenciais. Embora seja chamado de internação compulsória, o internado não é forçado a permanecer encarcerado para tratamento, somente são realizados exames médicos e aquele que tiver interesse de continuar o tratamento permanecerá, caso contrário, retornará as suas residências, as ruas das grandes cidades.
A pesquisa tem caráter exploratório, de abordagem direta e indireta. É uma pesquisa qualitativa que proporciona melhor visão e compreensão do problema suscitado. A metodologia utilizada no trabalho será hipotético-dedutivo onde será proposta uma hipótese, e, depois por meio de dedução a comprovação ou não da hipótese.
Assim, com a presente matéria poderemos discutir a viabilidade da concessão de um beneficio assistencial as famílias que possuem um dependente químico, desde que sua dependência tenha o tornado deficiente mental, sobretudo, após preenchidos outros requisitos legais.
2. DO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
A assistência aos necessitados teve inicio na Inglaterra em 1601 quando foi editada a primeira lei de assistência aos pobres, chamada de Lei dos Pobres.
A temática sobre a assistência social, como se ver, é mais antiga que a lei brasileira nº 8.472/93. A idéia de assistência social tomou força na Europa logo após a II Guerra Mundial, meados dos anos 40 do século XX, quando os ingleses e franceses conseguiram formalizar um acordo entre a Sociedade-Mercado-Estado para custear ações de proteção social aos cidadãos.
A proteção social alcançada consistia no fornecimento de serviços públicos aos cidadãos, tais como pensões pecuniárias e abrigos aos financeiramente carentes. Nessa época não existia um direito subjetivo do necessitado, apenas uma expectativa de direito, já que os recursos não tinham previsão certa, como aduz SANTOS, Marisa (2012:27).
A receita que custeava o projeto advinha de impostos e taxas pagos pelos cidadãos. A exação era realizada de forma justa, de maneira que quem mais tinha riqueza e propriedade contribuía mais em beneficio daqueles que não tinham nada, não muito diferente dos tempos atuais.
No Brasil já eram realizadas algumas atividades de caráter assistencial, porém não regulamentadas, como a caridade, a filantropia e, a solidariedade religiosa. A primeira regulamentação foi realizada na Constituição Federal de 1988, pois os democratas da época acreditavam que o Brasil poderia, e deveria, instituir serviços sociais públicos de qualidade. Muito embora, a Constituição de 1824 previsse a assistência pública como uma garantia para os socorros públicos, um pouco diferente da estabelecida atualmente.
Quando se trata das situações de riscos, as quais o indivíduo as vezes se encontra, com perda de capacidade, doença, idade, maternidade entre outros é como afirma SANTOS, Marisa, (2012, p.27) “situações que o homem não consegue sair apenas com o seu esforço individual, necessitando do amparo do Estado, para prevenir e remediar suas necessidades”.
A garantia dos direitos humanos e sociais, conquista da nossa atual Carta Magna, demonstra um momento de revolução política na história brasileira, que no pensar de SPOSAT, Adaíza, (2008, p.9), provocou mudanças na sociedade brasileira, tida como conservadora, ditatorial, não democrática e de concentração de riqueza passando para uma sociedade de aceitação as práticas sociais. Foi uma verdadeira mudança de paradigma.
A assistência social, conhecida na Velha República como assistência pública, foi muito defendida por Ataulpho Nápole, que lutou para que o Brasil criasse uma Direção de Assistência Pública igual às existentes em outros países, como a França e Inglaterra.
O defensor assistencialista não atuava sozinho, em companhia de outros defensores e de congressistas da época batalhou para que a assistência pública fosse devida aos indigentes que se encontravam temporariamente ou definitivamente na impossibilidade física de prover as necessidades da subsistência, pois para eles a assistência social não tinha feição de um benefício, mas sim uma obrigação Estatal.
Podemos dizer que os defensores da assistência social são pessoas assistencialistas, que acreditam que os necessitados merecem o mínimo de assistência do Estado.
Por mais que a assistência social tivesse um defensor naquela época, a idéia não prosperou no Brasil. Isto porque, todos os olhos estavam voltados a Previdência Social e tão somente aos trabalhadores que tinham carteiras assinadas. Todavia, os assistencialistas da época protegiam justamente os trabalhadores que não tinham carteira assinada, os informais.
Ocorre que esses informais tidos como vadios, sem direitos e garantias, eram discriminados pela sociedade pós-escravatura. A grande maioria desses vadios eram os escravos recém libertos que buscavam oportunidade de emprego regulamentado, mas nunca conseguiam.
Algum tempo depois, já na era Vargas, foi instituído um Conselho Nacional de Seguro Social vinculado ao Ministério da educação e Saúde, tendo como uma de suas finalidades a elaboração de inquéritos sociais para apurar as necessidades sociais existentes. O momento de ditadura não permitia que os pobres necessitados gritassem por seus direitos, era necessário que outros notáveis o fizesse, contudo, tempos depois esta barreira finalmente foi rompida através da iniciação à educação democrática.
Em 1947 a assistência social criou um forte laço com as mulheres, através de LBA – Legião Brasileira de Assistência, organização criada pela esposa do Presidente Vargas, a Senhora Darcy Vargas, que se reunia com senhoras da sociedade para agraciar com cigarro e chocolates os pracinhas combatentes da II Guerra Mundial.
A legião foi muito importante para sociedade brasileira da época, inserindo diversos programas de assistencialismo por todo país. Nos 26 Estados e no Distrito Federal foram lançados programas como o de qualificação e iniciação profissional, educação para o trabalho, geração de renda, assistência ao idoso e ao portador de deficiência, desenvolvimento social local, dentre outros.
Mas, infelizmente, a legião acabou em 1995, no Governo Collor, após a descoberta de vários desvios com a verba destinada à pasta da assistência social. Na maioria dos Estados brasileiros ocorreram escândalos de corrupção do dinheiro público destinado a assistência.
Em 1974 o General Ernesto Geisel criou o Ministério da Previdência e da Assistência Social, o primeiro ministério criado com esta finalidade.
Durante os movimentos de efetivação dos direitos sociais, houve por parte de alguns assistencialistas a cobrança para que a área fosse estudada como ciência, futuramente transformada no curso de Serviço Social.
O Ministério da Previdência e da Assistência Social criou a Comissão de apoio a Reestruturação da Assistência. Logo após, a Carta constituinte de 1988 prestigiou o tema com os artigos. 194, 203 e 204 no texto constitucional. O artigo 194 insere a assistência social como parte do programa de Seguridade Social do país.
Art. 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único - Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
A Seguridade Social foi criada como mecanismo para garantir a redução das desigualdades sociais entre os cidadãos. Sob o fundamento do verdadeiro instrumento de redistribuição de renda.
A estrutura social do país já era suficiente para motivar a inserção do comando normativo sobre a assistência social. A luz do tema, SPOSATI argumenta que:
A necessidade da criação de um sistema de assistência social descentralizado, participativo e com garantias de alocação de recursos financeiros, superação da fragmentação, da descoordenação, da superposição de programas sociais, introdução do controle de setor público sobre os recursos repassados as entidades privadas com mecanismo de avaliação e controle social, são todas demandas que aparecem na argumentação do Senador e relator da Constituição com todas as letras e fontes de consulta. (SPOSATI, 2008, p.42)
O pós Constituição trouxe para os brasileiros pela primeira vez as eleições diretas, após 28 anos sem eleições, quando o país elegeu democraticamente o Presidente Fernando Collor marcando a história da assistência social com o primeiro veto de lei a regulamentação do disposto constitucional.
Após, em 25 de agosto de 1993 o Presidente Itamar Franco, que assume o governo depois do Impeachment de Collor, encaminhou a Câmara dos Deputados, projeto de lei da assistência social sob o regime de urgência. Transcorrido várias discussões sobre texto da lei orgânica da assistência social, finalmente houve a promulgação da Lei nº 8.472 em 07 de dezembro de 1993.
A primeira medida adotada pelos governantes foi a criação do Conselho Nacional de Assistência Social.
Pouco tempo depois, no ano de 1995, Presidente Fernando Henrique Cardoso assume o governo instituindo as primeiras bolsas (R$) como a bolsa gás, a bolsa escola, bolsa família e a bolsa alimentação. Todas as bolsas são mantidas com a receita destinada a Seguridade Social.
Posteriormente no governo Lula, foi difundido através dos pagamentos de bolsas escola, família, educação etc, o combate a pobreza. Todas bolsas pagas por este governo foram aquelas idealizadas no governo do Presidente FHC.
Entretanto, até agora, não foram idealizados planos estratégicos para efetivação da assistência social em relação aos dependentes químicos. Essa é uma realidade não tão jovem, motivo pelo qual, a assistência social já poderia ter adotados medidas de assistencialismo. Afinal, por ser uma garantia prevista constitucionalmente, a assistência social está sendo desperdiçada pelos governantes, pois vivemos sob uma epidemia incontrolável, que é o consumo das drogas que surte inúmeros efeitos sociais negativos, tais como a destruição da família, a criminalidade, disseminação do vírus do HIV e a distúrbio mental irreversível. Este último objeto do presente trabalho.
3. DOS PRINCÍPIOS
Os princípios trazem uma imagem de alicerce na construção de afirmações sobre determinado assunto. E não poderia ser diferente no ramo da Assistência Social.
Precipuamente, destaca-se que nem todos os princípios norteadores da Seguridade Social previsto no artigo 194 da Constituinte de 1988 são capazes de alicerçar os fundamentos da Assistência Social, pois os benefícios assistenciais são concedidos independentemente de contribuição previdenciária.
Difícil é a missão de encontrar princípios próprios da assistência social, quando os livros que discorrem sobre a Seguridade Social têm foco apenas na seara previdenciária, esquecendo-se do vasto campo assistencialista que é pouco explorado.
Além dos princípios previstos no artigo 194 da Constituição Federal e do artigo 4º da Lei Orgânica da Assistência Social, discorreremos sobre outros princípios do âmbito da Seguridade Social, mas fora do alcance desses comandos normativos, como por exemplo, o do princípio da dignidade da pessoa humana.
O artigo 194 da Constituição elenca os princípios constitucionais que otimizam a Seguridade Social. Advirto, repita-se, que neste trabalho somente serão discorrido os princípios que trazem pertinência a Assistência Social.
Atualmente muitos doutrinadores vêm criando teorias pós-positivismo jurídico, superando o entendimento da legalidade estrita para o reconhecimento da normatividade aos princípios. Este pensamento revela a extrema importância dos princípios, permitindo a sua aplicabilidade na efetivação de direitos.
Não obstante, os princípios elucidativos a acepção da Assistência Social serem aqueles voltados aos direitos sociais. Segundo os ensinamentos de LENZA, Pedro (2011, p.979), os direitos sociais são direitos de segunda dimensão, que consistem no dever do Estado em realizar prestações positivas com o escopo de concretizar uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida.
A Seguridade Social é composta por três áreas distintas, porém correlacionadas, são elas: Previdência Social, Assistência Social e a Saúde. Passamos, então, à abordagem dos princípios, que segundo CASTRO e LAZZARI, Carlos e João (2011) são “mandados de otimização” concernentes a Assistência Social.
3.1 DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE
Para efetivação dos direitos consagrados pela Seguridade Social é necessário que haja uma base de financiamento dos custos e, esta base de financiamento está na sociedade. Quase todos componentes da sociedade são contribuintes solidários para o financiamento da seguridade social.
A Constituição compeliu não só aqueles que possivelmente podem se beneficiar do sistema, mas todo o grupo social. Deve ser por esta razão que exista a denominação de solidariedade, pois aqueles que não irão se beneficiar do sistema estão sendo apenas solidários a ele.
A base de financiamento da Seguridade Social está prevista na Constituição Federal de 1988 no art. 195, sendo que além dos entes federativos, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, financiarão o sistema através das contribuições sociais, os empregadores, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, os trabalhadores e demais segurados da previdência social, exceto os aposentados e pensionistas. A exação a favor da Seguridade Social também será realizada sobre a receita de concursos prognósticos e importações sobre bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Segundo SANTOS, Marisa (2012, p.41), “Deseja a Constituição que todos estejam protegidos, de alguma forma, dentro da seguridade social. E a proteção adequada se fixa em razão do custeio e da necessidade”.
3.2 DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DE COBERTURA E DE ATENDIMENTO
Este princípio assegura a cobertura pelo Estado de todos os riscos sociais existentes que serão fornecidos a todos aqueles que necessitam. É dever da Seguridade Social cobrir esses riscos sociais, está previsto na Constituição brasileira. A Seguridade não poderá cobrir parte da sociedade, porque ela é composta pela Saúde, direito de todos e a Assistência, direito daqueles que necessitam. A Constituição é de todos os brasileiros, portanto todos terão acesso aos benefícios conferidos pelo sistema. Assim define:
[...] a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, destacando-se os seus princípios orientadores e as formas de seu financiamento [...] (LENZA, Pedro, 2011, p. 1056)
Obviamente teremos as exceções próprios, das quais os cidadão não poderão exigir direitos da Seguridade Social. Como exemplo, o caso em que o cidadão que nunca trabalhou, pleitear o benefício de aposentadoria e também no caso dos estrangeiros terem livre acesso ao nosso Sistema Único de Saúde sem nenhum custo.
É universalidade de cobertura quanto ao objeto a ser coberto pelo Sistema de Seguridade Social, que é a prevenção, a proteção e a recuperação, e a universalidade de atendimento quanto aos sujeitos beneficiários do sistema, que são aqueles que vivem no território nacional, conforme leciona SANTOS, Marisa (2012, p.42).
3.3 DO PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE E EQUIVALÊNCIA DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS
A partir da idéia de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços, a Carta Constituinte vedou a distinção nas prestações de ações da Seguridade Social as populações urbanas e rurais, bem como a impossibilidade de existir distinções na definição de critérios para concessão de benefícios previstos pelo sistema.
Essa conquista da equivalência da garantia dos trabalhadores rurais e urbanos adveio somente após a promulgação da Carta Magna de 1988, conferida no art. 7º, pois anteriormente os trabalhadores rurais não tinham os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos. Entretanto há resquícios de critérios diferentes, como afirma CASTRO e LAZZARI, Carlos e João (2011, p.114) que “tratando-se de previdência social, o valor do benefício pode ser diferenciado – caso do salário maternidade da trabalhadora rural enquadrada como segurada especial”.
3.4 DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE NA PRESTAÇÃO DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS
A seletividade diz respeito aos requisitos para concessão de cada benefício consagrado pela Seguridade Social.
A distributividade defendida é em relação a forma de repartição simples eleita para formar a dotação orçamentária a concessão de benefícios assistenciais. Esta forma de repartição simples permite que toda contribuição realizada seja vertida para um fundo único, onde aqueles que necessitam podem usufruir dos benefícios, desde que presentes os requisitos autorizadores para concessão.
CASTRO e LAZZARI, Carlos e João (2011, p. 115) explica:
O principio da distributividade, inserido na ordem social, é de ser interpretado em seu sentido de distribuição de renda e bem-estar social, ou seja, pela concessão de benefícios e serviços visa-se ao bem-estar e à justiça social (art. 193 da Carta Magna). Ao se conceder, por exemplo, o benefício assistencial da renda mensal vitalícia ao idoso ou ao deficiente sem meios de subsistência, distribui-se renda; ao se prestar os serviços básicos de saúde pública, distribui-se bem-estar social, etc.
Esse princípio se desdobra também na seleção de contingências e distribuição de proteção social como instrumento eficaz para oferecer os benefícios previstos pela seguridade social.
3.5 DO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS
Este princípio assegura a irredutibilidade dos benefícios pagos pela Previdência e Assistência Social por meio de descontos, exceto que haja determinação legal neste sentido. Os benefícios também não poderão ser sujeitos de arresto, penhora ou seqüestro.
O valor dos benefícios deve ser mantido de maneira a expurgar os efeitos da inflação para que, os riscos sociais brotados, finalmente, possam ser cobertos, sob pena de não servirem para cobrir o mínimo necessário, que é o que se pretende desde a criação da Seguridade Social na Carta Magna.
3.6 DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO E CUSTEIO
Para financiamento de benefícios, programas e projetos da Seguridade Social é necessário que haja a participação de todos através do tributo de contribuição social. Há a participação tanto do Estado, como dos trabalhadores e empregadores no financiamento do sistema. A participação de todos é realizada de forma equitativa. Tanto é assim, que os empregadores contribuem de acordo com a sua capacidade contributiva. Os que mais auferem renda têm uma maior exação.
Para outros, por exemplo, como SANTOS, Marisa, o significado deste princípio não se trata da capacidade contributiva, senão vejamos:
O conceito de “equidade” está ligado a idéia de justiça, mas não à justiça em relação as possibilidades de contribuir, e sim a capacidade de gerar contingências que terão cobertura pela seguridade social.
Então, a equidade na participação no custeio deve considerar em primeiro lugar, a atividade exercida pelo sujeito passivo e, em segundo lugar, sua capacidade econômico-financera. Quanto maior a probabilidade de a atividade exercida gerar contingências com cobertura, maior deverá ser a contribuição. (2012, p.41)
3.7 DO PRINCÍPIO DA BASE DE FINANCIAMENTO
A Seguridade Social além ser financiada pelo Poder Público, trabalhadores e empregadores, tem a contribuição de outras fontes de renda. A Carta Magna instituiu a incidência de tributo sobre as receitas provenientes de concursos prognósticos e da contribuição provisória sobre movimentação financeira, enquanto existia. Assim, verifica-se a diversidade de várias fontes pagadoras e não somente de uma única fonte.
Este princípio traduz o significado de outro princípio, que é o da solidariedade.
Cabe mencionar, que outras fontes de custeio para seguridade social podem ser criadas através de lei complementar, desde que não cumulativas e que tenham base de cálculo ou fato gerador previsto na Constituição Federal.
3.8 DO CARÁTER DEMOCRÁTICO E DESCENTRALIZADO DA ADMINISTRAÇÃO, MEDIANTE GESTÃO QUADRIPARTITE, COM PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES, DOS EMPREGADORES, DOS APOSENTADOS E DO GOVERNO NOS ÓRGÃO COLEGIADOS.
A gestão de programas e projetos da esfera da Seguridade Social devem ser discutidos com a sociedade. De forma que foram criados órgãos colegiados de discussão, como o Conselho Nacional da Previdência Social – CNPS, o Conselho Nacional de Saúde – CNS e Conselho Nacional de Assistencial Social – CNAS.
Estes conselhos têm a incumbência de discutir políticas e controle das ações de execução para o cumprimento da finalidade de cada área, tendo composição paritária, sendo integrantes, o Governo, trabalhadores, empregadores e aposentados. No entender de SANTOS, Marisa (2012, p.42), “A descentralização significa que a seguridade social tem um corpo distinto da estrutura institucional do Estado”.
4. DOS PRINCÍPIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Preliminarmente, antes de adentrarmos nos princípios norteadores da Assistência Social convém discorrer sobre os valores que inspiraram a Carta Magna Brasileira de 1988 inseridos no preâmbulo da Constituição, SPOSATI, Aldaíza, (2008). Os valores são: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos.
A partir desses valores a Constituição criou os primeiros princípios inseridos no art. 1º da Carta, dentre eles o princípio da dignidade humana, grande vetor dos direitos fundamentais e dos direitos sociais protecionistas que balisa a concessão do beneficio assistencial.
4.1 DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DOS ATENDIMENTOS SOCIAIS
Este princípio tem por objetivo fincar a prevalência do atendimento as necessidades sociais, tendo em vista as exigências de ordem econômica estabelecida no artigo 170 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
[...]
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
Com isso, verifica-se o quão relevante é o auxilio fornecido aos necessitados, em detrimento da rentabilidade econômica, assegurando primeiramente a todos os cidadãos uma existência digna, como efetivação da justiça.
Em termos de assistência social não há limitação de acesso, excetuando-se apenas a falta de capacidade contributiva do Estado e, ou a ausência de requisitos mínimos legais.
4.2 DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
Esse princípio assegura a todos que se encontram em territórios nacional brasileiro o ingresso aos programas de direitos sociais, desde que preenchidos os requisitos de acesso.
Tanto o idoso, como o deficiente físico, a gestante, entre outros, têm direito à percepção de uma assistência mínima que garante o seu poder de compra e, assim, sua reinserção na sociedade. Desta maneira, tem-se em vista que todas as pessoas enquadradas como necessitadas terão acesso aos programas assistenciais instituídos por cada esfera de governo.
4.3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
O principio da dignidade humana se traduz num direito social que obriga o Estado a garantir um mínimo existencial de recursos para que o indivíduo possa exercer sua auto-subsistência.
Nos dizeres de FERREIRA, Fernando dos Santos apud TAVARES, Marcelo Leonardo:
Instituir a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito importa, ainda, em conseqüência, não apenas o reconhecimento formal da liberdade, mas a garantia de condições mínimas de existência, em que uma existência digna se imponha como fim de ordem econômica, não tolerando, pois, profundas desigualdades entre os membros de uma sociedade. (2003, p.161)
Este é o fundamento que garante ao cidadão o mínimo existencial, que nada mais é do que a cobertura de riscos sociais, como a idade e a moléstia física ou mental que impossibilite o cidadão de viver em pé de igualdade com os demais.
Por estar inserte no rol dos fundamentos da República Federativa do Brasil na Constituição Federal, imperativo se faz pensar na aplicação prática e mediata do principio da dignidade da pessoa humana na seguridade social, neste contexto leciona TAVARES, Marcelo (2003, p. 217):
[...] é dever constitucional do Estado, do qual não se pode desonerar, a construção de mecanismos, como a assistência social, que garantam acesso às oportunidades e ao exercício da liberdade real. É justamente a vinculação ao valor da dignidade humana que os torna fundamentais [...].
4.4 DO PRINCÍPIO DA DIVULGAÇÃO AMPLA DOS BENEFÍCIOS
O principio da divulgação ampla dos benefícios prescreve que todos os benefícios existentes e instituídos pelo Estado devem ser divulgados amplamente para aqueles que têm direito. Um princípio utópico, uma vez que o Poder Público não vem cumprindo com as suas conhecidas atribuições, que dirá, as desconhecidas pela população.
Veja, o princípio existe, muito embora seja muito difícil a sua exeqüibilidade. Nada que a busca pela efetivação dos direitos sociais não possa conseguir. A falta de conhecimento dos benefícios pela classe necessitada se deve basicamente a falta de educação, problema já conhecido por todos no país.
Acaso a população tivesse conhecimento dos direitos previsto na Carta Política de 1988, a efetivação pelos direitos existentes estaria a mil anos luz do que vivenciamos atualmente com a população desinformada.
A comunidade carente deve ter acesso a informações sobres os programas assistenciais disponíveis. A intenção do legislador quando instituiu a competência da assistência social em proteger à infância, à maternidade, à adolescência, sem que fosse concedido o benefício de prestação continuada, foi de que embora não haja a concessão do benefício, o Poder Público deve fornecer programas e projetos que visem a melhoria de condições dessas pessoas. E, caso as pessoas tivessem conhecimento deste dever com certeza tomariam uma posição de cobrança efetiva do Estado.
4.5 DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
“A assistência social é uma política de prestação social mínima e gratuita a cargo do Estado para amparar pessoas que necessitam de condições dignas de vida”, é o que diz TAVARES, Marcelo (2003, p. 215).
Na definição de OLIVEIRA, Lamartino (2003, p.29):
A assistência social é a garantia da proteção aos que necessitam do amparo do Estado para sobreviverem. A rigor, enquanto a previdência cuida de amparar os trabalhadores e dependentes quando ocorre uma infortunística (incapacidade para o trabalho), a Assistência presta os seus serviços aos carentes e necessitados.
Assistência Social é uma garantia mínima prevista na Carta Magna para cobertura de alguns eventos sociais, distintos daqueles previsto para a Previdência Social, com a finalidade de conceder um mínimo existencial para o cidadão que se encontre necessitado sem condições de prover sua subsistência e nem tê-la provida por sua família.
No sistema da Assistência Social não há que se falar em contribuição. Para aferimento dos benefícios é preciso apenas que o indivíduo comprove que está impossibilitado de prover seu próprio sustento, diante da idade avançada, a maternidade, ou de uma deficiência permanente ou provisório, por exemplo. Tanto é assim, que a Constituição Federal de 1988 prescreve no art. 203 que: “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”.
A Assistência Social prevista na Constituição foi regulamentada pela Lei nº 8.742/93, denominada como a Lei Orgânica da Assistência Social. No artigo 2º dessa lei foram elencados os objetivos da Assistência, são eles: a proteção social, com vistas à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, vigilância socioassistencial e defesa de direitos.
O parágrafo primeiro do artigo 6º da Lei 8.742/93 – LOAS prevê que incumbe ao Sistema Único de Assistência Social a proteção dos sujeitos mais frágeis da sociedade. A finalidade é proteger à família, à maternidade, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção de integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência e a promoção de sua integração á vida comunitária; a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir condições de manter a própria subsistência ou de tê-la mantida por sua família.
Para SANTOS, Marisa (2012, p. 107) a Constituição Federal estabeleceu a Assistência Social como instrumento de transformação social. Verdade, haja vista que, a assistência social não é somente o mecanismo de concessão do benefício de um salário mínimo mensal aos idosos e aos deficientes. Como instrumento de transformação social é necessário que sejam elaborados projetos e políticas públicas capazes de atender todos aqueles mencionados no texto constitucional.
Os objetivos traçados pela Lei Orgânica da Assistência Social de proteção social visa garantir a vida, a redução de danos e a prevenção da incidência de riscos através de ações desenvolvidas pelo Sistema Único de Assistência Social – SUAS. É o SUAS responsável pela arrecadação dos recursos dos três entes federativos.
A Assistência Social é mantida com recursos do orçamento da seguridade social destinados ao Fundo Nacional de Assistência Social criado pelo art. 27 da LOAS.
As diretrizes da assistência social estão prevista no artigo 5º da LOAS, são elas: a descentralização política-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo, ou seja, cada ente tem a liberdade de adotar a melhor política para administração dos recursos destinados a assistência social, tanto a liberdade administrativa, como o poder de gerir as ações da maneira que convier ao seu governo. Outra diretriz é a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. A participação da sociedade surge através das ONGs – Organizações Não Governamentais que prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários sem fins lucrativos. E, por fim, a última diretriz estabelecida pela lei é a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política assistencial em cada esfera de governo.
O artigo 30 da Lei Orgânica da Assistência Social explicita as condições para que os entes federativos, exceto a União, possam receber recursos da receita destinada à Assistência Social. In verbis:
Art. 30. É condição para os repasses, aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal, dos recursos de que rata esta lei, a efetiva instituição e funcionamento de:
I – Conselho de Assistência Social, de composição paritária entre governo e sociedade civil;
II – Fundo de Assistência Social, com orientação e controle dos respectivos Conselhos de Assistência Social;
III – Plano de Assistência Social.
Parágrafo único. É, ainda, condição para transferência de recursos do FNAS aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a comprovação orçamentária dos recursos próprios destinados à Assistência Social, alocados em seus respectivos Fundos de Assistência Social, a partir do exercício de 1999.
E mais, os Estados e o Distrito Federal poderão, facultado a participação, vincular cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida para vinculação direta em programas de apoio à inclusão e promoção social, vedada a aplicação desses recursos para pagamento de despesas com pessoal e encargos sociais, serviço da dívida e qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiadas.
Assim, percebe-se, que a falta políticas públicas efetivamente instituídas na maioria dos estados e municípios do país decorre única e exclusivamente do desinteresse dos gestores públicos. Assistência é de todos, e caberia aos entes federados aplicá-la em beneficio da sociedade.
Já as entidades e organizações privadas podem se vincular ao SUAS – Sistema Único de Assistência Social para celebrar convênios e, ou contratos com o Poder Público com o fito de terem acesso aos recursos para financiar integralmente as ações de assistência social.
A gestão da assistência social é descentralizada cabendo a cada ente, Estados, Municípios e Distrito Federal coordenar e executar ações assistenciais, instituir conselhos autônomos de assistência social, devendo observância as normas gerais instituídas pela esfera federal através do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. Este órgão é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome sendo composto por 18 membros, 9 representantes do governo e 9 representantes da sociedade civil.
5. DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
O benefício de prestação continuada, também denominado como benefício de amparo social é uma garantia prevista constitucionalmente, com escopo de minimizar a desigualdade social existente do idoso e do deficiente. O artigo 203 da Constituição Federal prevê:
Art. 203. Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
O artigo 20 da Lei 8.742/93 regulamenta este disposto constitucional definindo o benefício de prestação continuada como:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idosos com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovam não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência deles, a madrasta ou o padrasto, os irmão solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capta seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
§4º O benefício de trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o §2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
§7º Nas hipóteses de não existirem serviços no município de residência de beneficiário, fica assegurados, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§8º A renda familiar mensal a que se refere o §3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o §3º deste artigo.
§10. Considera-se impedimento de longo prazo, para fins do §2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
5.1 DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA:
5.1.1 DA PESSOA DEFICIENTE
A incapacidade definida no artigo 20 da Lei 8.742/93 já foi objeto de muita discussão, pois o §2º do supracitado artigo definia a pessoa como portadora de deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Todavia, esta redação foi superada, devido a instituição da nova redação trazida pela Lei 12.470/2011.
Até a edição da reforma legislativa ocorrida no ano de 2011, a lei considerava a pessoa portadora de deficiência aquela incapacitada para vida independente e para o trabalho, em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênita ou adquirida.
A alteração legislativa ocorrida pelas leis 12.435/2011 e 12.470/2011 retificou o conceito de que a pessoa somente seria deficiente, se além da incapacidade para o trabalho, também fosse incapaz para viver independente, ou seja, sem o auxílio de outra pessoa. Muito embora, antes da alteração legislativa, a jurisprudência aplicasse o entendimento do simples fato de ser incapacitado para o trabalho daria direito à percepção do benefício, conforme o entendimento da Súmula nº 29 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.
Não só a TNU editou súmula regulando a matéria para os julgados, mas também a Advocacia Geral da União – AGU editou a Súmula nº 30 que dispôs que a incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para caracterização da incapacidade para vida independente conforme estabelecido no art. 203 da Constituição Federal e art. 20 da Lei 8.742/93.
Em relação a antiga interpretação conferida pela lei para conceituar o deficiente discorreu FÁVERO, Eugênia apud SANTOS, Marisa (2012, P.114):
No artigo 20, §2º, a LOAS definiu o termo ‘pessoa portadora de deficiência’, como se esta definição fosse necessária e já não constasse de outros diplomas legais e infralegais. Fez muito mal, pois definiu pessoa com deficiência, para efeito deste beneficio, como aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Tal definição choca-se, frontalmente, com todo o movimento mundial pela inclusão da pessoa que tem deficiência. Num momento em que se procura ressaltar os potenciais e as capacidades da pessoa com deficiência, por esta lei, ela deve demonstrar exatamente o contrário. Nossa Constituição, que não foi observada pela LOAS, estabeleceu este beneficio para a pessoa com deficiência, e não para pessoa incapaz, termos que não são sinônimos e não deveriam ser associados para qualquer fim, sob pena de se estimular a não preparação dessas pessoas para a vida em sociedade.
A nossa Constituição Federal não definiu que a concessão do benefício assistencial fosse concedido ao deficiente incapaz de prover sua subsistência, mas tão somente ao deficiente. A incapacidade para trabalho foi uma inovação condicionante trazida pela lei, que em muito prejudicou a aplicação do instituto de amparo social durante anos.
A informação trazida por SANTOS, Marisa (2012, P.116) é que o Decreto nº 3.298/99 já conceituava e enquadrava as pessoas com deficiência, muito embora a jurisprudência insistisse em aplicar o enquadramento da norma com a concessão do benefício de amparo social apenas aos deficientes que comprovem a incapacidade para o trabalho.
O decreto nº 3.298 regulamenta a Lei nº 7.853/89 que dispõe sobre a política de integração da pessoa portadora de deficiência, a qual considera deficiência toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. O artigo 4º do decreto define:
Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:
I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;
II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;
III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;
IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;
V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.
Entretanto, com a nova redação trazida ao §2º do artigo 20 da Lei, a contextualização tornou-se mais próxima da concessão do benefício ao deficiente, independentemente dele ser incapacitado para o trabalho ou não. Agora é deficiente aquele que tem impedimento de longo prazo, definido pela lei com prazo de no mínimo de dois anos, de natureza física, mental intelectual ou sensorial que em contato com a sociedade podem dificultar sua participação plena e efetiva.
A concessão do beneficio assistencial ao deficiente está condicionado a prévia analise por médicos peritos e assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, que avaliarão o tipo de deficiência na qual o beneficiário se enquadra, se física, mental, intelectual, sensorial, bem como, o grau de impedimento para o trabalho e integração social para aferição da exigência de longo prazo.
O grau de interação social previsto na lei trouxe um grande avanço a aplicabilidade da norma, isto porque, muitas pessoas são capazes de trabalhar, entretanto são incapazes de interagir socialmente, exemplo disso são as pessoas portadoras do vírus do HIV, e que são submetidas a exames adimensionais e expostas ao grande preconceito ainda existente na sociedade brasileira. Infelizmente as pessoas tendem a se afastar dos portadores do vírus.
5.1. 2 DA PESSOA IDOSA
A idade necessária para percepção do benefício de prestação continuada já foi objeto de mudanças, entre 01/01/1996 até 31/12/1997 a idade mínima era de 70 (setenta) anos, a partir 01/01/1998 até 31/12/2003 a idade mínima passou a ser de 67 (sessenta e sete). Após, com a promulgação da Lei 10.741 em 2003, o chamado de Estatuto do Idoso conceituou o idoso como a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais.
Com a promulgação do estatuto do idoso passou alguns anos até que a LOAS fosse alterada pela Lei 12.435/2011 modificando o conceito de idoso para aquele estabelecido pelo estatuto, com 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Muito embora tenha ocorrido um grande lapso temporal para mudança da lei, a jurisprudência já aplicava a previsão contida na Lei 10.741/2003, concedendo o benefício de amparo social aos idosos com 65 anos de idade.
5.1.3 DA RENDA PER CAPTA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO
O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 define na condição de miserável aquele idoso ou deficiente, incapaz de prover sua manutenção ou que pertença a uma família incapacitada de prover a sua subsistência, cuja renda per capta seja inferior a ¼ do salário mínimo.
A exigência da renda per capta inferior a ¼ do salário mínimo para maioria dos doutrinadores é um limitador constitucional. Para SANTOS, Marisa (2012, P.121), por exemplo, “quantificar o bem-estar social em valor inferior ao salário mínimo é o mesmo que voltar para trás em termos de direitos sociais”. Uma verdadeira afronta ao princípio do retrocesso social.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232/98 pugnou pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo - parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS, que limita o acesso dos necessitados ao benefício de prestação continuada. Entretanto, essa ADIN foi julgada improcedente pelo STF. Tal julgamento não teve efeito vinculante, e desde então o STJ vem decidindo pela aferição da necessidade por outros meios de prova, haja vista que o Supremo não retirou esta possibilidade no julgamento.
A questão até hoje não foi pacificada pelo STF. A única decisão proferida é de que dispositivo limitador é constitucional, embora ultimamente o Supremo, repita-se, venha admitindo o entendimento firmado pelo STJ, de que a miserabilidade pode ser aferida por outros meios de prova, além da renda per capta.
O parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso excluiu do computo do grupo familiar, para cálculo da renda per capta, a renda do idoso que percebe o benefício de prestação continuada. Uma vez que o benefício assistencial é concedido como forma de expurgar a necessidade mínima do indivíduo, não sendo justa, portanto, utilizar-se deste benefício para o computo da aferição da renda da família. A lei concede um salário mínimo, utilizado como parâmetro do valor mínimo necessário a cobrir as despesas mensais de uma pessoa. Após a exclusão do idoso, passou-se a discutir a possibilidade de exclusão da renda percebida pelo deficiente, que só veio a ser concedida em parte com alteração da trazida pela Lei 12.470/11 que inseriu o §9º do artigo 20, afastando a possibilidade de computo da renda auferida pelo menor aprendiz.
6. DA CONDIÇÃO DE DEFICIENTE MENTAL DO DEPENDENTE QUÍMICO PARA AFERIÇÃO DO BPC
É perceptível o número crescente de jovens que estão morrendo em função das drogas, e isso reflete sobremaneira na evolução social do país. Ora porque vivemos sob a égide do princípio da solidariedade contributiva, e as gerações atuais pouco contribuem para o sistema de repartição simples adotado pelo país, ora pelo enfrentamento de problemas com baixa qualificação profissional que reflete na escolha do trabalho informal pela maioria dos brasileiros.
O fato das novas gerações mal contribuírem para o sistema, resulta num enorme prejuízo as gerações futuras. Todos os anos a faixa etária do país cresce, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH apurado é maior a cada ano, resultando na concessão de mais benefícios previdenciários. O fato é que os jovens, os que detêm o poder/capacidade de exercerem atividade laborativa, estão cada vez mais se afastando dessa realidade contributiva em decorrência do uso das drogas.
Segundo LUKAS, Scott (1998, p.9), a maioria das causas de morte em registros oficiais com jovens é de acidente, suicídio e homicídio e, na maioria das vezes com conexão ao uso de drogas, sejam ilícitas ou lícitas, como o álcool por exemplo.
Ultimamente o uso descontrolado das drogas é um problema sério de ordem social. E como problema de grandes proporções na vida particular do indivíduo, com grandes reflexos sociais, o Poder Público deve combate-lo estudando e avaliando quais as medidas necessárias para o fim desta mazela.
Durante anos a evolução tecnológica permitiu que muitas substâncias químicas utilizadas para tratamentos médicos, fossem expostas as pessoas para o uso ilegal. São inúmeros viciados, com diferentes tipos de drogas, que vão desde tranquilizantes ao crack.
Assim, o fato da droga está presente há muito tempo no contexto do social, já deveria ter sido objeto de combate do Poder Público através da assistência social. Somente agora, meados dos últimos cinco anos, que alguns governos estão investindo no combate ao consumo das drogas de forma social, isto porque, sabemos que há muito mais tempo a droga vem sendo combatida como criminalidade.
Notadamente o problema deixou de ser exclusivamente da esfera criminal há anos, passando a ter uma grande relevância no contexto da sociedade, pois trata-se de uma contingência mundial que está destruindo muitas famílias. Dentre os objetivos traçados pela Seguridade Social na Assistência Social está a proteção da família. PERLINGIERI apud MOIMAZ (2002, p.65) defende a família como o “valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contrariedade aos valores que caracterizam as relações civis”.
O dependente de substâncias psicotrópicas sofre de vício. O vício é considerado uma moléstia, que muitas vezes gera a deficiência mental, segundo YOUNG, Patrick (1988, p.96) vício é o “estado causado pelo uso repetido de drogas, caracterizado pela necessidade compulsiva em continuar a toma-la, pela tendência para aumentar a dose e pela dependência física e/ou psicológica”.
As drogas mais comuns consumidas pelos jovens brasileiros são a cocaína, maconha, anfetaminas, e, a pior de todas, o crack. O consumo dessas substâncias trazem os mesmos efeitos para o usuário: sensação de bem-estar.
Segundo o pesquisador EDELSON, Edward (1989, p.57) o uso dessas substâncias químicas podem causar morte súbita, dependência, lesões cerebrais e um tipo de psicose surpreendentemente, a esquizofrenia paranoide.
O grande problema não está somente nas consequências físicas e mentais trazidas pelo consumo dessas drogas. Muitos dependentes abandonam seus lares ou são expulsos dele, passando a viver nas ruas das cidades. Como a droga mais consumida é o crack, alguns lugares das grandes cidades para onde esses viciados vão, são chamados de cracolândia.
O fato de essas pessoas viverem nas ruas das cidades, já deveria ter provocado uma imediata e alarmante cobrança por parte da população para que o Poder Público dirima este problema. Trata-se de indivíduos com distúrbios mentais que estão vivendo nas ruas das cidades, podendo, e causando desordem no meio social.
A psicose, uma das consequências do distúrbio mental acometido aos dependentes é delineada pelo pesquisador EDELSON, Edward (1989, p.61):
As vítimas dessa psicose sabem quem são e onde estão, mas ouvem vozes e experimentam um sentimento constante e progressivo de o mundo está conspirando contra elas. Tudo o que elas ouvem ou vêm parece ser parte dessa conspiração tramada por um exercito de inimigos que dominam seu mundo. Tais delírios e alucinações podem levar à violência, quando o viciado revida os golpes dos conspiradores imaginários.
Continua o doutrinador discorrendo que:
A cocaína e as anfetaminas produzem a sensação de euforia pela estimulação de partes do sistema límbico. Elas fazem os que as tomam se sentirem alertas pelo aumento da atividade motora, elas dão a impressão – que as vezes se confirma – de intensificação da força e da resistência dos músculos.
Ora, não resta duvidas que o dependente químico fica acometido de consequências decorrente do uso da droga, são ações destrutivas sobre os neurotransmissores cerebrais.
De modo que, ao enquadrarmos o viciado como aquela pessoa portadora de deficiência mental, estar-se-ia reconhecendo um dos requisitos necessários a concessão do beneficio de prestação continuada. O artigo 20 da Lei 8.742/93 é claro ao estabelecer o benefício de um salário mínimo ao portador de deficiência, desde que sua renda per capta seja inferior a ¼ do salário mínimo.
Na discussão sobre a definição de deficiente, podemos observar que o dependente químico se enquadra nas condições estabelecidas tanto pela lei, como pela doutrina. Concluindo-se pela indagação porque até agora não há a concessão do benefício assistencial as esses viciados, como forma de proteger a infância, a adolescência e expurgar as desigualdades sociais?
O Poder Público, digo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios detêm mecanismos hábeis para colocar mãos a obra e instituir programas, e ou projetos de forma a, no mínimo, amenizar os problemas decorrentes do consumo das substancias psicoativas.
A despeito da tese para concessão do benefício assistencial ao dependente químico morador de rua, não se tem notícia de julgados, todavia, encontramos um julgado de concessão de auxílio doença decorrente da dependência de substância psicotrópica, como segue:
DECISÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.010393-0/RS. RELATOR: Juiz Sebastião Ogê Muniz. AGRAVANTE: CLAERCIO MARCELO BARONI. Advogado: Jaime Valduga Gabbardo e outros. AGRAVADO: Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
Trata-se de agravo legal interposto de decisão (fl. 47) que negou seguimento ao agravo de instrumento, ao entendimento de que o recurso é manifestamente improcedente.
Sustenta o Agravante, em síntese, ter restado comprovada a sua qualidade de segurado pelos documentos juntados aos autos.
Melhor examinando os autos, verifico que o autor, demitido em 23-10-2006 (fl. 83), permaneceu desempregado desde então, tendo mantido, portanto, sua qualidade de segurado até 23-11-2008 (24 meses, art. 13, § 2º, do Decreto 3.048/99). Dessa forma, à primeira vista, na data de início da incapacidade fixada pela Autarquia (15-03-2008 - fl. 26), o demandante detinha a qualidade de segurado.
Dessa forma, reconsidero a decisão de fl. 47 e passo à análise do pedido de concessão de efeito suspensivo.
Conforme atestado médico de fl. 29, o Agravante é dependente químico de drogas (crack). Ainda, consoante documento do Centro de Reabilitação Emanuel Região das Hortênsias (fl. 44), o autor está neste estabelecimento internado, desde 15-03-2008, por período indeterminado, em virtude de dependência química.
Assim, tenho como presente o requisito da verossimilhança.
Quanto ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, tenho-o como presente, pois, estando incapacitado para o trabalho, o Agravante não tem condições de prover os recursos necessários à sua subsistência e à subsistência dos que dele dependem. Agregue-se, a isso, o caráter alimentar do benefício.
Presentes os requisitos legais (artigo 273 do Código de Processo Civil), impõe-se o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, deferindo-se, para tal fim, o efeito suspensivo ativo colimado.
Ante o exposto, defiro o efeito suspensivo ativo colimado, determinando a imediata implantação do auxílio-doença ao autor.
Determino à Secretaria que: a) dê ciência desta decisão ao Juízo de origem, para que este tome as medidas necessárias à sua implementação, no menor prazo possível; b) intime, desta decisão, ambas as partes; c) intime o Agravado para, querendo, no prazo legal, apresentar sua contraminuta.
Porto Alegre, 17 de junho de 2009.
Ora, se a própria previdência social, que faz o gerenciamento e concessão do benefício assistencial através do INSS, caracteriza a dependência do viciado como um fator que gera incapacidade para trabalho realizando a concessão do benefício de auxílio doença, ainda que compulsoriamente, por que não conceder o benefício assistencial aos dependes químicos necessitados?
7. CONCLUSÃO
O Estado como gestor social esteve inerte quando permitiu que o ócio invadisse a vida da maioria dos jovens de baixa renda do país, excluindo-os do acesso a educação de qualidade, do lazer, das oportunidades de trabalho, da boa prestação de serviço saúde, da moradia, ou seja, das condições de vida minimamente digna. É justo então, que agora os necessitados clamem ao Poder Publico o tratamento adequado para superação das deficiências causadas pelo consumo de substâncias psicoativas.
A dependência de substâncias psicoativas ainda que não seja reconhecida como uma doença incapacitante pela autarquia federal INSS, é reconhecida judicialmente como vimos no julgado supramencionado.
A Lei 8.742/93 no paragrafo 2º do artigo 20 define o deficiente como aquele que tem impedimentos de longo prazo de natureza mental. O viciado em substâncias tóxicas, as vezes, atinge um estado de dependência que gera consequência na saúde das suas faculdades mentais.
Muitos desses dependentes químicos, hoje, vivem nas ruas das cidades, pois nem suas famílias detêm conhecimento específico para o tratamento, nem o Estado dar a garantia de um tratamento específico a esses marginalizados.
O fato é que, com a concessão do benefício assistencial, muitas famílias poderiam dar um direcionamento positivo da pecúnia auferida, para costear um tratamento específico e não ofertado pelo Poder Público aos dependentes químicos. A assistência social é uma garantia constitucional que deve ser aplicada, ofertada a todos os necessitados. Não resta dúvidas que essas pessoas que vivem nas ruas, abandonadas, e entregues as drogas são necessitados. Falta o amparo legal com a efetivação de políticas sociais.
É preciso que o Estado, em todos graus dos poderes adotem medidas sociais ao banimento deste caos, que é o grande avanço de dependentes químicos nas ruas. Não é só um problema que transcende a dignidade da pessoa humana, é também um problema de ordem pública que traz o crescente aumento da criminalidade. As internações compulsórias não estão sendo suficientes ao atendimento do problema, pois somente são realizados exames clínicos sem a oferta de tratamento adequado de longo prazo.
O implicador para concessão do beneficio assistencial ao dependente químico morador de rua, é o fato deles não terem residência fixa e deste modo teriam complicação para perquirição da renda per capta familiar através da assistente social. A solução seria a criação de alojamentos públicos com equipes especializadas, desde médicos a defensores públicos.
Os médicos avaliariam o grau de dependência química dos viciados e os defensores se dedicariam a perquirir o beneficio assistencial devido a eles.
Portanto, assim estaria se efetivando o disposto contido no artigo 203 da Constituição Federal com o amparo da infância e adolescência dos carentes, bem como a garantia de um salário mínimo de beneficio assistencial mensal ao dependente químico que em virtude das drogas tornou-se enfermo mental. Garantido os primados sustentadores da Seguridade Social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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