O ARTIGO TRAZ À COLAÇÃO A CHAMADA DESCENTRALIZAÇÃO INSTITUCIONAL E OS PROBLEMAS SURGIDOS COM A CORRUPÇÃO NAS GRANDES ESTATAIS INCLUINDO O "CAIXA-DOIS".
OS PROBLEMAS NO BRASIL NA CHAMADA DESCENTRALIZAÇÃO INSTITUCIONAL
ROGÉRIO TADEU ROMANO
A modalidade de descentralização institucional, fundacional ou de serviços, pela qual o Poder Público, no Brasil, criou novas pessoas jurídico-administrativas, que vão compor a propriamente chamada Administração Indireta ou Descentralizada determina que tais entidades estão vinculadas à Administração Direta, através do liame que as une a um dos Ministérios, Secretarias, que sobre tais entidades exercem uma supervisão, fiscalização ou controle, denominada de tutela administrativa.
Marcelo Caetano(Manual de direito administrativo, pág. 170 e seguintes) definiu a tutela administrativa como “o poder conferido ao órgão de uma pessoa coletiva de intervir na gestão de outra pessoa coletiva autônoma, autorizando, ou aprovando os seus atos, suprindo a omissão de seus deveres legais ou fiscalizando os seus serviços, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar”.
Ora, constitui objeto da tutela salvaguardar o interesse geral contra eventuais excessos dos órgãos descentralizados.
Essas pessoas jurídicas administrativas nascem pela edição de ato legislativo formal.
A lei cria autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito público.
No caso das empresas públicas, elas têm assumido a forma de uma empresa individual, personalidade do poder público, de responsabilidade limitada, tipo inexistente na legislação comum. Por sua vez, há casos como os da Eletrobrás, sociedade por ações de sócio único(Lei 3890-A, de 25 de abril de 1961).
Por certo, as autarquias são, no direito brasileiro, as únicas pessoas jurídicas públicas exclusivamente administrativas. São as autarquias, pessoas jurídicas administrativas de direito público, tal como o Estado, mas como este não se confundem, nem dele são duplicatas, uma vez criadas por ato legislativo formal com especialização de fins, como lecionou Sérgio de Andréa Ferreira(Lições de direito administrativo, pág. 47).
No Brasil, temos as autarquias constituídas de fundações públicas ou de instituições.
Há, por outro lado, as chamadas entidades paraestatais, que são pessoas administrativas sujeitas ao regime misto, parcialmente de direito privado – civil ou comercial – parcialmente de direito publico, mas sem perder a sua natureza. Tem-se aqui as empresas públicas(Caixa Economia Federal), de inicio, que é de capital somente público, onde nelas não participa o capital particular. Por sua vez, a sociedade de economia mista(como é o caso do Banco do Brasil e da Petrobras) é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei, para a exploração e atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito à voto pertencem em sua maioria à União ou a entidade da administração indireta.
Veja-se o caso do BNDES.
O BNDES foi criado pela
Lei nº 1.628, de
20 de junho de
1952, com o nome de
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), como uma autarquia federal, tendo autonomia administrativa e personalidade jurídica própria, sendo depois repassado ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, por força do
Decreto nº 60.900, de
26 de junho de
1967. Foi modificado pela
Lei nº 5.662, de
21 de junho de
1971, transformando-o em empresa pública, de personalidade jurídica de direito privado, com seu patrimônio próprio (art. 1º), permanecendo vinculado ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.
Com o
Decreto-Lei nº 1.940, de
25 de maio de
1982, o banco passou a ter a sua atual denominação, vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República (art. 5º, § 1º). Tem-se um verdadeiro banco de fomento.
Tem-se ainda as chamadas fundações de direito privado, dentro do que se tem como descentralização por cooperação.
No Brasil, assim ficou delineada a chamada administração indireta.
Há, perto de 140 empresas púbicas na esfera federal.
Um fato é, sem dúvida, identificado no Brasil: a grande participação do Estado, por essas entidades, na economia brasileira.
Ocorre que os escândalos começaram a se suceder nessas entidades em ritmo preocupante.
Houve desvios no Banco do Brasil para abastecer a chamada “lavanderia” utilizada dentro do que se chamou de “mensalão”.
Mais recentemente, estourou o petrolão, este de magníficas proporções: na contabilidade da Petrobras já estão registrados R$ 6,2 bilhões roubados para o PT, PP, PMDB, políticos específicos e bolsos de diretores da estatal, entre outros.
A Operação Lava Jato da Polícia Federal detectou um esquema de repasse de dinheiro realizado por uma agência de publicidade contratada pelo Ministério da Saúde e pela Caixa Econômica Federal para duas empresas de fachada ligadas ao ex-deputado petista André Vargas, preso nesta sexta-feira, na 11ª fase da operação, batizada ‘A Origem’.
Segundo a PF, a agência Borghi/Lowe, com filiais em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, repassava 10% dos ganhos a título de bônus de volume a empresas de Vargas e seu irmão, Leon, também preso nesta sexta em sua casa no Paraná. O publicitário Ricardo Hoffmann, diretor geral da agência, também foi preso temporariamente.
Os valores totais dos repasses como bônus ainda estão em apuração. Desde 2011, a Borghi/Lowe recebeu do governo federal 112,8 milhões de reais em pagamentos referentes a campanhas desenvolvidas para o Ministério da Saúde, de acordo com dados do Portal da Transparência. O contrato foi assinado em 2010. “A princípio esse bônus ia para os políticos”, disse o delegado Márcio Anselmo, que conduziu a investigação. “Ainda não dá para estimar os valores porque dependemos das buscas de hoje.”
A PF identificou a operação como um crime de lavagem de dinheiro. Produtoras subcontratadas pela Borghi/Lowe para gravar filmes publicitários e spots de rádio do Ministério da Saúde e da Caixa faziam pagamentos de comissões por volume, orientadas pela agência, às empresas fantasma de Vargas. Na prática, em vez de pagar o bônus à agência principal, prática comum no mercado da publicidade, as produtoras subcontratadas pela Borghi/Lowe – e que de fato prestavam serviços – pagaram para as duas empresas de Vargas e seu irmão. As produtoras serviram para intermediar pagamentos ao deputado. Por meio de suas empresas, o ex-deputado emitia notas frias, ou seja, de serviços que não foram prestados. As empresas dos irmãos Vargas não tinham sede nem funcionários, segundo a PF.
Veja-se o que disse o Procurador da República Hélio Telho com relação ao BNDES:
“Se o sistema favorece a prática da corrupção, ela vai florescer. E tenho repetido: este ainda não é o maior escândalo que vamos ver. Ainda vamos ter um escândalo maior do que esse. E digo até qual: será no BNDES. Por que sei disso? Estou fazendo investigações, ouvindo escutas telefônicas? Não. Mas é que as coisas são óbvias demais. A corrupção floresce em ambientes onde há muito dinheiro, nenhum controle, muito sigilo e impunidade total. O BNDES está alavancando com mais de R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional, fazendo empréstimos a juros subsidiados. Mas não sabemos para quem, quanto foi para cada um e nem quais são as garantias. Por quê? Porque alegam sigilo bancário e, assim, nós não podemos ter acesso. Ou seja, a CGU [Controladoria-Geral da União] não fiscaliza, o TCU [Tribunal de Contas da União] não consegue fiscalizar, o Ministério Público Federal não tem acesso. Ninguém tem acesso. É claro que esse dinheiro está sendo desviado (enfático). É claro que isso é uma cultura para a corrupção. Tudo isso é muito óbvio. Quando conseguirmos abrir a caixa preta do BNDES, a “petropina” vai parecer troco de pinga. Se na “petropina” tinha obra em torno de R$ 70 bilhões em contratos, no BNDES há R$ 500 bilhões, sete vezes mais. Só que na Petrobrás havia o TCU investigando e denunciando fraudes e superfaturamentos, há muito tempo. Mas no BNDES nós não temos nada, não sabemos nada.”
No artigo “BNDES, um escândalo gigantesco(o da petrobras é apenas gorjeta), se lê:
“A Odebrecht obteve financiamentos de 957 milhões de dólares para o Porto de Mariel (Cuba), 243 milhões de dólares para a Hidrelétrica de San Francisco e 124,8 milhões de dólares para a Hidrelétrica de Manduruacu, ambas no Equador; 320 milhões de dólares para a Hidrelétrica de Cheglla, no Peru; um bilhão de dólares para o Metrô da Cidade do Panamá e 152,8 milhões de dólares para a Autopista Madden-Colón, ambas as obras no Panamá; um bilhão e 500 milhões para Soterramento do Ferrocarril Sarmiento, ambos na Argentina; 732 milhões de dólares para as Linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas e 1 bilhão e 200 milhões para a segunda ponte sobre o rio Orinoco, na Venezuela; 200 milhões de dólares para o Aeroporto de Nacala e 220 milhões para o BRT de Maputo, ambas as obras em Moçambique. A OAS foi contemplada com 180 milhões de dólares para o Aqueduto de Chaco, na Argentina e a Andrade Gutiérrez, com 450 milhões de dólares para Barragem de Moamba Major, em Moçambique. E assim, aparecem outras empreiteiras, como a Queiroz Galvão, com obra na Nicarágua (Hidrelétrica de Tumarin), ao custo de um bilhão e cem milhões de dólares, e 199 milhões de dólares em obra na Bolívia (Projeto Hacia El Norte – Rurrenabaque-El-Chorro), sem se falar em outras obras no Peru e no Uruguai. Percebe-se que a “Lava Jato” vem apenas se antecipando na revelação dos colaboradores da quadrilha.”
Como se tudo isso não bastasse, temos agora o surgimento do “eletrolão”, após o mensalão e o petrolão. A imprensa mostrou como a estatal do setor elétrico também teria abastecido os cofres da campanha de Dilma com propinas. Segundo a delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, a negociação do contrato de construção da Usina de Angra 3 serviu para que Valter Luiz Cardeal, diretor da Eletrobras que tem livre acesso ao gabinete da presidente, cobrasse do consórcio de construtoras “doação” à campanha petista do ano passado.
Esses escândalos narrados tiveram como epicentro empresas estatais, revelando-se a tutela administrativa falha. Em face disso tem-se a atuação da Policia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça na apuração dessas irregularidades. São crimes que trouxeram sérias lesões aos cofres públicos.
Criou-se uma relação direta entre estatização e corrupção.
Com ela veio um fenômeno gravíssimo que foi a ampla possiblidade de se utilizar dos recursos dessas estatais, através do chamado “caixa-dois”, projetos políticos e eleitorais, que trouxeram graves prejuízos à sociedade brasileira.
A conduta delituosa já é prevista na legislação penal como crime. Isso foi lembrado no julgamento da ação penal 470, no que ficou conhecido como processo do “mensalão”. Usar dinheiro não declarado em campanhas políticas é crime, sem se esquecer que poderá levar a desaprovação da prestação de contas apresentada.
O “caixa-dois” é o ato de fraudar a legislação eleitoral, inserindo elementos falsos ou omitindo informações, com o fim de ocultar a origem, o destino, ou a aplicação de bens da prestação de contas de partido político ou de campanha eleitoral.
O crime, no âmbito dos delitos cometidos contra instituição financeira, é previsto na Lei 7.492/86, quando se diz que é crime “manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação”. A pena é de 1(um) a 5(cinco) anos e multa. Trata-se de crime próprio(o sujeito ativo é qualquer das pessoas mencionadas no artigo 25 da Lei de Crimes do Colarinho Branco). O elemento subjetivo é o dolo genérico.
O chamado “caixa dois” é ainda visto da leitura do artigo 1º da Lei 8.137, de 1990, para as relações tributárias. Isso quando não houver ainda caracterização de crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro.
O crime é permanente o que implica que o agente passe a manter recurso no “caixa dois”. Assim perdura o crime enquanto o agente mantiver o sistema de “caixa dois” ilícito e indevido. Há um momento consumativo inicial, um momento consumativo final e um período consumativo duradouro, que se interpõe entre aqueles dois momentos. A consumação dá-se no momento consumativo inicial que é aquele em que o agente passa a manter o recurso no “caixa dois”.
A matéria já é objeto da proposta com relação ao novo Código Penal.
Veja-se que a SF PLS 282/2013, de 9 de julho de 2013, inclui o artigo 22 – B da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para tipificar “o crime de caixa dois” eleitoral. Seu autor foi o Senador Jorge Viana.
Registre-se que o ato de criminalizar o chamado “caixa dois” vem sendo discutido no âmbito do artigo 350 do Código Eleitoral, cujas penas podem chegar até a cinco anos, se o documento for público. Ali se diz que é crime: omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa de que devia ser escrita, para fins eleitorais. É prevista ainda uma pena de pagamento de 3(três) a 15(quinze) dias-multa se o documento é particular.
Por outro lado, qual será o grau de participação do Estado dentro da configuração da administração pública dentro de um modelo capitalista?
De um parte há os que defendem um modelo estatizado Seria o caso das obras tocadas no Brasil pelas Forças Armadas, como os Batalhões de Engenharia e construção do Exército. Haveria, para alguns, uma melhor forma de fiscalização e menor custo de obras públicas no país.
Para outros, como o economista Raul Velloso(Os impactos da Lava Jato, publicado no site do Estadão), o Estado deveria desaparecer dos negócios jurídicos envolvendo contratos de obras públicas para assim reduzir os riscos com prejuízos nas contas derivados de atos ilícitos. Assim só haveria um jeito de acabar com a corrupção: tirar o setor público do investimento. Isso aconteceria por meio de concessão ou por meio de outros modelos, como as chamadas parcerias público-privadas, tendo o governo como financiador, via BNDES e outros bancos públicos.
Para o jurista Carlos Ari Sundfeld(reportagem citada) é preciso investir em governança, mas ainda definir novos parâmetros de escolha do gestor responsável por contratos.
Necessário que a sociedade comece a analisar, com profundidade devida, até quando e onde, a grande participação do Estado em setores da economia, que movimentam muito dinheiro, pode levar, pelo delito do “caixa-dois”, ao financiamento da corrupção, um câncer que deve ser combatido e debelado no Brasil.